Compreendendo a promulgação parcial da PEC do Calote (precatórios)  

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No dia 09 de dezembro de 2021 foi promulgada pelo Congresso a Emenda Constitucional nº 113 como resultado parcial da Proposta de Emenda à Constituição nº 23/2021, que, dentre tantas alterações, alterava a forma de pagamento de precatórios (dívidas judiciais) da União, modificava normas do regime fiscal e propunha o parcelamento dos débitos de municípios junto à previdência. Como pano de fundo da PEC, sempre esteve presente o discurso da necessidade de verbas para viabilizar o custeio de programas sociais de auxílio de famílias em situação de vulnerabilidade social.  

A proposta aprovada na Câmara dos Deputados instituía entre 2022 e 2036 um limite anual para pagamento de débitos judiciais pela União, estabelecendo uma ordem de pagamento que, na prática significaria que, uma vez atingido esse limite, os créditos excedentes entrariam numa fila crescente de pagamentos represados, adicionando vários anos de espera àqueles já decorridos durante tramitação dos processos em juízo. Além disso, o texto original proposto pelo Executivo - e aprovado na Câmara - previa a securitização da dívida pública. Tratava-se de tentativa de transferir para o mercado financeiro a cobrança de tributos, criando o risco de um orçamento oculto e de difícil controle. Felizmente, essa foi uma das alterações vetadas no Senado, dentre outras que alteraram o texto aprovado na Câmara. Diante da falta de consenso, a proposta retornou à Câmara para apreciação da redação dada pelo Senado, uma vez que modificações da Constituição exigem aprovação do texto final pelas duas casas legislativas, com votação em dois turnos de pelo menos 60¨% dos seus integrantes. 

A opção adotada pelos Presidentes do Senado e da Câmara foi de publicar a Emenda Constitucional 113 com o texto consensual  aprovado nas duas casas, prosseguindo a tramitação na Câmara dos Deputados dos demais dispositivos alterados pelo Senado, através de uma nova PEC. O Presidente da Câmara dos Deputados anuncia a intenção de realizar a votação da nova PEC (que tem o número 46/2021) a partir do dia 14 de dezembro próximo. 

O texto da EC nº 113 prevê a alteração de diversos dispositivos da Constituição para permitir, desde já, a compensação de débitos fiscais contra credores de precatórios, a utilização de créditos de precatórios, próprios ou adquiridos de terceiros, para quitação de débitos, compra de imóveis públicos, participação em leilões de privatizações e pagamento de outorga de delegações de serviços públicos. 

A EC nº 113 modificou também a forma de cálculo dos limites orçamentários previstos no art. 107 das disposições transitórias da Constituição, permitindo ao governo acrescentar dezenas de bilhões de reais de despesas já para o orçamento de 2022.  

Foi autorizado, ainda, o parcelamento de débitos de municípios pelo prazo de até vinte anos e acrescidos R$ 15 bilhões ao limite de despesas para o orçamento de 2021, destinados a despesas de vacinação contra a COVID-19 ou ações emergências e temporárias de caráter socioeconômico. 

No entanto, como a proposta de calote pela União aprovada pela Câmara foi modificada no Senado, seguirá esse assunto tramitando no Congresso. Assim, a sociedade brasileira continua sob ameaça da interferência do Executivo na efetividade das decisões do Poder Judiciário e, os credores seguirão inseguros quanto ao recebimento de seus créditos judiciais devidos pela União, salvo se aceitarem as condições aviltantes de deságio defendidas pelo Governo e que seguem presentes na PEC 46/2021. Desesperança e temor beneficiam instituições financeiras que irão adquirir esses créditos com desconto e utilizar pelo valor integral. Cabe lembrar que esse crédito adquirido por valor inferior ao inscrito no orçamento pode ser usado pelo valor de face como moeda de compra de bens, direitos, autorizações e outorgas públicas. É o mesmo que se uma pessoa comprasse um cheque de 100mil pagando apenas 50mil ao portador e usasse esse cheque para comprar um bem da União que vale 100mil. 

Essa proposta é flagrantemente inconstitucional, como já alertou a Ordem dos Advogados do Brasil, mas, caso seja aprovada produzirá enormes prejuízos à sociedade até que eventual decisão do Supremo Tribunal Federal venha a suspender sua aplicação.  

Nossa Constituição afirma a independência entre os Poderes, garante uma prestação jurisdicional efetiva e declara que todos são iguais perante a lei. No entanto, se aprovadas as alterações que seguem pendentes na Câmara dos Deputados, o Poder Executivo poderá, durante muitos anos, ignorar a autoridade das decisões judiciais colocando-se num patamar de superioridade em relação ao povo brasileiro.  

Sobre os autores
José Guilherme Carvalho Zagallo

Advogado, integrante do CNASP e da AAJ Rama Brasil1.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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