A construção do conceito da violência de gênero a luz do STF

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Cláudio Vale de Araujo[1]

Resumo:

O artigo pretende analisar o comportamento do Supremo Tribunal Federal perante questões sobre a violência de gênero, buscando compreender como o STF tem interpretado as respectivas questões, dessa forma, entender como está sendo construído o conceito de gênero à luz da Suprema Corte. Portanto, para isso, o artigo abordará como se deu a construção do papel da mulher ao longo da história, partindo da baixa Idade Média, passando pela Idade Moderna e Contemporânea. Na perspectiva da contemporaneidade, analisarmos a situação da mulher no pós segunda grande guerra, assim como, a conquista dos direitos das mulheres e grupos marginalizados pela sociedade através das ondas dos movimentos feministas e dessa forma chegar no âmbito do Brasil, ressaltando de forma aprofundada alguns julgamentos do STF. O estudo pretende apontar ainda quando surgiu o conceito de gênero e compreender o que significa gênero.

Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal. Gênero. Mulheres.

1 NOTA INTRODUTÓRIA

Ao discutirmos a temática, a construção do conceito de violência de gênero à luz do STF, tão importante na contemporaneidade, buscaremos compreender como o STF tem interpretado e deliberado suas decisões sobre a questão da violência de gênero.

A temática sobre gênero é algo de grande relevância para nossa sociedade, por este motivo será importante discutirmos sobre a construção desse conceito. Saber em que momento o conceito de gênero foi construído, assim como entender quais eram as concepções sobre essa questão em alguns momentos na história.

Pensar sobre gênero, é acima de tudo romper paradigmas construídos ao longo do tempo. Pensar sobre violência de gênero é buscar romper concepções preconceituosas e machistas que envolvem nossa sociedade atual. Sendo assim, para que possamos compreender o que é a violência de gênero será preciso entender o conceito de gênero, o que significa gênero. Então passaremos a discutir a seguir tópicos de relevância para se compreender esta temática.

2 O CONCEITO DE GÊNERO

Gênero está associado a construção social do sexo biológico. É um conceito que é diferenciado do sexo biológico, pois enquanto sexo diz está relacionado a anatomia do corpo, ou seja , a diferença anatômica e biológica entre homem e mulher.

Enquanto gênero é um conceito contruído relacionado a construção social a fim de designar o sexo biológico, diz respeito às diferenças psicológicas, sociais e culturais entre homens e mulheres. De acordo com Guerra[2] (2014) embora que as sociedades ocidentais procuraram definir as pessoas em homens e mulheres a partir do nascimento, através dos elementos biológicos, as ciências sociais argumentam: ...que gênero se refere à organização social da relação entre os sexos e expressa que homens e mulheres são produtos do contexto social e histórico e não resultado da anatomia de seus corpos.

Ainda de acordo Giddens[3] (2005), gênero está ligado: ... as nações socialmente construídas de masculinidade e feminilidade, não é necessáriamente um produto direto do sexo biológico de um indivíduo. Então partindo dessa ideia podemos perceber que a distinção entre sexo e gênero é fundamental, uma vez que, muitas diferênças entre homens e mulhers não são de origem biológica.

É de relevância para nós, uma vez que, até o momento discutimos o que é gênero para as ciências sociais, analisamos neste momento outros tópicos sobre a construção do conceito de gênero numa perspectiva do direito ao longo da história.

2.1 Como a mulher era vista no medievo?

No medievo a religiosidade praticada pela Igreja é difundida no imaginário social, e nesse imaginário social a mulher é demonizada, sendo essa mulher que iria levar a fraqueza aos homens, desvirtuando da Igreja. O cristianismo medieval, de acordo com o historiador Georges Duby[4] (2011, p. 83) já mostrava como a mulher era tratada naquela sociedade : O marido é proprietário do corpo de sua mulher, ele tem direito de posse sobre ela. Então, podemos perceber qual era o papel da mulher na sociedade medieval, um papel que se configurava como submissa à vontade do homem.

O feminino era tratado como um ser fraco, segundo o historiador Le Goff[5] (2006), na sociedade medieval: o homem está em cima, a mulher embaixo. Estas concepções eram difundidas no imaginário social no medievo. De acordo Teodósio e Holanda (2020), esta era a imagem sobre o homem.

Os homens, por serem os representantes de Deus na terra, ganham o título de detentores do conhecimento o que garantia esse poder sobre todos. A partir de uma hierarquização que a igreja constrói apontando o acesso a este saber dividindo quem seriam esses leitores.

Na sociedade medieval, principalmente a partir do século XI[6], período do fortalecimento da igreja como uma instituição detentora de poder político, social e militar, a sociedade viverá sob os ditames canônicos. A igreja será responsável em construir e influenciar as normas de convivência do cotidiano das pessoas, o homem será o protagonista nesse período.

É importante ressaltar que esta concepção de gênero era algo daquele período para que não ocorram em anacronismos. Pois, a igreja medieval, como detentora de poder político e religioso, e sendo de caráter universal possuía quase um domínio absoluto no campo religioso. Segundo Castro[7] (2016, p.132) este caráter universal foi construído entre: os séculos VIII e XV, deram a esse direito um caráter unitário que nenhuma instituição poderia oferecer nesse período.

Sendo assim, a percepção de sexo no período medieval foi construída pela Igreja no meio social, uma construção que trazia a mulher como um ser inferior diante do homem, um ser sem voz nessa sociedade medieval. As regras impostas para a sociedade, foram internalizadas através do direito canônico. Através do direito canônico, esta ideia sobre o papel do homem e mulher na sociedade medieval é reconhecida como legítimo, pois para Castro (2016, p.132): o direito canônico foi responsável exclusivo, durante vários séculos, pelo domínio do direito privado, tanto para religiosos quanto para leigos. Os tribunais eclesiásticos eram o local de solução de casamentos e divórcio...

Portanto, podemos perceber que o medievo foi um período em que a ideia de sexo estava associada ao sagrado, ao divino, não existindo espaço e momento para se discutir outras opiniões, pois o que deveria ser levado em consideração e aceito era o que a igreja ensinava. Aquele que defendesse algo contrário ao que a igreja pregava poderia sofrer várias consequências, ou seja, ser acusado de heresias, pecados contra a religião.

Segundo Castro (2016, p.133) as pessoas poderiam passar por julgamentos se fossem acusadas por infrações religiosas.

As outras pessoas poderiam ser julgadas pelos tribunais eclesiásticos em caso de infrações contra a religião (como heresias, simonias, sacrilégios, apostasias, feitiçarias etc.) adultério, usura (empréstimo a juros), testamento, juramento não cumpridos e matéria de família.

Dessa forma, a mulher, ao ser considerada fraca, era mais propícia a passar por tudo isso, uma vez que ela representava Eva, aquela que introduziu o pecado na humanidade.

2.2 A mulher e sua falsa independência na Idade Moderna

Esse período, Idade Moderna, foi marcado por várias formas de pensar, sendo que estas formas contemplavam os vários setores da sociedade, a saber: Cultural, político, religioso, comercial, científico e artístico).

No decorrer do século XVI, de acordo com Ferreira[8] (2005) a cultura renascentista expandiu-se em toda a Europa ocidental e estes lugares adquiriram características próprias. Esse período foi marcado pelo absolutismo, pelo movimento de Reforma Religiosa, assim como também pelas grandes navegações, sendo que num primeiro momento vinculadas ao comércio oriental, e logo em seguida à exploração das riquezas da América.

Nessa conjuntura, a relação do tratamento social da mulher se manteve da seguinte forma: Iniciou-se a construção de códigos que se referiam também à esfera feminina, segundo Baroni[9] (2020): maior parte deles continha regras específicas que impunham restrições aos direitos das mulheres, tanto dentro quanto fora da família, atingindo a esfera pública e a privada.

Então podemos perceber que nessas legislações a evidente inferioridade da mulher diante dos homens. Baroni (2020, p. 05) afirma que de certa forma houve alguma mudança no papel da mulher nessa nova sociedade considerada moderna.

No final do período medieval, as mulheres passaram a assumir importante papel no desenvolvimento econômico das cidades. Surgiu um novo modelo de relação de trabalho, tendo em vista o alto crescimento da economia urbana, e as mulheres passaram a ser inseridas nesse espaço, que visava intercalar trabalho e cotidiano, no qual, com o casamento, o homem e a mulher formariam um núcleo de atividade econômica.

Porém, mesmo com esta possível porta aberta para uma mudança na relação de sexo, ocasionando uma falsa independência econômica e social por parte da mulher, os conflitos ainda existiam, no imaginário da sociedade, a mulher deveria ser formada ainda para ser mãe, ser uma doméstica. Baroni (2020, p.6) disse:

Ainda havia conflitos com os ditames impostos pela economia, pela política e pelas mentalidades. Permanecia a grande ideia de a formação da mulher ser voltada para a área da família e da economia doméstica, não havendo a possibilidade de ter uma formação profissional ou científica.

Os homens, ainda assumiram um papel de protagonista, pois os homens em uma esfera intelectual crescendo em desenvolvimento, enquanto as mulheres estavam estagnadas, não existindo desenvolvimento para elas. Para Baroni (2020, p. 07):

não se tinha registro de mulheres frequentando uma universidade. As mulheres perderam até a profissão de parteira, substituída pela obstetrícia, especialidade destinada aos homens.

Dessa forma, o tratamento que os homens recebiam em relação às mulheres, mostrava que as mulheres nessa sociedade continuavam sendo tratadas com inferioridade, e diante disso, não estavam aceitando e começaram a contestar esta desigualdade de sexo no que se relaciona ao acesso ao trabalho e à educação.

É importante destacar que nesse contexto, a Idade Moderna foi marcada pela reforma protestante, a qual foi um movimento que se opôs aos dogmas religiosos e ensinamentos da Igreja Católica, esse movimento rompeu de forma institucional com as proposta da Reforma Católica, segundo Bentes[10] (2018, p. 4) existia uma repreensão por parte da igreja católica que não permitia qualquer manifestação contra os dogmas católicos:

Antes do século XV, os contestadores não tinham um espaço próprio para deixarem suas críticas, porém com o surgimento de novas ideias e formas pensar advindos do Renascimento, os reformadores puderam expressar suas indignações.

Nesse espaço de reforma protestante, com relação à mulher, é possível observar um grau de liberação doméstica em comparação ao espaço católico. No ambiente católico, o feminino não teria qualquer aproximação com o religioso que não seja a devoção. Para Bentes (2018, p.6) a mulher começou a assumir um papel diferente:...no protestantismo estas podiam assumir ao menos uma posição ao lado do marido nos espaços religiosos, o que gerava às vezes um companheirismo maior do que entre casais católicos.

Sendo assim, podemos observar que ao inserir o feminino nessa esfera religiosa, elas começaram a ganhar alguma certa independência, isso comparado ao que era no medievo. Essa mudança é refletida no ambiente familiar, pois a mulher não se vê mais presa ao espaço doméstico e submissão ao marido. Porém, não podemos nos enganar, pois tanto o catolicismo, assim como o protestantismo ainda olham a mulher na sociedade, submissa ao marido e excluída do poder de decisão.

A Idade Moderna foi palco de um movimento importante, o Iluminismo, o qual se iniciou com um movimento cultural europeu que ocorreu nos séculos XVII e XVIII, este movimento buscava formar mudanças no âmbito político, econômico e social na sociedade daquela época.

Neste sentido, na divulgação do conhecimento, filósofos iluministas difundiram conhecimento e enalteceram a razão em detrimento do conhecimento religioso. Segundo Pissurno[11] (2018) este conhecimento foi importante para a burguesia: A doutrina de filósofos como Rousseau, Voltaire e Montesquieu era útil à burguesia na busca pelo Poder e foi amplamente divulgada ao povo. A principal obra desta época foi O Contrato Social de Jean Jaques Rousseau.

O contratualismo representou para este momento uma grande mudança na história do pensamento político. Para Pissurno (2018) a obra Contrato Social inaugurou a fase do contratualismo:

Tal doutrina possui uma concepção individualista da sociedade, ou seja: primeiro existe o indivíduo (que nasce livre, com suas carências e interesses) e depois a sociedade, sendo que ela foi criada para facilitar a existência humana.

Nesse contexto de transformações, surge a doutrina do direito natural. Segundo Ribeiro (2012, p.68), esta doutrina engloba: gama de direitos que todos os indivíduos possuíam, independentemente de previsão legal.

Contudo, a mulher ainda continua sendo um mero apêndice da raça humana, de acordo com Richard Stee[12]l (séc. XVIII) este era o pensamento ainda vigente: Uma Mulher é uma filha, uma Irmã, uma Esposa, e uma Mãe, um mero apêndice da Raça Humana. Era atribuído ao papel da mulher a educação dos filhos, assim como os cuidados domésticos.

2.3 Contemporaneidade: Um grito de liberdade

Este período é caracterizado por grandes transformações na sociedade europeia e conflitos de amplitude mundial. A Revolução Francesa foi considerado o marco de passagem da Idade Moderna para Contemporânea, iniciado em 1789, inspirado nas ideias do Iluminismo e motivado principalmente pela crise que a França estava vivenciando no final do século XVIII o que causou a queda do absolutismo na Europa.

A insatisfação popular com a situação econômica e social em que vivia a França, aliando-se aos interesses da burguesia que combatia a aristocracia francesa formavam um ambiente propício para a revolução. O Terceiro Estado[13] gritava por liberdade, dessa forma queriam o fim do absolutismo, finalmente o absolutismo foi derrubado, e o lema da revolução foi vitorioso: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Nesse contexto de transformações, as mulheres buscaram conquistar a mesma liberdade dos homens, pois estavam insatisfeitas com a situação. Segundo Baroni (2020, p.10) diante da indignação das mulheres em relação a sociedade machista da época foi proposta a seguinte declaração pela escritora Olympe de GOUGES[14]:

Indignada com a sujeição das mulheres à sociedade machista, propôs a Declaração dos Direitos da Mulher, comparável à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, pretendendo assim, acabar com os privilégios dos homens. Este foi o grande marco dessa luta feminina pela igualdade .

A escritora Olympe Gouges, foi condenada à morte, em 1739 foi guilhotinada, Ela foi acusada, de acordo com Baroni (2020, p.8) de: ter deixado de lado os benefícios do seu gênero e tentar ser um homem de Estado.

As mulheres francesas não desistiram, continuaram lutando, buscaram conquistar seus direitos perante uma sociedade machista. Nesse espaço de luta, obtiveram a conquista do direito de voto, as quais tiveram apoio da igreja católica.

Sendo assim, podemos analisar que a Idade Contemporânea foi uma época de grande transformações políticas, sociais e culturais, a mulher começava sair do seu papel de coadjuvante e oprimida para assumir um protagonismo social.

2.4 A imagem da mulher no Segundo Pós-Guerra: Um questão de dignidade humana

O pós-guerra modificou o mundo economicamente e socialmente, pois o planeta foi dividido em liberais (capitalistas) e comunistas. Encabeçando os liberais, os EUA, era o líder, enquanto os comunistas, tinhamos os russo, a antiga União Soviética.

A segunda guerra deixou marcas irreparáveis, um mundo destruído pelas atrocidades causadas pelo nazismo. A humanidade conheceu o pior do instituto humano, violência e falta de dignidade humana para com os seguintes grupos: Judeus, ciganos, poloneses, homossexuais, Testemunhas de Jeová, deficientes físicos e mentais. Um verdadeiro genocidio prático pelo líder nazista.

Após a segunda grande guerra, a humanidade temia uma outra grande guerra mundial. Segundo Oliveira[15] (2020, p.45) a humanidade sentia a necessidade de se organizar:

Temos no ano de 1945 o fim da 2ª Guerra Mundial, e um contexto de absoluta destruição. O cenário descrevia que era muito fácil ocorrer uma 3ª Guerra Mundial. Diante desse momento de tensão, os Estados perceberam que precisavam se unir num espírito de solidariedade, fraternidade e ajuda mútua (direitos de 3ª geração) para que algo terrível não viesse a ocorrer novamente.

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Diante do temor de uma nova guerra de âmbito global, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU). 50 países assinaram, inicialmente, a Carta das Nações com o objetivo de manter a paz mundial. A carta enfatizava a necessidade de respeitar os direitos humanos, a dignidade e o valor da pessoa humana.

A carta trouxe uma perspectiva que até então não havia sido enfatizada, ou seja, expõem a necessidade de igualdade dos direitos dos homens e das mulheres. Nesse contexto, a ONU, imbuída de organizar algum documento que promova os Direitos Humanos, em 1948, finalmente elabora a Declaração Universal dos Direitos Humanos, na qual reconhece o caráter universal de Direitos sobre a dignidade humana, nesse sentido, e sem exceção, todas as pessoas devem gozar de direitos fundamentais o qual permite viver uma vida digna.

Nesse contexto de promoção dos Direitos Humanos através da Declaração da ONU, ainda não existe algo específico que trate sobre os direitos da mulher. De acordo com site politze[16] (2021) na matéria A história dos direitos das mulheres havia essa necessidade de se construir algo mais específico:

apesar da amplitude dos Direitos Humanos, a comunidade internacional, principalmente por pressão de movimentos de mulheres no mundo, que possuíam vozes poderosas como Eleanor Roosevelt, tomou consciência de que era preciso estabelecer direitos específicos para as mulheres.

Então, mesmo diante da criação da declaração dos Direitos Humanos, ainda não se conseguia atender de forma satisfatória às necessidades das mulheres no contexto mundial, pois ainda sofrem com discriminção e com a desigualdade de gênero.

Portanto, foram organizadas conversões que se tornaram de grande relevância para a construção específica da ideia de dignidade humana da mulher no período pós segunda guerra. Segundo Pinheiro[17] (2018, p.04), com a formulação de convenções ocorreu uma maior visibilização dos direitos da mulher.

Vale destacar a formulação da Convenção dos Direitos Políticos das Mulheres (1952) e a Convenção da Nacionalidade das Mulheres Casadas (1957) através das quais ocorreu uma maior visibilização de questões tidas como reservadas ao âmbito doméstico e/ou privado.

A luta da mulher pelo reconhecimento dos seus direitos foi algo constante, o período pós segunda guerra despertou cada vez mais a necessidade de se reconhecer a importância da mulher na esfera social, econômica e política, não apenas como cuidadora do lar ou responsável pela esfera doméstica.

2.5 Movimento feminista: Uma luta pelos direitos da mulher

A mulher como indivíduo, buscou reconhecimento enquanto sujeito de direitos, participando na vida pública e enfrentando a descriminação e desigualdade, na qual sofreram por muito tempo.

A partir da década de 60, nos EUA, surgiu movimentos de caráter feminista que buscava uma libertação da mulher e não apenas sua emancipação. Pois, de acordo com Betto[18] (2001, p.20) o termo emancipação difere de libertação.

emancipar-se é equiparar-se ao homem em direitos jurídicos, políticos e econômicos. Libertar-se é querer ir mais adiante, [...] realçar as condições que regem a alteridade nas relações de gênero, de modo a afirmar a mulher como indivíduo autônomo, independente [...]

Nessa realidade de lutas pelos direitos das mulheres através da organização de movimento social feminista, a mulher, rompeu com o paradigma tradicionalista do papel feminino na socieade. Para Alves[19] (2013, p.4) se iniciou um novo pensamento: ... pensamento feminino começa a ganhar a adesão das pessoas. Assim é que, em 1975, é declarado o Ano Internacional da Mulher pela ONU.

Este pensamento inovador rejeita as correntes tradicionais relacionadas ao papel da mulher na sociedade e de acordo com Cassab[20] (2014, p. 3) o referido pensamento irá sugerir: ...uma nova forma de sociedade, com a inclusão dos direitos e papéis femininos, buscando novos conceitos e identidades de fazer política.

No Brasil, o movimento feminista, recebe forte influência de movimentos sufragista oriundos da Europa e EUA. O movimento feminista brasilieiro tem como caracteristicas questinar assuntos políticos e social, questionam a condição da mulher. Para Cassab (2014, p.3):

O caráter militante se sobressai nesse momento, pois, questionava a política, a educação e a dominação do homem na sociedade, além da sexualidade e divórcio. O movimento efetuou sua criticidade, de fato, durante o movimento anarquista e pelo Partido Comunista.

É importante ressaltar que as lutas e revendicações do movimento feminista brasileiro foram classificadas em ondas. Segundo Rosa[21] (2018, p.8):

A primeira onda do feminismo não discutia a divisão sexual dos papéis de gênero, inclusive reforçavam esses papéis, estereótipos e tradições porque utilizavam essas representações das virtudes domésticas e maternas como justificativa para suas demandas. A discussão era em torno da categoria mulher, que almejava gozar dos mesmos privilégios dos homens.

Na segunda onda, que ocorre entre os anos de 1950 e 1990, se compreendeu que essa violência, a que estava sujeita a mulher, era uma questão política e deveria ser enfrentada como tal. O foco nessa etapa estava na especificidade da mulher, e a defesa é que suas particularidades mereciam reconhecimento e proteção.

Este período que ocorreram as duas primeiras ondas no Brasil foram de grandes mudanças para nossa sociedade, pois aconteceram relevantes mudanças nas estruturas sociais e de produção, assim como nas questões políticas e nas manifestações culturais e intelectuais. Para Rosa (2018, p.9) a luta na sociedade era contra: ... o regime ditatorial. Ao mesmo tempo em que resistiam à ditadura militar, as mulheres tinham que voltar suas atenções para a expansão do mercado de trabalho e do sistema educacional

O movimento feminista da segunda onda contribuiu com muitos ganhos relacionados aos direitos das mulheres. Porém, Rosa (2018, p.9) faz a seguinte observação: ... ao tratar da categoria mulher, utilizavam de padrões universalizantes. Quem eram estas mulheres? Mulheres brancas, heterossexuais de classe média. Outras mulheres estavam invisibilizadas nessa luta.

Neste contexto, surge a categoria de gênero como um marco nos movimentos feministas, assim sendo, a terceira onda tem início. Rosa (2018, p.10) nos esclarece o que seria a terceira onda:

A terceira onda é quando as reflexões se focam nas diferenças entre as próprias mulheres - é o movimento olhando para o próprio movimento e para suas micropolíticas. Para que você entenda melhor essa etapa do feminismo, que é onde se fortalece o feminismo negro.

Esta onda difere das demais, pois enquanto a primeira e segunda foram lideradas por mulheres brancas pertencentes à classe média alta, as outras mulheres que pertenciam a outras camadas sociais ficaram inviabilizadas.

Portanto, diante desse cenário, novos grupos ganham espaço na luta pelos direitos, grupos excluídos da sociedade. Negras, trabalhadores rurais e lésbicas levantaram suas bandeiras de forma específica e denunciando que até o momento o movimento feminista considerava a mulher como uma categoria universal, excluindo dessa forma os demais grupos.

Assim sendo, a questão de gênero passa ser discutida e questionada em relação ao seu essencialismo e universalidade. O feminismo assume uma nova postura e é nomeado como pós-feminismo.

3 BRIGA DE MARIDO E MULHER DEVEMOS METER A COLHER? LEI MARIA DA PENHA

O ditado popular Briga de marido e mulher não se mete a colher pode parecer um lema que nos instrui a não interferir na briga do casal, porém quando esta briga se transforma em agressão? Qual deverá ser nossa atitude? Qual é a atitude do Estado?

No Brasil, de acordo com site compromissoeatitude.org.br[22], as agressões físicas e psicológicas são as principais formas de violência contra as mulheres:

Do total de atendimentos realizados pelo Ligue 180 a Central de Atendimento à Mulher no 1º semestre de 2016, 12,23% (67.962) corresponderam a relatos de violência. Entre esses relatos, 51,06% corresponderam à violência física; 31,10%, violência psicológica; 6,51%, violência moral; 4,86%, cárcere privado; 4,30%, violência sexual; 1,93%, violência patrimonial; e 0,24%, tráfico de pessoas.

A violência contra as mulheres é uma das principais formas de violação dos direitos humanos, pois atinge de forma direta os direitos à vida, à saúde e integridade física. Essa forma de violência se encontra de maneira estruturante na sociedade e mostra uma grande desigualdade de gênero.

A violência contra a mulher se refere a ato ou conduta com base no gênero, esta violência pode causar a morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como privada.

No Site[23] do Instituto Maria da Penha podemos encontrar definições para os tipos de violência que podem ser praticadas contra a mulher neste contexto que estamos analisando:

Violência física: Entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher; Violência apsicológica: É considerada qualquer conduta que: cause dano emocional e diminuição da autoestima; prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher; ou vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões; violência sexual: Trata-se de qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; Violência patrimonial: Entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; Violência moral: É considerada qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Diante desse cenário de violência contra a mulher no Brasil e de acordo com Guimarães[24] (2015, p.03) nosso país ocupa uma posição indesejável quanto a violência praticada contra a mulher:

Em relação ao número de homicídios femininos, o país ocupa a 7º posição, em uma lista de 84 países. Entre 1980 e 2010 foram assassinadas mais de 92 mil mulheres, sendo que 47,5% apenas na última década.

Esta é uma dura realidade brasileira, portanto, havia uma necessidade urgente de romper com essa estrutura que banalizava a violência contra a mulher. Diante de muitas mobilizações foi promulgada em 2006 a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha. Segundo Guimarães (2015, p. 226), a proposta da Lei é a seguinte:

é de criar mecanismos jurídicos para coibir e punir a violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei 11.340, 2006). Sua estruturação pode ser entendida a partir de três eixos principais de medidas de intervenção: criminal; de proteção dos direitos e da integridade física da mulher; e de prevenção e educação.

A Lei Maria da Penha se tornou um marco contra a violência praticada contra a mulher, uma quebra de paradigma contra a desigualdade de gênero. Pois a Lei não apenas atua no âmbito jurídico, mas pode ser integrada na formulação de políticas públicas de gênero, assim como políticas que envolvam segurança pública, saúde, educação e assistência social.

Como já citado neste artigo, fazendo referência ao Instituto Maria da Penha, a Lei Maria da Penha traz em seu artigo 7º as seguintes informações:

CAPÍTULO II

DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Dessa forma, a Lei Maria da Penha tem como objetivo buscar repelir a violência de gênero, causada por uma situação de hipossuficiência física ou econômica, na esfera doméstica, da família, ou de uma relação íntima que se encontra a mulher, sendo que nesse meio seja gerada alguma situação de opressão.

Sendo assim, podemos compreender que a violência de gênero tem como característica a relação de poder, no sentido que o homem é dominante e a mulher submissa. Esta relação foi construída ao longo da história e reforçado pelo patriarcado e suas ideias, levando consequentemente a uma relação violenta entre os sexos.

4 VIOLÊNCIA DE GÊNERO NA LUZ DO ENTENDIMENTO DO STF

Diante do retrato social que nossa sociedade apresenta, no que se refere a violência de gênero, é de grande relevância compreender como a Suprema Corte, STF, tem agido com relação a esta questão, quais têm sido as decisões do STF a respeito da violência de gênero? Portanto, a partir do julgamento pelo STF da AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 19 DISTRITO FEDERAL , o qual o Ministro Marcos Aurélio foi relator. A ADC/19-DF em 09 de fevereiro de 2012, foi julgada a ADC/19-DF, a qual alegou que os artigos 1º, 33 e 41 da Lei n. 11.340/2006(Maria da Penha) eram inconstitucionais. Segundo Leite[25] (2020, p.3) a ADC/19 acabou fornecendo uma interpretação aos seguintes artigos:

Além disso, deu interpretação conforme aos artigos 12, inciso I, e 16, ambos da lei, para estabelecer a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, pouco importando a extensão desta.

Os artigos tratados pela referida ADC de com Leite (2020, p.4) foram julgados pelo STF, o qual considerou estar em harmonia com a Constituição Federal.

o tratamento diferenciado entre os gêneros mulher e homem , se harmoniza com a Constituição Federal, por ser necessária a proteção ante as peculiaridades física e moral da mulher (maior vulnerabilidade) e também levando em conta a cultura brasileira. Segundo o Tribunal, o art. 41 da Lei Maria da Penha, objeto de divergência doutrinária e jurisprudencial na época, que afastava nos crimes de violência doméstica contra a mulher, a aplicação da Lei nº 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais), mostra-se em consonância com o disposto no § 8º do artigo 226 da Carta da República, a prever a obrigatoriedade de o Estado adotar mecanismos que coíbam a violência no âmbito das relações familiares. Nesse julgamento, o Supremo também solucionou outro impasse comum na doutrina e na jurisprudência (inclusive do STJ): a natureza da ação penal em caso de lesão corporal resultante de violência doméstica. Considerou-se que a ação penal nesse caso é pública incondicionada.

Sendo assim, já podemos perceber a posição da Suprema Corte com relação a violência de gênero. Na posição tomada pelo STF, o Supremo Tribunal Federal editou enunciados de súmula fortalecendo a decisão tomada sobre a constitucionalidade da Lei Maria da Penha e ao mesmo tempo se tornando um órgão institucional de combate a violência de gênero.

A Fim de mostrar, além do que já foi discutido acima, faremos citações de algumas decisões do STF sobre o assunto:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. VIOLÊNCIA COMETIDA POR EX- NAMORADO. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DO DELITO PREVISTO NO ART. 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL. APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA (LEI N. 11.430/2006). IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENTO PELO JUIZADO ESPECIAL. 1. Violência cometida por ex-namorado; relacionamento afetivo com a vítima, hipossuficiente; aplicação da Lei n. 11.340/2006. 2. Constitucionalidade da Lei n. 11.340/2006 assentada pelo Plenário deste Supremo Tribunal Federal: constitucionalidade do art. 41 da Lei n. 11.340/2006, que afasta a aplicação da Lei n. 9.099/1995 aos processos referentes a crimes de violência contra a mulher. 3. Impossibilidade de reexame de fatos e provas em recurso ordinário em habeas corpus. 4. Recurso ao qual se nega provimento. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, em negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nos termos do voto da Relatora. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Joaquim Barbosa. Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICP-Brasil.

Neste caso, o STF, julgou que violência doméstica cometida por ex-namorado contra a vítima com a qual mantinha um relacionamento, não vai caber pedido de Habeas corpus, quando não houver possibilidade de reexaminar fatos e provas do caso.

Ementa e Acórdão 16/04/2013 SEGUNDA TURMA HABEAS CORPUS 114.703 MATO GROSSO DO SUL RELATOR : MIN. GILMAR MENDES PACTE.(S) :ANTONIO VIANA DE LIMA IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL COATOR(A/S)(ES) :RELATOR DO RESP N.º 1296023 MS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Habeas corpus. 2. Lesão corporal leve praticada no âmbito doméstico ou familiar. Lei 11.340/2006. Condenação. Detenção. Pena inferior a 4 anos. Crime cometido com violência à pessoa. 3. Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Impossibilidade. Art. 44, I, do CP . 4. Constrangimento ilegal não caracterizado. 5. Ordem denegada. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir a ordem, nos termos do voto do Relator. Brasília, 16 de abril de 2013. Ministro GILMAR MENDES Relator Documento assinado digitalmente Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICP-Brasil.

Neste outro caso vamos perceber que o entendimento do STF foi que se existiu lesão corporal de caráter leve e foi praticada no âmbito familiar ou doméstico, não existirá a possibilidade de substituir a pena restritiva de direitos (detenção) por uma pena privativa de liberdade (regime fechado, semiaberto ou aberto). Existem outros documentos do STF, assim como do STJ, os quais abordam o apoio contra a violência de gênero.

Para incidência da Lei Maria da Penha, é necessário que a violência doméstica e familiar contra a mulher decorra de: (a) ação ou omissão baseada no gênero; (b) no âmbito da unidade doméstica, familiar ou relação de afeto; decorrendo daí (c) morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. A norma se destina às hipóteses em que a violência doméstica e familiar contra a mulher é praticada, obrigatoriamente, seja no âmbito da unidade doméstica, seja familiar ou seja em qualquer relação íntima de afeto (art. 5º, I, II e III, da Lei n. 11.340/2006) HC 500.627/DF, DJe 13/08/2019;

Para a configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) não se exige a coabitação entre autor e vítima Súmula 600 do STJ;

É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas Súmula 589 do STJ;

A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos Súmula 588 do STJ;

A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada Súmula 542 do STJ;

A Lei Maria da Penha pode incidir na agressão perpetrada pelo irmão contra a irmã na hipótese de violência praticada no âmbito familiar (AgRg no AREsp 1437852/MG, DJe 28/02/2020);

A Lei 11.340/06 buscou proteger não só a vítima que coabita com o agressor, mas também aquela que, no passado, já tenha convivido no mesmo domicílio, contanto que haja nexo entre a agressão e a relação íntima de afeto que já existiu entre os dois. É irrelevante o lapso temporal da dissolução do vínculo conjugal para se firmar a competência do Juizado Especializado nos casos em que a conduta imputada como criminosa está vinculada à relação íntima de afeto que tiveram as partes (HC 542.828/AP, DJe 28/02/2020);

Com todas estas decisões é notório a posição do STF com relação a violência de gênero, é possível notar a preocupação nos entendimentos da Suprema Corte em não aceitar que a mulher se torne vítima de violência de gênero. O papel do STF é de suma importância, pois a cada decisão tomada contra a violência de gênero, rompe velhos paradigmas construídos pela relação de poder entre os gêneros.

É importante destacarmos que desembargadores do TJ/DF afirmaram que a Lei Maria da Penha também atende mulher transexual como vítima. A decisão foi inédita e concedeu às mulheres transexuais que são vitimadas por ameaças e lesão corporal um importante direito, o qual permite que seus casos sejam julgados na Vara de Violência contra a mulher, isso é de grande importância para a afirmação do direito da mulher transexual, além disso esta decisão autoriza que medidas protetivas possam ser proveniente da Lei Maria da Penha.

De acordo com o site do TJDF[26] a 1ª Turma por unanimidade decidiu:

A 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, por unanimidade, deu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal para determinar que o procedimento que investiga crimes de ameaça e lesões corporais contra transexual feminina deve tramitar no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com aplicação das normas protetivas decorrentes da Lei Maria da Penha.

No âmbito da 1ª instância, o juiz originário deferiu medidas cautelares de afastamento do lar e proibição de aproximação e contato, determinando a redistribuição do processo para uma Vara Criminal, por não vislumbrar que a hipótese estivesse amparada pelas normas tutelares da Lei Maria da Penha.

Trecho do acórdão

(...) Com efeito, é de ser ver que a expressão "mulher" abrange tanto o sexo feminino, definido naturalmente, como o gênero feminino, que pode ser escolhido pelo indivíduo ao longo de sua vida, como ocorre com os transexuais e transgêneros, de modo que seria incongruente acreditar que a lei que garante maior proteção às "mulheres" se refere somente ao sexo biológico, especialmente diante das transformações sociais. Ou seja, a lei deve garantir proteção a todo aquele que se considere do gênero feminino.(Acórdão 1152502, 20181610013827RSE, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 14/2/2019, publicado no DJe: 20/2/2019.)

Relação íntima de afeto entre mulheres - presença de vulnerabilidade

(...) 1. É possível a incidência dos preceitos da Lei n.º 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) na hipótese de violência praticada contra mulher no seio de relação íntima de afeto homossexual, acaso caracterizada a hipossuficiência e/ou a vulnerabilidade da vítima. 2. Na hipótese, após breve namoro, com coabitação de uma semana, a ré demonstrou intensa perseguicao, intimidação e controle sobre a vitima por nao aceitar o termino da relacao afetiva, tratando a ex-parceira como sua propriedade sexual, em verdadeira situação de objetalização. Nesse contexto, a fim de sair desse ciclo de violência, a ofendida, após buscar efetivo auxílio das autoridades públicas, alterou sua residência, seu trabalho e seu automóvel, para evitar que a ré, conhecedora de toda a sua rotina, a encontra-se novamente. 3. Com efeito, apesar da alegada independência financeira e emocional da ofendida, ou da constatação de porte físico assemelhado entre as envolvidas, denota-se, claramente, a repercussão psíquica da violência na vítima, tratada como objeto no seio da relação afetiva em questão, ante o sentimento de posse contra ela nutrido, tudo a evidenciar, sem qualquer dúvida, sua fragilidade e vulnerabilidade dada a condição de mulher, dentro da relação de poder e controle a que submetida. 4. Presentes todos os requisitos exigidos para configuração de delito cometido em contexto de violência doméstica contra a mulher, aplicam-se as regras da Lei n.º 11.340/2006 (art. 5º, III e parágrafo único, c/c art. 7º, II), sendo o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra mulher de Brasília competente para processar e julgar o feito.Acórdão 1301119, 07232110920208070016, Relator: CRUZ MACEDO, Primeira Turma Criminal, data de julgamento: 19/11/2020, publicado no PJe: 21/11/2020.

Dessa forma as decisões tomadas pelo TJDF permitem um novo entendimento a respeito da amplitude da Lei nº 11.340/2006, pois reconhece os direitos das mulheres transexuais no Brasil e assim avançamos para uma nação mais justa no que se refere a questão de gênero.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após discorrermos sobre a temática proposta na introdução deste trabalho, a construção do conceito da violência de gênero à luz do STF, assim como, buscar compreender como o STF tem interpretado e deliberado suas decisões sobre a questão da violência de gênero, podemos afirmar que a Suprema Corte, no desempenho da jurisdição constitucional, analisando e julgando diversos casos referente a violência de gênero deliberou contra o preconceito de gênero, buscou reconhecer os direitos da mulheres, combater o discurso de ódio contra grupos minoritários, os quais sofrem tipos de segregação em nossa sociedade.

Ao analisarmos as decisões citadas nesta pesquisa pelo STF e outros tribunais no Brasil, percebemos que foi efetivado o princípio da igualdade, o qual assegura o respeito à liberdade pessoal e à autonomia individual do gênero em questão. As decisões afirmam ainda mais a dignidade da pessoa humana, rompendo dessa forma com paradigmas históricos construídos culturalmente.

Por fim, nosso país precisa de grandes transformações nos âmbitos social, econômico e político. Ainda somos um país repleto de preconceitos, os quais foram construídos ao longo de nossa história.

Somos um país que apresenta grande índices de violência, principalmente no que se refere a violência de gênero. A mulher tem sido vítima dessa violência desde de muito tempo, assim como os grupos vulneráveis, tais como lésbicas, gays, mulheres negras.

Neste âmbito, a instituição do STF, STJ e demais tribunais são essenciais para que os direitos destes grupos possam ser respeitados. É importante que essas discussões possam avançar, pois só assim que nossa sociedade começará vencer esses preconceitos que vem se tornando como um câncer.

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  1. ....

  2. Luiz Antonio Guerra:Doutorado em Sociologia (USP, em andamento), Mestre em Sociologia (UnB, 2014), Graduado em Ciência Política (UnB, 2010).

  3. Anthony Giddens: Em 1959, Giddens graduou-se em Sociologia e Psicologia na Universidade de Hull, na Inglaterra. Em seguida, obteve o mestrado na London School of Economics and Polítical Science. Em 1961 lecionou Psicologia Social na Universidade de Leicester. Nessa época, começou a desenvolver suas próprias teorias e foi considerado um dos precursores da sociologia britânica.

  4. Georges Duby: Foi um dos maiores especialistas em Idade Média do século XX. Vindo de uma família de artesãos (seu avô fazia selas), Duby nasceu em Paris, em 7 de outubro de 1919, falecendo em Aix-en-Provence, em 3 de dezembro de 1996. Viveu o período da ocupação nazista na França.

  5. Jacques Le Goff: É reconhecido mundialmente como um dos maiores especialistas da História medieval. Estudou na Escola Normal Superior de Paris, centro de formação dos quadros do magistério francês. Herdeiro da École des Annales e diretor de estudos honorários na École des Hautes Études en Sciences Sociales, escreveu mais de vinte obras historiográficas sobre a Idade Média.

  6. Graduanda do Curso de Licenciatura em História da Universidade de Pernambuco - UPE, [email protected]; Graduando do Curso de Licenciatura em História da Universidade de Pernambuco - UPE, halberysmoraisholanda@gmail,com;

  7. Flávia Lages de Castro: Possui graduação em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1992), mestrado em História Social (1997) e doutorado em Ciências Jurídias e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (2015). É professora Adjunta do Departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense. Participa como docente e como Vice Coordenadora do Programa de Pós Graduação em Cultura e Territorialidades - PPCULT UFF. Foi coordenadora (2014-1017) do Observatório de Economia Criativa do Estado do Rio de Janeiro. É vice coordenadora do Laboratório de Ações Culturais - LABAC - UFF. Coorganizadora da coleção CULTURA E... (editora Lumen Juris, RJ). Integrante da cátedra UNESCO "Política cultural e gestão", coordenada pela Fundação Casa de Rui Barbosa. Autora de livros, capítulos, artigos em periódicos científicos e em anais de congressos nacionais e internacionais.

  8. João Paulo Mesquita Hidalgo Ferreira: Bacharel licenciado em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp-SP), mestrado em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp-SP).

  9. Arethusa Baroni: Advogado. Especialista em Direito Empresarial e Família

  10. André Luiz Abreu Bentes: Autor do artigo O protagonismo das mulheres na História

  11. Fernanda Paixão Pissurno: Mestra em História (UFRJ, 2018), Graduada em História (UFRJ, 2016).

Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Cláudio Vale de Araujo

Graduando do curso de Direito da Faculdade Católica Santa Terezinha, formado em Licenciatura em História pela UFRN, formado em pedagogia plena pela UFRN, formado em licenciatura em Educação Física pela UNOPAR, formado em Gestão Pública pela UERN, especialização em ensino de sociologia pela UFRN e especialização em Gestão Pública pelo IFRN.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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