ROBÔS ASSUMINDO O SEU LUGAR?

14/12/2021 às 07:11
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O título desse artigo, é antes de mais nada, uma provocação, afinal por traz dos robôs atuais, estão homens que definem sobre o seu uso.

Amigo ou inimigo, é uma classificação extremista digna dos tempos atuais, e existe ai a primeira provocação, afinal nenhum robô despertou e decidiu ir para sua empresa tomar o seu lugar, eles são uma criação do homem atrás de conforto, eficiência, praticidade e principalmente melhoria nos resultados do seu negócio, seguindo a lógica capitalista.

Porém quando isso lhe afeta, o conjunto de valores se modifica, pois entra em cena mais do que um elemento ideológico, entra a sua necessidade primária de sobrevivência, de perda de espaço. Na sociedade, máquinas ficam obsoletas, e pessoas também ficam, afinal pense nas antigas ascensoristas de elevador? Nos cobradores de ônibus? Como imaginar sua atividade nos dias de hoje? Como pensar nessas funções laborais? Quando você procura comprar uma camiseta mais barata você levou em consideração que aquele preço foi possível graças a automatização (entrada de robôs no lugar de pessoas) daquela produção? Ou apenas o preço lhe importou? E se fosse o seu posto de trabalho? Você veria o robô como o amigo que ao entrar na produção reduziu o custo do produto ou como o seu inimigo que levou o seu emprego?

Não tenhamos dúvida, como bem destaca James Bride, na sua obra A Nova Idade das Trevas. Tecnologia e o Fim do Futuro: A tecnologia amplia poder e discernimento; mas, quando ela é aplicada de forma desigual, também concentra poder e discernimento. A história da automação e do conhecimento computacional, desde os moinhos de algodão até os microprocessadores, não é apenas de máquinas qualificadas que aos poucos tomam o lugar de operários humanos. É também uma história de concentração de poder em menos mãos, e concentração de discernimento em menos cabeças. O preço da perda de poder e discernimento é, por fim, a morte. Às vezes temos como avistar modalidades de resistência a essa poderosa invisibilidade. A resistência exige o entendimento tecnológico, em rede: exige que voltemos a lógica do sistema contra o próprio sistema.

Destaco que as abordagens para a relação entre homens e robôs, tomando a definição de robô da forma mais ampla possível, tendem a resultar em muitos modos tremendistas: os robôs que roubam nossos empregos e supostamente nos condenam a uma sociedade disfuncional com altas taxas de desemprego, a substituição de trabalhos manuais de pouco valor agregado ou dando lugar à eliminação de outros empregos cada vez mais sofisticados, e, em geral, a uma visão caracterizada pelo medo e negatividade.

Estamos realmente no processo de substituir pessoas por robôs? É claro. Qualquer questionamento é completamente absurdo ou ridiculamente ingênuo. Na verdade, os robôs têm tirado o emprego das pessoas há muitos anos.

O processo certamente começou, procurando uma origem e lugar específicos, nas fábricas têxteis de Nottingham no século XIX, e deu origem ao movimento ludita e aos ataques a teares e máquinas-ferramentas da época que poderiam, com sua mera instalação e uso, deixar sem trabalho dezenas de trabalhadores que anteriormente realizavam o trabalho de tecelagem e fiação completamente manualmente, dando aos proprietários das fábricas a oportunidade de escalar sua produção e dar origem ao sistema capitalista moderno que hoje conhecemos.

O uso de luditas e a comparação com essa atitude de destruição de máquinas que, eventualmente, acabaram gerando uma era de bem-estar muito maior, geração de riqueza excedente e condições de vida significativamente melhores para uma grande maioria da sociedade já é muito comum e bem desgastada. Apresentar essa comparação como evidência-chave é, de fato, de pouca utilidade, pois como bem destaca Henrique Dans, houve pouquíssimas ocasiões históricas em que os trabalhadores ou economistas aprenderam com a experiência dos outros.

A dinâmica do sistema capitalista nos leva a uma concorrência que implica em tomada de mercado com diferencial tecnológico, seja por meio da inteligência de produção, com a substituição de homens por máquinas ou de gestão, quando novos softwares automatizam processos e reduzem custos.

Já no século XX, a linha  de montagem de Henry Ford e sua capacidade de produzir grandes quantidades de veículos em velocidades inimagináveis na época foram alvo de fortes críticas de associações de trabalhadores e motoristas de transporte, que viram a nova máquina já se tornar popular, ao alcance de quase qualquer um, com um crescimento espetacular ameaçando seus empregos. A ideia de que a substituição de pessoas por máquinas é ruim se repete, apesar das evidências de que continuar a manter esquemas como fabricação manual no modo oficina ou transporte por carruagens, renunciando às vantagens e ganhos de eficiência do desenvolvimento da linha de montagem seria profundamente anacrônico, ou totalmente ridículo.

Se lermos Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee em sua Corrida contra a Máquina, a conclusão, no entanto, parece clara: desta vez é diferente, porque a capacidade das máquinas irá tão longe quanto substituir vantajosamente cada vez mais das tarefas que as pessoas podem fazer, o que significa que, de uma forma ou de outra, elas acabarão eliminando mais posições do que são capazes de criar.

Robôs já dirigem caminhões e substituirão muito em breve caminhoneiros, e quaisquer outros motoristas, substituirão atendentes de balcões de informação, secretárias, guardas de trânsito e de segurança, tudo podendo funcionar 24 horas por dia sem férias, ou outras vantagens funcionais, e podendo serem atualizados o tempo todo, com memória na nuvem e dispostos para toda e qualquer jornada de trabalho.

Cada dia mais, funcionários de atendimento ao cliente estão sendo progressivamente substituídos por chatbots cada vez mais realistas,  e pizzas e hambúrgueres estão prestes a ser encomendados, fabricados e enviados através de robôs, que a cada dia com acesso aos seus dados, e espero que respeitando a LGPD, saberão do seu gosto e das suas preferências, em uma experiência relacional cada vez mais customizada por suas preferências.

Mas à medida que exploramos o progresso da automação, e vendo que alguns empregos, ou mesmo alguns países, têm piores perspectivas na carreira de substituição do que outros, outras evidências parecem estar surgindo: a primeira, que antes da substituição completa, tudo indica que passaremos por uma fase em que trabalhadores cada vez mais preparados e sofisticados aprenderão a trabalhar cada vez mais com robôs.

Logo deve prevalecer a ideia de que certos empregos são muito melhores sendo substituídos, e que os países se sairiam muito melhor seguindo um modelo no qual se concentram em investimentos em infraestrutura que permitam a incorporação de tecnologias como internet das coisas, machine learning e inteligência artificial para melhorar o desempenho dos trabalhadores e manter a competitividade. A tecnologia elimina certos empregos, mas apenas a tecnologia é capaz de salvar os empregos do futuro.

Robôs vão tirar nossos empregos? Sim, em uma parte significativa deles, senão por completo ao menos em parte das tarefas. Porém evitá-lo só levaria a situações anacrônicas absurdas, como teria sido a tentativa de manter os motoristas de transporte a todo custo. Na realidade, o que os robôs vão fazer é abrir espaço para trabalhos que realmente fazem sentido, para tarefas que uma máquina não faz tão bem, para a redefinição de coisas que um homem pode fazer melhor graças à colaboração com máquinas. Ninguém pode parar a automação, pois tentar fazê-lo só aumenta o incentivo para alguém, em outro país ou em outra empresa, aproveitar para ser muito mais competitivo, para fabricar melhor, com mais qualidade, mais barato, ou tudo de uma vez, resultado da globalização, onde em algum lugar do mundo alguém faz o mesmo, mais barato e possivelmente melhor do que eu, gostemos ou não dessa ideia.

O futuro é o que é: continuar a desenvolver tecnologias melhores, mais eficientes, inteligentes e mais capazes de fazer mais, e preparar o homem para trabalhar o melhor possível com elas. E quem não entender isso terá, sem dúvida, de se colocar na fila do desemprego.

É sempre bom lembrar um antigo anúncio da IBM, publicado nos anos 80 e que é muito utilizado como ilustração para o momento em que: duas pessoas assistindo a uma escavadeira, a primeira lamentando as doze pessoas com pás que poderiam estar trabalhando lá, e a segunda lembrando-lhe que se é uma questão de empregar mais pessoas, esse mesmo trabalho poderia ser feito por duzentos pessoas equipadas com colheres de chá.

Priorizar a eficiência no lugar da geração de emprego é o que defende  Milton Friedman, que já nos anos 60 e, antes do político canadense William Aberhart, que a usou para mostrar o absurdo de priorizar a geração de empregos à eficiência. É claro que podemos empregar mais pessoas se o que lhes fornecê-las são ferramentas inadequadas, mas na realidade, o propósito de empregar pessoas é fazer um trabalho, e qualquer coisa que contribua para que esse trabalho seja feito de forma menos eficiente é, como tal, negativo (Eu pensei que o que você queria era fazer uma represa se você quiser manter as pessoas ocupadas, dê-lhes colheres de chá.)

Vivemos em tempos em que a discussão sobre máquinas, algoritmos, robôs ou qualquer outra tecnologia que deslocou humanos de seus empregos está se tornando cada vez mais difundida.

Mas afinal o que os pobres taxistas e caminhoneiros vão fazer quando os veículos dirigirem sozinhos? E operadores do mercado de ações quando são algoritmos que compram e vendem ações? Oh, meu Deus, planejadores de publicidade, agora que a grande maioria da publicidade é negociada por máquinas em tempo real, sem mencionar operadores de call-center, operadores de atendimento ao cliente ou linhas de caixa de supermercado!

Priorizar a geração ou manutenção de empregos é absurdo uma vez que é demonstrado que um trabalho pode ser feito por uma máquina com maior qualidade e eficiência. Não faz sentido. Por muito tempo, temos visto inúmeros empregos desaparecerem, simplesmente porque uma tecnologia os tornou redundantes, desnecessários ou os fez perder o sentido. Agora, o ritmo da tecnologia acelerou, o número de tarefas que uma máquina é capaz de fazer melhor do que um homem cresce rápido, e todos nós temos medo de ser o próximo.

Sim, é um problema. Mas sua solução nunca será impedir o uso da tecnologia ou tributá-la com impostos que a tornem menos competitiva. A solução será melhorar a flexibilidade da preparação das pessoas para que elas possam fazer outras coisas, melhorar a educação para que elas sejam mais versáteis ou se adaptem a outras tarefas, se reinventar profissionalmente, procurar outras tarefas que possam gerar valor, ou, em última instância, ter uma rede de segurança social que lhes permita não ficar abaixo da linha de pobreza. Soluções sociais, políticas ou educacionais que tendem a uma redefinição do conceito de trabalho, em direção a um trabalho transformado em algo que alguém quer fazer porque encontra significado e gera valor para alguém, e que em qualquer caso será muito mais interessante do que a alternativa absurda de tentar impedir que a tecnologia o faça. Entre outras coisas, porque na atual estrutura econômica, impedir o uso de tecnologia que traga eficiência é completamente impossível: sempre haverá uma empresa em um país que tem interesse e possibilidade de usá-la, que assim adquire uma vantagem competitiva, e que desloca outras no mercado.

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Em um mundo globalizado seu concorrente pode estar em qualquer lugar do mundo, e muitas vezes nem é do mesmo setor, basta apenas disputar pelo mesmo bolso do consumidor.

Então são nossos inimigos, também os chatbots que eliminam empregos. Mas eles também criam outros, e enquanto os primeiros eram profundamente alienantes, sem esperança, mal pagos e alta rotatividade, estes últimos oferecem possibilidades muito mais interessantes.

Gostemos ou não, será o conhecimento e o acesso a ele e a necessidade de se criar políticas intensivas de mão de obra, que vai permitir passar por esse período de substituição do homem pela máquina, agora no setor de serviços.

Algumas dessas experiências são brutais.

Veja o caso da Amazon, e da desigualdade criada pela escala, e automatização dos processos, e também devido a chamada opacidade dos sistemas tecnológicos. Um bom exemplo que foi dado por James Bride na obra citada acima: Em março de 2017, a Amazon comprou a Quidsi, empresa que construiu um grande negócio com base em mercadorias de baixo custo e alto volume, como produtos para bebê e cosméticos. Chegaram lá sendo pioneiros na automação em todos os níveis da cadeia logística, retirando os humanos do processo. O centro de operações da Quidsi é um imenso depósito em Goldsboro, Pensilvânia, e no meio dele fica uma área de 18.500 metros quadrados marcada com tinta amarelo-clara e rodeado de placas. Esse espaço é lotado de prateleiras, sendo cada unidade de 1,80 metro de altura e bastante profundidade, cheia de mercadorias, nesse caso, fraldas e outros produtos para recém-nascidos. As placas são de advertência. Seres humanos não podem entrar no local para pegar os produtos, pois ali quem trabalha são os robôs. Dentro da zona robô, 260 losangos laranja-claros, de 250 quilos cada um, giram e levantam, enfiam-se sob cada unidade de armazenamento e as carregam até as beiras da zona, onde catadores humanos ficam à espera para acrescentar ou tirar pacotes. São robôs Kiva: autômatos de depósito que circulam incansavelmente pela mercadoria, seguindo as marcações no chão que seus computadores conseguem ler. Mais rápidos e precisos do que operadores humanos, eles cuidam do trabalho pesado, o que possibilita à Quidsi que é dona do domínio Diapers.com [Fraldas.com] despachar milhares de pedidos todos os dias só a partir desse depósito. Havia algum tempo que a Amazon estava de olho no uso que a Quidsi fazia dos Kiva, mas já estava trabalhando em suas próprias formas de automação muito antes de comprar a empresa.

Nesse caso o gigante de tecnologia, não estava de olho na incorporação de uma linha de produtos, que por sinal a Amazon já tem, mas na utilização de robôs na logística para se replicar o modelo para todo mundo.

E o que fazer com os milhares de empregos ceifados na substituição de homens por robôs?

Esse é o momento de se preparar um conjunto normativo que obriga quem pretenda automatizar a preparar essa mão de obra para realocação.

Afinal os inimigos não são os robôs, mas a lógica do sistema que procura hoje e ontem na tecnologia uma forma de melhorar os resultados, mesmo que às custas do seu emprego.

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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