Os impactos da pandemia de covid-19 no direito contratual brasileiro

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5. Jurisprudências

Tendo sido responsável por substancial impacto econômico, por óbvio que a pandemia também proporcionou importante impacto no direito brasileiro, especialmente na área dos contratos, conforme narrados nos capítulos supra.

Dada a peculiaridade da situação foi necessária a publicação de inúmeras medidas provisórias (posteriormente convertidas em leis) a fim de que pudessem regular os contratos, estas que dispunham sobre a manutenção, revisão ou ainda a resolução dos pactos.

Não diferente, foi, e ainda é, imprescindível a participação do Judiciário neste cenário. Isto porque através das decisões proferidas (jurisprudências) foi possível maior segurança jurídica e controle das demandas, a fim de que as partes que estivessem unidas por algum liame contratual pudessem basear-se para adequação da pactuação.

É dizer, a jurisprudência assumiu o importante papel de subsumir a realidade e as novas legislações aos contratos, sedimentando entendimentos os quais eram responsáveis por orientar as partes na execução dos contratos (ainda que de forma diferente da pactuada) e, ainda, controlar as demandas (de modo que os entendimentos firmados serviam como norte para a repactuação das partes, sendo desnecessária a judicialização do caso).

Nesse sentido, a partir do breve exposto, passa-se à análise de algumas jurisprudências firmadas pelos tribunais do Brasil.

Os contratos locatícios foram um dos vários que sofreram substanciais alterações. Com a crise econômica, o pagamento de muitos aluguéis ficou insustentável, especialmente dos imóveis comerciais, dadas as circunstâncias de isolamento e fechamento do comércio em geral.

Com os olhos postos sob esse cenário, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através da sua 22ª Vara Cível, abriu precedente ao conceder liminar a um restaurante determinando a redução em 70% (setenta por cento) do valor do aluguel. Nas palavras do ilustre magistrado, Fernando Henrique de Oliveira Biolcati, na decisão interlocutória proferida nos autos da ação revisional nº. 1026645-41.2020.8.26.0100:

Este é o caso dos autos, na medida em que a pandemia instaurada pela disseminação rápida e global de vírus até então não circulante entre os seres humanos acabou por levar as autoridades públicas a concretizar medidas altamente restritivas de desenvolvimento de atividades econômicas, a fim de garantir a diminuição drástica de circulação das pessoas e dos contatos sociais.Tal situação ocasionou a queda abrupta nos rendimentos da autora, tornando a prestação dos alugueres nos valores originalmente contratados excessivamente prejudicial a sua saúde financeira e econômica, com risco de levá-la à quebra (SÃO PAULO b, 2020, s/n)

Nesse sentido, dada a óbvia redução no faturamento do restaurante por consequência das medidas restritivas com objetivo de contenção do contágio do COVID-19, o magistrado determinou a redução do aluguel a patamar factível de modo que a continuidade da empresa pudesse existir.

Importante destacar que eventuais descontos não devem ser concedidos sem análise do caso concreto. É dizer, a existência da pandemia não é causa, per si, para permitir que as partes se eximam das obrigações outrora livremente pactuadas. Inclusive, extrai-se trecho da ementa do acórdão proferido pela desembargadora Evangelina Castilho Duarte no julgamento da apelação cível nº. 1.0000.21.070593-5/001: O cenário atual imposto pela pandemia não se presta, por si só, para eximir as partes das obrigações livremente pactuadas, exigindo-se para tal, prova de que houve efetivo desequilíbrio contratual (MINAS GERAIS, 2021, s/n).

Outra decisão diz respeito ao acórdão proferido apelação cível interposta pela Associação de Defesa dos Usuários de Planos de Saúde em sede de ação civil pública por ela também proposta, na qual pugnava para que o judiciário obrigasse à Agência Nacional de Saúde (ANS) editasse ato normativo para que: (i) vedasse o reajuste nos valores dos planos de saúde até o mês de novembro do ano de 2020 e; (ii) impossibilitar que os planos de saúde rescindissem os contratos e os serviços de assistência médica em razão de eventual falta de pagamento no período compreendido entre março à novembro do ano de 2020 (BRASIL c, 2021).

O desembargador federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, relator do recurso de apelação, autuado sob o nº. 08071219820204058300, negou provimento a insurgência sob o fundamento de que o pleito da recorrente poderia ser capaz de acarretar substancial prejuízo aos sistemas econômico e de saúde do país que já estava sendo drasticamente afetado em decorrência da pandemia. Destaca-se trecho da ementa do julgado:

3. Além disso, em virtude do complexo contexto vivenciado pelo sistema de saúde, de seu quase colapso, permitir a manutenção dos contratos de planos de saúde mesmo com o aumento significativo do número de inadimplentes, poderia comprometer toda a ótica financeira que sustenta o setor e afeta, por sua vez, até mesmo o funcionamento dos hospitais, clínicas, laboratórios, enfim, da atividade médica de um modo geral. (BRASIL c, 2021, s/n)

Com todas as atividades sendo fechadas e transferidas para o ambiente virtual através de atividades remotas, de igual maneira houvera ocorrido com as instituições de ensino em que os alunos foram transferidos para as salas de aulas virtuais. Em contrapartida muitos alunos insatisfeitos ingressaram com ações cujo objetivo era a redução das mensalidades, sob o fundamento de que as escolas teriam redução de custos e que o EAD (ensino a distância) não seria efetiva prestação de serviços educacionais.

Sob esta ótica, importante destacar que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional Lei Estadual que estabeleceu a redução das mensalidades das instituições de ensino. A decisão tomou forma através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº. 6448. (BRASIL b, 2021).

Neste julgado, o STF entendeu que a rigor do que determina o artigo 22, inciso I da Constituição Federal, a competência para legislar sobre matéria de direito civil seria exclusiva da União, não sendo competente o estado, tal qual fez o Rio de Janeiro ao publicar a Lei Estadual nº. 8.864/2020 (BRASIL b, 2021).

De mais a mais, conforme abordado no tópico respectivo, em decorrência da pandemia do COVID-19 inúmeras medidas provisórias - posteriormente convertidas em leis - foram promulgadas a fim de que os impactos na economia pudessem ser suavizados. Dentre elas destacou-se a MP nº 925/2020 a qual foi responsável por reger o cancelamento das passagens aéreas (BRASIL d, 2020).

Em breve resumo, a MP em comento determinava que as empresas aéreas poderiam fazer o reembolso do valor das passagens canceladas aos respectivos passageiros no prazo de um ano. Entretanto, o judiciário foi provocado para responder a seguinte indagação: nas compras a prazo (parcelamento) o passageiro deveria continuar realizando o pagamento para somente depois de um ano ser restituído?

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo firmou entendimento de que [...] valores ainda não pagos não precisam ser realizados para posterior reembolso. Não tem sentido receber por serviço que não será prestado, para futuramente ter de reembolsar. (SÃO PAULO a, 2020, s/n).

Por fim, forçoso concluir que a eclosão da pandemia por si só não é razão suficiente para que uma das partes envolvidas no contrato se exima de suas obrigações. É dizer, as circunstâncias dos casos em concreto deverão ser sopesadas, de modo que a mitigação da pactuação somente poderá ser realizada desde que verificado que em razão da pandemia, as obrigações assumidas por uma das partes se tornaram excessivamente onerosa.


6. Conclusão

Após o estudo realizado por meio do presente trabalho, foi possível concluir que a pandemia de COVID-19 teve implicações consideráveis no direito contratual brasileiro. No que pese o ordenamento jurídico pátrio contar com formas de se reorganizar contratos na ocorrência de eventos inesperados como a pandemia, ainda assim em muitos casos é necessária a prestação jurisdicional para tanto.

A Teoria da Imprevisão e a Teoria da Onerosidade Excessiva tem importante papel em crises como a enfrentada atualmente, possibilitando que contratantes possam rediscutir e, em último caso, encerrar contratos em virtude da desproporção enfrentada no momento da celebração do contrato frente ao momento atual.

Ainda assim, é necessária maior observação acerca dos impactos da pandemia no direito contratual brasileiro, o que só será totalmente passível de avaliação futuramente.


7. REFERÊNCIAS

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______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília (DF), jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em 23 nov. 2021.

BRASIL a. Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020. Dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19). Brasília (DF), jun. 2020. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14010.htm>. Acesso em 22 nov. 2021.

BRASIL b. Lei nº 14.046, de 24 de agosto de 2020. Dispõe sobre medidas emergenciais para atenuar os efeitos da crise decorrente da pandemia da covid-19 nos setores de turismo e de cultura. Brasília (DF), ago. 2020. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14046.htm>. Acesso em 21 nov. 2021.

BRASIL a. Lei nº 14.186, de 15 de julho de 2021. Altera a Lei nº 14.046, de 24 de agosto de 2020, para dispor sobre medidas emergenciais para atenuar os efeitos da crise decorrente da pandemia da covid-19 nos setores de turismo e de cultura. Brasília (DF), jul. 2021. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Lei/L14186.htm#art3>. Acesso em 21 nov. 2021.

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BRASIL d. Medida Provisória nº 948, de 8 de abril de 2020. Dispõe sobre o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19). Brasília (DF), abr. 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv948.htm>. Acesso em 21 nov. 2021.

BRASIL b. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 6448/RJ. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Brasília (DF), 8 de setembro de 2021. DJE 13 de out. de 2021. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15348236416&ext=.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2021.

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Abstract: the main objective of this article is to study the impacts of the COVID-19 pandemic on Brazilian contract law, passing through the new legislations issued during the pandemic period, as well as the Brazilian jurisprudence. Deductive and qualitative approach methods were applied, carrying out the research through the analysis of legislation, jurisprudence and specialized doctrine. It was concluded that, despite the impossibility of assessing the full impact of the pandemic on contract law, it is already possible to see a major intervention by COVID-19 in contracts carried out in the country.

Key words: contract law. Pandemic. COVID-19. Unforeseen Excessive onerousness.

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