Resenha sobre obra de Sociologia do Direito
Rogério Duarte Fernandes dos Passos
Resenha. BRUHL, Henri Lévy. Sociologia do Direito. Trad. Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1ª ed., 1988, 127 p.
Henri Lévy-Bruhl (1884-1964), jurista e sociólogo francês, teve importância tal nos estudos de Sociologia do Direito, que é tido como um dos seus fundadores contemporâneos, e nesse texto clássico que originalmente integrou a prestigiosa coleção Que sais-je? e com a acurada tradução de Antônio de Pádua Danesi , nos traz verdadeiro curso de conteúdos iniciais para a segura inserção nos temas da ciência jurídica.
Adentrando em temas relacionados às fontes do direito, aos fatores de sua evolução, à sua configuração contemporânea como ciência, os problemas da atualidade e, mesmo, à sua definição, sobressai na obra de Bruhl a visão da jurística como o autor a denomina enquanto manifestação integrada ao desenvolvimento histórico dos povos, herdeira das tradições e evoluções engendradas no passado.
Pensando nos tópicos centrais da obra, podemos resenhá-la a partir das considerações a seguir.
Sem ignorar que o direito bebe em tradições gregas e romanas, na obra não se olvida a ideia de tê-lo na perspectiva do bom e do justo aproximando-se do resumo empírico dos princípios fundamentais de Ulpiano (150-223), contido no Digesto, honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere (viver honestamente, não ofender a ninguém, dar a cada um o que é seu) , algo que vem de encontro à própria equidade (ex aequo et bono) enquanto fonte. Por sinal, na concepção sociológica, não se negue ao direito a intrínseca condição de fenômeno social, em que o grupo determina prescrições de conduta ao indivíduo (p. 20).
Nesse sentido, a obrigação impõe-se como elemento constitutivo do direito, sendo mais que faculdade e liberdade, em prescrições, outrossim, fincadas e ditadas pela coletividade (p. 20). Por conseguinte, não há obrigação sem, de fato, haver sanções de natureza penal ou civil , essenciais para distinção do direito face à moral, tornando-se instrumentos com impacto nos planos terrestre e social, modificando a condição das pessoas, inclusive no aspecto patrimonial (p. 21).
Por mais óbvia que pareça a questão, ela se revela importante: toda sociedade tem seu direito? (p. 22). Para essa resposta, dissertando a partir da máxima ubi societas, ibi jus e sobre quais grupos podem impor normas aos seus membros , daí se constata direitos religiosos, jus mercatorum, direito supra-estatal de organizações internacionais, direitos infra-estatais e, direitos estatais e direitos superestatais, neste último caso como foi elevado o direito romano tomado em caráter de universalidade ao longo da Idade Média, embora paradoxalmente ainda que não pudesse ser de outra maneira considerado na condição de costume e incorporado apenas na condição de princípios informativos e axiológicos por diferentes direitos nacionais (p. 26). Outorgando grande importância ao costume onde se concretiza amplamente a sua jurística e Sociologia Jurídica , Bruhl assevera que as sociedades primitivas, desconhecendo a escrita, submeteram-se, fundamentalmente, ao direito consuetudinário (p. 48). Outrossim, mais importante que a resposta à questão suscitada no início deste parágrafo, portanto, é conceber o direito como característica fundamental da sociedade, ainda que nos códigos modernos mesmo em sua tentativa de sistematizá-lo , não haja elementos de espontaneidade (p. 54), que poderia ser suposta na condição corriqueira de enfrentamento das vicissitudes da vida coletiva.
Em tema de grande relevância contemporânea, Bruhl não foge da polêmica questão da criação do direito por órgãos julgadores, como por exemplo, na instrumentalização do uso do precedente, especialmente quando este, em algum momento, já tenha revelado o valor ontológico da justiça e a possibilidade de se conhecê-la em interpretações anteriores (p. 71), sempre havendo o desafio de encontrar a lei e aplicar a obrigação de uma justiça de viés equitativo e com as adaptações exigidas pelo momento atual da sociedade (p. 72).
A teoria do abuso de direito exsurge de forma correlata nesse contexto, especialmente porque, existente a norma enquanto mandamento de proteção do indivíduo, em desenvolvimento recente inclusive contemplado no Código Civil brasileiro de 2002 não permite que o direito daí advindo se desvincule das exigências sociais e aplique-se em domínios exclusivamente fechados (p. 72). Observe-se, porém, que, embora as formulações doutrinárias singularmente teóricas, no que ousadamente acrescentaríamos tenham a sua relevância, a consideração geral de Henri Lévy-Bruhl sobre a doutrina, em cotejo ao mandamento legal, recosta-se de menor importância a ponto do autor não considerá-la fonte do direito justamente por não criar normas, representando a opinio juris mera acepção personificada no jurista que a ele, exclusivamente, pertence , não sendo apta, portanto, a repercutir e influenciar a vida jurídica (p. 76).
Enfim, a estrutura dinâmica da vida social e jurídica se evidencia, mesmo, no direito privado aspecto não raro desconsiderado ou pouco tratado nos aspectos introdutórios de estudo do direito , sendo não a doutrina, mas a própria lei o seu fundamento maior, no que, como bem lembra Bruhl, o Código Civil dos Franceses aplicou-se em diferentes regimes políticos ao longo do Século XIX, trazendo o espírito orientador para o seu uso prático (p. 80). Ademais, sem ignorar a interface da cultura e das tradições no direito no texto do autor ilustradas e representadas no aforismo do poeta romano Quintus Horatius Flaccus (Horácio, 65 a.C.-8 a.C.) Graecis capta ferum victorem cepit et artes/ Intuit agrest Latio... (a Grécia derrotada subjugou o seu feroz vencedor e lhe introduziu as artes no agreste Lácio") , revela-se a aculturação operada pelo militarmente vencido, em gênese de herança à qual o mundo greco-romano plantou a semente de edificação do Ocidente, in verbis:
"Vimos que o direito está em relação direta com outros fatos da civilização que expressam, também eles, as aspirações do corpo social. Há uma harmonia necessária entre os fatos jurídicos e os fatos de cultura. Isso não implica, aliás, que onde o direito é particularmente desenvolvido os outros fatos culturais atinjam igualmente grande perfeição. Cada povo parece ter seus próprios dons: em Roma, é o direito; na Grécia, as artes; entre os hebreus, a religião; etc. O que se quer dizer aqui é que a cultura atua sobre o direito. A conquista da Grécia exerceu influência não só sobre as artes e a literatura dos romanos como sobre suas instituições jurídicas. Eis um caso notável, mas não único, de aculturação operada pelo vencido sobre seu vencedor" (p. 80).
O legado desse clássico de Henri Lévy-Bruhl revigora as leituras sobre o direito, tanto para os neófitos, quanto para os que açodados na experiência, buscam maior compreensão do direito diante das vicissitudes sociais.