A problemática do reconhecimento fotográfico nas investigações e processos criminais

28/11/2021 às 19:32
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Corriqueiramente, ainda que alguns sustentem que sejam casos isolados, temos presenciado a mídia nacional noticiar casos em que pessoas foram presas com base no reconhecimento fotográfico, especialmente álbuns preparados e utilizados pelas polícias ao redor do país.

Ocorre que tais acontecimentos, provenientes de manobras utilizadas para encerrar investigações abertas, geram graves consequências às vítimas desta conduta abusiva.

Nossa Constituição Federal preconiza no inciso LXI do artigo 5º, que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

Contudo, estamos vivenciando tempos sombrios onde o encarceramento (prisão), que deveria ser utilizado em último caso, vem sendo aplicado de forma constante, sem a menor cautela estatal, ou seja, o que deveria ser a exceção vem se tornando cada vez mais a regra!

No que se refere ao reconhecimento fotográfico, ainda que utilizado amplamente pelos órgãos policiais, judiciais e pelo Ministério Público, não há lei específica para regulamentar o ato, utilizando-se de maneira subsidiária o artigo 226 do código de processo penal, que prevê diretrizes para o reconhecimento pessoal (presencial).

Deste modo, tivemos o desprazer de ver casos como o do entregador de quentinhas Tiago Vianna Gomes, de 28 anos, que após ter ido ajudar a rebocar um carro enguiçado com os primos, no ano de 2016, foi acusado de receptação, o que fez com que anos depois tivesse sua fotografia utilizada no álbum de suspeitos da 57ª DP, Nilópolis.

Tal acontecimento, ocasionou sua prisão por suposta participação num roubo, tendo ficado detido por 08 meses, até seu caso parar no STJ (Superior Tribunal de Justiça), quando foi absolvido em 15 de dezembro de 2020 pelo Ministro Sebastião Reis Júnior, que observou que as provas eram insuficientes para a condenação do jovem, em especial, o famoso reconhecimento fotográfico.

Além do caso do Tiago, vemos vários outros ocorridos devido ao mesmo procedimento, o último noticiado é o do também jovem e negro, Jeferson Pereira da Silva, de 29 anos, que foi apontado como autor de um roubo em virtude de uma foto 3x4 de quando tinha 14 anos de idade, foto esta que foi utilizada pela delegacia de forma, até o momento, inexplicável.

Em virtude do reconhecimento falho, mesmo tendo ido à delegacia anteriormente e explicado o ocorrido, Jeferson foi preso devido a uma ordem judicial, no mínimo excessivamente rigorosa, no dia 08 de setembro de 2021.

O STJ afirmou a fragilidade do reconhecimento fotográfico nos autos do Habeas Corpus 488.495/SC: "1. A prova utilizada para fundamentar a condenação do Paciente reconhecimento fotográfico em sede policial é de extrema fragilidade, haja vista que, ainda que a inobservância das recomendações legais dispostas no art. 226 do Código de Processo Penal não dê causa a nulidade do ato, a inexistência de confirmação em juízo demonstra a sua insuficiência para embasar uma condenação quando não corroborada por outras provas."

Muitos dos presos preventivos (aguardando julgamento), e até mesmo definitivos (sentenciados), do nosso sistema carcerário, foram vítimas deste método predatório de produção de provas que não é devidamente utilizado pelos órgãos públicos que deveriam resguardar os direitos da nossa sociedade.

Através da utilização de outros procedimentos investigativos capazes de garantir o mínimo de certeza da participação dos reconhecidos nos crimes investigados, haveria a proteção da seriedade das investigações e dos processos judiciais, e consequentemente ocorreria a diminuição do número de injustiças que estão assombrando nossa sociedade com essa espécie de encarceramento abusivo.

Sobre o autor
Felipe Mello Cerqueira

Sou advogado criminalista no Rio de Janeiro com atuação voltada ao direito penal empresarial; membro da Associação Nacional da Advocacia Criminal (ANACRIM); Ex-relator do Conselho de Ética da OAB/RJ; cursando especialização em direito penal e processo penal pela Universidade Castelo Branco; escrevo textos e artigos sempre que posso.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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