Da relação de trabalho e o acesso à justiça e a proteção do trabalhador

01/12/2021 às 00:04
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INTRODUÇÃO

Com a reforma trabalhista instituída pela lei 13.467/2017, tivemos o surgimento de um cenário de forte crise econômica no Brasil e com acentuado número de desempregos, no qual se buscava restabelecer a economia no país.

Como houve a necessidade de atualizar o ordenamento jurídico às novas relações de trabalho e o combate da litigiosidade excessiva na Justiça do Trabalho, com a reforma trouxe grandes preocupações acerca da flexibilização das garantias constitucionais do trabalhador, principalmente no tocante ao direito de acesso à justiça.

O acesso à Justiça tem previsão no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, mas também no artigo 8º da 1ª Convenção Internacional sobre Direitos Humanos de São José da Costa Rica, da qual o Brasil é signatário, o que garante ao acesso à Justiça a prerrogativa de Direitos Humanos.

Sendo assim, a reforma trabalhista trouxe alterações nas regras de custas processuais, benefício da justiça gratuita, honorários de sucumbência e periciais que refletem diretamente no direito de acesso à justiça de maneira fática.

2. CONCEITO DE RELAÇÃO DE TRABALHO

O Direito do Trabalho é o ramo do direito no qual é disciplinado as relações de trabalho, tanto individuais quanto coletivas. Com o decorrer do tempo vai havendo a evolução dos benefícios aos trabalhadores conforme a evolução do entendimento, sem que haja o comprometimento do nível econômico, que depende, igualmente do estímulo ao investimento. No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988 foram assentados como um dos fundamentos do Estado os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, deixando evidentemente claro que o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho têm como finalidade a harmonização a priori e a posteriori as relações entre o capital e o trabalho. (FILHO, 2018, p.40)

Para o doutrinador Amauri Mascaro Nascimento a relação de trabalho compreende o universo de relações jurídicas ou contratos de atividade nos quais o objeto preponderante do vínculo jurídico é a atividade mesmo da pessoa que presta serviços para outra, para uma empresa ou para pessoa física, portanto, gênero, como, também, o que não nos parece acontecer, relação de trabalho como sinônimo de relação de emprego. (NASCIMENTO, p.25), para José Affonso Dallegrave considerando que o conceito de relação de trabalho é aquele que pressupõe qualquer liame jurídico entre dois sujeitos, desde que tendo por objeto a prestação de um serviço, autônomo ou subordinado, não há dúvidas de que não só os contratos celetistas estão nele abrangidos, mas boa parte dos contratos civis e comerciais. (BEBBER, p.254)

Com isso, podemos conceituar relação de trabalho como sendo uma relação jurídica no qual têm-se o prestador de serviços sendo pessoa natural, tendo como objeto a atividade pessoal, subordinada ou não, eventual ou não, e que é remunerada (ou não) por uma outra pessoa natural ou pessoa jurídica. Portanto, a relação de trabalho é o gênero, sendo a relação de emprego uma de suas espécies. (NASCIMENTO, p. 26)

No que se refere aos elementos da relação do trabalho, a doutrina aponta como sendo um trabalho remunerado (oneroso), que tem pessoalidade, a atividade do prestador como objeto do contrato; há subordinação e a eventualidade não mais atuam como critérios básicos para se delimitar a competência material trabalhista. (COUTINHO, p.110)

Quanto a onerosidade é um fator importante, entretanto não é essencial na caracterização do que vem ser a relação de trabalho. Há situações em que se tem o trabalho, sem necessariamente ter a presença da onerosidade, este é o caso do estagiário não obrigatório, vez que não se tem a obrigatoriedade de concessão de uma contraprestação salarial, conforme dispõe o artigo 12, caput, da Lei 11.788/08.

A relação de trabalho não se confunde com relação de consumo e relação estatutária, vez que a relação de consumo que é regida pela Lei nº 8.078/90, o objeto não é o trabalho realizado, mas o produto ou serviço consumível, tendo como polos o fornecedor e o consumidor, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas, enquanto a relação estatutária é regida na esfera federal pela Lei nº 8.112/90, e não possui natureza contratual, mas de vínculo estável entre o servidor público e o órgão estatal, no qual ocupa cargo ou função para prestação de serviço público.

Desta forma, conforme a redação do artigo 114 da Constituição Federal de 1988, a Justiça do Trabalho tem competência material para conhecer, instruir e julgar toda e qualquer relação de trabalho, em que o prestador dos serviços é uma pessoa natural, tendo por objeto a atividade pessoal, subordinada ou não, eventual ou não, e que é remunerada (ou não) por uma outra pessoa natural ou pessoa jurídica. (BRASIL, 1988)

2.1 O ACESSO À JUSTIÇA E A PROTEÇÃO DO TRABALHADOR

Quando observamos o histórico de acesso à justiça no Brasil, percebemos que foi um obstáculo para os negros e pobres, que na sua maioria tinham acesso apenas ao direito penal, na condição de réu, gerando um quadro de desigualdades sociais. (SANTOS, 2019)

Segundo Cappelletti e Garth (1988, p. 9), o Estado anteriormente não tinha preocupação em afastar a incapacidade que muitas pessoas tinham de utilizar a justiça, ou seja, apenas tinha acesso formal à justiça.

O princípio da proteção tem o objetivo de igualar a disparidade da relação, que é caracterizada pela hipossuficiência do trabalhador. Dessa forma o princípio da proteção tem o caráter de balancear as diferenças e garantir que sejam respeitados os direitos fundamentais do trabalhador, da mesma forma como podemos encontrar este princípio no Código de Defesa do Consumidor, com o objetivo de facilitar o acesso à justiça da parte vulnerável e garantir a isonomia das relações. (SANTOS, 2019)

De acordo com o princípio da proteção do trabalhador, tem objetivo assegurar a isonomia das relações é subdividido em três: aplicação da norma mais favorável, da condição mais benéficas e do in dubio pro misero.

A aplicação da norma mais favorável prevê que em caso de pluralidades de normas, aplica-se a que seja mais favorável ao trabalhador, já a da condição mais benéfica é vedado que sejam retiradas dos contratos de trabalho as cláusulas que lhe sejam benéficas. Já o princípio do in dubio pro misero significa que existindo duas interpretações a um texto, deve-se aplicar a que melhor beneficia o trabalhador. (SANTOS, 2019)

Atualmente, na perspectiva do Estado Democrático de Direito a igualdade é fundamental para a democracia, Cappelletti e Garth (1988, p. 12) afirmam que o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental o mais básico dos direitos humanos de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir e não apenas proclamar os direitos de todos.

Conforme prevê o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal, e no artigo 8º da 1ª Convenção Internacional sobre Direitos Humanos de São José da Costa Rica, o direito de acesso à Justiça tem a prerrogativa e respaldo nos Direitos Humanos. (BRASIL, 1988)

Tendo em vista os direitos humanos e os direitos fundamentais, o acesso à justiça tem como objetivo proporcionar a todos os mesmos direitos com obrigações correspondentes. Para Carlos Leite (2018, p.192) o acesso à justiça tem como sinônimo a justiça social, já para Paulo Nader (2018, p. 112) a justiça social tem a finalidade proteger os mais pobres e desamparados através de medidas que favoreça a distribuição equilibrada de riqueza.

Segundo Mauro Schiavi (2017, p. 17):

O acesso à justiça não deve ser entendido e interpretado apenas como o direito a ter uma demanda apreciada por um juiz imparcial, mas sim como acesso à ordem jurídica justa, composta por princípios e regras justas e razoáveis que possibilitem ao cidadão, tanto no polo ativo, como no passivo de uma demanda, ter acesso a um conjunto de regras processuais que sejam aptas a possibilitar o ingresso da demanda em juízo, bem como a possibilidade de influir na convicção do juízo de recorrer da decisão, bem como de materializar, em prazo razoável, o direito concedido na sentença. (SCHIAVI, 2017, p.17)

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Importante ressaltar que a validade das normas jurídicas está condicionada à Carta Magna, qualquer lei que à contrarie não terá validade. Segundo Nader (2017, p. 90) ao tratar sobre a hierarquia das normas, menciona que as normas guardam em si uma hierarquia, uma ordem de subordinação, desta forma qualquer norma jurídica de categoria diversa, anterior ou posterior à constitucional não terá validade caso contrarie as disposições desta.

Ainda, Uadi Bulos (2011, p.611), esclarece que, de acordo com o art. 5º, XXXV, o princípio do acesso à justiça, deve ser compreendido em sentido material e formal, o que engloba que toda e qualquer pauta que visse obscurizar o acesso à justiça, serão invalidadas, ou seja, qualquer norma que visse restringir ou até mesmo criar obstáculos que prejudique direitos fundamentais, será inconstitucional.

Desta forma, a reforma trabalhista alterou alguns dispositivos, no qual impôs restrições inconstitucionais que violam o amplo acesso à justiça. Rodrigo Janot, na época em que era procurador geral da república, ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5766), tendo como tema principal a justiça gratuita, por entender que as alterações ocasionaram a desregulamentação da proteção social do trabalho e a redução dos direitos materiais dos trabalhadores. (STF, 2019)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, resta evidenciado, que o objetivo do Direito do Trabalho é a regulamentação das relações trabalhistas no ordenamento jurídico brasileiro, com fim de melhorar as condições de trabalho e proteger a parte mais fraca das relações trabalhistas, o empregado.

Com as inovações trabalhistas no direito de acesso à justiça, pudemos verificar que com a evolução do acesso à justiça, avaliar as alterações dos beneficiários da justiça gratuita na justiça do trabalho, discutir a repercussão das mudanças frente ao STF e comparar os dados estatísticos da Justiça do trabalho antes e após a reforma trabalhista.

O acesso à justiça vai além do acesso formal, deve assegurar a proteção dos direitos, garantindo a isonomia, fazendo assim com que a balança da justiça se equilibre. Para isso torna-se necessário a remoção de quaisquer obstáculos que se oponha ao efetivo acesso à justiça.

Desta forma, a proteção ao acesso à justiça é de grande importância, tendo em vista que diante das diversas inovações trabalhistas trazidas pela reforma trabalhista, uma delas foi o desequilíbrio das relações entre empregador e empregado podendo significar uma regressão às relações trabalhistas que compromete os direitos fundamentais, causando danos à garantias que refletem em toda sociedade.

REFERÊNCIAS

BEBBER, Júlio César. A competência da Justiça do Trabalho e a nova ordem constitucional. In:COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Nova competência da Justiça do Trabalho, p. 254.

BULOS, Uadi. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011.

CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. 2ª reimp. (Monografias). (Trad. Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto) Coimbra: Almedina, 2012.

CAPPELLETTI, Garth; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: 1988.

CASSAR, Vólia Bomfim. Resumo de Direito do Trabalho. 6. ed.- Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.

CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; JORGE NETO, Francisco Ferreira. Direito do Trabalho. 9.ed. - São Paulo: Atlas, 2019.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 5. ed., p. 208.

GARCIA, Roni Genicolo. Manual de Rotinas Trabalhistas: Problemas práticos na atuação diária. 10. ed. - São Paulo: Atlas, 2018.

‌LEITE, Carlos. Curso de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2018.

Martins Filho, Ives Gandra da Silva. Manual Esquemático de Direito e Processo do Trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. A competência da Justiça do Trabalho para a relação de emprego. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Nova competência da Justiça do Trabalho, p. 25.

PEREIRA, Leone. Manual de Processo do Trabalho. 5ª.ed. São Paulo: Saraiva,2018.

SANTOS, Stephanie Lins de Souza. O Direito de Acesso à Justiça Frente às Inovações Trabalhistas. Âmbito Jurídico - Educação jurídica gratuita e de qualidade. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-do-trabalho/o-direito-de-acesso-a-justica-frente-as-inovacoes-trabalhistas/>. Acesso em: 28 Nov. 2021.

SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho: De acordo com o novo CPC. 11ª ed. São Paulo: LTr, 2016.

SCHIAVI, Mauro. A reforma trabalhista e o processo do trabalho. São Paulo: LTR, 2017.

Sobre o autor
Carlos Alberto Martins

Sou estudande de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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