O presente artigo visa tecer alguns comentários acerca da responsabilidade do fornecedor de serviços em casos envolvendo crimes violentos contra o consumidor nas dependências do estabelecimento comercial.
No Recurso Especial nº 1.861.013/SP, de relatoria do Ministro Villas Bôas Cueva, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça afastou a responsabilidade de uma empresa de estacionamento pelo roubo de um relógio de luxo de mensalista. O fato, que ocorreu no interior do estabelecimento (na área de garagem), foi considerado como caso fortuito externo.
Inicialmente, cabe apontar que o julgado passa ao largo dos preceitos protecionistas do consumidor, afrontando o seu cerne mais básico, que é a identificação da sua situação de vulnerabilidade.
No julgado supra mencionado, não foi reconhecida a existência de falha na prestação do serviço. Conforme preceitua o §1° do art. 14. do Código de Defesa do Consumidor, considera-se defeituoso o serviço que não oferece a segurança que o consumidor dele pode esperar. Se o consumidor não estivesse procurando por segurança, procuraria deixar seu automóvel na via pública, ao invés de optar pelo estacionamento privado.
A decisão ainda aborda a questão da ausência de cancelas no local, discorrendo que a mesma era conhecida pelo consumidor no momento da contratação. Ora, qual o poder que tem o consumidor em compelir fornecedor de serviços a implementarem melhorias em suas condições de segurança? Essa situação apenas enfatiza a condição de vulnerabilidade do consumidor, a qual deve ser objeto de proteção, não motivo para a não fruição de direitos que lhe são cabíveis.
Esta decisão não é a primeira a considerar o crime praticado com arma de fogo como decorrente de caso fortuito externo, conforme se verifica no REsp nº 1.232.795/SP.
A questão do caso fortuito externo encontra-se intimamente relacionada à inevitabilidade do fato. Não se pode concluir pela inevitabilidade do fato de um indivíduo armado adentrar a um estacionamento com características evidentes de falhas em sua segurança. O criminoso teve seu acesso facilitado pela ausência de mecanismos de segurança do estacionamento em questão, haja vista não possuir cancela, tampouco sistema de monitoramento ativo por câmeras. Não há evento fortuito, pois o agente não foi colocado de modo randômico no local do crime; ele adentrou àquele local, pois identificou oportunidades de ali efetuar o delito. Isso evidencia, mais uma vez, a falha na prestação do serviço supracitada (art. 14, §1°, CDC), afastando qualquer ocorrência de caso fortuito externo.
Interessante julgado discorreu sobre a morte de menor em micareta, em que foi afastada a excludente de culpa, sendo reconhecida a falha no serviço prestado, pautada no art. 14, §1°, CDC, visto que não houve o impedimento do ingresso de pessoa portando arma de fogo no interior no bloco carnavalesco (STJ, REsp 878.265/PB, Terceira Turma, Rel. Min Fátima Nancy Andrighi).
Diante do exposto, defende-se que, com vistas ao oceano de dispositivos legais e constitucionais empenhados em promover a igualdade material, prevaleçam entendimentos jurisprudenciais no sentido de garantir o reconhecimento da vulnerabilidade intrínseca à relação consumerista.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 29 nov. 2021.
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm>. Acesso em: 29 nov. 2021.
STJ, REsp nº 878.265/PB, Terceira Turma, Rel. Min Fátima Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/10/2008, DJe 10/12/2008.
STJ, REsp nº 1.232.795/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/4/2013, DJe 10/4/2013.
STJ REsp nº 1.861.013/S, Rel. Ministro Villas Bôas Cueva DJe 09/08/202, julgado em 3/08/2021.