O direito de cidadania e os novos movimentos sociais no Brasil

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O DIREITO DE CIDADANIA E OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

Resumo: Os movimentos sociais ocorrem, normalmente, como modo de ocupações e passeatas com a finalidade de incentivar o maior número de pessoas que se identifique com a causa (CASTELLS, 2013). A história dos movimentos sociais no Brasil teve início durante o período colonial e, no século XX, surgiram novos movimentos. Este artigo tem a finalidade de discutir sobre os movimentos sociais no Brasil, principalmente os novos movimentos sociais que surgiram no século XXI e sua contribuição para a cidadania e para a cultura política.

Palavras-chave: Movimentos Sociais. Cidadania. Cultura Política.

1.Introdução

Para Montaño (2010), os movimentos sociais são demonstrações do processo de organização da classe trabalhadora, das lutas sociais e de classes. No Brasil, o movimento operário sofreu influências de ideias anarquistas introduzidas pelos imigrantes europeus. A classe operária, na luta pela emancipação, começa a organizar os sindicatos nos primeiros anos do século XX, período caracterizado pelas mobilizações sociais e greves em busca de melhores salários e condições de trabalho.

Contudo, o perfil dos movimentos sociais vem se transformando em função da mudança da conjuntura política que se estabeleceu no Brasil ao longo dos anos (SILVA, 2006). Para Almond (apud Martins, 2010, p. 70), movimentos sociais são o instrumento de comunicação entre eleitos e eleitores no sentido em que configuram uma vasta rede de comunicação entre os principais agentes do sistema político e os cidadãos.

Como expressões dos movimentos de luta, os movimentos sociais são atores políticos do processo de configuração das políticas sociais, contexto em que as necessidades dos indivíduos viram demandas reivindicadas por meio de mobilizações (SILVA, 2006).

Segundo Craveiro & Hamdan (2015), os novos movimentos sociais nasceram como uma tática complementar e opcional para os movimentos de classe tradicionais e aos partidos políticos de esquerda. Neste artigo, discute-se sobre os movimentos sociais no Brasil, principalmente os novos movimentos sociais que surgiram no século XXI.

2. Movimentos sociais no Brasil: história e evolução

Para Manuel Meirinho Martins, no livro Cidadania e Participação Política (2010), é importante a participação do cidadão para uma sociedade mais democrática e as novas tecnologias da comunicação e informação são fundamentais para o aumento e diversificação dos instrumentos ofertados para o envolvimento dos cidadãos na estruturação de políticas públicas.

No entanto, quando os primeiros movimentos sociais apareceram não foram vistos com bons olhos. No início do século XX, tais movimentos tinham relação com as mobilizações operárias, com os sindicatos e com os partidos (DOIMO, 1995; GOSS e PRUDÊNCIO, 2004 apud LERBACH, 2011).

Doimo (1995 apud LERBACH, 2011) esclarece que, na década de 60, falar em movimentos sociais era sinônimo de falar da classe operária. Por conta disso, outras formas de reivindicação, mesmo que de natureza diferente, eram excluídas.

Na década de 70, para Ernesto Laclau (1986 apud LERBACH, 2011), os movimentos apresentavam três características principais: a identidade dos agentes, o tipo de conflito e o espaço político integrado.

Nos anos 70 e 80, no Brasil, ocorreu forte mobilização e reivindicação política (GOHN, 2007, p. 70 apud LERBACH, 2011, p. 05). Esse período foi definido por Colbari (2003 apud LERBACH, 2011) como sendo a idade de ouro dos movimentos sociais.

O tema movimentos sociais foi muito pesquisado no Brasil nos anos 80. Já na década de 1990, no período pós-ditadura, com as mudanças na economia e com a globalização, os movimentos sociais passaram por transformações em relação ao Estado (GOHN, 2005; 2006 apud LERBACH, 2011).

Se antes a essência dos movimentos sociais era a autonomia, na década de 1990, há uma troca pela cidadania, prevalecendo a ideia de que as pessoas são dotadas de direitos e deveres e que precisam ter participação civil e responsabilidade social (GOHN, 2005 apud LERBACH, 2011).

Ressalta-se que os movimentos sociais antes da década de 90 vivenciaram um período de enfraquecimento e se fortaleceram. Gohn (2013) fala ainda que alguns movimentos e causas ganharam força a partir da década de 1990, como o Movimento Sem Terra no Brasil, o movimento indígena na América Latina, entre outros.

Gohn (2013) destaca que, para alguns autores, nos anos 2000, os movimentos sociais são substituídos pelas redes, já para outros, é só um recurso a ser usado pelos movimentos e, numa terceira percepção, a definição de rede é vista dentro do campo das práticas civis, sem uma conotação política.

Ainda conforme Gohn (2007), os movimentos sociais sempre foram diversificados em relação às temáticas e demandas, mas nos anos 90 se estabeleceram como redes dentro do próprio movimento social e redes com outros sujeitos sociais.

A preocupação das instituições políticas, nomeadamente dos partidos, em desenvolver acções que visem a mobilização dos cidadãos para a participação política, se centra exclusivamente nos períodos eleitorais, confinando-se as intervenções essencialmente ao campo da participação eleitoral, pelo que a concepção dominante é a democracia representativa, com peso significativo do sufrágio eleitoral (MARTINS, 2004, p. 709).

A ideia de rede de movimentos sugere procurar maneiras de articulação entre o privado e o universal, procurando ligações entre as identidades dos vários atores sociais. Não há unidade entre os novos movimentos sociais, tanto em relação aos diversos tipos de movimentos, como em relação aos movimentos iguais, porém em distintos espaços geográficos.

Atualmente, os movimentos sociais vêm estabelecendo e levando ao espaço público temas e questões anteriormente considerados como de domínio privado e individual como as relações étnicas e de gênero, homossexuais, para serem discutidos no contexto coletivo e público, formando objetos de políticas públicas.

Os movimentos sociais em setor global significam uma procura por melhorias sociais, tanto no campo social quanto na implementação de elementos legais básicos. É uma luta permanente, diante das intempéries do dia a dia e à velocidade da informação.

Um dos aspectos mais evidenciado na relação entre a democracia e a cidadania é o que aceita que está <<integra um conjunto complexo de instituições e envolve uma multiplicidade de canais de representação e de locais para a tomada de decisões autoritárias>> (SCHMITTER, 1992: 426). Neste caso, a democracia carece da intervenção dos cidadãos nessas instituições como parte integrante da comunidade política, pelo que a cidadania não se pode reduzir ao exercício periódico do voto, mas deve também ser extraída através da influência na seleção de candidatos, da pertença a movimentos e associações políticas e sociais, do exercício de direitos de petição, do envolvimento em protestos de tipo não convencional, entre outras formas de acção política e social (MARTINS, 2010, p. 64)

Dentro da mobilidade em rede, os movimentos sociais se fundamentam para procurar mais amplitude em sua temática proposta, buscando esclarecer as necessidades e divulgar lutas, choques, questionamentos, procurando por melhorias sociais, culturais, políticas, dentre outras.

O sufrágio corresponde à expressão de um direito que reconhece ao indivíduo a possibilidade de intervir no processo de seleção dos governantes que acedem a esta condição através da eleição política. Traduz, basicamente, uma condição de cidadania política que é independente do seu uso. O exercício deste direito implica um ato voto que manifesta uma escolha especificamente destinada à legitimação do mando (MARTINS, 2010, p. 149).

Segundo Bringel e Echart (2008 apud MIRANDA; FRAGA, 2017), o que se constata é uma restrição acerca das probabilidades de explicação das relações entre os movimentos sociais e a democracia. Existe uma visão global dos movimentos sociais que não se pode esquecer e sua completa relação com a democracia, analisados os impactos da globalização, tornam-se item essencial para esclarecimento.

Desse modo, existe uma finalidade para atuação dos movimentos sociais na área internacional, cujas relações derivam da democratização. Elas podem passar por transformações quando acontece união em movimentos e redes transnacionais, unido à estrutura clássica.

A relação entre a cultura política e a participação política é evidenciada por diversos autores, nomeadamente os que defendem a ideia da democracia deliberativa, como corrente teórica que entende o processo político não como uma mera competição por interesses individuais, na perspectiva do proposto pelos modelos da escolha racional. De acordo com aquela corrente, a participação política envolve uma atividade pública que requer que os indivíduos adoptem pontos de vista cívicos, orientados para a realização do bem comum, pelo que não pode ser reduzida às escolhas dos cidadãos, entendidos como consumidores numa óptica de mercado (ELSTER, 1999 apud MARTINS, 2010, p. 71).

Os movimentos sociais são vistos como intérpretes internacionais não-estatais; como associações civis, as organizações não governamentais e os movimentos sociais surgem nesse novo século como movimentos sociopolíticos e culturais.

A sociedade internacional que se desenvolveu a partir dos anos 90 e o modelo de associativismo que vem se energizando e tomando espaço desde os anos 2000 estão qualificados pelo perfil dos movimentos sociais de se organizarem e se articularem em redes (GOHN, 2013, p.11).

Atualmente, os movimentos sociais virtuais, em rede, estão altamente rápidos e globalmente situados. As comunidades virtuais, facilitadas pelas redes virtuais, estão espalhadas pelo mundo. A questão é se esses grupos revigoram as instituições civis através da comunicação ou somente criam a ilusão de ação sem um impacto real.

Um princípio ou como uma fórmula de organização estruturante das democracias, assente no reconhecimento da cidadania enquanto mecanismo que possibilita ao cidadão a interferência na vida política (MARTINS, 2008, p. 19).

Os grupos e movimentos sociais empregaram muito bem as redes sociais como tática de divulgação, mostrando organização e embasamento para as demandas (MIRANDA; FRAGA, 2017).

É importante observar que os movimentos sociais que se espalharam pela Internet não geraram a falta de interesse em ocupar os espaços urbanos. A discussão acerca dos movimentos sociais em rede permeou e se desenvolveu por meio da veiculação de mídias nas redes sociais e na internet.

A representação política respeita um método de decisão (fórmula) que suporta um sistema de governo indirecto nas sociedades complexas, assente na legitimação política dos governantes pelos governados, de quem recebem autoridade por mecanismos eleitorais (instrumentos de legitimação) para tomar e aplicar a decisões de âmbito geral (interesse geral) (MARTINS, 2008, p. 26).

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Perante a impotência da sociedade fez-se imprescindível a procura por opções. A internet foi uma das alternativas que os movimentos sociais escolheram para apontar e ampliar suas vantagens de lutas e necessidades em nível local até a escala mundial. Esses movimentos colaboraram para o estabelecimento de agendas de políticas públicas (MIRANDA; FRAGA, 2017).

Ao observar os movimentos sociais em rede verifica-se a adaptação das relações mais horizontalizadas. Todavia, as redes, como as relações sociais em geral, estão cercadas de relações conflituosas, de poder, como também de solidariedade, harmonia e compartilhamento.

Desse modo, o que interessa saber é como ocorre o balanceamento entre as diversas tendências, como se regulam os conflitos, como interagem solidariedade e conflito, como ultrapassar a divisão dos movimentos sociais e como desenvolver práticas que levem à equação das contestações.

Assim, os movimentos sociais são intérpretes coletivos, que compreendem a si mesmos de terem interesses comuns em, pelo menos, alguma parte significativa de sua existência social (SCOTT, 1990, p. 6 apud MIRANDA; FRAGA, 2017).

Importante ressaltar que, mesmo sendo coletivos, os movimentos sociais diferenciam-se dos outros atores coletivos, sobretudo aqueles que tem relação com a mobilização em massa, possuidores de influência e poder.

Os movimentos sociais em rede não têm oposição ao início da democracia representativa, porém apontam a prática da democracia como acontece hoje e não reconhecem sua validade. Nas últimas décadas, os movimentos sociais passaram por um processo de transformação, isso porque foram influenciados pelo desenvolvimento das políticas públicas e sociais.

Atualmente, as reivindicações dos novos movimentos sociais em relação às políticas públicas e sociais estão mais voltadas para a melhoria das condições de vida da população brasileira, que corresponde desde o acesso à educação, saúde, moradia e saneamento básico à luta por ética, dignidade e respeito às minorias e às demandas pós-materialistas.

  1. Novos movimentos sociais no Brasil

Os movimentos sociais surgiram decorrentes dos conflitos entre as classes sociais, tendo uma dimensão grupal e não particular, que objetivavam a mudança da sociedade através da eliminação do capitalismo. Segundo Gohn (1995, p. 444), os movimentos sociais abordam

ações coletivas de caráter sociopolítico, construídas por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles politizam suas demandas e criam um campo político de força social na sociedade civil. Suas ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em situações de: conflitos, litígios e disputas. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva ao movimento, a partir de interesses em comum. Esta identidade decorre da força do princípio da solidariedade e é construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo.

Nos anos 70, apareceu uma nova corrente interpretativa acerca dos movimentos sociais, chamada, segundo Silva (2001) de teoria de Mobilização de Recursos, que procura entender as ações coletivas através da avaliação comportamentalista-organizacional.

A teoria ressalta que os movimentos sociais são resultantes da união de grupos que têm interesses semelhantes e que, juntos, através da ação coletiva, anseiam por estratégias para conseguir alcançar seus objetivos.

Essa mesma teoria de Mobilização de Recursos compara os movimentos sociais aos fenômenos sociais que apresentavam características semelhantes, por exemplo, um partido político. A teoria só considerada um movimento social quando frente a oportunidades políticas adequadas (ALONSO, 2009).

Ainda segundo Alonso (2009), a teoria de Mobilização de Recursos nasceu para explicar os movimentos sociais e também a teoria dos novos movimentos sociais. A teoria apresenta demandas simbólicas que envolvem reconhecimento de identidades e de estilo de vida.

A teoria dos novos movimentos sociais discute a probabilidade da revolução fundamentada no marxismo. Procura transformações culturais, ao contrário de uma transformação revolucionária que geraria uma sociedade sem separação de classes.

Segundo Gohn (1995, p. 44), o debate acerca dos novos movimentos sociais

(...) foi expressão cunhada na Europa, nas análises de Clauss Offe, Touraine e Melucci e diz respeito aos movimentos sociais ecológicos, das mulheres, pela paz e etc. Os novos movimentos se contrapõem aos velhos movimentos sociais, em suas práticas e objetivos, ou seja, se contrapõem ao movimento operário-sindical, organizado a partir do mundo do trabalho.

Percebe-se que o debate relacionado aos novos movimentos sociais é justificado uma vez que os movimentos que ultrapassam o conflito de classes incluem questões culturais. Montaño; Duriguetto (2010) asseguram que os chamados novos movimentos sociais, ou seja, os movimentos sociais contemporâneos aparecem em meados do século XX e têm enquanto finalidade completar as lutas de classe do movimento clássico e tem como objetivo complementar ou servir de alternativa aos partidos políticos de esquerda e aos movimentos de classe tradicionais.

Bihr (1998) mostra as duas características dos novos movimentos sociais. A primeira tem relação com as mobilizações fora da área do trabalho e da reprodução da força de trabalho, onde os participantes não têm envolvimento com o movimento operário. A segunda refere-se aos novos movimentos sociais que têm uma postura anti-Estado e anti-partidos políticos revolucionários.

Os novos movimentos sociais vieram, segundo Medeiros (2014), de novas demandas colocadas à sociedade contemporânea que pede respostas distintas. Essas demandas são concretizadas em atividades de manifestações como ocupações e passeatas de ruas, gerando uma mobilização social, como é o caso dos movimentos com manifestações contra a corrupção e a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o #elenão e o #ninguémsoltaamãodeninguém, que surgiram durante o período eleitoral de 2018 contra o candidato e hoje presidente da república Jair Bolsonaro e contra o discurso de ódio.

Para Medeiros (2014), no entanto, ir às ruas protestar contra a corrupção, por exemplo, não representa um movimento social, já que é um tipo de ação esporádica, mesmo que movimente um grande número de manifestantes, mesmo que tenha representantes de movimentos sociais e populares, não caracteriza um movimento social. Ainda segundo Medeiros (2014), esses protestos e mobilizações são frutos da articulação de membros dos movimentos sociais.

Um movimento social, considerado o maior do Brasil depois das Diretas Já, ocorreu em junho de 2013: foi o Movimento do Passe Livre (MPL). Levou cerca de 1 milhão de pessoas para as ruas de diversas cidades. Esse movimento se apresenta como apartidário, com cunho social. O MPL reivindicava a anulação do aumento das tarifas de transporte público, o fim dos gastos nas obras para a Copa do Mundo de 2014, além da reforma política, reforma social, reforma nas leis de saúde, transporte e na educação (MEDEIROS, 2014).

Medeiros (2014) ressalta que os movimentos sociais estão mudando. Hoje, os movimentos sociais lutam pelo social e cultural. Os novos movimentos sociais buscam transformações nos valores das identidades para o gênero, as orientações sexuais etc. Por exemplo: movimentos LGBTq+ e feminista. Outros exemplos de novos movimentos sociais: contra o racismo, a favor dos indígenas e da demarcação de terras, contra as queimadas na Amazônia, contra o desmatamento, a favor do meio ambiente e da sustentabilidade, veganistas, antirruralistas, anticonsumo, catadores de materiais recicláveis (MNCR), sem-terra (MST), sem-teto, antiglobalização etc. Cada um com sua bandeira de luta, mas sem estar à procura de tomar o poder.

  1. Relevância dos movimentos sociais para a sociedade

Os movimentos sociais consistem em uma forma de manifestação coletiva da sociedade frente a uma norma ou lei, ou decisão governamental, que gere prejuízos à sociedade ou a direitos conquistados em determinado período.

Os novos movimentos sociais nasceram como movimentos democráticos, reunindo diversos grupos que debatiam acerca de temas da atualidade. Representam uma busca por melhorias, tanto no campo social quanto na implementação de elementos legais fundamentais.

Nas novas formas de participação política, Inglehart inclui ainda os novos movimentos sociais, dado que representam um tipo de participação com grau inferior de mobilização tradicional, configuram ou incorporam em maior grau os valores individuais, ideológicos e capacidades políticas... (MARTINS, 2010, p. 270-271)

Segundo Lambertucci (2009, p. 82), os sindicatos, as ONGs, e os diversos movimentos de luta conquistaram importantes direitos de cidadania ao longo da história brasileira.

A relação entre movimento sindical, movimentos sociais e partidos políticos, no Brasil, estabelece um conceito marxista de luta de classes que explica as contradições de interesse dos trabalhadores e dos empregadores.

Martins (2004, p. 42) caracteriza a interferência dos cidadãos na vida política como um envolvimento ativo e passivo, ficando o envolvimento máximo compreendido como sendo

um modo de viver específico assente na participação plena dos cidadãos na vida pública, visando a realização do ideal democrático do auto-governo e a correspondente superação da cisão entre governantes e governados e a participação passiva próxima das acções que não pretendem influenciar directamente as decisões políticas, ainda que possam assumir um carácter instrumental tendo em vista aquele objetivo (MARTINS, 2004, p. 42).

As experiências de gestão participativa que são os conselhos gestores de políticas públicas e orçamentos participativos, no Brasil, são consideradas exemplos importantes dos movimentos sociais como sujeitos políticos e interlocutores no espaço público. Segundo Gohn (2013), estamos em um período de política de identidade com programas públicos e a criação de conselhos e secretarias voltadas para determinados grupos populacionais nas políticas públicas desenvolvidas pelos governos de orientação progressista. Isso fez nascer um novo tipo de relação entre movimentos sociais, governos e o revigoramento do clientelismo político com a expectativa de ganhos para os grupos que dão excessivo apoio eleitoral e político aos partidos e coalizões governantes.

O recurso a formas de participação política não convencionais é também explicado por vários autores, pelo surgimento de novos movimentos sociais. Estes termos conceptuais, estes movimentos são geralmente entendidos como conjuntos sustentados de interação social que, ocasionalmente disputam às organizações institucionalizadas (ex.: partidos, grupos de interesses de pressão, etc) a representação de interesses sociais ou que solicitam a reformulação das relações existentes entre o Estado e a sociedade civil (Jenkins e Klandermans, 1995, p. 5 apud Martins, 2010, p. 247-275).

Um papel importantíssimo da execução das políticas públicas é atribuído aos movimentos sociais. Lambertucci (2009, p. 72) diz que as contribuições dos movimentos e organizações sociais impactam as políticas públicas e são garantias de execução, isto significa uma mudança na relação com a sociedade civil e um autêntico reconhecimento do papel das entidades.

Para os movimentos sociais, nos últimos anos, a promoção de partidos como o Partido dos Trabalhadores e aliados aos cargos municipais e estaduais expressou também a introdução dos comandos dos movimentos nos órgãos estatais em cargos de confiança e a população passou a ocupar os espaços institucionais como os conselhos gestores de políticas públicas e orçamentos participativos (BRAGA, 2015). Nesse contexto, os movimentos sociais precisam se colocar à disposição do processo de formação dos arranjos participativos em uma expectativa propositiva e colaboracionista, provocando uma troca de estratégias de ação direta e confronto, pela negociação e colaboração.

Ponderando sobre a participação política, Martins (2004) cita comportamentos como a crescente participação política dos cidadãos eleitores; a aceitação dos partidos e o aumento do apoio ao regime e às autoridades; e a não agregação imprescindível entre o desprendimento político e a ação dos agentes políticos. Ainda para Manuel Meirinho Martins, a aparente indiferença política precisa ser relativizada, já que pode ser uma amostra da satisfação com o funcionamento da democracia, uma indiferença consciente ou um conformismo por conta do ao desaparecimento dos conflitos sociais.

O sentimento de cidadania ativa vem crescendo através dos novos movimentos, das manifestações, marchas e ocupações. São os movimentos que simbolizam uma nova forma de fazer política. Não a política partidária, oficial, mas a política no sentido dos gregos, do cidadão que se manifesta e discute na praça pública (GOHN, 2014, p. 75).

O que as marchas, manifestações, ocupações e protestos que ocorreram ao longo de 2011, 2012 e 2013 têm em comum: São articuladas via redes sociais, internet e celulares; são compostas por manifestantes que não tem necessariamente uma Ideologia Política (a adesão é a uma causa, ou mais de uma, e não à Ideologia de um grupo) e não pertencem a um grupo específico (político ou não) e por isso não tem ligação Política partidária (mesmo que entre seus manifestantes haja pessoas ligadas a algum grupo político); as manifestações ocorrem à margem não apenas de partidos mas também de sindicatos; os protestos têm grande visibilidade na mídia em função do grande número de contingente que consegue agrupar; a Democracia é um dos eixos articuladores das marchas, em seu sentido e exercício pleno; são espaços de aprendizagem que se produzem a partir de uma vivência e experiência, no sentido de uma educação não formal; contribuem para a construção de uma nova cultura política (GOHN, 2014, p. 74-76).

Os movimentos sociais são vistos como fenômenos simultaneamente discursivos e políticos, localizados na fronteira entre as referências da vida pessoal e da política. Segundo Martins (2010), a participação política acha explicação na perda contínua de apoio das instituições políticas tradicionais, em resultado da maior adesão dos indivíduos a valores pós-materialistas. Significa isto que as novas formas de participação acompanham a mudança gradual dos valores tradicionais, baseados numa cultura materialista.

[...] O uso de formas de intervenção política não convencional parece ser uma característica marcante destes movimentos, facto que leva muitas vezes a denomina-los como grupos anti-partidos, anti-politica e até anti-Estado, porquanto actuam fora da esfera política tradicional (MARTINS, 2010, p. 275)

A participação dos movimentos sociais no campo da política é de essencial importância para fortalecer a democracia, o processo de inclusão social e a aquisição dos direitos em prol do bem comum. Os movimentos sociais também são fundamentais no combate à corrupção, analisando que as consequências incidem sobre toda a sociedade e futuras gerações.

É preciso que os movimentos sociais marquem presença nos partidos políticos, buscando discutir e defender acerca das questões econômicas, sociais, culturais e políticas.

Nesse contexto, entende-se que os movimentos sociais são imprescindíveis, pois é papel deles lutar e cobrar transformações, reivindicar mudanças, mostrar aos governantes e dirigentes que o povo não está satisfeito com suas atitudes, interferindo nas políticas públicas em prol do verdadeiro interesse coletivo. Inclusive, em muitos casos, atuando diretamente, ou em parceria com o Estado, prestando serviço público.

  1. Considerações finais

Atualmente, as reivindicações dos movimentos sociais em relação às políticas públicas e sociais estão voltadas para a melhoria das condições de vida da população brasileira que corresponde ao acesso à educação, saúde, moradia, saneamento básico, dentre outros, bem como vêm levando ao espaço público questões anteriormente consideradas como de domínio privado, como as relações étnicas e de gênero, para serem discutidos no contexto coletivo, formando objetos de políticas públicas.

Nas últimas décadas, os movimentos sociais passaram por um processo de transformação, influenciando e sendo influenciados pelo desenvolvimento das políticas públicas e sociais.

Todavia, os novos movimentos sociais afastam-se das ações reivindicatórias e adotam as teorias de ações, passando a ser prestadores de serviços para a população e parceiros do Estado.

Os novos movimentos sociais lutam para propiciar às pessoas a chance de se organizarem coletivamente e assim serem ouvidos nos circuitos de tomada de decisão. Os movimentos sociais que agem no sentido da modificação ou da manutenção de políticas públicas sempre expõem conflitos mais vastos, ligados às diversas percepções (projetos políticos) acerca de como a sociedade precisa ser organizada.

Conclui-se com esse estudo, que os novos movimentos sociais transportam consigo diversas particularidades que os diferenciam dos movimentos tradicionais, como, por exemplo, o uso dos meios tecnológicos de comunicação que, devido à velocidade da informação, permite ampliar as discussões acerca dos mais diferentes temas, sejam políticos, econômicos, religiosos ou sociais.

Referências

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CASTELLS, Manuel. Rede de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet: Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

GOHN, Maria da Glória. Movimentos e lutas sociais na história do Brasil. São Paulo: Loyola, 1995.

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LAMBERTUCCI, Antônio Roberto. A participação social no governo Lula. São Paulo: Cortez, 2009)

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SILVA, Maria Lucia Carvalho da. Movimentos Sociais: gênese e principais enfoques conceituais. In: Revista Kairos. São Paulo, 2001.

Sobre os autores
Narjara Soares Magalhães

Graduada em Direito, pós-graduada em Direito Público, mestre em Planejamento e Políticas Públicas, servidora do Ministério Público do Estado do Ceará.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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