Acordo proposto na execução pelo devedor e não cumprido é passível de multa?

Exibindo página 1 de 2
15/12/2021 às 10:01
Leia nesta página:

 

1 Introdução. 2 Boa-Fé: Venire Contra Factum Proprium.  3 Ato Atentatório à Dignidade da Justiça. 4 Proposta de Acordo Descumprida Pelo Devedor: Violação da Boa-fé e Ato Atentatório à Dignidade da Justiça. 5 Considerações Finas.

 

1 - Introdução

Buscar a satisfação do crédito por meio de acordo é plenamente possível. Cabe ao devedor o cumprimento integral do acordo.

Contudo, quando o devedor oferece um ajuste e não cumpre. É possível a punição por essa conduta?

Em virtude da vedação ao comportamento contraditório e da utilização de meios ardis e artificiosos, deve-se impor a multa por ato atentatório à dignidade da justiça.

O trabalho apresentará esses dois temas, juntando-os a fim de apontar como o devedor pode ser responsabilizado por se valer de acordo alguns casos para atrapalhar ou atrasar o cumprimento da obrigação.

 

2 Boa-Fé: Venire Contra Factum Proprium

Sabe-se que o processo civil, além de outros princípios, é alicerçado nos princípios da boa-fé processual, nos termos do Ar. 5 do CPC, in verbis:

Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

 Nesse contexto, entende-se que o Art. 5º é norma que impõe condutas em conformidade com a boa-fé objetivamente considerada, independentemente da existência de boas ou más intenções[i]. Isso quer dizer que a boa-fé processual se preocupa com conduta do indivíduo, permitindo e proibindo determinadas ações. Cita-se, por exemplo, a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium).

 Venire contra factrum proprium significa vedação ao comportamento contraditório. É uma aplicação da boa-fé objetiva.

 Nesse contexto, ao falar da vedação à conduta contraditória, esclarece Fredie Didier Jr que trata-se de proibição de exercício de uma situação jurídica em desconformidade com um comportamento anterior que gerou no outro uma expectativa legítima de manutenção da coerência. Em resumo, as partes devem manter a coerência, evitando-se serem contraditórias. Não pode praticar uma conduta hoje e, oportunamente, praticar outra que entra em conflito com a primeira.     

 No mesmo sentido, segue-se a jurisprudência:

  Os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a parte, após praticar ato em determinado sentido, venha a adotar comportamento posterior e contraditório (STJ, 5ª T., AgRg no REsp 1.099.550/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, ac. 02.03.2010, DJe 29.03.2010).

 

3 Ato Atentatório à Dignidade da Justiça

Consoante a redação do Art. 774, II, do CPC, tem-se como conduta atentatória à dignidade da justiça, o executado que se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos.

Meio ardil significa um processo para enganar[ii], tem como sinônimo: artimanha, astúcia, armadilha. Por seu turno, entende-se por mecanismo artificioso algo que demonstra astúcia; que engana [iii], tendo sinonímia com enganador.

Desta forma, o executado utilizando meios para burlar a satisfação do crédito, de modo a enganar o credor implica conduta incompatível com a boa-fé, merecendo a aplicação de multa por praticar ato atentatório à dignidade da justiça. Cita-se, por exemplo, a proposta de acordo ofertada pelo devedor e aceita pelo credor e, posteriormente, não cumprida pelo primeiro. 

 

4 Proposta de Acordo Descumprida Pelo Devedor: Violação da Boa-fé e Ato Atentatório à Dignidade da Justiça

É comum as partes transacionarem sobre o objeto da execução. Isso é perfeitamente aceitável. Geralmente, o devedor oferece um acordo ao credor, informando quais seriam os termos da parcela, sendo facultativo ao credor a aceitação. Caso o credor aceite o acordo, o juiz realiza o sobrestamento do feito até o integral cumprimento do ajuste.

Contudo, há diversos ajustes que servem para atrasar o cumprimento da obrigação ou ganhar tempo para transferir/ocultar patrimônio. O devedor oferece um acordo e o credor aceita e, posteriormente, o primeiro deixa de honrar com o ajuste ofertado.

Ao deixar de honrar com o acordo, o devedor pratica uma conduta contraditória. Isso porque gerou a expectativa no credor de que a obrigação seria satisfeita, violando a boa-fé objetiva, notadamente no que tange à vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium). 

Nota-se que o devedor se valeu de ajuste para enganar o credor, de modo a ganhar tempo ou atrasar o cumprimento da obrigação. Desta forma, além de realizar um comportamento contraditório, frustrou as expectativas de satisfação da obrigação, merecendo a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça, nos termos do Art. 774, II, do CPC. 

É interessante que o juiz na decisão de sobrestamento do feito até o integral cumprimento da obrigação, faça um alerta que o não cumprimento será considerado ato atentatório à dignidade da justiça em virtude do venire contra factum proprium.

Consigna-se que antes de aplicar a multa, o juiz deve intimar o devedor para que ele comprove a impossibilidade do não cumprimento do acordo. Caso o devedor, regularmente intimado, mantenha-se inerte a multa deve ser aplicada em virtude do ônus da prova que recai sobre o do devedor.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

 

5 Considerações Finais

Ao que se apura do trabalho realizado, as partes podem transigir sobre o objeto da execução, mas espera-se que boa-fé prevaleça durante o cumprimento do ajuste, de modo a evitar frustrações.  Havendo ajuste ofertado pelo devedor e não cumprindo conforme proposto, em razão do comportamento contraditório e da utilização de meio ardil e artificioso para atrapalhar o cumprimento da obrigação, de modo a enganar o credor, aplica-se a multa por ato atentatório à dignidade da justiça, nos termos do Art. 774, II, do CPC.

 



[i] DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, 2018, pág. 134.

[ii] XIMENES, Sérgio. Minidicionário Ediouro da Língua Portuguesa. 2º ed. reform São Paulo: Ediouro, 2000, pág. 78.

[iii] DICIO. Dicionário Online de Português. Artificioso. Disponível em:< https://www.dicio.com.br/artificioso/ >. Acesso em: 15.12.2021.

Sobre o autor
Daniel Abdias Barbosa Junior

Bacharel em Direito. Pós-Graduando em Advocacia Cível. Ex-Estagiário do MPSP (2018-2020). Aprovado no Exame de Ordem XXXII. Formação Complementar: Expert em Execução (40h);Curso O Novo CPC pela Anhanguera Educacional (60h); Introdução ao CDC pelo Instituto Legislativo Brasileiro (40h); Doutrina Política: Novas Esquerdas pelo Instituto Legislativo Brasileiro (20h).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos