(Im)Possibilidade de Tabelar os Danos Morais

05/01/2022 às 11:50
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1. Introdução 

Pretende-se apresentar os métodos do tabelamento e do arbitramento judicial para fixação de danos morais, para em seguida apontar as críticas e, nas considerações finais, apresentar uma possível solução.

 

2. Métodos

2.1 Método do Tabelamento

 Por meio desse método pretende-se padronizar a análise e aplicação das indenizações decorrentes de ato ilícito que geram dano moral ou extrapatrimonial sob a justificativa de maior segurança jurídica, bem como evitando-se a indústria dos danos morais e, ainda, decisões díspares.   

 Em síntese, através de critérios objetivos (matemáticos) limita-se o que é subjetivo por natureza, o que seria algo ilógico, eis que é impossível restringir o que é irrestringível por essência, a saber: dor, sofrimento, humilhação sentimentos ligados à dignidade da pessoa humana.

 Antecipa-se que a melhor doutrina discorda desse método, com efeito, cita-se o Enunciado n. 550 da VI JDC: A quantificação da reparação por danos extrapatrimoniais não deve estar sujeita a tabelamento ou a valores fixos.  

Pois bem.

Definir a indenização por dano imaterial com base em critérios tabelados leva a soluções injustas ou igualitárias. Todavia, nesta derradeira hipótese, desconsidera os sentimentos diferentes que cada indivíduo possui, generalizando a dor, a perda, a humilhação.

A título de exemplo de uma situação injusta, por culpa do empregador em fornecer segurança, imagina-se a morte de um auxiliar geral que recebe em torno de um salário mínimo e de um gerente que aufere cerca de cinco salários mínimos. Invocando a regra prevista no §1º, inciso IV, do art. 223-G da CLT que regula a indenização por ofensa gravíssima com base em até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido, encontra-se uma injustiça que será apontada em seguida.   

Com efeito, sem levar em conta a natureza da intensidade do sofrimento ou a possibilidade de superação psicológica, a fixação da indenização decorrente de dano moral ficaria do seguinte modo:

Para a família do auxiliar

Para a família do gerente bancário

- 50 x R$ 1.045,00 = R$ 52.250,00

- 50 x R$ 5.225,00 = R$ 261.250,00

 O resultado do quantum indenizatório causa estranheza, pois estamos diante de um mesmo bem tutelado, isto é, a vida. Por sua essência, este bem jurídico protegido não possui diferença, distinguindo-se apenas a profissão que foi exercida. Contudo, por lapso do legislador, infelizmente, a proteção da vida de umas pessoas, ao que se extrai, merece mais atenção para uns do que para outros. Desse modo, fica em xeque o popularmente conhecido trecho todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput, da CF).

 Além disso, a tarifação ou tabelamento do dano moral coloca em risco a isonomia. Ou seja, dar tratamento igual as situações que são idênticas e tratamento diferente a situações que são diversas, na medida de suas desigualdades.  Exemplo didático é citado pelo Professor Flávio Tartuce[i]:

imagina-se que uma lei preveja como valor de dano moral pela morte de pessoa da família o montante de cem salário mínimos. Ora, pela tabela, pessoas que têm sentimentos diferentes receberão mesma indenização.

 Conforme é observado no exemplo a indenização com base em critério predeterminado confere igualdade para situações que são diferentes. Completa o professor dizendo que a tabela é inconstitucional, por lesão à especialidade, segunda parte da isonomia constitucional (art. 5.º, caput, da CF/1988). Nessa linha, a justificativa apresentada para aprovação do enunciado citado anteriormente, é a que melhor se harmoniza com o conjunto argumentativo exposto:

Cada caso é um caso. Essa frase, comumente aplicada na medicina para explicar que o que está descrito nos livros pode diferir da aplicação prática, deve ser trazida para o âmbito jurídico, no tocante aos danos morais. (...) Dessa forma, a chance de resultados finais serem idênticos é praticamente nula.

 

2.2 - Método por Arbitramento Judicial

Cynara de Barros Costa menciona que é a solução geral do ordenamento brasileiro. Confia-se ao arbítrio do juiz a valoração do dano, sem qualquer limite preestabelecido. Tal método, se de um lado pode dar margens a decisões bastante díspares para casos bem semelhantes, de outro, dá ao julgador a possibilidade de valorar cada caso em suas particularidades. 

Nesse sentido, num acórdão proferido pelo STJ quando julgava o extravio de bagagens combinado com atraso de dez horas de um voo internacional, a indenização foi minorada de 100 salários mínimos para R$ 3.000.

Em contraste, noutro caso semelhante, em que houve atraso de vinte e cinco horas em voo internacional, a indenização foi reduzida de 50 salários mínimos para RS 2.500,00 por autor (REsp 478.281-AgRg).

Em outro de atraso de trinta e seis horas em voo internacional: quantum reduzido foi para R$ 5.000,00 (REsp 575.486 e AI 459.601-AgRg).

Diante da análise dos precedentes jurisprudenciais, observa-se que a incoerência é presente, em razão disso é importante estabelecer um sistema de julgamentos com patamares semelhantes. Contudo, sem vincular o juiz a requisitos prefixados, a fim de que ele possa esmiuçar o caso concreto.

 Nessa esteira, para tentar amenizar as divergências jurisprudências no que tange a fixação do dano moral cita-se a proposta trazida à baila pelo atual Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Guilherme Augusto Caputo Bastos[ii], quando era desembargador lotado no TRT da 23º Região:

Em tempo, ainda destaco laudável iniciativa do egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região órgão ao qual me vinculo no sentido de catalogar, a partir de seus acórdãos, feitos que tenham versado sobre o tema em exame, descrevendo sucintamente as circunstâncias verificadas nos diversos casos e consignando o quantum fixado a título de indenização. Sem amarras, mas com parâmetros quantitativos, creio que os magistrados e todos aqueles que ali militam possam ter maior tranqüilidade no cumprimento de seus respectivos ofícios.

 Esse método mencionado pelo Ministro aproxima-se ao da primeira fase do critério-bifásico, cuja fase o juiz fixa uma indenização mínima de acordo com o interesse jurídico lesado e em conformidade com os precedentes jurisprudenciais.

Convém lembrar que esse método é diferente da indenização fixada com base em tabela, tendo em vista que neste o Juiz fica restrito a critérios objetivos predeterminados na lei, naquele se utilizaria da jurisprudência para nortear sua decisão, buscando casos próximos a fim de evitar a incoerência em casos semelhantes, permanecendo a possibilidade de modificar o quantum indenizatório para adequar ao caso concreto. Em reforço, o método do tabelamento tem por escopo, segundo a advogada Cynara de Barros Costa[iii], de nivelar todos os casos faticamente semelhantes a um padrão de indenizações que não permitiria ao julgador uma avaliação mais profunda dos seus julgados.

 

3. CRÍTICAS

Em relação ao método por tabelamento, observa-se que as críticas dizem respeito aos extremos. Numa ponta, os requisitos preestabelecidos geram indenizações totalmente diferentes e injustas. Noutro vértice, iguala todas as situações que são diversas.

Tabelar o dano moral mediante requisitos estabelecidos previamente é padronizar os casos concretos, o que se contrapõe ao princípio da individualização. Por isso preleciona Fredie Didier[iv] que ao analisar o caso concreto o juiz não tem apenas de generalizar o caso; tem também de individualizar até certo ponto o critério; e precisamente por isso, a sua atividade não se esgota na subsunção. Quanto mais complexos são os aspectos peculiares do caso a decidir, tanto mais difícil e mais livre se torna a atividade do juiz.

     Ademais, a tarifação do dano moral fere os princípios da dignidade da pessoa humana, isonomia, igualdade e individualização preceitos fundamentais tão caros à nossa sociedade. Isso porque tornar algo intrinsecamente subjetivo como é o dano moral em objetivo desconsideraria os sentimentos da pessoa humana, preterindo o primeiro princípio; tratar igualmente todos os sofrimentos da mesma maneira, acabaria com o segundo princípio; fixar indenizações diferentes para o mesmo bem tutelado, por exemplo, a vida coloca em xeque o terceiro princípio; e por último, generalizar o sofrimento, a humilhação, a dor descaracterizaria o derradeiro princípio.

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     No que tange ao método por arbitramento judicial, verifica-se que a crítica a ser feita se limita as divergências jurisprudências, ou seja, as decisões díspares quando do momento da fixação do dano moral em relação a casos semelhantes.

      Não é seguro para um sistema jurídico possuir incoerência em suas decisões em razão do ensejo à insegurança jurídica, à incerteza, a aventuras judiciais. 

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

     Ao analisar os dois métodos (tabelamento e por arbitramento judicial) chega-se à conclusão de que o meio termo é o caminho, utilizando critérios objetivos e subjetivos. Técnica da subsunção (técnica casuística) e da ponderação (cláusula geral).

     A principal crítica que se faz ao tabelamento é que ele limita o ilimitável (dignidade da pessoa humana), estabelecendo teto máximo para as indenizações por dano moral.

     Contudo, é sabido que o ser humano precisa de condições mínimas para sobreviver, em virtude disso fixa-se o salário mínimo (art. 7º, IV, da CF).  É cediço, ainda, que o mínimo estabelecido para o salário não provoca rupturas no princípio da dignidade da pessoa humana.

      Logo, nesse contexto, levando-se em conta o exposto no parágrafo anterior, é necessário também estabelecer teto mínimo para fixação de indenização por dano moral, uma vez que o mínimo para o salário não afronta o princípio matriz, assim também o mínimo para o dano moral não afrontaria e, de quebra, amenizaria a insegurança jurídica, tornando as decisões um pouco mais coerentes.

     Com efeito, poderia se cogitar numa regra objetiva em que fixaria a indenização mínima apenas para casos de dano moral leve. Neste caso, poderia indagar-se por que apenas em caso de lesão de natureza leve? Porque se houvesse um dispositivo classificando os danos morais em leves, graves e gravíssimos e estabelecesse um teto mínimo para cada lesão, acabaríamos afrontando o princípio da dignidade da pessoa humana novamente, tendo em vista que o mínimo da lesão gravíssima se tornaria o máximo da lesão grave. O mínimo da lesão grave se tornaria o máximo da lesão leve, o que se pretende evitar é limitar, isto é, estabelecer tetos máximos.

     Outra dúvida que poderia surgir é o que significaria dano moral leve. A resposta é extraída da jurisprudência que trouxe o mero dissabor, que é o fato acintoso e insignificante que não afeta o aspecto personalíssimo do indivíduo, sendo um fato da vida, não alterando o psicológico ou emocional de alguém. Portanto, ultrapassando o mero aborrecimento e atingindo minimante a personalidade do indivíduo, estaríamos dentro do dano moral leve e, por consequência, garantindo-se indenizações mínimas preestabelecidas.

     Abrindo um parêntese, surgirá dúvida quanto ao que seria considerado dano de natureza grave ou gravíssima. Contudo, o presente trabalho não pretende, ao menos por ora, esgotar o tema.

     Convém ressaltar que o critério aqui não é matemático. O critério utilizado é a linha de passagem do mero dissabor para o dano leve. Assim, ao se chegar na lesão leve, o bem jurídico protegido já teria alguma garantia de indenização, ainda que mínima. Percebe-se que aqui estaríamos diante da primeira fase do critério-bifásico sem, contudo, fixar a indenização mínima em conformidade com a jurisprudência. Isso porque o mínimo estaria previsto em lei, evitando-se que as decisões sejam incoerentes.

     Em relação ao limite máximo de indenização, este ficaria por conta do método do arbitramento judicial (segunda fase do critério-bifásico), ou seja, o juiz, ao analisar o caso concreto, individualizaria o fato através de cláusulas gerais estabelecidas no ordenamento jurídico.

     Ao se buscar juntar os dois métodos de fixação de dano moral, procura-se uma solução mais justa e coerente, com segurança jurídica. Ademais, prioriza a harmonização das técnicas cláusulas gerais (procura dar uma solução ao subjetivismo) e casuísticas (aplica a lei ao que é objetivo). Nesse contexto, com razão Fredie Didier ao dizer que não há sistema jurídico exclusivamente estruturado em cláusulas gerais (que causariam uma sensação perene de insegurança jurídica a todos) ou em regras casuísticas (que tornariam o sistema sobremaneira rígido e fechado, nada adequado à complexidade da vida contemporânea).                

    



[i] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.

 

[ii] BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Danos morais: o conceito, a banalização e a indenização. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Porto Alegre, RS, v. 73, n. 2, p. 88-104, abr./jun. 2007

 

[iii] COSTA, Cynara de Barros. O problema da quantificação dos danos morais sob a ótica do Direito Civil e Constitucional. Revista Duc In Altum - Caderno de Direito 2011. vol. 3, nº 3, jan-jun. 2011. Pág. 199-222.

 

[iv] DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 20. ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2018.

 

Sobre o autor
Daniel Abdias Barbosa Junior

Bacharel em Direito. Pós-Graduando em Advocacia Cível. Ex-Estagiário do MPSP (2018-2020). Aprovado no Exame de Ordem XXXII. Formação Complementar: Expert em Execução (40h);Curso O Novo CPC pela Anhanguera Educacional (60h); Introdução ao CDC pelo Instituto Legislativo Brasileiro (40h); Doutrina Política: Novas Esquerdas pelo Instituto Legislativo Brasileiro (20h).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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