Crimes sexuais em sentido amplo - Análise criminológica

01/12/2021 às 21:46
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Resumo: Este estudo decorre de pesquisa de campo sobre a incidência dos crimes sexuais no Brasil, vistos de forma ampla, desde os delitos mais leves aos mais gravosos, trazendo os dados estatísticos da pesquisa, a tipificação dos delitos e a análise dos resultados obtidos.

Palavras-chave: crimes sexuais. delitos sexuais. criminologia. psicologia. estatística

Abstract: This study is based on field research on the incidence of sexual crimes in Brazil, seen broadly, from the mildest to the most serious crimes, bringing the statistical data of the research, the typification of crimes and the analysis of the results obtained.

Introdução: Nos últimos anos no Brasil os crimes sexuais têm aumentado de forma alarmante, principalmente nas modalidades mais leves. Nossa pesquisa traz dados interessantes quanto às experiências em ambos os gêneros, posto que um percentual (ainda que pequeno) de homens que relatam terem sofrido assédio e outros crimes sexuais mais gravosos, contrariou as pesquisas feitas no passado, onde apenas mulheres faziam tal relato. Outro dado importante é a variação da idade em que os fatos aconteceram. Ao contrário do que se imagina, mostraremos que mulheres mais velhas formam um bloco percentual significativo quando se trata de agressões mais leves, constrangimentos sexuais e toques inapropriados em coletivos, bem como o assédio sexual verbal, bastante comum no Brasil.

Nossa pesquisa ressalta que um percentual significativo de crimes sexuais mais graves ocorrem no seio familiar ou de convivência próxima e que nesses casos as vítimas eram menores de 13 anos. Este tipo de agressão também se mostra reincidente na maioria dos casos e levam a traumas severos.

Verificamos que um grande número de pessoas buscou auxilio das autoridades policiais ou judiciais, porém, como se verá, não obtiveram qualquer apoio ou proteção. No Brasil, essa busca por proteção contra crimes sexuais está se afirmando muito recentemente e também as autoridades policiais somente agora estão sendo preparadas para lidar efetivamente com o problema. O marco da Lei 11.340/06 - Lei Maria da Penha - que protege a mulher contra violência doméstica, com 15 anos de vigência, encontrou respaldo policial nos últimos anos com a criação da Polícia Maria da Penha, viaturas com policiais identificados e preparados para agir especialmente nesses casos de violência contra mulher. Este dispositivo legal abarca a violência sexual em seu art. 7º, inciso III, de forma específica para o âmbito familiar e doméstico, não estendendo a proteção para os crimes sexuais na rua, promovidos por desconhecidos. Já em 2009, a Lei 12.015 trouxe alterações para o Código Penal Brasileiro no Título VI, que antes se chamava " Dos Crimes Contra os Costumes" e que passou a se chamar "Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual", alteração essa que iremos expor ao longo do nosso estudo.

O Brasil possui uma sociedade patriarcal e estruturalmente machista, o que contribui para mitigação das agressões sexuais e dos comportamentos de assédio (aqui na legislação tratados apenas como "atos libidinosos" e com uma punição irrelevante), principalmente contra mulheres e população LGBTQIA+. O descaso do governo e o desamparo para as pessoas que sofrem qualquer tipo de agressão sexual é uma amostra triste do que todo um comportamneto social pode trazer.

Nossa pesquisa traz um dado de inovação que é um alto percentual de pessoas apoiando a criação de um banco de registro de criminosos sexuais - como já existe em vários países - e no curso da coleta dos dados foi divulgado pela imprensa brasileira que está em trâmite no Senado Federal para possível aprovação a criação de um Banco Nacional de Registro de Criminosos Sexuais, o que para nossa sociedade é um avanço sem precedentes.

Os crimes sexuais e a idade da vítima: O primeiro dado que vamos trazer e analisar é a idade das vítimas, de ambos os sexos, profissões, escolaridades e demais características as quais abordaremos uma a uma em seguida. Em nossa pesquisa observamos que responderam nossas questões pessoas com idade entre 20 e 79 anos, sendo que 47% abrange entre 35 e 65 anos de idade. Recebemos relatos anônimos de mulheres (especificamente) que sofreram assédio sexual verbal e constrangimento sexual com idades entre 56 e 65 anos, o que prova que não é um "privilégio" da juventude esse tipo de comportamento criminoso, mas sim uma clara influência cultural e comportamental, onde o corpo feminino pode ser desrespeitado e a mulher é tratada sem dignidade alguma. Nestes casos, os crimes apontados estão tipificados no Código Penal Brasileiro brasileira da seguinte forma:

"Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Vale lembrar que no Brasil a pena de detenção é registrada para "crimes de menor potencial ofensivo, tramitando o processo crime nos Juizados Especiais Criminais e a pena sendo comutada em restritiva de direitos e multa.

Art. 215-A - Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

A prática desses crimes se mostra uma constante em 89% dos casos relatados em nossa pesquisa e verificamos, pelo próprio texto legal, que o nível de importância que é dado a essas práticas está em total desalinho com o sofrimento causado nas vítimas. Independentemente da idade e do sexo das vítimas, relatos anônimos e espontâneos em nossa pesquisa mostram o mal causado pela conduta delitiva, psicologicamente e socialmente. A vítima se sente suja, culpada e desamparada, porque a brandura das penas e a falta de interesse das autoridades policiais e judiciárias em condenar o criminosos, contribuem com esse estado mental depressivo.

Os crimes sexuais no contexto do gênero: Nossa pesquisa obteve um universo de 79,1% de entrevistados que se identificam com o gênero feminino e 20,9% identificados com o gênero masculino. Esses dados nos mostram que também pessoas do gênero masculino podem (e sofrem) todo o tipo de agressões sexuais. O que claramente ocorre é a omissão desses relatos, seja por medo, por vergonha ou pela opressão social que o patriarcado cunhou na sociedade brasileira. Do universo masculino que respondeu à pergunta "Você já foi vítima de algum tipo de agressão sexual?", tendo sido especificadas as várias modalidades que compõe essas condutas criminosas, 33,2% informou já ter sofrido algum tipo de agressão sexual. Neste grupo, um dado marcante foi o ocupacional: 80,4% das vítimas são professores ou estudantes. As ocorrências se deram no ambiente universitário ou suas cercanias e locais relacionados. Um percentual menor relatou as agressões e assédios em local de trabalho também, o que mostra que, no caso do gênero masculino, os locais são privados e têm relação direta com suas profissões ou atuações. Também ficou evidenciado que, entre os delitos sofridos por vítimas do gênero masculino, 65,3% se referem a Constrangimento (insinuações e gestos de cunho explicitamente sexual).

Com relação ao gênero feminino esses dados se pulverizam em várias direções com reincidência da mesma vítima em agressões diferentes e locais diversos: 41,3% dentro de casa; 65,1% na rua e 28,6% no local de trabalho. Para os crimes tipificados como "ato obsceno ou libidinoso", a prática em local público equivale a 89,3%, o que nos deixa claro que em locais públicos há uma "permissividade tácita" para o cometimento desses delitos. Além de ser maioria no universo dos entrevistados (79,1%), o gênero feminino sofre com uma gama maior de delitos, que não apareceram na pesquisa quando a referência é o gênero masculino. No cômputo geral de todas as modalidades de crimes sexuais elencada na pesquisa, o gênero feminino aparece vítima tanto em local público quanto em lugares privados, diferindo apenas a qualificação do crime cometido.

Quanto ao nível de escolaridade e profissão para ambos os gêneros entrevistados temos que 80,2% possuem nível superior, 18,7% nível médio e 1,0% nível fundamental. No universo da pesquisa podemos auferir que os crimes de natureza sexual não são definidos pelo nível de escolaridade, mas que mostram indicativos de que em algumas profissões são mais aparentes, como no caso já visto de professores e estudantes (mormente do gênero masculino), mas também em 63,2% dos profissionais do gênero feminino, pulverizando-se entre estudantes e demais profissionais atuando em ambientes corporativos privados ou instituições públicas. Mulheres que atuam de forma autônoma como advogadas, psicólogas, médicas, dentistas, fotógrafas, publicitárias tem um índice de 82,3% de já terem sofrido qualquer dos tipos de agressão sexual descritos na pesquisa.

A frequência dos crimes sexuais: Os entrevistados relataram a frequência com que sofreram as agressões, a princípio sem descriminar a tipologia, apresentando os seguintes índices: 59,4% entre 1 e 5 vezes; 20,3% entre 5 e 10 vezes e 20,3% mais de 10 vezes. Dados alarmantes que nos mostram que a mesma pessoa é vítima reiteradas vezes de crimes sexuais refletem a ausência do poder público no combate a esse específico rol de delitos, não só no que se refere a atuação da polícia, mas também do legislativo e do judiciário. Nosso estudo apurou relatos de vítimas que sofreram agressões sexuais chegando inclusive ao estupro ao longo de anos das suas vidas. Neste grupo auferimos que 78,1% eram crianças quando as agressões e estupros se iniciaram e 31,9% já estavam na idade adulta. Tipificamos esses crimes aqui mencionados de acordo com a legislação brasileira, a saber:

Assédio:

Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)

§ 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)"

Estupro:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1 o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 2 o Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Dada a gravidade da conduta delitiva, em comparação à frequência que acima abordamos, concluímos que a ausência do Estado (polícia, política públicas e judiciário) são funcionalmente inertes, deixando ao total desamparo as vítimas. Isso porque não tratamos do desamparo psicológico, emocional, que essas vítimas enfrentam - muitas, como vimos, ao longo de anos - onde a assistência social é absolutamente deficiente na maioria dos casos e inexistente nos demais. Soma-se a isso a pouco ou nenhuma preocupação com o estudo da vítima nestes casos que, apenas mais recentemente vem ganhando atenção por parte dos cientistas e criminologistas, na composição de uma disciplina independente: a vitimologia.

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Crimes Sexuais: quem são os agressores:

É certo que não se pode identificar um agressor sexual meramente por sua aparência, profissão, idade ou gênero.

Vários estudos têm buscado perfilar mediante um rol de características e métodos científicos de pesquisa, quem seriam os potenciais agressores sexuais Nosso estudo também vem buscar uma identificação macro de quem são os agressores em relação às vítimas. Com base na pesquisa, sem fazer nenhum recorte já aplicado anteriormente, revelamos que: 33,3% dos crimes sexuais são perpetrados por estranhos, pessoas com quem a vítima jamais teve nenhum nível de interação, senão a própria agressão; 27% foram cometidos por conhecidos, ou seja, alguém com quem a vítima tem um nível alto de interação e conhecimento, mas não se enquadra na categoria de grau de parentesco; em 15,9% dos casos havia um nível de conhecimento breve, alguém da vizinhança, trabalho ou escola, onde a interação é bastante superficial e com baixa frequência; alarmantes 12,7% se referem a parentes, desde os graus de parentesco mais próximos aos mais relativos, comprovando dados já apresentados sobre agressões sexuais na infância e prolatação das agressões na linha tempo e por fim, 11,1% relatam agressões perpetradas por seus parceiros, dados igualmente alarmantes porque, em tempo de pandemia esse percentual em universos maiores do que o estudado aqui mostrou um aumento de 40% nos casos de violência contra mulher, incluídos os estupros maritais e feminicídios.[1]

Da denúncia e do resultado: Inquiridos sobre terem agido proativamente no sentido de denunciar o crime e seu agressor, temos que 87,3% das vítimas afirmaram não terem feito nenhum tipo de comunicado ou denúncia sobre o ocorrido. Apenas 12,7% denunciaram formalmente o crime e seu agressor. Em parte podemos explicar essa conduta através de um outro dado obtido na nossa pesquisa: 63,5% dos crimes relatados se referem a modalidade de constrangimento, onde a pena é comutada em restritiva de direitos e multa. Fica para a vítima apensa a sensação de que o agressor, ainda que denunciado, saiu impune. Mas há um outro dado que nos mostra uma visão diferente: em pergunta formulada apenas àqueles que denunciaram formalmente o crime, se obtiveram o resultado esperado dos órgãos responsáveis, 94,4% responderam que não, ou seja, a atuação do poder público não se mostrou satisfatória ou suficiente. Aqui, diferente do caso acima onde a opção era denunciar ou não, fica demonstrada a inercia e a ineficácia da polícia, políticas públicas e justiça. Aqui, a vítima buscou o agasalho do Estado para ver reparado o mal sofrido e não encontrou o respaldo e o suporte devido.

Vale ressaltar que sob esta ótica devemos considerar a vergonha, a humilhação e o despreparo emocional da vítima para reviver e detalhar às autoridades, reiteradas vezes, o ocorrido. Mais uma vez vamos acentuar aqui a importância do estudo da vitimologia, não só para identificar possíveis personalidades "vítimas", mas para, principalmente, prover o tratamento adequado no momento da denúncia, o suporte psicológico, além do jurídico. Apenas em 5,6% dos casos as vítimas se sentiram apoiadas.

Mecanismos que podem coibir os crimes sexuais: Em nosso estudo apresentamos algumas alternativas para escolha dos ouvidos em nossa pesquisa de campo e os resultados foram: 47,8% optaram por leis penais mais severas; 62,3% pela atuação mais célere do judiciário e 66,7% optaram pela criação de uma banco de registro de criminosos sexuais.

Fazendo uma análise de cada categoria e seu percentual de escolha temos que, ao contrário do que se poderia imaginar, já há um entendimento de que leis penais mais severas não solucionam problemas sociais estruturais. Leis penais severas são criadas para dar adequação entre punição e gravidade do delito. Mas se o sistema judiciário como um todo é ineficiente, a lei também se torna ineficiente. Em seguida vemos a escolha por um Poder Judiciário mais célere, onde as ações não levem décadas para chegarem a julgamento e mais alguns anos em recursos e postergações. Especialmente para os casos de crimes sexuais, a passagem do tempo tende a esvaziar a processo e a transformar vítimas em atores vingativos e perseguidores, além do condão de fazer reviver mais e mais vezes todo o trauma vivido no passado.

Segundo o Diagnóstico Intersetorial Integrado de 2018 , apenas no ano de 2016 foram registrados 1.208 ocorrências de estupro na cidade do Rio de Janeiro, onde 61% dos caso configuram estupro de vulnerável modalidade prevista no Código Penal Brasileiro e assim tipificada:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1 o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 2 o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 3 o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 4 o Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)"

Agora cabe especial análise sobre o item de maior percentual: a criação de um banco de dados de criminosos sexuais, a exemplo do que vemos em países como os Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Japão e Austrália. A Lei 12.654/2012, que foi sancionada 29 em maio de 2012, mas que apenas agora em 2021 está sendo operacionalizada por meio de decretos regulatórios, prevê a coleta de material para perfil genético (DNA), para posterior identificação criminal. Esse material coletado em cenas de crime,, comporá um banco nacional, à disposição da perícia técnica criminal para ajudar na solução de crimes, dentre eles os crimes sexuais.

"Com a nova lei, o juiz responsável pela investigação criminal poderá ordenar a identificação criminal do suspeito, por sua própria iniciativa ou em resposta a pedido do delegado de polícia, do promotor de justiça ou da defesa do acusado, para confronto com os vestígios encontrados no local do crime. Além disso, no momento da condenação, o juiz poderá determinar a coleta do material genético do condenado por crimes praticados dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes hediondos."[2]

Especial enfoque para a percepção da população de que a investigação criminal, a produção e coleta de provas, o registro de material obtido e agora, o registro do DNA de criminosos são elementos mais necessários do que leis penais mais severas ou mesmo uma melhor atuação do judiciário. Isso se explica, em parte, pelo fato de que a produção de provas em crimes sexuais é algo extremamente sensível e amplamente contestado sob o frágil - mas válido - argumento do "consentimento". Excetuando-se os casos mais extremos, onde a violência para o cometimento do delito sexual é facilmente constatada, os casos onde a violência é psicológica, por exemplo, a produção da prova se torna complexa e de fácil contestação em sede processual. No entanto, em um cenário em que material coletado em um crime de estupro (que identifica seu autor e está armazenado em um banco de consultas) aparece em um caso diverso, a materialidade do crime e a prova se tornam in contesti pela existência de um precedente.

Do cruzamento dos dados da pesquisa: Com base nos dados obtidos na pesquisa, é possível cruzar algumas informações que nos levam a conclusões a respeito do cometimento dos delitos sexuais e do comportamento das vítimas, à luz da análise criminológica. Pudemos observar que os crimes sexuais leves (constrangimento, atos libidinosos, insinuações de cunho sexual) ocorrem em 65% dos casos em local público, ruas, passagens, lojas, shoppings. Também auferimos que em 97% dos casos, não há nenhum tipo de comunicação do fato às autoridades e ainda, 47% dos relatos deste tipo de crime estão relacionados a vítimas do gênero masculino.

Com relação aos crimes mais gravosos, temos que 87% dos caso estão relacionados ao gênero feminino, 69% dos casos ocorreram em lugares privados (fechados ou de acesso restrito) e apenas 38% dos casos foram formalmente denunciados às autoridades competentes.

No tópico da frequência com que a mesma vítima sofre reiteradas vezes a ação de crimes sexuais, a pesquisa nos mostra que os crimes mais leves têm um índice de frequência em 54% dos casos acima de 10 vezes, enquanto que os crimes mais gravosos incidem sobre a mesma vítima em 34% dos casos entre 1 e 5 vezes. Os dados mais alarmantes neste critério estão nos casos da combinação entre tipo de agressores, tipo de delito e frequência. Nesta combinação temos que em 78% dos casos de crimes graves (assédios e estupro) perpetrados por parentes da vítima, a frequência 59% dos casos sobe para entre 5 e 10 vezes e em 20% desses casos, acima de 10 vezes.

Nesta amostra, verificamos que o número de mulheres vítimas de crimes sexuais (79%) ainda é maior do que de homens (21%), mas que já há um significativo reconhecimento do gênero masculino quanto às formas mais leves dos crimes sexuais dos quais são vítimas. cruzando esses dados com os obtidos quanto à profissão, notamos que 58% das mulheres deste universo que sofreram quaisquer dos tipos de crimes sexuais aqui previstos são profissionais liberais, enquanto que 78% dos homens são professores ou estudantes.

Baseando os dados de idade, gênero e escolaridade, em contraponto à escolha da melhor solução para coibir o crime sexual, encontramos os seguintes dados: 58% dos pesquisados do gênero masculino optaram pela criação de um banco de dados para registro dos criminosos sexuais, enquanto que 42% do gênero feminino fez esta mesma opção. Já para a alternativa de leis penais mais severas, 73% do gênero feminino fez essa opção, em contraponto aos 27% do gênero masculino que fizeram esta mesma escolha. Para atuação mais rápido do judiciário, 47% do gênero masculino fez essa opção bem como 53% do gênero feminino.

Dos relatos obtidos na pesquisa: algumas pessoas que responderam a pesquisa anônima, de forma espontânea deixaram seus relatos sobre as agressões sofridas e cremos ser de grande valia para este estudo trazer essas impressões, marcadas pelo sofrimento , pela vergonha e pela humilhação, que acompanham estas vítimas desde a data da ocorrência do crime até os dias de hoje, quando expõem suas dores. O que verificamos em todos os relatos foi um sentimento de fraqueza e culpa: "Algo constrangedor e que deixa marcas para o resto da vida. Além do sentimento de culpa." Já outras vítimas expressam o sentimento de abandono e medo da impunidade do agressor, como neste relato: "A sensação é de impotência, pois muitas vezes ninguém faz nada sobre e há uma normalidade. O pior é o medo de denunciar e sofrer retaliação. É assustador a quantidade de mulheres que já sofreram assédio e que convivem conosco." Em alguns casos, as vítimas conseguem depurar o acontecido e se colocar politicamente diante do fato: "Na época era muito menina e nosso conhecimento era pífio. Em situação ocorrida com pessoa próxima percebi o "machismo " no judiciário e a exposição da vítima que fica exposta o que a levou a desistir da ação judicial. Penso que as ações punitivas e protetivas devam existir .Porém cabe um registro de que a sociedade é o poder público devam trazer os violadores e possíveis violadores dos direitos da mulher para participarem de ações educativas e preventivas , com e sem a presença da mulher." Também vemos que muitas vítimas querem falar, mas ainda é muito doloroso qualquer expressão mais detalhada a respeito, como vemos nestes relatos simples mas extremamente fortes: "O meu sentimento é de revolta e de humilhação."; "Horror, nojo"; "Me senti envergonhada e suja após os ataques"; "Até os dias de hoje carrego traumas em silencio. Dói, e machuca ainda, tudo que passei!!"

Esses relatos mostram a realidade aviltante de vítimas de crimes sexuais, ocorridos nas ruas e perpetrados por estranhos, ou mesmo ocorridos em suas residências, cometidos por parceiros e parentes. E ainda, mostram o desamparo, a solidão e o trauma psicológico que essa vítimas vão carregar para o resto de suas vidas.

Tudo isso diante de uma sociedade inerte, de um judiciário moroso e de uma polícia desinteressada. E fato é que sequer sabemos os verdadeiros dados sobre esses crimes porque como vimos nesta pequena amostra, a notificação das ocorrências é mínima diante do cometimento dos crimes. nos é clara e cristalina a necessidade urgente da criação de um efetivo sistema de proteção à vítima de crimes sexuais, e que um estudo aprofundado da vitimologia venha a contribuir para a prevenção desta modalidade criminosa, mas também para dar o tratamento digno e necessário às vítimas.

Conclusão: No Brasil, assim como em vários outros países, há um "embarreiramento" cultural para apuração de crimes sexuais. Este "ambiente cultural" propício ao cometimento dos crimes faz com sua denunciação seja minimizada e a impunidade chancele o cometimento de novos crimes. Até para apuração oficial de dados, há uma enorme subnotificação que acaba por distorcer os dados estatísticos e mitigar o problema.

Em contrapartida, a simples investigação iniciada contra um suspeito (principalmente em casos de pedofilia, que não foram abordados neste estudo) trazem para o suspeito uma marca que o acompanhará até o fim dos seus dias, seja ele culpado de fato ou não. Há um grande índice de reprobabilidade quando se trata de crimes sexuais, desde que apresentados no conceito "do bandido, do desconhecido" que ataca sua vítima e consuma o crime. O mesmo já não se dá quando falamos do estupro marital, ou mesmo de casos de abuso e estupro na infância/adolescência, se perpetrados por parentes ou conhecidos próximos das vítimas. Nestes casos o índice de reprobabilidade social diminui, trazendo um viés cultural, religioso ou até mesmo de costume para uma situação que nada mais é do que um ato criminoso, tipificado na legislação. Citamos alguns alguns avanços legais, como a criação do banco de material de identificação de criminosos, leis mais severas, penas mais graves. Mas ainda há lugares de sombra, onde esses crimes são perpetrados e seus criminosos estão protegidos pelo sigilo da própria vítima.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Violência contra a mulher aumenta durante a pandemia de COVID-19. ACNUR. 2020 Disponível em:

< https://www.acnur.org/portugues/2020/11/25/violencia-contra-a-mulher-aumenta-durante-a-pandemia-de-covid-19/>

Acesso em 12/10/2021 (22:20)

Idioma: português

Áreas: Direito, Políticas

Subárea: Criminalística

Palavras-chave: crimes sexuais| violência| covid-19 | Brasil | mulher

Crimes sexuais: quais são e o que diz a lei sobre eles? Direitos.me. Disponível em:

<https://direitos.me/crimes-sexuais/>

Acesso em 13/10/2021 (01:40)

Idioma: português

Áreas: Direito, Políticas

Subárea: Criminalística

Palavras-chave: crimes sexuais| legislação| direito | Brasil | mulher

Medeiros, Verônyca. Análise dos crimes sexuais. Canal Ciências Criminais. Disponível em:

<https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/579732291/analise-dos-crimes-sexuais>

Acesso em 13/10/2021 (18:10)

Idioma: português

Áreas: Direito, Políticas

Subárea: Criminalística

Palavras-chave: crimes sexuais| legislação| direito | Brasil | mulher

Brasil. Lei Federal. Presidência da República. 2006. Disponível em:

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>

Acesso em 13/10/2021 (22:50)

Idioma: português

Áreas: Direito, Políticas

Subárea: Criminalística

Palavras-chave: crimes sexuais| legislação| direito | Brasil | mulher

Vilela, Pedro Rafael. Lei que protege vítimas em julgamentos de crimes sexuais é sancionada. Agência Brasil. 2021. Disponível em:

<https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2021-11/lei-que-protege-vitima-em-julgamentos-de-crimes-sexuais-e-sancionada>

Acesso em 16/10/2021 (20:30)

Idioma: português

Áreas: Direito, Políticas

Subárea: Criminalística

Palavras-chave: crimes sexuais| legislação| direito | Brasil | mulher| proteção | vítima

Diagnóstico Intersetorial Integrado da Cidade do Rio de Janeiro. Relatório CTPD 2018. Disponível em:

<http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/10402268/4259609/Relatorio_CTPD_2018_Diagnostico_Intersetorial_Integrado_Completo.pdf>

Acesso em 20/10/2021 (23:30)

Idioma: português

Áreas: Direito, Políticas

Subárea: Criminalística

Palavras-chave: crimes sexuais| Rio de Janeiro | mulher| estupro | vítima

  1. https://www.acnur.org/portugues/2020/11/25/violencia-contra-a-mulher-aumenta-durante-a-pandemia-de-covid-19/

  2. https://direitos.me/crimes-sexuais/

Sobre a autora
Bárbara Cardoso Rocha

Advogada Criminalista, mestranda em Psicologia Criminal com Especialização em Psicologia Forense

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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