Um estudo da Teoria da Justiça em Aristóteles a partir da Ética a Nicômaco

30/11/2021 às 09:47
Leia nesta página:

Resumo

O presente artigo procura desenvolver um estudo sobre a Justiça na visão do filósofo grego Aristóteles especialmente na ideia de Justiça político social tratada no Livro V da obra Ética a Nicômaco. O desenvolvimento foi esquematizado a partir da Justiça Universal e da Justiça Particular, sendo que esta divide-se em Justiça Distributiva e Justiça Corretiva que por sua vez se subdivide em Justiça Voluntária e Justiça Involuntária. Seguindo o estudo em foco, passarei a estudar a Justiça Política que se divide em Justiça Natural e Justiça Legal encerrando a análise e o estudo com a Justiça Doméstica. A investigação usou a técnica da pesquisa bibliográfica utilizando fontes primárias e secundárias que tratassem do tema justiça em Aristóteles, e o método indutivo de pesquisa e identificar as partes de um fenômeno e coleciona-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral[2].

Palavras Chave: Aristóteles. Justiça. Distributiva. Comutativa. Corretiva.

Abstract

This article seeks to develop a study os justice in the view of the Greek philosopher Aristotle, especially in the idea of social political justice, treated in Book V of the book Ethics to Nicomaches. Schematically based os Universal justice and Private Justice, which is divided into Distributive Justice and Corrective Justice, which in tum is subdivided into Commutative Justice and Judicial Justice. Following the study in focus, I will studu Political Justice, which is divided into Natural Justice and Legal Justice, ending this part of the study with Domistic Justice. The investigation used the technique of bibliographic research using primary and secondary sources that dealt with the theme of justice in Aristotle, and the inductive method of researching and identifying the parts of a phenomenon and collecting them in order to have a general perception or conclusion.

Keywords: Aristotle. Justice. Distributive. Commutative. Corretive.

Introdução

Para os gregos, a justiça era aplicada somente aos nobres e seguia a tradição e os costumes. Não havia leis ou regras escritas e dessa forma somente os nobres eram detentores do direito e do poder de dizer o que que era justo ou injusto.

A partir do sec. VII a.C. a ideia de justiça passou a se modificar. Os cidadão que não eram nobres começaram a acumular riqueza e passaram a exigir mais reconhecimento e direitos. Os desmandos e descasos dos nobres já não era aplicados sem resistência por parte desses cidadãos e a oposição aos nobres ganha força. Os cidadãos não nobres passaram a exigir leis escritas e aplicadas para todos. Afirmavam eles que com a lei sendo aplicada para todos a sociedade se tornava mais igual e como consequência dessa igualdade a sociedade se tornava mais unida.

Dizia Aristóteles que a igualdade estabelecida por leis válidas e aplicadas igualmente para todos, assemelha os cidadãos uns aos outros unindo a cidade.

As relações de hierarquia e submissão são substituídas por relações de igualdade e semelhança e as diferenças da sociedade grega se dissolvem através da igualdade legal. Nesse contexto Aristóteles afirmava que a justiça era uma virtude, da mesma forma que a coragem, a benevolência e outras. No entanto a justiça para Aristóteles era a virtude das virtudes[3], ou seja, a justiça se colocava acima das demais virtudes. Para o filósofo a justiça era a virtude que deve reger a relação entre os homens no interior da cidade, entre os homens e a cidade, sendo ela que organiza a comunidade política nessas relações. Caracteriza-se assim a justiça como valor ético e político.

A justiça é uma característica que torna as pessoas propensas a fazerem o que é justo, agindo justamente e desejando o que é justo ao outro. Para Aristóteles ser justo é respeitar as leis e a ideia de igualdade ao passo que ser injusto é desrespeitar as leis e a igualdade tomando para si mais do que é devido. De antemão podemos perceber que o justo e o injusto estão na esfera da legalidade e da moral embora, nos tempos gregos, a separação entre direito e ética ainda não existisse.

Portanto, pela observância da lei é que se conquista o equilíbrio entre o excesso e a falta, e portanto, a justiça. Aristóteles esquematizou uma divisão da justiça em três categorias: Justiça Distributiva, Justiça Comutativa e Justiça Corretiva. Cada uma dessas categorias apresenta outras subdivisões que serão analisadas neste artigo.

Dados biográficos de Aristóteles.

Aristóteles foi um filósofo grego do período clássico nascido na cidade de Estagira localizada no litoral noroeste da península de Calcídia no ano de 384 a.C. Aos 17 anos se transferiu para Atenas a fim de estudar na academia de Platão onde estudou até o ano de 347 a.C. Aristóteles foi educador de Alexandre, filho do Rei Filipe II até o início do seu reinado em 335 a.C., quando então retornou para Atenas onde fundou sua Escola de Liceu eu era um ginásio localizado ao nordeste de Atenas, junto ao Templo de Lício, deus da luz[4].

Ainda na atualidade muitos consideram Aristóteles como sendo o mais importante filósofo da Grécia juntamente com Platão do qual foi discípulo.

No entanto a vida intelectual de Aristóteles foi lhe afastando das ideias de Platão no sentido de que este considerava como válido apenas o conhecimento intelectual da verdade obtido somente através de um conhecimento puramente intelectual. Aristóteles por sua vez, passou a considerar que o conhecimento da verdade também era válido através do conhecimento empírico, conhecendo a realidade sem deixar de lado a razão.

Aristóteles ficou muito conhecido por ter iniciado o chamado período sistemático da Filosofia Antiga.

Aristóteles exilou-se voluntariamente em 322 a.C. transferindo-se para Cálcis, na Eubeia, terra de sua mãe. No Liceu o sucederam Teofrasto, Estráton, Lícon de Troas, Dicearco, Aristóxeno e Ariston de Cós. Aristóteles morreu no mesmo ano de 322 a.C. provavelmente vitimado por uma grave doença gástrica da qual sofria a muito tempo.

Justiça para Aristóteles

Aristóteles como grande filósofo que foi escreveu uma vasta Obra. No entanto algumas obras do Estagirita não chegaram até nós ou até a era Cristã ou Idade Média. Os escritos Aristotélicos eram feitos em papiros. Isso gerava um grande volume das obras que dificultava a proteção e armazenamento. Muitas obras se perderam por completo e outras apenas parte foram preservadas e outras poucas mantiveram-se intactas e servem para estudos em todo o mundo.

As obras aristotélicas apresentam duas características marcantes e que diferenciavam-se de acordo com o público que elas eram direcionadas. Os escritos chamados exotéricos eram transcrições dos discursos do filosofo proferido ao público em geral, ao grande público, sem muita profundidade técnica e teórica, sendo de fácil compreensão. Normalmente tratavam de retórica e dialética. A outra característica dos escritos do filósofo eram chamados de acroamáticos e eram escritos mais aprofundado, minucioso e complexo e versavam sobre vários temas como metafísica, física, ética, política entre outros. Esses escritos eram de circulação mais restrita e eram dedicados a quem quisesse aprofundar-se no assunto, como filósofos e amigos mais íntimos do Estagirita[5].

Somente por volta do ano 50 a.C. que os escritos acroamáticos foram encontrados e então tiveram grande atenção no mundo filosófico fazendo com que Aristóteles fosse visto não apenas como um discípulo de Platão mas como um grande filósofo independente e com ideias próprias. Até hoje as obras de Aristóteles tidas como acroamáticas são as mais estudas, inclusive no que tange ao presente artigo.

Para Aristóteles a justiça é uma virtude prática ou moral, sendo que as virtudes éticas são hábitos que se adquirem com a experiência, diferentemente do que pensava Platão que apresentava um conceito de justiça a partir de ideias universais e estáticas, centrada na busca de uma natureza essencial e na construção de princípios universais.

Para Aristóteles justo é o homem que cumpre e respeita as leis e injusto é o homem sem lei e improbo. Essa vinculação entre justiça e o cumprimento da lei será representada de acordo com a equidade, que nada mais é do que a busca pelo meio termo, pelo equilíbrio entre o ato praticado e o dano causado.

Para utilizar um autor contemporâneo, temos que a ideia de justiça para Luhmann, por exemplo, não difere daquela de Aristóteles no sentido de que a justiça não faz parte do Direito e sim da Moral[6]. O direito tem que aplicar a lei dizendo se o ato é lícito ou ilícito. Ou seja, a função do direito não é fazer justiça mas estabilizar as expectativas de comportamento no interior da sociedade. Esta é a expectativa que eu como cidadão integrante deste meio social tenho que o outro vai obedecer as normas e não vai me fazer nenhum mal.

Assim como em Luhmann, o conceito de justiça em Aristóteles tem uma dimensão política. Significa que a justiça se aplica diretamente na convivência em sociedade, a vida na polis. Trata-se portanto de uma ética construída na vida coletiva e para melhor organização do Estado e não propriamente para a realização da felicidade individual[7].

Feita esta breve introdução a respeito da justiça em Aristóteles, passarei a apresentar as categorias filosóficas dentro da ideia de político-social que é possível extrair da obra Ética a Nicômaco.

Justiça geral (universal).

O tema justiça em Aristóteles tem vários sentidos e visões, uma dentre estas é a justiça geral, também chamada de universal, integral ou justo total.

A justiça geral é aquela que tem um caráter de generalidade e que seu fim destina-se ao bem comum de todos os cidadãos e da sociedade. Ela corresponde a uma virtude da pessoa e tem como objetivo o bem comum.

Nesta forma de justiça o papel do legislador é muito importante pois é ele que está fazendo o corpo normativo da polis devendo agir em total prudência já que desta atividade sairá as regras de convivência social. Aristóteles afirma que diante do fato de todos viverem sob o mesmo modo de vida política e estarem regidos pela mesma lei, cada vez que agimos de forma virtuosa estamos fazendo o bem para toda a sociedade. O mesmo ocorre se agirmos de forma inversa, ou seja, se praticarmos atos injustos ou viciados, estamos ferindo toda a sociedade e seus integrantes pois a lei diz respeito a todos e não somente a alguns indivíduos.

Os Gregos, devemos destacar, consideravam e compreendiam a justiça geral ou justo total, não somente as leis positivadas ou criadas pelo legislador, mas também e principalmente as leis não escritas, universais e não derrogáveis do Direito Natural.

Para Aristóteles a justiça é uma virtude, além disso, é a virtude das virtudes:

A justiça, então, com esse feitio, é virtude perfeita, ainda que com relação aos outros (e não no absoluto). Eis porque a justiça é considerada frequentemente a melhor das virtudes, não sendo nem a estrela vespertina nem a matutina tão admiráveis, de modo que dispomos do provérbio...Na justiça está toda a virtude somada[8].

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Partindo desse pressuposto aristotélico de que o justo é observar e cumprir a lei, vinculando as ações individuais às regras conclui-se então que justiça está vinculada a legalidade do ato ou, ainda, que justiça e legalidade são sinônimos para o autor.

Justiça particular.

Se na justiça geral o foco principal era a lei, na justiça particular esse foco se volta para a igualdade. O objetivo da justiça particular é realizar a igualdade entre o sujeito que age e aquele que sofre a ação.

Inobstante estarmos tratando na esfera particular, a violação da lei por um indivíduo também viola a sociedade toda conforme visto na justiça geral. Mas referindo ao outro de forma singular ou particular ela é apenas parte da virtude e não a virtude total como ocorre na justiça geral.

A justiça particular além de ser o hábito de realizar a igualdade e observar a lei, ela destina-se a distribuição de honras e bens conforme afirma Aristóteles:

É de se concluir que evidentemente existe outro tipo de injustiça, esta parcial, além da total. A designação é a mesma porque sua definição se enquadra no mesmo gênero. Com efeito, ambos os tipos de injustiça são expostos na relação que um indivíduo tem com os outros. Entretanto, enquanto a parcial diz respeito à honra, ao dinheiro ou à segurança, não importa qual o nome que pudéssemos utilizar para englobar todas essas coisas, seu motivo sendo prazer extraído do ganho, o outro tipo diz respeito a tudo aquilo que toca ao indivíduo bom[9].

A justiça particular por sua vez apresenta duas divisões que são a justiça distributiva e a justiça corretiva conforme veremos a seguir.

Justiça distributiva.

Na justiça distributiva é analisada a relação existente entre o indivíduo e a sociedade, entre particulares e a comunidade e destina-se na distribuição de coisas, honrarias e fortunas. Esta distribuição ocorre levando em consideração a observação da igualdade distributiva de acordo com os méritos de cada um.

A distribuição das honrarias, dinheiros, cargos e outros bens dentro da Polis leva em conta as aptidões de cada um e os princípios da igualdade e proporcionalidade com o fim de manter a ideia de equidade.

Partindo desta análise podemos trazer para os dias atuais a justiça distributiva vista nos princípios gerais da igualdade das relações jurídicas e também na Constituição Federal de 1988 quando diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza[10].

A distribuição das coisas, dinheiro, honrarias e cargos segundo Aristóteles, deve se dar de acordo com o mérito:

Isso ressalta como evidente à luz do princípio da atribuição a partir do mérito. Todos, de fato, estão concordes de que a justiça distributiva tem que se a partir de certo mérito, embora nem todos entendam o mesmo tipo de mérito; para os adeptos da democracia, trata-se da liberdade, para os adeptos da oligarquia, trata-se da riqueza ou do bom nascimento, enquanto para aqueles da aristocracia, trata-se da virtude[11].

Como podemos observar, nesta distribuição o principal critério é a qualidade pessoal do destinatário do bem ou do encargo, apreciável segundo o regime adotado pela comunidade.

Justiça corretiva.

Esta forma de justiça trata da relação entre os indivíduos e tem o juiz como o intermediário da justiça. Essa justiça nasce de acordo com as leis produzidas na própria sociedade. Ela trabalha na esfera do direito privado, diferentemente da justiça distributiva que atua dentro do direito público.

A outra forma que resta é a corretiva, que ocorre nas transações (entre particulares) tanto voluntárias quanto involuntárias. Trata-se de uma forma de justiça que difere da anterior, pois a justiça na distribuição dos bens comuns sempre se conforma à proporção que descrevemos (com efeito, quando a distribuição é feita dos recursos comuns será conforme a mesma proporção empregada nas transações de uns e outros entre si); e a injustiça que se opõe a essa justiça é uma transgressão dessa proporção[12].

O Juiz, nesta espécie de justiça tem um papel fundamental que é por natureza representar uma espécie de justiça animada que visa acima de tudo restabelecer a igualdade que fora afetada por ato ilegal de alguém contra outra pessoa. A justiça corretiva busca estabelecer o meio-termo entre a perda e o ganho, para que ninguém ganhe mais e nem menos do que mereça.

Segundo Aristóteles, na justiça corretiva a principal função do juiz é restabelecer a igualdade:

O juiz restaura a igualdade, como se, de uma linha dividida em duas partes desiguais, ele subtraísse do segmento maior a porção pela qual é excedida uma metade da linha inteira e a somasse ao segmento menor. Tendo sido o todo dividido em duas metades, as pessoas costumam dizer que assim têm o que lhes cabe, ou seja, quando obtiverem o que é igual[13].

Percebe-se ainda, que a igualdade buscada pelo juiz é aquela absoluta que expressa na equivalência entre o dano e a reparação do dano.

Importante frisar que na justiça distributiva a função de construir a justiça fica a cargo do legislador, ao passo que na justiça corretiva esta função é atribuída ao juiz que buscará, através do meio termo, restabelecer as partes à situação que se encontravam antes de serem lesadas. Deve ser considerado que a Lei, criada pelo homem em sociedade é o caráter normativo que define o que é justo e o que é injusto. A lei portanto é o justo e a não observância dela é o injusto. Disso decorre fatalmente que no entendimento aristotélico a concepção de justiça decorre da vontade racional do homem.

Portanto, a ação justa ou injusta somente poderá ser assim definida quando o ato já tiver sido praticado pelo agente, enquanto o que é justo ou injusto podemos perceber apenas com a observância dos dispositivos legais, que é a regra a ser observada.

De forma resumida podemos dizer que a voluntariedade ou a involuntariedade do agente é o que vai definir se o ato é ou não um ato de justiça ou injustiça.

Estas transações voluntárias e involuntárias são tratadas por Aristóteles como uma divisão da justiça distributiva. As transações voluntárias são aquelas que dizem respeito as relações contratuais como por exemplo as compras e vendas, os empréstimos, o penhor, o depósito, a locação. Estas transações são livres entre as partes e apresenta como mote principal a perda e o ganho havido da operação.

As palavras perda e ganho originam-se da permuta voluntária. Nesse contexto, ter mais do que lhe cabe é chamado de ganho e ter menos do que aquilo que se tinha originalmente, de perda, como ocorre no comprar e vender e em todas as demais transações em que a lei libera os indivíduos para agirem segundo o seu próprio critério[14].

Portanto, as transações voluntárias se dão entre os particulares de forma livre e voluntária e deve buscar sempre a igualdade entre os objetos trocados, sendo que quanto mais iguais mais justa é a transação.

Já as transações involuntárias são aquelas advindas de um ato criminoso ou delituoso. Aristóteles trata estas como advindas da clandestinidade, como furto, adultério, envenenamento, sequestro, roubo, dentre outros que são praticados sem o consentimento e a presença da parte adversa.

A transação involuntária é aquela em que uma das partes foi involuntariamente lesada porque a lesão não provém de transações previamente ordenadas e definidas. Aqui também se busca estabelecer a justiça intermediária entre uma espécie de ganho e uma espécie de perda.

No caso das transações involuntárias deve haver um julgamento por parte do juiz que deve reparar o dano ou a disparidade por meio de uma pena a ser imposta.

Estes tipos de justiça conjuntamente buscam responder qual o fim último do direito. Norbeto Bobbio, ao indicar três grupos de justiça para responder o fim último do direito assim dizia[15]:

a justiça é igualdade. Segundo esta concepção, que é a mais antiga e tradicional (deriva de Aristóteles na sua formulação mais clara), o fim do direito, ou seja, das regras coercitivas que disciplinam a conduta dos homens na sociedade, é de garantir a igualdade, seja nas relações entre os indivíduos (o que geralmente é chamado de justiça comutativa), seja nas relações entre o Estado e os indivíduos (o que é chamado tradicionalmente justiça distributiva). O direito é aqui o remédio primeiro e fundamental para as disparidade entre os homens, que podem derivar tanto das desigualdades naturais como das desigualdades sociais.

Justiça política.

Primeiramente cabe apresentar algumas considerações de Aristóteles do que ele compreende ser direito natural para que enfim possamos entender a justiça política.

Na Obra Política de Aristóteles é bem famosa a frase o homem é um animal político significando que a essência do homem é viver em sociedade. Vivendo em sociedade é a forma única que o homem consegue atingir seu bem maior que é a felicidade. Sendo esta sociabilidade natural então também é natural o direito e a justiça. Dessa forma conclui-se que o direito natural para Aristóteles tem uma origem natural e não convencional. Dessa forma, as leis justas objetivam a atingir o bem comum. Onde o bem individual está acima do bem comum, as leis são injustas.

Conforme já visto neste estudo, para Aristóteles a moral faz parte da política visto que dentro da comunidade política se encontra a virtude moral da justiça. Assim sendo, é função da política tornar os cidadãos virtuosos e justos e do legislador criar as leis a fim de viabilizar a realização da natureza ética. A finalidade então da política é moral e a concepção aristotélica do direito natural não é o mesmo do mero convencionalismo entendendo que se as leis viessem unicamente deste os homens não seriam virtuosos e justos[16].

Para Aristóteles não há oposição entre a natureza e a lei, mas uma complementa a outra pois o justo natural somente ocorre se houver o justo legal concretizado.

Russel Kirk, afirma que o conservador Edmund Burke é um dos defensores da concepção conservadora do direito natural e afirma que foi Aristóteles o fundador desta concepção[17].

Posta estas questões de fundo, passamos a apresentar o significado do direito natural no interior da política onde é feita uma distinção da justiça política sendo em parte natural e em parte legal.

A justiça política é em parte natural e em parte convencional: natural a que vigora do mesmo modo em todos os lugares e não depende da aceitação ou não aceitação; convencional aquela que originalmente é possível ser estabelecida deste ou daquele modo indiferente, mas que, uma vez estabelecida deixa de ser indiferente. Por exemplo, ser o resgate de um prisioneiro no valor de uma mina, constituir o sacrifício de uma cabra e não de duas ovelhas, e quaisquer leis promulgadas para aplicação a casos particulares, como o sacrifício em honra de Brasidas e as ordenações sob forma de decretos[18].

Prossegue Aristóteles afirmando com outra passagem muito conhecida da obra em apreço, que a lei da natureza, a justiça natural, é imutável e tem vigência imutável em todos os lugares, até mesmo entre os deuses.

Algumas pessoas pensam que toda a justiça é desse tipo, porque enquanto uma lei da natureza é imutável e tem vigência igualmente em todos os lugares, como o fogo que queima tanto aqui quanto na Pérsia, observa-se que as coisas tidas como justas variam. Mas isso não é verdadeiro em termos absolutos, mas apenas em certas situações. Com efeito, no que toca aos deuses, talvez não seja verdadeiro de modo algum. No tocante a nós, embora haja essa justiça natural, tudo está sujeito à mudança[19].

Aristóteles utiliza-se de um exemplo para demonstrar que o que é próprio da natureza pode ser modificado, como aquele que nasce destro e com muito treinamento pode se tornar ambidestro. Ora, embora existam regras naturais que são passíveis de mudança isso não implica a anulação da existência dos direitos naturais.

Resta claro portanto, que o justo político atua na aplicação da justiça na polis, tratando especificamente das questões referente ao corpo cívico. Busca sempre a organização da sociedade, do modo de vivência dos indivíduos dividindo as atividades de cada um de acordo com seus méritos e a capacidade de cada um, sempre objetivando o bem maior (eudaimonía) que é a felicidade plena.

Aristóteles defende que o governo seja embasado na lei e nunca fique a cargo de um único homem pois se assim for este passaria a governar para seus próprios interesses e se tornaria um tirano.

Este tipo de política portanto é encontrada somente entre pessoas que vivem num ambiente comum e que buscam a auto suficiência e que sejam livres e iguais. Entendendo assim, surge um problema que para os dias atuais é imperdoável. Aristóteles deixava de lado, sem o acesso à justiça política, as mulheres, os escravos e os menores por exemplo. Faltava-lhes no mínimo dois critérios para fazerem parte integralmente da justiça política e por consequência da polis, qual seja, a liberdade e a capacidade. O Estagirita afirmava então, que este grupo de pessoas somente tinham uma espécie de justiça em sentido especial ou seus casos somente eram julgados ou analisados por analogia e nunca por justiça política direta.

Justiça doméstica.

Esta forma de justiça é aquela que regula a relações familiares. O chefe da família atua no âmbito familiar aplicando as leis que lhe aprouver em relação ao papel destinado aos filhos, servos e esposa em relação a ele.

Na época de Aristóteles, os servos e os filhos por serem incapazes e menores, eram considerados como sendo partes do seu senhor e por esta razão não haveria a possibilidade voluntária de cometer a injustiça contra a si mesmo já que ninguém buscaria ferir-se a si próprio.

Seguindo este pensamento, pode se concluir que os servos e os filhos estavam protegidos duplamente, primeiro pelo senhor e depois pela própria justiça doméstica.

Aristóteles na sua mencionada obra ética a Nicômaco assim se manifesta quanto a justiça doméstica:

Entretanto, em um sentido metafórico e por analogia há uma justiça não de alguém relativamente a si mesmo, mas entre certas partes próprias de alguém, não justiça em todos os sentidos, mas justiça no sentido daquela entre o que diz respeito ao senhor ou à comunidade doméstica. Com efeito, nos discursos sobre isso, dissocia-se a parte da alma que possui razão relativamente à parte irracional, o que leva as pessoas, inclusive, a supor que exista a injustiça contra si mesmo, uma vez que essas (partes) podem sofrer contrariedade nos seus próprios desejos. Considera-se, assim, que existe uma justiça mútua quanto a elas, tal como aquela entre quem manda e quem obedece[20].

Esse tipo de justiça para Aristóteles, está fora do âmbito do direito, ou seja, não corresponde ao direito pelo menos no que concerne à justiça política. Assim, conclui-se que a família não era considerado uma sociedade, mas sim uma comunidade, sendo que dentro dela não há direito e nem justiça no sentido estrito da palavra.

Conclusão

Todo processo de aprendizado deve buscar nas suas fontes históricas os conceitos primeiros. Esses conceitos foram se aprimorando no decorrer dos séculos e até milênios como no caso da obra Aristotélica.

O conhecimento jurídico, tendo a justiça como base de formação, deveria dar mais espaço para o estudo e a compreensão do pensamento produzido a mais de dois milênios e que ainda pode ser trazido para um debate atualizado do comportamento humano entre indivíduos ou entre o Estado. Aristóteles já tinha, naquela época, uma ideia de justiça que podemos dizer ser a semente que mais tarde separaria o direito privado do direito público.

Restou claro que as carreiras jurídicas devem pautar-se numa postura conceitual mais humanista quando deparada diante da vida e dos fatos. O conhecimento de conceitos centrais para o direito é fundamental para a formação profissional de todos os profissionais do direito em especial diante da crise social em que estamos vivendo. Esse momento de dualismos, controvérsias desmedidas, discriminação religiosa, econômica e social, a desestruturação familiar, o desrespeito aos direitos fundamentais do ser humano, o desrespeito ao meio ambiente e o incentivo desmedido do consumismo, relacionamentos superficiais, são elementos que impedem a formação de uma sociedade baseada em valores como lealdade e solidariedade a qualquer indivíduo.

Podemos observar neste estudo que a contribuição de Aristóteles para a formação da justiça é de extrema importância porque ele aborda as várias formas possíveis de se aplicar a justiça naquela sociedade em que ele estava inserido. Os fundamentos dados por Aristóteles foram tão importantes e significativos que podem ser aplicados na sociedade atual sem muitas alterações, considerando o lapso temporal de quando foram escritos até a sociedade contemporânea. Toda essa complexidade em relação ao fenômeno da justiça é ainda observada pelos pesquisadores de nossa época como grande embasamento conceitual para práticas futuras.

O conhecimento teórico e os fundamentos da justiça não bastam. Precisamos colocar em prática o que aprendemos para então realizarmos essa virtude para que enfim o homem possa se tornar justo praticando reiteradamente os atos voluntários de justiça.

Bibliografia:

ALVES, Rogério. O conceito de justo em Aristóteles. Revista do ministério Público do Rio de Janeiro, nº 55, jan/mar. 2015. Pág. 193 e 194. https://www.mprj.mp.br/documents/20184/1238340/Rogerio_Pacheco_Alves.pdf. Acesso em: 08/09/2021.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. 4ª edição. São Paulo: Edipro.

BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emmanuel Kant. São Paulo: UnB, 1995.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado Federal, 1988.

KIRK, Russell. Edmund Burke. Redescobrindo um gênio. 1ª ed. São Paulo. Editora: É Realizações. 2016.

LUHMANN, Nicolas. Teoria dos sistemas na prática. Diferenciação funcional e modernidade. Vol. II. Editora Vozes. 2019. Rio de Janeiro.

PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica e ferramentas úteis para o pesquisador de Direito. 5ª ed. Florianópolis-SC.

SCHNEIDER, Tania. A justiça política em Aristóteles. Disponível em: https://philarchive.org/archive/DAFAJP, acesso em 11/09/2021.

VIANA, Ulisses Schwarz. Horizontes da justiça: complexidade e contingência no sistema jurídico. 2013. Tese (Doutorado em Filosofia e Teoria Geral do Direito) Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Doi: 10.11606/T.2.2013.tde-11062014-110504. Acesso em: 06/09/2021.


  1. .......
  2. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica e ferramentas úteis para o pesquisador de Direito. 5ª ed. Florianópolis-SC.
  3. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. 4ª edição. São Paulo: Edipro.
  4. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. 4ª edição. São Paulo: Edipro. Pag. 13 a 15.
  5. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. 4ª edição. São Paulo: Edipro. Pag. 22 e 23.
  6. LUHMANN, Nicolas. Teoria dos sistemas na prática. Diferenciação funcional e modernidade. Vol. II. Editora Vozes. 2019. Rio de Janeiro.
  7. ALVES, Rogério. O conceito de justo em Aristóteles. Revista do ministério Público do Rio de Janeiro, nº 55, jan/mar. 2015. Pág. 193 e 194. https://www.mprj.mp.br/documents/20184/1238340/Rogerio_Pacheco_Alves.pdf. Acesso em: 08/09/2021.
  8. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. 4ª edição. São Paulo: Edipro. Pag. 182.
  9. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. 4ª edição. São Paulo: Edipro. Pag.184.
  10. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado Federal, 1988.
  11. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. 4ª edição. São Paulo: Edipro. Pag. 187.
  12. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. 4ª edição. São Paulo: Edipro. Pag.189.
  13. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. 4ª edição. São Paulo: Edipro. Pag.191.
  14. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. 4ª edição. São Paulo: Edipro. Pag. 192.
  15. BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emmanuel Kant. São Paulo: UnB, 1995. Pag. 117.
  16. SCHNEIDER, Tania. A justiça política em Aristóteles. Disponível em: https://philarchive.org/archive/DAFAJP, acesso em 11/09/2021.
  17. KIRK, Russell. Edmund Burke. Redescobrindo um gênio. 1ª ed. São Paulo. Editora: É Realizações. 2016.
  18. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. 4ª edição. São Paulo: Edipro. Pag. 200, 201.
  19. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. 4ª edição. São Paulo: Edipro. Pag. 201.
  20. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução Edson Bini. 4ª edição. São Paulo: Edipro. Pag. 215.
Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos