Constituição Federal e a (in)viabilidade de sua alteração para disciplinar a participação popular como poder revisor do controle de constitucionalidade no âmbito do STF

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03/12/2021 às 20:49
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INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa analisar a obra O poder nas mãos do povo: a realização do direito em tempos de crise e a revisão das funções do STF. Dessa forma, analisa o conceito de crise, a questão da educação no Brasil, a postura do judiciário em questões de direitos fundamentais, o acesso á informação e a proposta de alteração constitucional, com um capítulo que disciplinará a oportunidade em que o povo deverá se manifestar diretamente acerca da legitimidade democrática das decisões de controle de constitucionalidade no âmbito do Superior Tribunal Federal

I. Análise da viabilidade da proposta da obra O poder nas mãos do povo: a realização do direito em tempos de crise e a revisão das funções do STF

Carvalho explica que crise é, conforme o dicionário de política de Bobbio, Matteucci e Pasquino, a quebra de linearidade no desenvolvimento de um sistema. (2020, p. 21) Conforme a autora, a existência desse processo de instabilidade é usado como parâmetro para decisões restritivas de direitos fundamentais. (2020, p. 22)

O afirmado pela autora está em consonância com o exposto pelos autores Levitsky e Ziblatt, que afirmam que os cidadãos se mostram mais propensos a tolerar e mesmo apoiar medidas autoritárias durante crises de segurança, sobretudo quando temem pelo seu bemestar.

Em relação a crise econômica, a autora explica que o resultado da busca de contenção repercute no cidadão. (2020, p. 38) Como exemplo disso, Carvalho leciona o estancamento econômico para estancar a crise financeira, por meio de cortes desproporcionais aos que estão em baixo, voltando ao velho jogo da privatização dos benefícios e socialização das perdas, chamando a população para assumir todos os gastos do sistema. (2020, p. 39)

Como exemplo disso, no Rio Grande do Sul, houve reforma administrativa da carreira de professores e policiais, em que o governador extinguiu inúmeras vantagens dos profissionais.

Conforme Carvalho, há estreita relação entre economia e política, ao passo que eventual mácula na estabilidade econômica interfere no equilíbrio político do Estado e vice-versa. (2020, p.40) Além da crise econômica, Carvalho cita a crise fundada no medo (terror) social, sendo um processo de formação de crenças sociais que se relaciona com a política governamental de deseducação. (2020, p.43)

A autora explica que o abandono da educação é, em verdade, uma estratégia estatal, resultando em descontrole e exclusão social em massa (2020, p.43). É de extrema importância destacar que Carvalho menciona a criação de um mito de crise, uma falsa percepção de instabilidade difundida e reiteradamente afirmada que venha a encontrar arquétipos do inconsciente coletivo, ao ponto de parecerem reais quando trazidos ao consciente. (2020, p. 44)

O medo, conforme Carvalho, é um forte instrumento de controle social, e, confortado nele, a moralidade social (2020, p. 45). De acordo com a autora, o medo pode ser criado, tanto por aquele que orienta e faz a população apoiar guerras, quanto aquele outro predominante atualmente, que faz a população apoiar medidas de restrição aos próprios direitos, em nome da proteção de um bem maior, de uma segurança inesclarecida. (2020, p. 47)

A crise fundada no medo foi recentemente visualizada no Brasil, por meio de eleitores bolsonaristas, no dia 7 de setembro, saindo às ruas, requerendo intervenção militar com o presidente no poder, por medo de uma suposta ditadura comunista e do STF.

Conforme a autora, todos os processos de crise são capazes de repercutir na realização do direito (2020, p. 50). A realização concreta do direito inclui a interpretação normativa conferida pelos juristas de modo geral e a própria constituição legislativa, que, por meio de sua natureza prescritiva, propõe-se á decisões de questões jurídicas, concluindo-se por uma unidade do pensamento jurídico. (2020, p.52)

Carvalho entende que o povo não decide acerca da existência ou não de seus próprios direitos, não tendo ao menos direito de se manifestar em decisões judiciais de âmbito social, não podendo, portanto, falar-se em Estado democrático (2020, p.57). Dessa forma, a autora propõe que o tratamento reducionista de qualquer direito (especialmente os fundamentais), deve ser submetido à exaustiva consulta popular. (2020, p. 59)

A autora cita que o poder judiciário apresentou, em muitas situações, postura perniciosa face aos direitos fundamentais (2020, p. 65), e, portanto, propõe uma metodologia fundada na igualdade reflexiva direta, corroborada por método decisório que submeta a validade da decisão à necessária ratificação de seu resultado pelo povo. (2020, p. 66)

Porém, conforme Carvalho, a sociedade não tem autonomia (2020, p. 67). Os atos do Estado nunca são atribuídos aos cidadãos por meio do próprio povo, mas aos governantes aqueles escolhidos. (2020, p. 68). Carvalho leciona que antes de informação, o povo precisa de educação (2020, p. 72). O povo é alheio a seus direitos, resultado do abismo econômico e social em que se insere, acaba por se submeter a decisões que rechaça, manipulado por uma mídia de massa, que não possui compromisso com a sociedade, mas apenas com interesses pessoais de seus dirigentes, os quais não são divulgados para a população. (2020, p. 84) Tendo em vista as recentes manifestações realizadas no Brasil, requerendo intervenção militar, atacando a mídia, e exaltando o povo como soberano para atacar o Supremo Tribunal Federal, comprova-se a teoria da autora de que a falta de educação é uma estratégia estatal, levando a conclusão de que, no momento, é utópico imaginar o povo como parte de uma metodologia de consulta popular para validar as decisões de controle de constitucionalidade. A autora menciona que em sociedades mais carentes, como o Brasil, o acesso a meios virtuais de informação é reduzido, e nem sempre é feito com liberdade. (2020, p. 88) Carvalho afirma que a mídia não apenas emite opiniões, como cria fatos, transforma a representação em realidade e manipula opiniões. (2020, p. 90) Carvalho explica que não defende censura ou controle midiático, mas responsabilização eficaz por atuação desonesta com o receptor. (2020, p. 91)

O Brasil vem enfrentando um grande problema de disseminação de informações falsas, inclusive por meio de redes sociais, e até mesmo como plano do chefe do executivo. Como exemplo disso, o atual presidente apresentou proposta para alterar o marco civil da internet, objetivando que as redes sociais não possam excluir conteúdos de fake news.3 Carvalho afirma que o inconsciente social brasileiro se estrutura em elementos de 3 autodefinição que corrobora com a autodefinição negativa de sua própria identidade. (2020, p 97) É necessário que a sociedade possa se autorrever e autorrefletir, recompondo uma identidade saudável e verdadeira (2020, p. 98), pois os valores refletidos pela sociedade são capazes de conduzir o Estado. (2020, p.98)

A autora cita situações em que o povo é soberano: Tribunal do Júri, plebiscito, referendo e lei de iniciativa popular (2020, p. 109), e amicus curiae e audiências públicas (2020, p. 111) Carvalho observa que o povo é sempre afastado da condição de decisor, sendo aquele que legitima pelo voto a atuação de seus representantes. (2020, p. 110)

Carvalho questiona a legitimidade da Corte constitucional, estruturada por juízes ingressos por indicação, ao afastar leis populares, produzidas por parlamentares eleitos pelo povo (2020, p. 114). Além disso, a autora afirma que em alguns casos, razões decisórias refletem um norte metodológico de flexibilidade abusiva na realização do direito, conferindo aparência de legitimidade e validade a atos que não correspondem aos anseios legítimos. (2020, p. 128)

Dessa forma, a autora propõe uma metodologia patrocinadora da sociedade enquanto destinatária da decisão, início e fim do Estado, possibilitada numa dignidade parametrizada em si como reflexo do outro indivíduo, na medida em que um ser humano deve se ver em outro ser humano. (2020, p. 130). Carvalho defende que a interpretação constitucional deve ser atribuída aos detentores do poder, aos cidadãos. (2020, p. 133)

De acordo com Carvalho, no Brasil, os poderes de Estado vêm decidindo em desrespeito aos princípios processuais estabelecidos constitucionalmente, alterando interpretação anteriormente conferida ao alcance de princípios no âmbito do processo decisório ou redefine-os atribuindo conteúdo oposto ou díspar daquele anteriormente sedimentado como norte a ser preservado segundo a moralidade constitucional, gerando insegurança. (2020, p. 136)

A autora identifica uma frágil atuação da Corte Constitucional pátria, em teoria em duas situações: a uma, o Poder Judiciário não representa o povo e o conteúdo axiológico expresso na Constituição; ou, a duas, a Constituição escrita não mais carrega os anseios sociais. (2020, p. 139). Dessa forma, Carvalho entende que como solução é necessário conceber uma nova metologia e de um novo método para realizá-la, viabilizando a igualdade reflexiva direta. (2020, p. 150)

Carvalho buscou sustentação na teoria do inconsciente coletivo, pois almeja um valor igual para todos que seja por todos compartilhado, como norte das decisões de realização do direito, em matéria de interesse social, no âmbito da Corte constitucional. (2020, p. 162). Portanto, autora propõe a metodologia da igualdade reflexiva direta, por entender ser único meio capaz de viabilizar a estruturação de uma sociedade justa e igual, conduzindo a um Estado justo. (2020, p. 170)

A autora cita os mecanismos para fins de tributação, alegando que nada impediria que os mesmos métodos sejam utilizados para que o povo se manifeste quanto ao reconhecimento/validação de decisões do Estado, complementando-as ou não, por averiguação de legitimidade democrática e formal. (2020, p. 183)

Carvalho elenca os elementos a serem verificados a fim de o povo conferir ou negar validade à decisão: I. comprovação do estado de crise; II. Demonstração de que a decisão é suficiente para cessar os danos causados pela crise; III. Necessidade de implementação da decisão; IV. Fixação de prazo; e V Demonstração da substancial isonomia. (2020, p. 184-185) A autora afirma que a corte constitucional no Brasil insere-se em um rol de ilegitimidades democráticas insertas até no texto constitucional: o processo de composição é ilegítimo sob o viés democrático, porque os membros podem permanecer no cargo por até 40 anos. Além disso, cita que rege-se por regimento interno com caráter de lei processual, desrespeitando a Constituição que exige lei de competência da união para tais matérias. (2020, p.195)

Carvalho afirma que não é aceitável que em um país autointitulado democrático estabeleça processos constitucionais a serem julgados por um Tribunal Constitucional que se rege por normas formalmente inconstitucionais. (2020, p.197) Além disso, afirma que os requisitos e forma de composição de ingresso ao STF são vagos e retiram qualquer meio de validação, devendo ser revistos, e que a função deveria ser exercida por membros: de carreiras de Estado Constitucionalmente previstas; eleitos diretamente pro sufrágio universal e de outras áreas. (2020, p. 197)

A autora leciona que um Estado somente pode ser denominado democrático a partir do momento em que se submete à fiscalidade irrestrita por meio dos titulares do poder soberano, o povo. (2020, p. 202) Diante disso, propõe uma alteração constitucional, com um capítulo que disciplinará a oportunidade em que o povo deverá se manifestar diretamente acerca da legitimidade democrática das decisões de controle de constitucionalidade no âmbito do Superior Tribunal Federal, como condição de validade e legitimidade, em matérias que tratem de direitos fundamentais de interesse crucial para a população. (2020, p. 207)

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CONCLUSÃO

Apesar dos inúmeros problemas apontados pela autora em relação ao Supremo Tribunal Federal, e a flexibilização de direitos fundamentais em alguns casos (como as decisões sobre fixação do início da execução da pena após julgamento em 2ª instância, e a contribuição previdenciária dos servidores públicos inativos e pensionistas), entendo ser, no momento, improvável a eficácia da proposta de alteração constitucional.

Em que pese a expectativa e a esperança de que o povo decidiria conforme a metodologia da igualdade reflexiva direta, há ainda grande retrocesso no inconsciente coletivo brasileiro, restando em falta de empatia e inúmeros direitos das minorias sendo violados. Torna-se necessário refletir como a sociedade brasileira reagiria ao ter de manifestar-se sobre temas sensíveis, como direito dos transexuais, casais homossexuais, educação sexual, direito das mulheres, dos trabalhadores, do consumidor, do meio ambiente, diversidade religiosa, etc. Importa destacar que a autora defende que o povo participaria das decisões da mesma forma que envia dados para a Receita Federal. Ocorre que o Brasil possui 213,34 milhões de habitantes, e somente 2.020.9095 enviaram declarações no ano de 2021, para exemplificar. A matriz curricular brasileira não ensina direitos básicos, ou até mesmo o mencionado pela autora, a declaração do imposto de renda.

A população brasileira convive não só com a falta de educação, mas também com a falta de aparelhos eletrônicos para participar de pesquisas como a objetivada pela proposta da autora, e, ainda, com a fome e falta de outros direitos básicos. Diante do exposto, entendo que a proposta da autora seria melhor aplicada como por ela mesmo defendido, numa sociedade autônoma, com meios livres de informação, com tradição de teorias críticas, informada, saudável física e emocionalmente, e economicamente equânime. (2020, p. 70)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOLSONARO APRESENTA PROJETO SIMILIAR À MP DAS FAKE NEWS Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/bolsonaro-apresenta-projeto-similar-a-mp-das-fake-news,f14fd674e45eb924e0ca971ba11bb574w71k2n9k.html> Acesso em 03/12/2021

CARVALHO, Carliane De Oliveira. O poder nas mãos do povo: a realização do direito em tempos de crise e a revisão das funções do STF. Curitiba: Juruá, 2020.

IMPOSTO DE RENDA 2021: MAIS DE 21 MILHÕES DE PESSOAS JÁ FIZERAM A DECLARAÇÃO. Disponível em: <https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/03/05/imposto-de-renda-2021-mais-de-2-milhoes-de-pessoas-ja-fizeram-a-declaracao.htm> Acesso em 03/12/2021

LEVITSKY. Steven, ZIBLATT. Daniel. Como as democracias morrem. 2018

POPULAÇÃO BRASILEIRA CHEGA A 213.3 MILHÕES DE HABITANTES. Disponível em: <https://www.gov.br/pt-br/noticias/financas-impostos-e-gestao-publica/2021/08/populacao-brasileira-chega-a-213-3-milhoes-de-habitantes-estima-ibge#:~:text=A%20popula%C3%A7%C3%A3o%20brasileira%20chegou%20a,1%C2%BA%20de%20julho%20de%202021.> Acesso em 03/12/2021

REFORMA DE LEITE MUDA QUASE TODA A ESTRUTURA DAS CARREIRAS. Disponível em: <https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/pol%C3%ADtica/reforma-de-leite-muda-quase-toda-a-estrutura-das-carreiras-1.371035> Acesso em 03/12/2021

Sobre a autora
Rafaela Isler da Costa

Pós-graduanda em Criminologia (Grancursos). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito e Justiça Social da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande (FADIR/FURG/RS). Representante discente do curso de Mestrado em Direito e Justiça Social - FURG. Pesquisadora bolsista da CAPES. Pesquisadora vinculada ao Programa Educación para la Paz No Violencia y los Derechos Humanos, al Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos (Centro de Investigación y Extensión en Derechos Humanos) de la Facultad de Derecho de la Universidad Nacional de Rosário (Argentina) sob coordenação do Professor Dr. Julio Cesar Llanán Nogueira, com financiamento PROPESP-FURG/CAPES. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos (NUPEDH/FURG) e do Grupo de Pesquisa do CNPq: DIREITO, GÊNERO E IDENTIDADES PLURAIS (DGIPLUS/FURG). Pós-Graduação em Direito Público. (LEGALE). Pós-Graduação em Direito Empresarial. (LEGALE). Pós-Graduação em Direito Tributário. (Damásio). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pelotas (UCPEL). CV Lattes: < http://lattes.cnpq.br/2927053833082820 E-mail: < [email protected]>

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