A Vertente Teológica do Jusnaturalismo

23/12/2021 às 19:10
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Resumo: o debate que envolve o Jusnaturalismo e o Juspositivismo tem inspirado as reflexões de juristas e filósofos. Muito embora se possa afirmar que grande parte das históricas controvérsias associadas ao confronto entre o Direito Positivo e o Direito Natural já tenham sido superadas, subsistem inúmeros aspectos que merecem uma dedicação acadêmica. Não obstante opiniões divergentes, as quais pugnam pelo enfraquecimento teórico do assunto, o passar dos séculos demonstra justamente o contrário, posto não ter conseguido eliminar a estima dos pensadores pela temática ora desenvolvida. Deste modo, o presente artigo discorre sobre as características do denominado Jusnaturalismo Teológico (ou Medieval).

Palavras-chave: Direito Natural. Jusnaturalismo Teológico. Juspositivismo.

Abstract: The debate regarding Jusnaturalism and Juspositivism has been inspiring the reflections of jurists and philosophers for a long time. Although it may be affirmed that a great deal of the historical controversies associated to the confrontation between the Positive Law and Natural Law has already been overcome, there are numerous aspects which deserve an academic dedication. Notwithstanding divergent opinions, which struggle for the theoretical weakening of the subject, the passing of the centuries demonstrates precisely the opposite, given that it could not eliminate the esteem of the thinkers for the subject in discussion. Therefore, the current work analyses the characteristics of the so-called Theological (or Medieval) Jusnaturalism.

Keywords: Natural Law. Theological Jusnaturalism. Juspositivism.

1. Uma Introdução à Clássica Dicotomia

2. A Equivocidade da Locução Direito Natural

3. A Polêmica Temática e as Respectivas Vertentes Jusnaturalistas

          3.1. O Jusnaturalismo Medieval (ou Teológico)

3.1.1. O Jusnaturalismo em Santo Agostinho

3.1.2. O Jusnaturalismo em São Tomás de Aquino

4. Conclusão

5. Referências Bibliográficas

1. Uma Introdução à Clássica Dicotomia

A questão que envolve os denominados Jusnaturalismo e Juspositivismo (e seus respectivos contrastes teóricos) tem inspirado, ao longo do tempo, as reflexões de juristas e filósofos. Muito embora se possa afirmar, com relativa segurança, que grande parte das históricas e antigas controvérsias associadas ao confronto entre o Direito Positivo e o Direito Natural já tenham sido superadas, subsistem, ainda, inúmeros aspectos teóricos que merecem uma dedicação acadêmica por parte de qualquer escrito que se disponha a abordar este assunto.

Assim, não obstante opiniões divergentes, as quais pugnam pelo enfraquecimento teórico do tema vertente, o passar dos séculos, desde a Antiguidade Clássica, transitando pela Idade Média e chegando até a quadra atual, demonstra justamente o contrário, posto não ter conseguido eliminar a estima dos pensadores pela temática que se pretende desenvolver no presente texto, dado historicamente concreto que revela a própria tensão conceitual (e concernentes desdobramentos) que existe entre ambos os fenômenos. FERRAZ JR. (2015, p. 134-135), por exemplo, ao mesmo tempo em que afirma ter havido a trivialização dos direitos naturais, reconhece, por outro lado, a sua importância para a Filosofia do Direito:

“Essa autonomia do direito natural em face da moral e sua superioridade diante do direito positivo marcou, propriamente, o início da filosofia do direito como disciplina jurídica autônoma. Isso foi assim até as primeiras décadas do século XIX. Depois, a disciplina sofre um declínio que acompanha o declínio da própria ideia de direito natural. No final daquele século, a disciplina reaparece, ganha força nas primeiras décadas do século XX. A reflexão sobre o direito natural toma novos rumos, e a noção readquire sua importância. Na ciência dogmática do direito, porém, embora a ideia esteja até hoje sempre presente (por exemplo, na fundamentação do direito subjetivo na liberdade), a dicotomia, como instrumento operacional, isto é, como técnica para a descrição e classificação de situações jurídicas normativamente decidíveis, perdeu força. Sua importância mantém-se mais nas discussões sobre a política jurídica, na defesa dos direitos fundamentais do homem, como meio de argumentação contra a ingerência avassaladora do Estado na vida privada ou como freio às diferentes formas de totalitarismo.

Uma das razões do enfraquecimento operacional da dicotomia pode ser localizada na promulgação constitucional dos direitos fundamentais. Essa promulgação, o estabelecimento do direito natural na forma de normas postas na Constituição, de algum modo ‘positivou-o’. E, depois, a proliferação dos direitos fundamentais, a princípio, conjunto de supremos direitos individuais e, posteriormente, de direitos sociais, políticos, econômicos aos quais se acrescem hoje direitos ecológicos, direitos especiais das crianças, das mulheres etc. provocou, progressivamente, sua trivialização. Uma coisa se torna trivial quando perdemos a capacidade de diferenciá-la e avaliá-la, quando ela se torna tão comum que passamos a conviver com ela sem nos apercebermos disso, gerando, portanto, alta indiferença em face das diferenças (cf. LUHMANN, 1972, v. 2:255).

Essa trivialização dos direitos fundamentais foi precedida pela trivialização do próprio direito natural. Quando todo o direito passou a ser logicamente redutível a direitos naturais, a noção perdeu força comunicacional, sua relevância foi ficando amortecida e gerou até descrédito. Assim, a distinção entre direito natural (direito à vida, à saúde, à liberdade etc.) e direito positivo foi, primeiro, esmaecida pela distinção entre direitos fundamentais constitucionais e demais direitos e, depois, com a trivialização dos constitucionais, a positivação acabou por tomar conta do raciocínio dogmático sobre o direito natural, confundido com um conjunto de normas naturais-racionais (FERRAZ JR., 1990:99).

Não obstante, o tema dos direitos naturais é ainda hoje importante para a filosofia do direito.” (FERRAZ JR., 2015, p. 134-135)

De qualquer forma, trata-se, inegavelmente, de um dos grandes debates da Filosofia do Direito, a responsável por refletir “sobre o Direito e seus postulados, com o objetivo de formular o conceito do jus e de analisar as instituições jurídicas no plano do dever-ser, levando-se em consideração a condição humana, a realidade objetiva e os valores justiça e segurança” (NADER, 2017, p. 5).

 “A ideia de Direito Natural representa uma das constantes do pensamento do Ocidente. Alteram-se os sistemas, mudam-se as doutrinas e os regimes políticos, e nem bem se proclama que ele está morto, definitivamente morto, ressurge das cinzas com renovada vitalidade. Pode-se contestar-lhe a existência como um Direito distinto do Direito Positivo, mas o que se não pode negar é o papel que a sua ideia, ainda que ilusória, tem exercido e continua exercendo no desenvolvimento da experiência jurídica, atuando ora como força revolucionária, ora como fator de declarado conservantismo, tal a paradoxal plurivalência de seu significado.

Quer sirva ao pessimismo de HOBBES para legitimar a doutrina da monarquia absoluta, ou a ROUSSEAU para conceber uma democracia radical, fundada na doutrina otimista da bondade natural dos homens; ou, então, para inspirar solenes Declarações de Direito dos indivíduos e dos povos, o certo é que o Direito Natural espelha as esperanças e as exigências da espécie humana, jamais conformada com as asperezas da lei positiva, no processo dramático da história.” (REALE, 2002, p. 313)

MASCARO (2015, p. 52), ao afirmar que “os variados caminhos da compreensão do Direito são também perspectivas teóricas que refletem posições políticas práticas do jurista em face da realidade jurídica e social”, demonstra, nitidamente, a atualidade do debate em torno do Jusnaturalismo e do Juspositivismo.

               

“O juspositivismo é uma perspectiva própria dos que assumem uma posição social e política conservadora. Como a reprodução da sociedade capitalista contemporânea se funda também por meio do próprio direito positivo, considerá-lo o horizonte único da análise jurídica é manter exatamente a mesma estrutura que dá lastro à exploração social do presente. As perspectivas não juspositivistas, e em especial a visão crítica, permitem desmontar o maquinário das estruturas jurídicas e sociais, fazendo com que o jurista assuma uma posição crítica, transformadora, em face dessa realidade. Os pensamentos conservadores têm mais aderência a caminhos juspositivistas. Os pensamentos progressistas e transformadores, tendo por base a realidade efetiva das estruturas sociais, trilham caminhos de compreensão do direito críticos.” (MASCARO, 2015, p. 52)

Como será abordado ao longo da digressão, o assunto ora introduzido apresenta, como um de seus aspectos fundamentais, um embate quanto à relação entre a moral e o Direito (ou vice-versa). Em termos genéricos e meramente introdutórios, a doutrina, ao aludir à clássica dicotomia em exame, afirma que o Direito Natural, em contraposição ao Direito Positivo, tem sido conceituado, contemporaneamente, como um conjunto de princípios de caráter universal, permanente e imutável. HANS KELSEN, por exemplo, um dos mais importantes juspositivistas, assevera que a doutrina do Direito Natural é caracterizada por ser idealista-dualista, na exata medida em que assenta, ao lado do Direito Positivo (direito real, mutável e posto pelo homem), um direito ideal, imutável e natural (o Direito Natural). Desta forma, em tal argumento kelseniano, a natureza (em geral) ou a natureza (em particular) do homem funciona como uma autêntica autoridade normativa (autoridade legiferante), de modo que aquele que observa os preceitos naturais atua de maneira justa, sendo que tais preceitos (isto é, as normas de conduta justa) são imanentes à natureza, e, por conseguinte, imutáveis, em contraste com as normas pertinentes ao Direito Positivo, que procedem da vontade humana e são mutáveis (KELSEN, 1996, p. 53).

Ademais, assevera-se que o Direito Natural, cujo fundamento (conforme a concepção que se adote) seria a natureza das coisas (Jusnaturalismo Cosmológico), a vontade divina (Jusnaturalismo Teológico) ou a razão humana (Jusnaturalismo Racional), seria válido por si mesmo e legitimado por uma ética superior à própria normatividade do Estado, incidindo no espaço social como um todo, independentemente do lugar (universalidade), não sendo tal validade, por conseguinte, afetada por qualquer lei; em contraposição, o Direito Positivo (enquanto obra humana) seria produto histórico de uma sociedade, vigendo, portanto, em espaços geográficos determinados (ou determináveis), podendo perder o respectivo sentido de validade por decisão política do próprio Estado.

2. A Equivocidade da Locução Direito Natural

SGARBI esclarece que, tendo em vista “as variadas elaborações sobre a natureza do Direito Natural”, preferível seria empregar-se o termo jusnaturalismos (no plural), ao invés de jusnaturalismo (no singular), reconhecendo, em sequência, que os próprios autores, de um modo geral, optam pelo emprego da expressão (singularizada) Direito Natural, o que não afasta a ambiguidade que lhe é imamente.

“Como ‘direito’, o ‘direito natural’ possui, pelo menos, duas acepções usuais: (1) a de ser uma ‘teoria’; e (2) a de ‘resultado’ da teoria. Porque o ‘direito’ natural é tanto uma forma de entender o fenômeno jurídico, enfim, uma construção teórica, quanto o resultado da especulação dessa construção, isto é, um conjunto de princípios ético-sociais. Ou seja, está-se afirmando que o sentido primeiro de direito natural é de uma postura ‘epistemológica’, portanto ele não se encontra no mesmo patamar que o direito elaborado pelo legislador (como, aliás, ocorre com a ‘teoria’ do direito ‘positivo’ em relação ao ‘direito positivo ou posto’, produto de atos das autoridades normativas). Por isso ser melhor reservar a expressão ‘doutrina do direito natural’ para designar a ‘teoria’ e a expressão ‘direito natural’ para o resultado do processo especulativo da ‘teoria’, mesmo que seja este resultado um conjunto de resultados, isto é, especulações muito diversas e historicamente constatáveis que desempenham o objetivo de serem orientadores da conduta frente ao direito legislado.” (SGARBI, 2007, p. 692-693)

       Não obstante a advertência semântica acima anotada por SGARBI, os escritos que se propõem a analisar o tema em questão frequentemente utilizam o termo Jusnaturalismo e a expressão Direito Natural como sinônimos, exatamente como se procederá na presente abordagem.

3. A Polêmica Temática e as Respectivas Vertentes Jusnaturalistas

Como se não bastasse a equivocidade inerente à própria expressão Direito Natural, conforme registrado oportunamente por SGARBI, a doutrina aponta, ainda, uma série de concepções que surgiram ao longo do tempo com o fim de justificar a existência de direitos naturais. Neste sentido, WOLKMER (1989, p. 124) assevera que “o jusnaturalismo, que reivindica a existência de uma lei natural, eterna e imutável, distinta do sistema normativo fixado por um poder institucionalizado (Direito Positivo), engloba as mais amplas manifestações do idealismo”, concepções que podem ser traduzidas na “crença de um preceito superior advindo da ordem natural das coisas, da vontade divina ou mesmo da consciência e da razão do homem”, a revelar os próprios fundamentos históricos do Jusnaturalismo.  Tal multiplicidade de fundamentos inerentes ao Jusnaturalismo (a natureza das coisas, a vontade divina, a razão humana) reflete a própria polêmica que sempre abarcou o tema em epígrafe.

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BITTAR, situando o presente assunto na história do pensamento jusfilosófico, apresenta a seguinte sinopse, desde a Grécia Antiga à Idade Moderna:

“A discussão do tema não é uma inovação nos meandros teóricos do Direito. Pode-se mesmo dizer que a sede dessas discussões já se encontra entre os pensadores gregos, sobretudo a partir dos sofistas e de SÓCRATES (séc. V a.C.), que haviam detectado a origem da discussão na oposição entre nómos e phýsis, oposição que somente tomou proporções cada vez mais significativas na literatura filosófica após o advento de PLATÃO e ARISTÓTELES (séc. IV a.C.). Por sua vez, os romanos sediavam a discussão na oposição entre ius gentium e ius civile (séc. II a.C. a II d.C.), sendo que os medievais (SANTO AGOSTINHO, ABELARDO, SÃO TOMÁS DE AQUINO) somente trouxeram diferenciais religiosos para esses conhecidos conceitos por meio da ideia da existência da lex divina (séc. V a XII d.C.) [...]. Com GROTIUS (séc. XVII d.C.), com seus contemporâneos e com a tradição posterior (MAQUIAVEL, JEAN BODIN, HUGO GRÓCIO, THOMAS HOBBES, JEAN-JACQUES ROUSSEAU, JOHN LOCKE, SPINOZA, PUFENDORF), o racionalismo moderno universaliza a razão humana e encontra os fundamentos para a discussão do tema secularizando a noção de direitos fundamentais eternos, naturais e imutáveis, cuja primeira consagração se deu com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Desde esse período, a questão passa a se tornar ingrediente indispensável de toda a busca jusfilosófica, não deixando mais de se encontrar nos manuais de filosofia do direito como página indispensável de reflexão (cf. BOBBIO, 1995, p. 15-23).” (BITTAR, 2001, p. 183-184)

Ainda no âmbito de um preliminar exame histórico sobre o tema, BUGALLO, sinteticamente, observa que o Jusnaturalismo e respectivas sustentações teóricas acompanham “as nuances da cultura ocidental”:

“Surgiu na civilização greco-romana como elemento integrante e resultado de concepções mítico-religiosas, adquiriu consistência com as concepções filosóficas, teve grande repercussão política com SÓCRATES e os sofistas, aperfeiçoou-se no período sistemático, polarizado em PLATÃO e ARISTÓTELES e projetou-se no período heleno-romano, especialmente através do epicurismo e estoicismo. Consolidou-se na Baixa Idade Média, tanto no apogeu da Escolástica, com TOMÁS DE AQUINO, BOAVENTURA e J. DUNS SCOTO (séc. XIII), quanto na decadência (séc. XIV/XV), com GUILHERME DE OCKAM. Mesmo antes do surgimento da Escolástica, merece destaque AGOSTINHO DE HIPONA, não só em razão da teoria do Direito Natural, quanto, sobretudo, da teoria do poder.” (BUGALLO, 2009, p. 3)

De acordo com BITTAR (2001, p. 184), independentemente de sua longevidade histórica, o debate a respeito da “noção de Direito Natural deve reavivar o que há de nuclear em sua definição, ou seja, a ideia de natureza”, aduzindo o autor que a “perda da semântica do termo natureza, incorporado que foi no bojo da expressão Direito Natural, provocou a erosão do valor que se agrega e que se carrega no mesmo”. Ao discorrer sobre tal problema de ordem semântica, e resumindo as diversas concepções jusnaturalistas forjadas ao longo dos tempos, BITTAR assinala que “os direitos, conforme o entendimento e a significação da palavra natureza, decorreriam ou da própria constituição do mundo natural [...], ou da natureza racional do homem [...], ou da natureza sociopolítica humana [...]”, dando margem ao surgimento de diversos modelos de Jusnaturalismo (2001, p. 185).

3.1. O Jusnaturalismo Medieval (ou Teológico)

A dimensão teológica é a marca que caracteriza o Jusnaturalismo na quadra medieval, através da qual se opera a fundamentação divina dos direitos naturais. Em tal momento histórico, “sob o império da patrística ou da escolástica, a teoria jusnaturalista apresentava conteúdo teológico, pois os fundamentos do Direito Natural eram a inteligência e a vontade divinas, devido ao fato de a sociedade estarem marcadas pela vigência de um credo religioso e pelo predomínio da fé” (DINIZ, 2000, p. 36). Assim, diversamente do que ocorreu no pensamento grego, o Direito Natural, no bojo da Idade Média, passa a encontrar fundamento na origem divina, vale dizer, na vontade de Deus, vertente que restou conhecida como Jusnaturalismo Teológico, explicada por SOARES:

“O jusnaturalismo teológico se consolida enquanto doutrina jusfilosófica na Idade Média, sob a decisiva influência do cristianismo. A doutrina cristã veio introduzir novas dimensões ao problema da justiça. [...] tratando-se de uma concepção religiosa de justiça, deve-se dizer que a justiça humana é identificada como uma justiça transitória e sujeita ao poder temporal. Para o cristianismo, não é nela que reside necessariamente a verdade, mas na lei de Deus, que age de modo absoluto, eterno e imutável.

Com o advento do cristianismo, ocorreu uma verdadeira revolução da subjetividade, prevalecendo a atitude ou a disposição de ser justo sobre a aspiração de ter uma ideia precisa de justiça. Continua esta, porém, a ser vista em um quadro superior de ideias, já agora subordinado a uma visão teológica, a partir do princípio de um Deus criador, do qual emana a harmonia do universo.

Na Idade Média, o jusnaturalismo apresentava um conteúdo teológico, pois os fundamentos do direito natural eram a inteligência e a vontade divina, pela vigência do credo religioso e o predomínio da fé. Os princípios imutáveis e universais do direito natural podiam ser sintetizados na fórmula segundo a qual o bem deve ser feito, daí advindo os deveres dos homens para consigo mesmos, para com os outros homens e para com Deus. As demais normas, construídas pelos legisladores, seriam aplicações destes princípios às contingências da vida, v.g, do princípio jusnatural de que o homem não deve lesar o próximo, decorreria a norma positivada que veda os atos ilícitos. Segundo o jusnaturalismo teológico, o fundamento dos direitos naturais seria a vontade de Deus: o direito positivo deveria estar em consonância com as exigências perenes e imutáveis da divindade.” (SOARES, 2013, p. 143)

3.1.1. O Jusnaturalismo em Santo Agostinho

Argumentam BITTAR e ALMEIDA (2011, p. 208) que, “tendo em vista a difusão da filosofia e a expansão de seus postulados na história do pensamento”, é possível afirmar que “a maior contribuição para a formação do pensamento medieval não foi romana, mas grega”, sendo lícito concluir, ademais, que foi justamente da “síntese e da conciliação dos postulados religiosos com os postulados gregos que se iniciaram diversas correntes do pensamento no Medievo”.

Com efeito, no que se refere ao Jusnaturalismo Medieval, cabe destacar, de início, a influência advinda de SANTO AGOSTINHO (354-430), Bispo de Hipona, cujo pensamento filosófico, vasto e profundo, influenciou sobremaneira a cultura ocidental, configurando, como dito acima, uma autêntica sinopse entre a filosofia grega (mormente a de PLATÃO) e o Cristianismo, representando, outrossim, “uma síntese positiva entre religião e filosofia”, dado que se constata, principalmente, em duas obras agostinianos (Confissões e A Cidade de Deus), consoante assevera CASTILHO (2017, p. 63).

Quanto aos temas que permearam as cogitações teóricas de AGOSTINHO, MARCONDES e STRUCHINER aludem que o “problema da natureza humana e do caráter inato da virtude, a origem do Mal, o conceito de felicidade, a liberdade e a possibilidade de agir de forma ética” conformam, em síntese, as principais questões éticas (herdadas da filosofia grega e pensadas a partir dos ensinamentos do Cristianismo) que receberam as reflexões de AGOSTINHO:

“A doutrina cristã fornece as chaves para a solução dessas questões: a origem da virtude na natureza humana criada por Deus, a queda e o pecado original como explicações das falhas humanas, a graça divina como possibilidade de redenção e alcance da felicidade na vida eterna, e o livre-arbítrio ou liberdade individual concedido ao ser humano por Deus, que torna os indivíduos responsáveis por seus atos.

Dentre as questões centrais da ética agostiniana, que marcam as principais doutrinas éticas na tradição cristã até hoje, selecionamos duas. A primeira é o problema da origem do Mal, de grande importância para a época de AGOSTINHO. Se o Deus criador é o Ser Perfeito e possui entre os seus atributos a Suprema Bondade, identificada de certa maneira com a Forma do Bem platônica [...], como é possível a existência do Mal? Teria o Deus sumamente criado o mal? A doutrina maniqueísta, muito forte naquele período, defendia a existência de dois princípios equivalentes, o Bem e o Mal, em luta permanente, com uma tendência de identificação de ambos com Deus e o Demônio, respectivamente. SANTO AGOSTINHO, inspirado em PLATÃO, defende que só o Bem existe, sendo o Mal apenas a ausência, ou privação, do Bem. Deus, o Ser Perfeito, é sumamente Bom, mas os seres criados, inferiores na ordem do Ser, são imperfeitos e finitos, perecíveis. Daí se origina o Mal como falha, imperfeição. Esta é a solução ontológica, e também teológica, para o problema da existência ou da realidade do Mal.

A segunda grande questão está relacionada à primeira e diz respeito à liberdade humana. Se a natureza humana é marcada pelo pecado original, a imperfeição originada na fraqueza de ADÃO, e faz com que o ser humano esteja sujeito à tentação e aja contrariamente à lei moral, então haveria um determinismo que tornaria inevitável o pecado e, por conseguinte, a ação antiética. Paradoxalmente, os indivíduos não seriam, em última análise, responsáveis por seus atos, já que são levados ao pecado pela própria falha de sua natureza humana. Neste sentido, não teriam o domínio de suas ações, pois suas atitudes seriam determinadas por esta falha. O ser humano é, assim, compelido a agir contrariamente à ética. Se sua ação é determinada e ele é compelido, então não tem escolha ou liberdade e, portanto, não estaria verdadeiramente pecando. O livre-arbítrio, ou liberdade individual, é, segundo SANTO AGOSTINHO, a característica do ser humano que o torna responsável por suas escolhas e decisões. Por isso, pode-se agir de forma ética ou não. O pecado, ou o mal moral, resulta assim de uma escolha. A possibilidade de escolher nos é dada por Deus para que cada um seja responsável por seus atos, sejam eles errados ou corretos.” (MARCONDES e STRUCHINER, 2007, p. 50-51)

           

A leitura da obra de SANTO AGOSTINHO permite extrair preciosos elementos para a exegese da relação entre Estado e Igreja, dos fundamentos do Direito Natural e do Direito Positivo e da questão pertinente à legitimidade dos governantes (WOLKMER, 2001).

       Retratando tal relação, e discorrendo sobre as particularidades do Direito Natural sob a ótica agostiniana, MORRISON (2012, p. 72-73) afirma que, para AGOSTINHO, o Direito Natural é a “porção intelectual do homem na verdade de Deus, ou na lei eterna de Deus”. Interpretada como a “razão e a vontade do Deus cristão”, a “lei eterna tornou-se a divina razão, a vontade de Deus que controla a observância da ordem natural das coisas”. Assim, a “lei eterna é a razão de Deus no comando da regularidade”, sendo a apreensão intelectual humana dos princípios eternos do chamado Direito Natural. Com efeito, para SANTO AGOSTINHO, as leis criadas pelo Estado (vale dizer, as lei temporais), para serem consideradas justas, “devem estar de acordo com o princípio do Direito Natural, que, por sua vez, deriva do direito eterno”. De fato, AGOSTINHO acreditava que a “realidade da justiça de Deus devia ser encontrada na estrutura da natureza humana em sua relação com Deus”; diante de tal perspectiva, a justiça, portanto, não era uma resultante da opinião pessoal do homem, mas, sim, “alguma coisa inculcada por um certo poder inato”, padrão este que, uma vez adotado, “significava impor pesadas limitações morais ao poder político”.

“De fato, argumentava SANTO AGOSTINHO, se as leis do Estado não estiverem em harmonia com o direito e a justiça naturais, não terão o caráter de verdadeiras leis nem haverá, no caso, um Estado verdadeiro. Uma vez que ele define uma comunidade como um Estado do povo, ‘não haverá povo se este não estiver unido por um consenso do direito; tampouco haverá direito que não esteja fundamentado na justiça. Segue-se daí que, onde não houver justiça, não haverá comunidade’. Desse modo, SANTO AGOSTINHO parece ter encontrado sua resposta para a questão de um conceito crítico e investigativo para investigar a ordem jurídica convencional. A ordem jurídica deve ter uma base, e essa base não pode ser o processo em si; a mera criação do direito através dos órgãos do Estado não pode significar que eles sejam justos. Essa qualidade de justa deve vir de algum outro ato: aqui, está em conformidade com a origem última da verdade, a vontade de Deus.” (MORRISON, 2012, p. 73)

        No que concerne particularmente à concepção de justiça, MORRISON (2012, p. 73) relata que, para AGOSTINHO, a “relação fundamental na justiça não é aquela que se dá entre homem e homem, mas, sim, entre o homem e Deus”, de modo que a “justiça coletiva é impossível sem a justiça individual da relação com Deus”, pois “se essa justiça não for encontrada em um homem, tão pouco poderemos encontrar em uma multidão”. Fica evidente, pois, que SANTO AGOSTINHO elevou a Igreja e a religião a um patamar de superioridade em relação ao próprio Estado, considerado pelo culto pensador de Hipona como um “produto da condição pecaminosa do homem”, razão pela qual deve haver um “órgão de controle”; não obstante, SANTO AGOSTINHO “não admite que o princípio da força seja superior ao princípio do amor:

“Para o Santo, a base da sociedade ideal é a fé e o ‘sólido consenso’ que se verificam quando o objeto do amor é o bem universal que, em sua natureza mais excelsa e verdadeira, é o próprio Deus, e onde os homens se amam uns aos outros com absoluta sinceridade em sua confiança em Deus. O fundamento desse amor social é o ‘amor daquele a cujos olhos é impossível ocultar o espírito do amor’. O Estado temporal ainda tem uma função (ainda que sua força não se equipare ao poder criador do amor), pois a ação do Estado pode, ou menos, atenuar alguns males: ‘quando o poder de ferir é tirado dos que praticam o mal, eles se comportarão melhor se forem reprimidos [...] o Estado não terá sido criado em vão’. Contudo, o Estado que usasse sua força coercitiva para fazer cumprir as leis sem justiça seria a manifestação empírica de um Estado imperfeito.” (MORRISON, 2012, p. 73-74)

           

Para SANTO AGOSTINHO, a justiça humana é aquela que se realiza inter omnes, tendo como fonte a lei humana, responsável por comandar o comportamento do homem em relação aos outros homens e com o que o cerca. Por seu turno, a justiça divina é aquela que a tudo governa, e que se baseia na lei divina (caracterizada por ser absoluta, imutável, perfeita, infalível e infinitamente boa e justa), que é aquela exercida sem condições temporais para sua execução, não se sujeitando ao relativismo sociocultural que marca as diferenças legislativas entre os povos, civilizações e culturas diversas. Desta feita, se “a lei humana se encontra desenraizada de sua origem, seu destino só pode ser o erro e o mau governo das coisas humanas”; ao contrário, se “a lei humana se aproxima da fonte de inspiração que está a governar o coração humano (lei divina), então as instituições humanas passam a representar um avanço em direção do que é absolutamente verdadeiro, bom, imperecível e eterno”. Tal raciocínio dicotômico a respeito do tema justiça, segundo alguns autores, revela nitidamente a influência que o dualismo platônico (lei eterna – lei temporal; lei divina – lei humana; corpo – alma; terreno – divino; mutável – imutável; perfeito – imperfeito; relativo – absoluto, etc.) exerceu sobre a filosofia agostiniana (BITTAR e ALMEIDA, 2011, p. 214-215).

Desta feita, para AGOSTINHO, a função do Estado seria controlar o povo, impedindo, portanto, que este caísse em tentações e pecados. Na obra A Cidade de Deus, AGOSTINHO vislumbra uma comunidade absolutamente regida de acordo com as leis divinas, vale dizer, livre do pecado. Nota-se, nitidamente, a primazia conferida ao poder espiritual sobre o poder humano, pensamento que, a toda evidência, ensejou conflitos entre Papas e Reis, mormente se considerarmos que, segundo a concepção acima, a Igreja, por ser obra de Deus, teria condições de alcançar a perfeição em matéria de governo.

3.1.2. O Jusnaturalismo em São Tomás de Aquino

     No século XIII, cerca de oito séculos depois, o pensamento político de SANTO AGOSTINHO encontra consolidação em SÃO TOMÁS DE AQUINO (1225-1274), cujas obras repercutiram enormemente nos campos da Teologia e da Filosofia. De acordo com as lições de REALE (2002, p. 314), o Direito Natural, consoante o disposto na doutrina de TOMÁS DE AQUINO, “repete, no plano da experiência social, a mesma exigência de ordem racional que Deus estabelece no universo, o qual não é um caos, mas um cosmos; ainda em tal perspectiva, a lei positiva (“estabelecida pela autoridade humana competente”) deve se subordinar à lei natural (“que independe do legislador terreno e se impõe a ele como um conjunto de imperativos éticos indeclináveis”), havendo, pois, “duas ordens de leis, uma dotada de validade em si e por si (a do Direito Natural) e outra de validade subordinada e contingente (a do Direito Positivo)”.

 Referindo-se a um dos pontos em que SANTO AGOSTINHO e TOMÁS DE AQUINO distanciam-se quanto aos seus postulados teóricos, explica MORRISON que:

“Para SANTO AGOSTINHO, tanto a origem quanto o fim último da existência humana estão em Deus. A natureza humana não é autossuficiente com seus próprios padrões de realização; ao contrário, a humanidade deve combinar os fins do funcionamento natural com os fins sobrenaturais. Inversamente, SÃO TOMÁS argumentava que o corpo não podia ser rejeitado. O corpo fomenta certos tipos de atos, apetites e paixões. Os sentidos possibilitam um nível de conhecimento sobre os objetos sensíveis, e o homem é atraído por alguns objetos percebidos como prazerosos e bons (apetite concupiscente) e repelido por outros que são percebidos como prejudiciais, dolorosos ou maus (apetite irascível). Essa atração e rejeição constituem os rudimentos básicos da capacidade humana de amar, sentir prazer, odiar e temer.”

(MORRISON, 2012, p. 77-78)

       TOMÁS DE AQUINO, ademais de ser considerado o maior representante da Escolástica (importante doutrina da Idade Média), é rememorado como um pensador que, acolhendo e adotando como ponto de partida a ética aristotélica, sistematizou e viabilizou a leitura dos escritos de ARISTÓTELES, razão pela qual frequentemente se afirma que “a influência recebida do aristotelismo dota as lições tomistas de clarividência particular, pois, ainda que os textos do aquinatense se imiscuam no tratamento de temas metafísicos, teológicos, políticos, sociais, tudo é racionalmente concebido, concatenado, logicamente explicado, metodicamente exposto”, sistematização facilmente perceptível na Summa Theologica (escrita entre 1266 e 1274), a mais conhecida de suas obras (BITTAR e ALMEIDA, 2011, p. 247).

       A respeito da proximidade entre as filosofias aristotélica e tomista, WAYNE MORRISON registra que “enquanto ARISTÓTELES havia oferecido uma moral naturalista, na qual os homens podiam alcançar a virtude e a felicidade mediante a satisfação de suas aptidões ou seus fins naturais, SÃO TOMÁS acrescentou o conceito cristão do fim sobrenatural do homem”.

       TOMÁS DE AQUINO entendia que “o Ser Supremo, além de Criador, é também o Legislador de todo o Cosmos por ele criado, o qual governa segundo sua lei eterna”, sendo que o Estado e o poder político, na ótica de AQUINO, “decorrem da agência criadora de Deus”, que “criou os homens para viverem em sociedade, pois só a vida em sociedade é uma vida plena ou feliz, digna da condição do homem na escala das criaturas”, razão pela qual “é necessário haver um governo terrestre, que regule a multidão, levando-a a alcançar o bem coletivo” (MACIEL, 2013, p. 17-18). A síntese entre Estado, Igreja, Direito Positivo e Direito Natural em SÃO TOMÁS DE AQUINO é assim retratada por ADEODATO:

 

“Na síntese de TOMÁS DE AQUINO, o direito divino por essência, a lex aeterna, permanece intangível para o mundo. Mas o direito divino por participação, a lex naturalis, é a fonte inspiradora do que hoje se chamaria direito positivo, e a lex humana, por intermédio dos eflúvios que este capta daquele. Só que tal inspiração não é percebida à toa, mas precisa da revelação que só a Santa Madre Igreja pode facultar.” (ADEODATO, 2012, p. 157)

       Conforme se observa a partir da citação de ADEODATO, TOMÁS DE AQUINO concebe algumas espécies de lei: a) a lei eterna (lex aeterna), b) a lei natural (lex naturalis) e c) a lei humana (lei puramente convencional e relativa, e que deve procurar refletir o conteúdo das leis eterna e natural). Assim, a ordem universal é dada pela lei eterna, que não está sujeita às atribulações a que as leis humanas estão. A lei natural, por sua vez, representa a participação racional na lei eterna. A lei humana é produto de convenção, só adquirindo força a partir de sua instituição, devendo representar a concretização da lei natural; significa dizer que a lei humana (a lei positiva) deve retratar aquilo que a lei natural prescreve. Por conseguinte, cumpre ao legislador positivar o que é dado pela natureza. Com efeito, nesta linha de raciocínio, a positivação daquilo que se afigura contrário à lei natural implica em um direito injusto e ilegítimo. De qualquer modo, convém registrar, o “fato de uma lei positiva não estar de acordo com a lei natural não justifica a desobediência ao que foi criado pelo homem; a desobediência só se justifica, para TOMÁS DE AQUINO, quando houver um entrechoque entre a lei humana e a lei eterna” (BITTAR e ALMEIDA, 2011, p. 255-257).

“Assim, pode-se dizer, o ius positum é derivado do justo natural. Ou ainda, o justo natural é o parâmetro para atuação do legislador positivo. É absolutamente imprescindível sua existência em função da necessidade de aplicação da justiça inter homines. O homem, no convívio social, necessita de regras convencionais positivas para que possa garantir a pacificidade dessa interação no meio social. O direito natural, que pela experiência natural o homem conhece, é insuficiente, necessitando de leis positivas complementares, leis que tornam concreto o que na natureza reside (lex; o direito escrito) [...].

O direito positivo, se adequado ao direito natural, é um benefício para a comunidade civil, mas se estiver baseado na perversão da reta razão [...], sendo-lhe uma corruptela, um desvirtuamento, um conjunto de regras de autoridade que servem a um ou a poucos, perderá sua força coativa dada pela natureza [...], preservando somente a que lhe é dada por convenção.” (BITTAR e ALMEIDA, 2011, p. 255-258).

        TOMÁS DE AQUINO, na Suma Teológica, define justiça como sendo a “vontade constante e duradoura de dar a cada um o que lhe é devido”, sendo o devido “aquilo que é ordenado para cada um, de acordo com as tendências individuais naturais, tendo por objetivo a perfeição de seus fins”, postulado do qual se extraem, no mínimo, duas conclusões: a) o “devido a cada um não é conferido pelo Direito Positivo, mas, sim, pelas tendências naturais da natureza humana”, e b) o Direito Positivo que violar o que é naturalmente devido ao homem poderá ser considerado injusto com base no Direito Natural. Observamos, neste particular quanto ao conceito de justiça, uma aproximação entre as filosofias aristotélica e tomista, posto que, consoante adverte MORRISON (2012, p. 79), parte do impulso para essa teoria do Direito Natural já havia sido desenvolvida por ARISTÓTELES (em Ética a Nicômaco), mormente quando o filosófico grego assinala a distinção entre justiça natural (physikon dikaion, caracterizada por ser imutável) e justiça convencional (nomikon dikaion, qualificada por ser mutável).

4. Conclusão

No denominado Jusnaturalismo Medieval, assim como nos demais (Jusnaturalismo Cosmológico e Jusnaturalismo Racional), nota-se que o Direito Natural, “antes de aceitar que o Direito é fruto do arbítrio do legislador”, remete a “origem de todo direito a esquemas prévios” à própria vontade do Estado, cabendo a este, sob tal prisma, um “papel secundário”, na exata medida em que “a função do legislador é servir de instrumento para a manifestação ou das leis do mundo natural, ou da natureza individual humana, ou da natureza sociopolítica humana”, agindo, pois, “muito mais como observador do que criador” (BITTAR, 2001, p. 186).

5. Referências Bibliográficas

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SGARBI, Adrian. Teoria do Direito – Primeiras Lições, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007.

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Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

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