Juiz das garantias: desvantagens em relação ao princípio da economia processual

05/01/2022 às 16:42

Resumo:


  • A Lei 13.964/2019 criou o juiz das garantias para controlar a legalidade da investigação criminal e tutelar os direitos individuais, porém sua implementação pode gerar aumento de despesas no Poder Judiciário.

  • O modelo processual brasileiro atual não prevê a figura do juiz das garantias, o que implica que um único juiz é responsável por todas as fases do processo, desde a investigação até a sentença final.

  • A instituição do juiz das garantias pode acarretar a necessidade de contratação de mais juízes, gerando um impacto financeiro significativo devido à falta de recursos e à carência de pessoal no sistema judiciário brasileiro.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Lei nº 13.964/2019 criou o juiz das garantias, gerando debate sobre os impactos financeiros e a eficiência no processo penal brasileiro.

Resumo: A lei 13.964/2019 criou a figura do juiz das garantias, que é o encarregado pelo controle da legalidade da investigação de caráter criminal, bem como pela tutela dos direitos individuais. Esse instituto foi aprovado pelo Congresso Nacional em uma época em que o Poder Judiciário pendula entre o acúmulo de milhões de processos sem solução e a falta de juízes a fim de suprir a demanda das comarcas Brasil afora; some-se a essa conjuntura, a carência de recursos econômicos e financeiros pela qual atravessa o país, desse modo, através da análise dos modelos processuais sem e com a presença do juiz das garantias, bem como dos inconvenientes originários da sua institucionalização, alcança-se a conclusão de que, em respeito ao princípio da economia processual, gastos e despesas não podem ser efetuados de forma exorbitante com a finalidade de se instituir novos institutos jurídicos.

Palavras-chave: Juiz das garantias. Economia. Processo.


1. INTRODUÇÃO

O modelo processual brasileiro anterior padecia pela falta de servidores públicos e o novo, também. Múltiplos processos se avolumam por todo o país e a cada dia essa realidade abarrota. Ao contrário de se tentar resolver esse problema, o Congresso Nacional cria outro, o juiz das garantias, e, com essa medida, aumenta vertiginosamente as despesas do Poder Judiciário. Tal conteúdo é de grande relevância, não apenas em prol das contas da União, como também, para a filosofia jurídica, pois se torna objeto de análise sob a égide do princípio da economia processual.

Nesse estudo, procura-se constatar se a instituição do juiz das garantias observa precipuamente o princípio sobredito ou descarrilha dos trilhos constitucionais, agravando o problema dos gastos públicos com o serviço público.

Com a finalidade de apresentar uma solução, a metodologia empregada neste trabalho elenca-se de forma reiterada e robusta em dados e informações sobre a matéria pesquisada presentes em sites governamentais, bem como empresas jornalísticas renomadas e personalidade política, analisando de maneira descritiva o assunto em tela.

Desse modo, intencionando uma melhor compreensão sobre o tema, o presente artigo foi dividido em três seções, a saber: constrói-se, na primeira, uma análise sobre o modelo processual vigente no Brasil, assim como, com o modelo tendo já presente o juiz de garantias; na seção seguinte, é apresentado o princípio da economia processual e sua importância para a ordem processual e, por fim, na terceira e última, são apontadas algumas desvantagens suscitadas pelo estabelecimento do juiz das garantias.


2. O MODELO PROCESSUAL, QUANTO AO NÚMERO DE JUÍZES EM UM ÚNICO PROCESSO, AINDA VÁLIDO NO BRASIL

Em uma primeira análise, vale destacar o conceito do instituto juiz das garantias: de acordo com o art. 3º-B, caput, do CPC Código de Processo Penal1, inserido pela Lei 13.964 de 2.019, o juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal, bem como pela tutela dos direitos individuais cujo amparo tenha sido reservado à autorização prévia do Poder Judiciário, isto é, um juiz responsável pela fase que dá início à investigação criminal, seguindo a produção de provas, autorizando prisões, determinando a realização de meios de obtenção de prova, a saber: quebras de sigilo, assim como, a análise de pedidos de libertações em inquéritos e flagrantes até o recebimento da denúncia. Cuida-se, segundo Maya (2014)2, de uma espécie efetiva de blindagem da garantia da imparcialidade. O juiz de garantias, portanto, é um novo e decisivo passo rumo à modernização do modelo processual brasileiro, visto que, este já perdura desde 1941 e carece de atualização, acompanhando a evolução e as tendências do mundo contemporâneo.

Hodiernamente, no Brasil, conforme se depreende das lições de Aury Lopes Jr.3, o modelo processual ainda vigente (sem a presença do juiz das garantias - por determinação monocrática do STF4) apregoa que o juiz que participou da fase de inquérito também profira a sentença, destarte, um único juiz é responsável por todo um processo, ou seja, apenas um magistrado atua na investigação preliminar, proferindo múltiplas decisões, por vezes de caráter complexo, bem como invasivas, para depois adentrar na seara processual e ensejar um contraditório que - por força constitucional - deverá estar imbuído de natureza real, justa e efetiva. Em outras palavras, mas reforçando e esclarecendo ainda mais o conteúdo aludido, à luz do CPC desprovido do juiz de garantias, somente um juiz ocupa-se com todas as principais fases da persecução penal, quais sejam, procedimento pré-processual ou inquérito, supervisionando a investigação e autorizando a coleta de provas, como também, o recebimento da denúncia com consequente apuração da admissibilidade da acusação oferecida pelo Ministério Público na forma de verificação dos indícios mínimos de autoria e materialidade de um determinado crime, o que leva, por conseguinte, à abertura de uma ação penal transmutando o investigado em réu; instrução do processo com a tomada de depoimentos de testemunhas, juntada de provas inéditas pela defesa, como também pela acusação e, finalmente, o julgamento final do caso, mediante a materialização da sentença. Esse sistema processual em atividade no território brasileiro e afins, que encontra similaridade - na América Latina - apenas em Cuba, incorpora um juiz ativo e atarefado que, em várias ocasiões se depara com inúmeros obstáculos, como, a título de exemplo, a prescrição do processo por excesso de prazo. Logo, o sistema processual supramencionado e, em pleno vigor no Brasil, tem todos os requisitos necessários para levar a cabo, do princípio ao fim, uma ação de cunho penal e que tramite sob as regras do CPP Código de Processo Penal.

2.1. O MODELO PROCESSUAL BRASILEIRO COM O JUIZ DAS GARANTIAS

A Lei 13.964 (ou pacote anticrime), de 24/10/2019, estabeleceu, no ordenamento processual do Brasil, o instituto do juiz das garantias. Em conformidade com Renato Brasileiro de Lima (2020)5, essa inovação está relacionada, por parte da legislação processual penal, à percepção de que a imparcialidade não encontra condições mínimas de guarida em um processo penal que outorga que o mesmo julgador que influenciou na fase investigatória esteja munido de competência, à frente, para apreciar o mérito da imputação, condenando ou absolvendo o acusado. Isto posto, observa-se que o prévio conhecimento dos autos do processo influencia fortemente na tomada de decisão do juiz, seja ela contra ou mesmo a favor do réu. Dessa forma, um julgador que não teve contato com a prestação de declarações das pessoas nas oitivas do inquérito poderá oferecer um julgamento pavimentado na imparcialidade. Portanto, a bem do caráter imparcial de um processo penal, um juiz para autorizar as medidas coercitivas pré-processuais e outro para a instrução e, consequentemente, para proferir a sentença.

Ademais, deve-se ressaltar que, segundo matéria veiculada no portal de notícias jurídicas, políticas e econômicas Migalhas (2021)6, um processo armado com o juiz das garantias e o juiz de instrução, configura-se como um único processo tramitando em uma mesma instância, não em duas. Logo, não há recurso contra ato do juiz das garantias para o juiz de instrução, pois a instância de ambos os magistrados é a mesma. Desse modo, a atuação de cada magistrado é pré-estabelecida, não podendo ser simultâneas.

2.2. O PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL

Na esfera da ordem processual brasileira, entende-se o princípio da economia processual como o farol que preceitua que os atos do processo devem ser implementados tendo em vista a geração do máximo possível de resultado com o mínimo possível de esforço, tencionando, dessa maneira, obstar perda desnecessária de trabalho, tempo e dinheiro. Assim parece ser porque, na dicção de Daniel Amorim Assumpção Neves (2018)7, o princípio da economia processual, do ponto de vista sistêmico, objetiva a obtenção de menos atividade judicial e mais resultados. Dessarte, em sentido estrito, meios e procedimentos devem ser pensados com a finalidade de se evitar a profusão, tal como a superabundância do número de processos, e, em sentido amplo, o uso adequado dos recursos humanos, considerando sempre a disposição de sua menor quantidade com maior aquisição de benefícios e ganhos. Portanto, o princípio em tela pretende não apenas a feitura de atos processuais com o menor custo possível, seja pessoal ou econômico, mas também sua efetiva eficácia.

2.3. INCOVENIENTES QUE PERMEIAM O INSTITUTO DO JUIZ DAS GARANTIAS

Com a finalidade de se implantar o juiz das garantias, como o quer a Lei 13.964/2019, obrigatoriamente serão necessários mais juízes. De acordo com levantamento realizado pelo Jornal do Comércio (2021)8, um a cada cinco cargos de juiz no Brasil está desocupado e, em 2018, havia cerca de 4.400 postos vagos, bem como em 20% das comarcas, há apenas um magistrado trabalhando. Sendo assim, concursos públicos deverão ser realizados a fim de suprir a demanda por juízes, pois esta é a forma mais viável e concreta de fornecer o componente humano fundamental para a cristalização do juiz das garantias na sociedade brasileira. Assim, percebe-se que no que toca à remoção do problema da falta de juiz para a implementação do juiz das garantias há ainda um longo caminho a percorrer pelas autoridades responsáveis.

Outrossim, cumpre salientar o volume massivo dos processos que chega, espraia-se e se acumula no sistema judiciário brasileiro com o modelo tradicional sem o juiz das garantias, atravancando e emperrando, ao arrepio constitucional, a duração razoável dos processos e impossibilitando uma distribuição de justiça eficiente. Em harmonia com os dados do Conselho Nacional de Justiça CNJ (2020)9, acumulavam-se mais de 70 milhões de processos sem solução em 2018, sendo que, em média, um processo criminal leva três anos e dez meses para chegar à primeira sentença somente na Justiça estadual. Então, verifica-se que, com o juiz das garantias, carece-se muito mais, com números bem maiores do que com o modelo processual anterior, em nível nacional, de expressivo investimento com a contratação de indivíduos a fim de compor quadro pessoal que dê resposta satisfatória aos números cada vez mais crescentes de atividades jurídicas processuais.

Todavia, no Brasil, existe uma restrição financeira, e, como consequência, o engendramento do instituto jurídico mencionado acima terá expressivo impacto orçamentário sem uma adequada e providente origem de recursos. Em conformidade com a Deputada Federal - NOVO São Paulo - Adriana Ventura (2020)10, a fim de instituir o juiz das garantias, desvela-se um cenário onde ocorre uma efetiva limitação econômica, há uma insuficiência de recursos. A estimativa é que, para o orçamento nacional, seria uma despesa em torno de 3 (três) bilhões de reais. Trilhando por esse entendimento, a carência de dotação orçamentária, cria um horizonte onde haverá excesso de despesas econômicas e com pessoal - com o elevado custeio do dispositivo jurídico em discussão.


CONCLUSÃO

O objetivo geral deste artigo foi analisar se o princípio da economia processual pavimenta ou não - levando-se em conta não a profusão do número de processos, porém o excesso de gastos para se obter um determinado resultado na seara processual - o instituto jurídico do juiz das garantias criado pela Lei 13.964 de dezembro de 2019, o chamado pacote anticrime.

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Verificou-se, por meio de dados e informações colhidos de órgão do Poder Judiciário, além de instituições privadas e personalidade política, que, praticamente o gasto com pessoal mediante a adoção do juiz das garantias irá aumentar consideravelmente, em virtude da nomeação de novos juízes, por meio de concursos públicos, com a finalidade de suprir lacuna abismal oriunda da falta desses servidores públicos.

Ademais, o Brasil, atualmente, não dispõe dos recursos necessários para a implantação do instituto supracitado, pois o custo é muito elevado.

Em suma, a figura do juiz das garantias, prevista pelo pacote anticrime, não é alcançada pelo princípio da economia processual, uma vez que gastos excessivos com pessoal serão demandados objetivando sua implementação.


REFERÊNCIAS

Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1.941. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 nov. 2021.

Com cargos vagos, Brasil tem déficit de 4,4 mil juízes. Jornal do Comércio Online, Porto Alegre, 22 nov. 2021. Disponível em: <https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/politica/2020/01/720660-com-cargos-vagos-brasil-tem-deficit-de-4-4-mil-juizes.html>. Acesso em: 22 nov. 2021.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório das Metas Nacionais do Poder Judiciário 2017-2019. Brasília: CNJ, março, 2020. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/>. Acesso em: 22 nov. 2021.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 8ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.

LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

MAYA, André Machado. Imparcialidade e processo penal: da prevenção da competência ao juiz de garantias. 2ª ed. Atlas, 2017.

MEDEIROS, Flavio Meirelles. Apresentando o juiz das garantias. Migalhas, São Paulo, 21 nov. 2021. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20090130-.01.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. Salvador: JusPodivm, 2016.

VENTURA, Adriana. Juiz de garantias: cinco problemas e nenhuma discussão. Adriana Ventura Online, Brasília. Disponível em: <https://www.adrianaventura.com/juiz-de-garantias/>. Acesso em: 23 nov. 2021.


Notas

1 Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1.941. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 20 nov. 2021.

2 MAYA, André Machado. Imparcialidade e processo penal: da prevenção da competência ao juiz de garantias. 2ª ed. Atlas, 2017.

3 LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

4 O ministro Luiz Fux (STF) suspendeu por tempo indeterminado, em janeiro de 2021, a implementação do instituo jurídico juiz de garantias, aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro de 2019.

5 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 8ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.

6 MEDEIROS, Flavio Meirelles. Apresentando o juiz das garantias. Migalhas, São Paulo, 21 nov. 2021. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20090130-.01.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2021.

7 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. Salvador: JusPodivm, 2016.

8 Com cargos vagos, Brasil tem déficit de 4,4 mil juízes. Jornal do Comércio Online, Porto Alegre, 22 nov. 2021. Disponível em: <https://www.jornaldocomercio.com>. Acesso em: 22 nov. 2021.

9 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório das Metas Nacionais do Poder Judiciário 2017-2019. Brasília: CNJ, março, 2020. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/>. Acesso em: 22 nov. 2021.

10 VENTURA, Adriana. Juiz de garantias: cinco problemas e nenhuma discussão. Adriana Ventura Online, Brasília. Disponível em: <https://www.adrianaventura.com/juiz-de-garantias/>. Acesso em: 23 nov. 2021.

Sobre o autor
Antonio Claudio Goes de Sousa

Bacharel em Direito com especialização em Direito Penal e Processo Penal, bem como em História Militar, Direitos Humanos e Sociais e Linguagens.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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