Alimentos gravídicos e a responsabilidade civil

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27/11/2021 às 13:22
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DANOS MORAIS

Existem diversas definições dadas pela doutrina para o que vem a ser o dano moral, podendo ser considerado como uma lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro (GAGLIANO; 9), pois, para ele, o dano moral é toda agressão injusta àqueles bens imateriais, tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica, insuscetível de quantificação pecuniária. Todavia, ao contrário do que se possa imaginar, a principal característica distintiva entre os dois não é a natureza da lesão, o que ocasionou tal ofensa, mas sim os efeitos daquela lesão, a repercussão que esta teve sobre o ofendido e seus bens tutelados. Enquanto no dano material há uma diminuição patrimonial e, comprovados os danos, há que se ressarcir a perda, recompondo o status quo patrimonial do ofendido, no dano moral, essencialmente extrapatrimonial, imaterial, a grande questão é a determinação do quantum indenizatório, haja vista ser indeterminável pecuniariamente.

Vem a ser a lesão concreta que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração , total ou parcial , dos bens materiais que lhe pertencem sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável. Constituem danos patrimoniais a privação do uso da coisa, os estragos nela causados, a incapacitação do lesado para o trabalho, a ofensa a sua reputação quando tiver repercussão na sua vida profissional ou em seus negócios. dano patrimonial abrange não só o dano emergente, ou seja, o que o lesado efetivamente perdeu, mas também o lucro cessante que se entende como aumento que seu patrimônio teria, mas deixou de ter, em razão do evento danoso.

Nesse sentido, os danos materiais ou patrimoniais são entendidos como aqueles suscetíveis de avaliação pecuniária, que atingem o patrimônio do indivíduo, englobando os danos emergentes (aquilo que efetivamente se perdeu com o ato ilícito) e os lucros cessantes (o que razoavelmente se deixou de lucrar). (...) O dano emergente, aquele que mais se realça à primeira vista, o chamado dano positivo, traduz a diminuição do patrimônio, uma perda por parte da vítima: aquilo que efetivamente perdeu. 2) a repetição do indébito quando, não obstante a concessão da liminar de alimentos provisionais, a ação, ao final, acaba sendo julgada improcedente, ou, ainda, a despeito da procedência, o devedor posteriormente propõe uma ação de exoneração de alimentos e comprova, mediante exame de DNA ou outras provas, a ausência do vínculo de paternidade.

De acordo com a Lei 11.804/08, o suposto pai que pagou indevidamente estaria desamparado não podendo haver nesses casos a reparação do dano, uma vez que o artigo 10, que previa a responsabilidade da gestante, fora vetado. Na discussão do ressarcimento dos valores pagos e danos morais em favor do suposto pai, de regra, não cabe nenhuma das duas possibilidades. Primeiro, por haver natureza alimentar no instituto, segundo, por ter sido excluído o texto do projeto de lei que previa tais indenizações. Além da má-fé (multa por litigância ímproba), pode a autora (gestante) ser também condenada por danos materiais e/ou morais se provado que, ao invés de apenas exercitar regularmente seu direito, esta sabia que o suposto pai realmente não o era, mas se valeu do instituto para lograr um auxílio financeiro de terceiro inocente.

Dano moral é mais que caracterizado, pois somente a potencialidade de ter um filho já gera uma desestabilidade pelo fato de, ao nascer, notoriamente as obrigações e o vínculo com a prole é personalíssima, intransmissível, mudando completamente o planejamento de vida do homem. Portanto, é cabido o dano material e moral nos casos de alimentos gravídicos, em que se comprova a negatória de paternidade, pois existiu toda uma expectativa que foi absolvida pelo lesado. A doutrina apresenta posições contrárias em relação à reparação civil do dano supostamente causado, quando verificado posteriormente ao nascimento da criança que o suposto pai não o era. Outra corrente doutrinária acredita que, não tendo a autora litigado a ação com má-fé, não cabe a reparação de danos ao suposto pai, uma vez que, devido a existência do princípio da irrepetibilidade, os alimentos não são passiveis de restituição, o art. 6º da Lei 11.804/08, sendo que, somente após o parto e nascendo o nascituro com vida, poderá o pai indigitado refutar tais indícios através de exame de DNA.

Assim, após o exame, caso seja provado que o pai não é aquele que estava provendo os alimentos, poderá ele ajuizar ação de reparação por danos morais e materiais para tentar reparar, além de todo constrangimento, a expectativa de paternidade absorvida? O referido artigo informava que, em caso de negatória da paternidade, a autora responderia objetivamente pelos danos morais e materiais causados ao réu, e previa em seu parágrafo único que a indenização seria liquidada nos próprios autos. Angeluci (2009) ainda enfatiza que a simples existência desse artigo feria o direito fundamental de acesso à justiça e do direito de ação, não podendo a autora ser responsabilizada objetivamente pelo exercício de uma garantia constitucional.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O dispositivo pressupõe que o simples exercício do direito de ação pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, medida que atenta contra o livre exercício do direito de ação. A maioria das correntes doutrinárias e dos julgados recentes direcionam que, mesmo com o veto do artigo 10 da referida Lei (que tratava da responsabilidade objetiva da autora) a responsabilidade subjetiva pode ser aplicada, pois sendo constatada a culpa, a responsabilidade existe. Não ficará desamparado aquele que for demandado em uma ação de alimentos gravídicos, no caso de não ser ele o pai, estando amparado pelo direito à reparação de danos morais e materiais com embasamento na regra geral da responsabilidade civil.

Permanece a aplicabilidade da regra geral da responsabilidade subjetiva, constante do artigo 186 do Código Civil, pela qual a autora pode responder pela indenização cabível desde que verificada a sua culpa, ou seja, desde que verificado que agiu com dolo (vontade deliberada de causar o prejuízo) ou culpa em sentido estrito (negligência ou imprudência) ao promover a ação. Note-se que essa regra geral da responsabilidade civil está acima do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, daquele princípio pelo qual se a pensão for paga indevidamente não cabe exigir a sua devolução. Flavio Monteiro de Barros (2009), por sua vez, apresenta entendimento semelhante ao da autora supra, porém faz uma ressalva quanto ao cabimento da responsabilidade subjetiva da autora: 186 do Código Civil tornaria indenizável praticamente todas as hipóteses de improcedência da ação, pois evidentemente age, no mínimo com culpa, a mulher que atribui prole a quem não é o verdadeiro pai. A responsabilidade civil por imputação de falsidade em processo judicial não pode escorar-se apenas na culpa, sob pena de violação do princípio do acesso à justiça.

A meu ver, somente diante de prova inconcussa e irrefragável da má-fé e do dolo seria cabível ação de indenização pelos danos materiais e morais, não bastando assim a simples culpa. Se, não obstante a improcedência da ação, a autora tinha motivos para desconfiar que o réu fosse o pai do nascituro, à medida que manteve relações sexuais com ele no período da concepção, não há falar-se em indenização. Observa-se que, independente do veto, a autora permanece com o dever de indenizar o réu, pela invocação dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil de 2002. Tais artigos preveem a aplicabilidade da regra geral da responsabilidade subjetiva, eliminando a responsabilidade objetiva que feria o direito constitucional do livre exercício do direito de ação e impunha o dever de indenizar independente da apuração de culpa. Dentre os vários aspectos discutidos está a imprecisão doutrinária a respeito dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, o que torna difícil a caracterização daqueles necessários à sua configuração.

Na discussão do ressarcimento dos valores pagos e danos morais em favor do suposto pai, de regra, não cabe nenhuma das duas possibilidades, primeiro, por haver natureza alimentar no instituto, segundo por ter sido excluído o texto do projeto de lei que previa tais indenizações. Além da má-fé (multa por litigância ímproba), pode a autora (gestante) ser também condenada por danos materiais e/ou morais se provado que ao invés de apenas exercitar regularmente seu direito, esta sabia que o suposto pai realmente não o era, mas se valeu do instituto para lograr um auxílio financeiro de terceiro inocente. Importante salientar que essa regra geral da responsabilidade civil está acima do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, também denominado de princípio da não-devolução dos alimentos. Por outro lado pode-se dizer que, se confirmada posteriormente a negativa da paternidade através do exame de DNA, não se afasta, em determinados casos, a possibilidade de reparação quanto aos valores pagos e os danos morais em favor do suposto pai. Admite-se a restituição dos alimentos quando quem os prestou não os devia, mas somente quando se fizer a prova de que cabia a terceiro a obrigação alimenta, pois o alimentado utilizando-se dos alimentos não teve nenhum enriquecimento ilícito. A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos pensando erradamente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que realmente devia fornecê-los.

Pode-se concluir que, caso seja demandado ação de alimentos gravídicos contra o suposto pai de forma equivocada, esse não ficará desamparado pela lei, apesar da irrepetibilidade dos alimentos. 186 do Código Civil de 2002 podendo o pai indigitado cobrar do verdadeiro pai os valores pagos à genitora no período gestacional. Admite-se a restituição dos alimentos quando quem os prestou não os devia, mas somente quando se fizer a prova de que cabia a terceiro a obrigação alimenta, pois o alimentado utilizando-se dos alimentos não teve nenhum enriquecimento ilícito. A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos pensando erradamente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que realmente devia fornecê-los.

Portanto, não fica desamparado o suposto pai em uma ação de alimentos gravídicos caso seja constatado não ser o pai, sendo a ele assegurado o direito à reparação de danos morais e materiais com fundamento na regra geral da responsabilidade civil. Na análise do tema, ou seja, sobre o conteúdo dos alimentos gravídicos, especialmente no tocante à sua atual importância para a sociedade brasileira, restou demonstrado que o nascituro passou a ter o direito a alimentos após o advento da Lei 11.804/08. Alimentos esses que vão atender às suas necessidades vitais, embasados pelas normas de direito constitucional de direito à vida e da dignidade da pessoa humana, mesmo antes de nascer e de ter a paternidade reconhecida através de exame de DNA.

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O art.10 da Lei 11.804/08 tratava da responsabilidade objetiva da genitora, impondo a ela o dever de indenizar, independentemente da apuração da culpa, em caso de negativa de paternidade. O art. 186 do Código Civil de 2002, quanto ao dano moral, prevê a responsabilidade subjetiva da autora, uma vez provado que, ao invés de apenas exercer o seu direito, a mesma se valeu da lei para pleitear os alimentos, agindo de má-fé. Em relação ao dano material, ocorrendo algum equívoco em relação ao suposto pai, esse não fica em total desamparo, apesar da irrepetibilidade dos alimentos, podendo cobrar do verdadeiro pai os valores pagos à mãe durante o período gestacional. Portanto, entende-se que, caso seja realmente confirmada a conduta dolosa da gestante e, consequentemente, a violação da finalidade da Lei de alimentos gravídicos, fica evidente o dever de indenizar os prejuízos causados ao suposto pai.


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