Sistema penitenciário brasileiro em tempos de pandemia: Descompasso entre garantia e prática

Leia nesta página:

PALAVRAS-CHAVE: Pandemia; Recomendação nº 62/2020 do CNJ; Cárcere. Direitos e Garantias Fundamentais.

A pandemia de COVID-19 afetou a vida de todos, sobretudo, dos encarcerados nos presídios brasileiros.

A situação caótica já previamente vivenciada intramuros apenas agravou-se nesse contexto.

À Lei de Execução Penal (LEP), já incapaz de prover aos detentos o cumprimento de sentença com condições dignas, passou a se somar a Recomendação nº 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como uma tentativa de viabilizar  melhores e mais seguras condições de cumprimento de pena ao propor que os presos, que preenchessem alguns requisitos, pudessem ter acesso à saída antecipada (dos em regimes fechado e semiaberto) ou à concessão de prisão domiciliar (dos em regime aberto e semiaberto).

Uma revisão da literatura jurídica publicada com palavras-chave relativas à referida recomendação do CNJ apontou que a resposta proposta não foi alcançada.

As razões para sua falta de efetividade, com consequente e reiterada denegação do pedido de desencarceramento dos presos elegíveis a essa medida, residem na dificuldade de se vislumbrar:

(1) que o presídio é de risco para contágio do corona vírus,

(2) que ele não dispõe de estrutura minimamente necessária para garantir aos detentos presos o seu tratamento ou, ainda,

(3) que a permanência do detento em sua residência poderia impedir o contágio.

Observou-se, também, que os juízes se fazem valer da Recomendação nº 62/CNJ para suspender a realização das audiências de custódia, mas não para conceder a liberdade provisória ou a substituição da prisão provisória por domiciliar aos que se enquadram nas condições descritas nessa recomendação.

A justificativa encontrada para a não revisão em relação à decretação das prisões foi que os estabelecimentos prisionais estariam adotando medidas para o atual momento da crise epidemiológica, dentre as quais, a suspensão das visitas dos familiares ao presídio, condição esta que se equipara à do exílio, vez que os detentos encontram-se isolados de todos os seus entes.

No momento pandêmico atual, a não aplicabilidade da recomendação do CNJ mais que permitir a disseminação do COVID-19 no ambiente carcerário, já sabidamente insalubre, também pode ser considerada uma afronta aos Direitos e Garantias Fundamentais, pois, alguns detentos se encontram presos sem terem cometido crimes envolvendo grave ameaça ou violência e poderiam ser beneficiados por regimes prisionais mais brandos e seguros.

Para tais presos, a negação dos benefícios da Recomendação nº 62/CNJ representa uma pena mais grave do que a do próprio crime cometido por eles e, quiçá, poderá ser interpretada como uma nítida violação à proibição constitucional da imposição de penas cruéis.

Vê-se, portanto, um nítido descompasso entre as normas garantidoras de dignidade da pessoa humana e a prática e, assim, não há momento mais clamante que o atual para que Ministros, Desembargadores e Juízes reconsiderem medidas de prisão em cárcere com vistas à  segurança jurídica e física para todos os envolvidos e a plena efetivação dos direitos e garantias fundamentais a todo ser humano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1.BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347. Brasília, 18.03.2020. 

2.https://veja.abril.com.br/brasil/covid-19-avanca-entre-presoseagenteseespalha-tensao-nos-presidios. Acesso em 31/08/2020

3.https://sbmicrobiologia.org.br/populacao-carceraria-tem-30-vezes-mais-casos-de-tuberculose/. Acesso em 31/08/2020

4.STF - HC: 188534 SP 0097913-92.2020.1.00.0000, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 05/08/2020, Data de Publicação: 10/08/2020

5.STF - HC: 188924 MG 0098730-59.2020.1.00.0000, Relator: RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 26/08/2020, Data de Publicação: 31/08/2020

6.TJ-SP - HC: 21516315920208260000 SP 2151631-59.2020.8.26.0000, Relator: Ely Amioka, Data de Julgamento: 24/07/2020, 8ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 24/07/2020

7.TJ-SP - HC: 20641713420208260000 SP 2064171-34.2020.8.26.0000, Relator: Luiz Fernando Vaggione, Data de Julgamento: 12/05/2020, 2ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 12/05/2020

8.TJ-SP - RSE: 00007688720208260045 SP 0000768-87.2020.8.26.0045, Relator: Euvaldo Chaib, Data de Julgamento: 12/06/2020, 4ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 12/06/2020

9.STF - HC: 188924 MG 0098730-59.2020.1.00.0000, Relator: RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 26/08/2020, Data de Publicação: 31/08/2020

10.Conselho Nacional de Justiça. Recomendação nº 62, de 17 de março de 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/03/62-Recomendação.pdf. Acesso em 14/Abr/2020).

11.Conselho Nacional de Justiça , Registro de Contágios e Óbitos. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario/covid-19/registros-de-contagios-obitos/

12.DE ANDRADE BATISTA, Mignum; DE ARAÚJO, Janieiry Lima; DO NASCIMENTO, Ellany Gurgel Cosme. ASSISTÊNCIA À SAÚDE DAS PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE PROVISÓRIA: ANÁLISE DA EFETIVIDADE DO PLANO NACIONAL DE SAÚDE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO. Arquivos de Ciências da Saúde da UNIPAR, v. 23, n. 2, 2019.

13.DA SILVA, Bruno Neves et al. Fatores predisponentes de tuberculose em indivíduos privados de liberdade: revisão integrativa. Arquivos de Ciências da Saúde, v. 26, n. 1, p. 67-71, 2019.

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Sobre os autores
Thiago Roberto Castellane Arena

Natural de Ribeirão Preto. Como primeira graduação estudou Medicina pela Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) graduando-se em 2006. Em dezembro de 2008 concluiu MBA Executivo em Gerência de Saúde pelo Convênio Firmado entre a Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) e as Faculdades COC de Ribeirão Preto (UNICOC). Em janeiro de 2010 concluiu o programa de Residência Médica de Medicina de Família e Comunidade pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP/USP). Em junho de 2010 concluiu Especialização em Auditoria Médica pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP). Em junho de 2015 concluiu Doutorado junto ao Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-FMRP-USP com pesquisa voltada à gestão clínica de pacientes crônicos no âmbito dos serviços de saúde pública (https://bdpi.usp.br/item/002722956 ). Com o intuito de completar sua graduação e complementar seu entendimento de questões relacionadas ao exercício da atividade médica no setor público de saúde debruçou-se sobre o estudo do Direito e, em 2021, concluiu o Curso de Direito do Centro Universitário Barão de Mauá (http://lattes.cnpq.br/2431627417113071).

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