Poços artesianos e outorga do poder público.

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Poços artesianos são de uso comum nas praias do litoral norte do Rio Grande do Sul. Proprietários das residências contratam serviços de perfuração e se abastecem do recursos hídrico para conservação de jardins, lavagens de automóveis, fachadas das casas, calçadas e outros usos.

Na maior parte das vezes, assim agem sem prévia autorização do poder público competente. Usam um recurso que é finito e que pertence a todos como se fossem os únicos titulares e interessados. A água subterrânea é recurso natural, de domínio público e essencial à concretização dos direitos fundamentais à vida, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O Superior Tribunal de Justiça tem prestigiado a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos,[1] que estabelece a necessidade de outorga para a extração de água de aquífero subterrâneo por meio de poços artesianos, seja para consumo final ou como insumo de processo produtivo.[2] E a lei que disciplina o saneamento básico, em seu art. 45, § 2º, veda a quem possui instalação hidráulica predial ligada à rede pública abastecer-se de fontes alternativas.[3]

Estes dois diplomas legais federais, pois compete privativamente à União legislar sobre águas,[4] devem ser fielmente respeitados pelos Estados e Municípios.

As normas locais estão vinculadas às premissas básicas definidas pela legislação federal, razão pela qual, estatuto editado por Estado, Distrito Federal ou Município que contrarie as diretrizes gerais fixadas nacionalmente, padece da mácula de inconstitucionalidade e ilegalidade, por afrontar a distribuição de competência feita pelo constituinte de 1988.[5]

No julgamento de embargos no Recurso Especial 1335535/RJ, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça assentou:

Na disciplina dos recursos hídricos, dois diplomas federais são de observância obrigatória para Estados, Distrito Federal e Municípios: a Lei 9.433/1997 (Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos) e a Lei 11.445/2007 (Lei do Saneamento Básico). A Lei 9.433/1997 condiciona a extração de água subterrânea - quer para "consumo final", quer como "insumo de processo produtivo" - à prévia e válida outorga pelo Poder Público, o que se explica pela notória escassez desse precioso bem, literalmente vital, de enorme e crescente valor econômico, mormente diante das mudanças climáticas (art. 12, II). Já o art. 45, § 2º, da Lei 11.445/2007 prevê categoricamente que "a instalação hidráulica predial ligada à rede pública de abastecimento de água não poderá ser também alimentada por outras fontes. Assim, Assim, patente a existência de disciplina normativa expressa, categórica e inafastável de lei geral federal, que veda captação de água subterrânea para uso de núcleos residenciais, sem que haja prévia outorga e autorização ambiental do Poder Público.

  1. Art. 12, II, da Lei 9.433/1997

  2. AgInt no AREsp 1.283.045/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 18/10/2018; Resp 1.726.460/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, Dje 21/11/2018; AgInt no AREsp 844.078/RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 7/8/2017; AgRg no AREsp 263.253/RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 15/6/2015 e AgRg no REsp 1.352.664/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20/5/2013.

  3. Lei 11.445/2007.

  4. Art. 22, IV, da Constituição Federal.

  5. STJ, EREsp 1335535/RJ, Primeira Seção, relator Ministro Herman Benjamin, julgamento em 26/09/2018 e Dje de 03/09/2020.

Sobre o autor
Carlos Otaviano Brenner de Moraes

Participa com seus artigos das publicações do site desde 1999. Exerce advocacia consultiva e judicial a pessoas físicas e jurídicas, numa atuação pessoal e personalizada, com ênfase nas áreas ambiental, eleitoral, criminal, improbidade administrativa e ESG. Foi membro do MP/RS durante 32 anos, com experiência em vários ramos do Direito. Exerceu o magistério em universidades e nos principais cursos preparatórios às carreiras jurídicas no RS. Gerações de atuais advogados, promotores, defensores públicos, juízes e delegados de polícia foram seus alunos. Possui livros e artigos jurídicos publicados. À vivência prática, ao estudo e ao ensino científico do Direito, somou experiências administrativas e governamentais pelo exercício de funções públicas. Secretário de Estado do Meio Ambiente, conciliou conflitos entre os deveres de intervenção do Estado Ambiental e os direitos constitucionais da propriedade e da livre iniciativa; Secretário Estadual da Transparência e Probidade Administrativa, velou pelos assuntos éticos da gestão pública; Secretário Adjunto da Justiça e Segurança, aliou os aspectos operacionais dos órgãos policiais, periciais e penitenciários daquela Pasta.

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