a) Do comodato por prazo indeterminado
"O comodato é contrato unilateral, benéfico e gratuito em que alguém entrega a outra pessoa uma coisa infungível, para ser utilizada por um determinado tempo e devolvida findo o contrato"[1]. O contrato é baseado na confiança. Por isso o contrato é intuito personae. No caso de contrato de comodato sem prazo determinado, o contrato findar-se-á uma vez desnecessário à conclusão do fim ao qual o bem fora concedido, conforme estabelecido pelo Código Civil, senão vejamos:
Art. 581. Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido; não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado.
Art. 582. O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante.
Assim sendo, indaga-se: caso o comodatário atinja o fim para o qual o comodato foi firmado ou, uma vez tornando-se o bem imóvel desnecessário para o atingimento de tal fim, é realmente necessária a constituição em mora do então comodatário para que o comodante receba os alugueis pela ocupação?
b) Da Posse
· Posse injusta
O instituto da posse compreende-se como um fato jurídico, gerador de um estado de aparência, que repercute em diversas esferas de direitos e obrigações.
Para a teoria subjetivista, de Savigny, o que importa é o aspecto subjetivo da posse, a qual é constituída por dois elementos[2]:
Corpus: elemento objetivo, material, que é a disponibilidade sobre a coisa.
Animus: é o elemento subjetivo, que diz respeito à intenção de ter a coisa para si.
Já pela teoria objetiva, de Ihering, para constituição da posse, basta que o sujeito disponha fisicamente da coisa. Assim sendo, para o Ihering, o corpus é formado pela atitude externa do possuidor em relação à coisa. Neste caso, o possuidor passa a agir, em relação à coisa, com intuito de explorá-la, inclusive economicamente. Essa teoria foi a adotada no Código Civil (art.1.196), o qual afirma que se considera possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade[3].
Portanto, para o Código Civil pátrio, detém a posse quem exerce sobre a coisa algum, ou alguns, dos poderes inerentes à propriedade.
A posse pode ser desdobrada em direta e indireta. Neste caso, o comodatário é possuidor direito, pois usa a coisa (sem alterar sua substância), exercendo um dos atributos da propriedade.
· Vícios objetivos da posse
Há vícios capazes de inquinar a posse, são eles: violência, clandestinidade e precariedade.
A posse violenta é aquela obtida por meio de esbulho, violência física ou moral contra a pessoa, tal como a ameaça.
A posse clandestina é aquela obtida às escuras, às escondidas, sem publicidade.
Já a posse precária, é aquela obtida com abuso de confiança ou abuso de direito. Ocorre quando, havendo obrigação de restituir, o possuidor não o faz, passando a sua posse a ser precária.
No caso de comodato ofertado para o atingimento de determinado fim, a posse exercida é justa enquanto buscada para completar sua finalidade. Entretanto, a partir do momento em que o fim é atingido ou impossível de ser atingido pela utilização do bem objeto de comodato, a posse torna-se injusta, porque precária, advinda do abuso de confiança, já que o comodante, diante do conhecimento de que o fim foi atingido (ou de que este será impossível de ser atingido pela utilização do bem) sabia que deveria devolver a posse do bem ou, ao menos, agir de boa-fé, cientificando o comodatário de tal fato e de que pretende quedar-se no bem mediante locação.
c) Danos Materiais
A responsabilidade civil pode ser contratual ou extracontratual. A responsabilidade civil contratual é aquela que surge em razão do inadimplemento de uma obrigação contratual[4].
Já a responsabilidade civil extracontratual, também conhecida como responsabilidade aquiliana, é a ofensa a um dever jurídico de não lesar outrem (princípio alterum non laedere ou neminem laedere). Encontra-se, tal previsão, no art. 186 do Código Civil, senão vejamos:
Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Ainda,
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Destarte, há quatro pressupostos básicos da responsabilidade civil: (i) ação ou omissão, (ii) causadora de um (iii) dano em razão da (iv) culpa daquele que agiu ou se omitiu.
(i) Ação ou omissão
É necessária uma conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva, para que haja a responsabilização. Este comportamento humano precisa ter uma carga de consciência e voluntariedade.
No caso em que haja a consciente e voluntária ocupação indevida, porque desnecessária ao tingimento dos fins do comodato, sem qualquer remuneração pela ocupação de imóvel alheio, há obrigação de reparar, com direito ao recebimento de alugueis pagos de acordo com o que normalmente é arbitrado em imóveis similares.
Veja-se, o comodato finda-se após terminada a razão para a qual foi concedido, segundo artigo 581 do Código Civil, de maneira que a não desocupação do bem, impede o proprietário de locá-lo a terceiro e de auferir fruto civis de seu próprio bem.
(ii) Culpa
A culpa lato sensu, também conhecida como culpa em sentido amplo ou genérica, engloba tanto dolo quanto a culpa em sentido estrito.
Dolo é a violação intencional, ou seja, é a vontade e consciência de praticar uma conduta. No direito civil, o dolo tem o mesmo tratamento da culpa grave, pelo que o indivíduo responde pelos danos que causou em sua totalidade.
Na culpa em sentido estrito, muito embora exista o desrespeito a uma norma, não há a violação intencional desse dever. Portanto, na culpa há uma conduta voluntária, mas se chega a um resultado involuntário. Todavia, o resultado era previsível, razão pela qual há a violação aos deveres objetivos de cuidado.
A doutrina, ainda, disserta sobre diferentes graus de culpa, noção advinda da redação do art. 944 do Código Civil; permitindo-se, diante da gravidade, a redução equitativa da indenização. Também existe a divisão em modalidades de culpa em sentido estrito: negligência, imprudência e imperícia.
No caso da responsabilização civil pelos frutos civis (alugueis) não obtidos pelo comodante, basta a voluntária atitude do comodatário em não desocupar o bem e de dar fim ao comodato para sua responsabilização.
(iii) Dano
O dano ou prejuízo é a lesão causada ao patrimônio da pessoa. A lesão que mencionamos pode ser uma lesão material ou imaterial.
O dano material é a lesão ao patrimônio material da vítima. Não somente lesão ao bem corpóreo que ele possui. Nessa modalidade de dano, a regra é a necessidade de comprovação do dano, não se admitindo que o dano material seja presumido.
Os danos materiais bipartem-se em:
a) Danos emergentes ou positivos, tratando-se do que a pessoa efetivamente perdeu; e
b) Lucros cessantes ou danos negativos, tratando-se daquilo que razoavelmente deixou-se de lucrar.
Neste caso de ocupação indevida do bem pelo fim do comodato em razão do atingimento de sua finalidade (ou tornando-se a finalidade impossível de ser atingida pelo comodato), são devidos lucros cessantes, correspondentes aquilo que a pessoa deixou de ganhar, uma vez que o proprietário deixou de receber os alugueis devidos pela ocupação.
(iv) Nexo causal
O nexo de causalidade é o elemento imaterial ou virtual da responsabilidade civil; é a relação de causa e efeito entre a conduta culposa e o dano suportado.
Nesta questão discutida há nexo de causalidade subjetivo, formado pela culpa genérica pela ocupação após atingida a finalidade do comodato (ou sua desnecessidade para atingir tal fim), sem autorização e sem pagamento de contraprestação pela posse direta.
Desse modo, ainda que não constituído em mora pelo comodante, o comodatário estará obrigado a pagar alugueis a título de perdas e danos (lucros cessantes) caso continue a utilizar o bem sem que haja a necessidade de tal utilização para atendimento do fim para o qual foi ofertado, já que a legislação pátria não exige, para pagamento de perdas e danos propriamente ditos, a constituição em mora.
d. Vedação ao enriquecimento sem causa
Ainda, é possível fundamentar a necessidade de pagar alugueis pelo tempo de ocupação de imóvel ofertado em comodato, pela ocupação indevida após atingida a finalidade do comodato (ou sua desnecessidade para atingir tal fim), sem autorização e sem pagamento de contraprestação pela posse direta, na vedação ao enriquecimento sem causa (art. 884 do CC/02).
O enriquecimento sem causa constitui fonte obrigacional, e sua vedação advém dos princípios norteadores do Código Civil pátrio, quais sejam, a função social das obrigações e da boa-fé objetiva.
O direito ao pagamento dos aluguéis não passa pela aferição da existência ou não de justa causa ou de boa-fé na ocupação do bem, mas, sim, pelo princípio que veda o enriquecimento de quem aufere exclusivamente o benefício econômico do uso de bem imóvel sem a devida contraprestação ao proprietário, impedido, por sua vez, de desfrutar plenamente do seu direito de propriedade.
Desta feita, uma vez impedido de utilizar-se de seu bem, o proprietário (anterior comodante) terá direito à contraprestação devida pelo tempo em que o então comodatário quedou-se no bem imóvel irregularmente, sem dar notícia, após atingida a finalidade do comodato (ou sua desnecessidade para atingir tal fim).
[1] Tartuce, Flávio. Manual de direito civil: volume único/Flávio Tartuce.7.ed.rev.,atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017, fl.799.
[2] Tartuce, Flávio. Manual de direito civil: volume único/Flávio Tartuce.7.ed.rev.,atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017, fl.944.
[3] Tartuce, Flávio. Manual de direito civil: volume único/Flávio Tartuce.7.ed.rev.,atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017, fl.945
[4] Tartuce, Flávio. Manual de direito civil: volume único/Flávio Tartuce.7.ed.rev.,atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017, fl.499.