RESUMO
O presente artigo visa abordar a natureza jurídica da decisão proferida pelo STM em processo oriundo do Conselho de Justificação. Com efeito, em observância ao entendimento doutrinário e na orientação firmada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, será concluído que a natureza jurídica da decisão proferida no STM, após o processamento e julgamento do Oficial das Forças Armadas, com a indispensável atuação do Ministério Público Militar, da presença do exercício do contraditório e da ampla defesa do militar justificante, é judicial. Com isso, por ter sido decidida em última ou única instância, será passível de interposição de Recurso Extraordinário.
Palavras-Chave: Conselho de Justificação. Natureza Jurídica Judicial. Recurso Extraordinário.
THE JUDICIAL LEGAL NATURE OF THE DECISION DELIVERED BY THE STM IN A PROCESS ARISING FROM THE JUSTIFICATION COUNCIL
ABSTRACT
This article aims to address the legal nature of the decision issued by the STM in a process coming from the Justification Council. Indeed, in compliance with the doctrinal understanding and in the guidance established by the jurisprudence of the Superior Courts, it will be concluded that the legal nature of the decision handed down in the STM, after the processing and judgment of the Armed Forces Officer, with the indispensable performance Military Public Ministry, the presence of the exercise of the adversary and the broad defense of the justifying military, is judicial. As a result, as it was decided at the last or only instance, an Extraordinary Appeal may be filed.
Key-words: Justification Council. Judicial Legal Nature. Extraordinary Appeal.
1 INTRODUÇÃO
Visará o presente trabalho sobre a natureza jurídica judicial da decisão proferida pelo STM em processo oriundo do Conselho de Justificação.
Neste norte, será demonstrado que a natureza jurídica da decisão proferida no processo do Conselho de Justificação, na sua segunda fase, quando o STM for decidir sobre a declaração de indignidade ou de incompatibilidade para com o oficialato, e, a consequente perda do posto e da patente do Oficial, ou sobre a reforma compulsória, é judicial.
Dentro da órbita proposta, realizou-se uma pesquisa bibliográfica e minuciosa em doutrinas renomadas de Autores como Abreu (2010), Aquino Campos e Assis (2019), Assis (2018), Leite, Coimbra Neves, Rondon de Assis, Oliveira, Miranda Teles, Paula, Mazzoti, Aquino Campos, Melo, Quintas, Bahia de Souza, Lima de Queiroz (2019), jurisprudência, Artigos disponíveis na rede mundial de computadores, Lei nº 5.836/72 (BRASIL, 1972), Constituição Federal (BRASIL,1988), dentro de um contexto aprofundado.
Assim, o trabalho responderá às indagações formuladas em obediência ao acervo legislativo, doutrinário e jurisprudencial. Ei-las:
- O que é o Conselho de Justificação?
- Cabe a ele processar e julgar quem?
- O que ele visa?
- Qual o posicionamento da doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores, acerca da matéria?
- Qual é a nova tendência acerca da natureza jurídica da decisão proferida no processo oriundo do Conselho de Justificação, pelo STM?
O assunto é extremamente relevante para a comunidade jurídica atuante no direito militar, sobretudo, se for analisada sob os olhos dos agraciados, que serão os Oficiais das Forças Armadas, especialmente, para aqueles que se encontram na iminência, ou, até mesmo, já estejam sendo submetidos ao julgamento no processo do Conselho de Justificação.
Na espécie, há um rito processual sumário previsto na Lei nº 5.836/72 (BRASIL, 1972) em sua segunda fase, que impulsiona o processamento e julgamento do Oficial das Forças Armadas pelo STM e, disso, emerge a presença indispensável da atuação do Ministério Público Militar, do exercício do contraditório, ampla defesa e do devido processo legal.
Sendo assim, é de todo pertinente entender que eventual decisão a ser proferida pelo STM, em processo deste jaez, deve possuir a natureza jurídica judicial e, como tal, por ser decidido em última ou única instância, ser passível da interposição de Recurso Extraordinário, nos lindes do Art. 102, III, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Com efeito, o reconhecimento da natureza jurídica judicial da decisão a ser proferida no STM, no processamento e julgamento do Conselho de Justificação, seria muito bem recepcionada pelo fato de vir a proporcionar uma possibilidade a mais de exercer o contraditório e a ampla defesa com percuciência, nos termos do Art. 5º, LV, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Sem pretender exaurir o assunto, objetiva-se concluir ser judicial a natureza jurídica do provimento que processa e julga o Oficial das Forças Armadas no STM, em última e única instância, dando-lhe uma oportunidade maior de se ver ter, apresentado, recurso a ser julgado por outro órgão do Poder Judiciário, resplandecendo a ampla defesa em toda sua plenitude.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 DO PROCESSO DO CONSELHO DE JUSTIFICAÇÃO
Calha registrar que o processo do Conselho de Justificação consiste no instrumento de que dispõe as Forças Armadas para julgar o comportamento dos Oficiais, objetivando a preservação de suas qualidades morais e profissionais que devem nortear a vida castrense.
Consiste em um processo disciplinar militar, hábil para apurar fatos que possam caracterizar a conduta do Oficial como sendo de incompatibilidade para sua permanência na ativa ou, mesmo na inatividade, criando, ao mesmo tempo, condições para se justificar.
Retrata, em verdade, de um processo com rito especial, regido pela Lei nº 5.836/72 (BRASIL, 1972), podendo ter seu início na esfera administrativa. Contudo, pode exigir que a sua decisão seja proferida pela via judicial, quando comprovado que as ações do Oficial venham a configurar crime e/ou justificam a perda do posto e da patente ou, até mesmo, sua reforma.
2.2 DA DISCUSSÃO SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DO CONSELHO DE JUSTIFICAÇÃO
Historicamente, vale ressaltar que desde o ano de 1980, a voz do voto proferido pelo eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal, Soares Muñoz, vem ecoando em precedentes da jurisprudência dos Tribunais Superiores atualmente, que, insistem em considerar a natureza jurídica da decisão proferida no Conselho de Justificação como sendo administrativa, conforme a seguir:
Sr. Presidente, embora se trate de decisão de Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, ela é administrativa, e de decisão administrativa, não cabe recurso extraordinário. O interessado terá que tentar a anulação desse ato administrativo, através de ação ordinária ou em mandado de segurança e da decisão proferida, em última instância, é que poderá caber o recurso extraordinário. (STF, RE 88.161-MG, Rel. Ministro RAFAEL MAYER, Excerto do Ministro SOARES MUÑOZ, 1980, apud ASSIS, 2018, p. 252)
Conquanto se trate de entendimento írrito que pretende combater por via deste estudo, há jurisprudências do STF e STJ que continuam a caminhar no sentido de reconhecer como sendo administrativa, a natureza jurídica da decisão no Conselho de Justificação, confira:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PROCESSUAL PENAL. NATUREZA ADMINISTRATIVA DA DECISÃO DO CONSELHO DE JUSTIFICAÇÃO. INCABÍVEL A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL A QUAL SE NEGA PROVIMENTO (STF, ARE-AgR-ED: 889205-DF, (NÚMERO ÚNICO: 0000004-98.2010.7.00.0000), Rel. Ministra CARMÉM LÚCIA, Data de Julgamento: 22/09/2015, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/10/2015)
[...]1. A decisão do Tribunal de Justiça Militar que decreta, em Conselho de Justificação, perda de posto e patente, por indignidade para com o oficialato, tem natureza administrativa, não podendo ser contestada pela via estreita do Recurso Especial, em que se pressupõe contencioso judicial. Precedentes do STJ. 2. Agravo Regimental não provido. (STJ - AgRg no Ag: 1310990-SP (2010/0093234-0), Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 28/09/2010, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/02/2011)
No sentido diametralmente oposto, é curial citar julgados do STF e STJ em abono ao entendimento no sentido de que a natureza jurídica das decisões proferidas em sede de Conselho de Justificação, é judicial, consoante a seguir:
Recurso Extraordinário. Também os oficiais das Polícias Militares só perdem o posto e a patente se forem julgados indignos do oficialato ou com ele incompatíveis por decisão do Tribunal competente em tempo de paz. Esse processo não tem natureza de procedimento "para-jurisdicional", mas, sim, natureza de processo judicial, caracterizando, assim, causa que pode dar margem à interposição de recurso extraordinário. Inexistência, no caso, de ofensa ao artigo 5º, LVII, da Constituição. Recurso extraordinário não conhecido. (STF, RE186.116-9-ES, (SEM NÚMERO ÚNICO). 1ª Turma. Rel. Ministro MOREIRA ALVES, 1998)
ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO À POLÍCIA MILITAR. PERDA DE POSTO E PATENTE DECRETADA EM PROCESSO DE CONSELHO DE JUSTIFICAÇÃO JULGADO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL. ACÓRDÃO TRANSITADO EM JULGADO.NATUREZA JUDICIAL DA DECISÃO, INDEFERIMENTO DA INICIAL. ARTS. 42,§ 1º, 125, § 4º, 142, § 3º, VI, DA CF, E 138, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO PAULISTA. INTERPRETAÇÃO DE DIREITO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 280/STF. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DA CORTE EXCELSA. DANOS MORAIS. ART. 186 E 927 DO CC. RAZÕES DEFICIENTES. SÚMULA Nº 284/STF. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. (STJ, Ag em REsp461.572-SP (2014/0005277-1). Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, 2014)
A seu turno, relevante destacar que o próprio entendimento do STM é o de que a natureza jurídica da decisão de processos oriundos do Conselho de Justificação, é administrativa, reconhecendo a juridicidade dos entendimentos no mesmo sentido, firmados, majoritariamente, pelos STF e STJ, conforme abaixo:
AGRAVO REGIMENTAL IN RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REEXAME DE PROVAS. MATÉRIA FÁTICA. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA, REFLEXA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO CABIMENTO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM CONSELHOS DE JUSTIFICAÇÃO. REJEIÇÃO DO RECURSO.[...] Ademais, a Suprema Corte já pacificou entendimento de que não cabe Recurso Extraordinário em Conselhos de Justificação. Isso porque, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o procedimento em análise, apesar de ter sua homologação levada a efeito por um Tribunal Militar, não se afasta da natureza administrativa, razão essa a impossibilitar a admissão do Recurso Extremo. Agravo rejeitado. Decisão unânime. (STM, Agravo Regimental 53-32.2016.7.00.0000/MS, Rel. Ministro JOSÉ COELHO FERREIRA, 2017. Data de Julgamento:26/09/2017)
Todavia, refutar-se-á orientações de precedentes jurisprudenciais majoritários que reconhecem a natureza jurídica administrativa, devendo ser superada, com o fim de que seja pairado na órbita jurídica contemporânea, o entendimento de que é judicial a sua natureza jurídica.
Relevante destacar que os processos a serem julgados por meio do Conselho de Justificação, estão sujeitos a tramitação através de um rito judicialiforme.
Ou seja, na primeira fase do processo, iniciado na origem administrativa, a Comissão constituída responsável para processar e julgar o Oficial das Forças Armadas - que é o nosso foco -, avalia o conteúdo probatório dos Autos e, ao final, após o exercício do contraditório e da ampla defesa, se há condições ou não do militar permanecer na ativa, e, se da reserva remunerada ou reformado for, possui condições de permanecer na situação de inatividade.
Em sua segunda fase, havendo-a, de natureza eminentemente judicial, o STM decidirá sobre a declaração de indignidade ou incompatibilidade para com o Oficialato e a perda do posto e da patente, ou sobre a reforma compulsória.
Nota-se que a partir da segunda fase do procedimento, começaram a surgir questionamentos acerca da natureza jurídica da decisão a ser proferida pelo STM, a qual se sustentará com amparo na doutrina e jurisprudência, ser ela judicial.
2.3 NECESSIDADE DE RECONHECER COMO MAJORITÁRIA A CORRENTE DA NATUREZA JURÍDICA JUDICIAL
Desde o ano de 1980, vem sendo mantido como majoritário o entendimento encampado pelo Ministro Soares Muñoz, no RE nº 88.161-1/MG - citado por ocasião da análise do juízo de admissibilidade feito pelo Ministro Sepúlveda Pertence, nos Autos do Recurso Extraordinário de nº 318.469-5/DF (STF, RE 88.161-MG, Rel. Ministro RAFAEL MAYER, Excerto do Ministro SOARES MUÑOZ, 1980, apud ASSIS, 2018) - de que a natureza jurídica das decisões proferidas pelo STM, em processos do Conselho de Justificação, é administrativa.
Sabe-se que a segunda fase do processo do Conselho de Justificação se inicia após a remessa dos Autos, instruído e analisado pela autoridade militar na via administrativa, visando sua submissão ao crivo do STM, aonde se verá processar e julgar o Oficial das Forças Armadas, podendo este vir a perder o seu posto e patente, ou, ser reformado compulsoriamente.
Calha destacar que a Lei nº 8.457/92 (BRASIL, 1992) estabelece duas formas distintas do Oficial perder o posto e a patente no STM, quais sejam: a - originariamente, por representação para decretação de indignidade de oficial ou sua incompatibilidade para com o oficialato (Art. 6º, I, "h"); e, b - em consequência do processo do conselho de justificação (Art. 6º, II, "f").
Neste ínterim, na primeira hipótese, a atribuição é exclusiva do Ministério Público Militar, por força do Art. 116, II, da LC 75/93 (BRASIL, 1993).
Todavia, no que tange à segunda hipótese ventilada, entende-se, também, com respaldo na doutrina, que a legitimidade ativa deve ser do Ministério Público Militar.
Isto porque, em ambas as situações, o objeto consiste na análise da perda do posto e da patente do Oficial que, indubitavelmente, deve ter o Ministério Público Militar, na condição de legitimado ativo.
Assis (2016, p.6) sustenta o seguinte posicionamento:
Ora, já existe um legitimado legal (LC 75/93, art. 116, II) para a representação pela perda do posto e patente que é o Ministério Público Militar. Desta forma, entendemos que os autos do Conselho de Justificação, após darem entrada no Tribunal podem seguir direto para o Ministério Público, em que o ente ministerial ali atuante, fará o exame de admissibilidade da eventual representação, como sói acontecer nos casos de condenação criminal a penas superiores a dois anos. Tanto os autos do Conselho de Justificação (ou processo administrativo similar) quanto as peças de informação que visam à perda do posto e patente dos oficiais seguem, então, ao Ministério Público Militar, que já possui legitimidade para tanto.
Dentro deste contexto, tem-se que é o Ministério Público Militar o legitimado ativo para o fim de promover a representação e iniciar o processo judicial do Conselho de Justificação, objetivando a declaração da perda do posto e da patente do Oficial das Forças Armadas junto ao STM e, que, não obstante isso, havendo a inequívoca necessidade em se conceder o contraditório, ampla defesa e o devido processo legal com as garantias inerentes, viável afirmar que um processo com todo este sustentáculo, deve ser visto como sendo de natureza jurídica judicial.
Outro ponto que merece ser focado, consiste em que, o Oficial das Forças Armadas é nomeado pelo Presidente da República, sendo detentor, a partir de então, de vitaliciedade e, só podendo perder esta condição por meio de decisão a ser proferida pelo Poder Judiciário e não por meio de processo administrativo, demonstrando similitude com a situação dos magistrados e membros do Ministério Público, respectivamente, com fincas nos Arts. 95, I e 128, § 5º, I, "a", da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Roth (2003, p.13) assevera que:
É de se registrar que em ambos os processos (representação para a declaração de indignidade ou incompatibilidade e Conselho de Justificação) dependem de decisão judicial para a perda do posto e da patente, pois esta só ocorre se o oficial for considerado indigno ou incompatível com o oficialato.
Fica demonstrando, irrefutavelmente, que há existência de lide nos processos relacionados ao Conselho de Justificação, onde se vislumbra que, para a perda do posto e da patente dos Oficiais das Forças Armadas, deve o processo ter início no STM por meio de uma provocação a ser formulada pelo Ministério Público Militar, nos moldes do Art. 127 da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Outro ponto de suma importância consiste no fato de que as decisões proferidas pelo STM, em sede de julgamento do Conselho de Justificação, serem dotadas de definitividade, fazendo coisa julgada material, o que inviabiliza, posteriormente, serem impugnadas por meio de ações pelo procedimento comum perante a justiça convencional, em obediência à orientação firmada adiante:
[...] Faz coisa julgada material decisão proferida por Tribunal de Justiça Militar em Conselho de Justificação, o que impossibilita sua desconstituição por meio de ação ordinária (TJM/SP, Agravo Regimental Cível 223/14, Tribunal Pleno. Rel. Juiz PAULO ADIB CASSEB, 2014, apud ROTH, s.d., p. 5)
A doutrina de Assis (2018, p. 254) é no sentido ventilado, ao pontificar que:
[...] Qual será o juízo competente que irá julgar o inconformismo do oficial julgado em única e última instância no Tribunal Competente (Superior Tribunal Militar, Tribunal Militar dos Estados ou Tribunal de Justiça)?
Será que a Justiça Ordinária Federal poderá rever a decisão do Superior Tribunal Militar, ou, a Justiça Ordinária Estadual, a decisão do Tribunal Militar de Minas Gerais, por exemplo?
É evidente que não; os limites de competência fixados a partir da Carta Magna afastam esta esdrúxula pergunta. Mesmo porque o art. 14 da Lei 5.836/72 aduz com clareza, ser da competência do STM julgar, em instância única, os processos oriundos do Conselho de Justificação.
Neste viés, tem pertinência a tese de que a natureza jurídica judicial é a que mais se adapta à realidade dos processos oriundos do Conselho de Justificação:
[...] na doutrina especializada, vigora em maioria a tese pela natureza jurisdicional da decisão, o que, sob o aspecto prático, abre guarida ao cabimento do Recurso Extraordinário da decisão proferida pelo STM, possibilitando mais uma rodada de discussões quanto ao processo de perda do posto e da patente, agora no STF. (SOUZA, 2013, p. 29)
Abreu (2010, p.366-367) teve a oportunidade de afirmar que:
Pacificou-se, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que a decisão proferida pelo STM, em sede de conselho de justificação, é de natureza administrativa. Logo, contra ela não cabe a interposição de Recurso Extraordinário.
No entanto, o doutrinador citado na assertiva anterior, deixou claro o seu entendimento ao apontar que "a Corte Suprema já adotou entendimento contrário, a nosso entender, acertadamente". (p. 366-367)
Dentro do apresentado, continuar a manter os entendimentos majoritários das jurisprudências do STF, STJ e STM no sentido de que a natureza jurídica da decisão proferida pelo Conselho de Justificação, é administrativa, se equivaleria possibilitar a perda do posto e da patente por meio de processo administrativo, veja:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - OFICIAL DA POLÍCIA MILITAR - EXCLUSÃO DA CORPORAÇÃO - COMPETÊNCIA DO COMANDANTE GERAL - INFRAÇÃO DISCIPLINAR - INAPLICABILIDADE DO ART. 125, § 4º, DA CF - AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO À REINTEGRAÇÃO. [...] Tratando-se de infração disciplinar apurada em Procedimento Administrativo, onde observados o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, a competência para o ato de exclusão é da própria Administração. Ausência de liquidez e certeza a amparar a pretensão. 2 - Precedentes (STF, RE 199.800-SP; STJ, ROMS ROMS nºs 10.800/PR, 1.605/RJ e 1.033/RJ). (STJ, 5ª Turma, ROMS 15.711, Tribunal Pleno. Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, 2003 apud ASSIS, s.d., p. 10).
De outra banda, tampouco é viável sustentar que diante do entendimento majoritário acerca da natureza administrativa do Conselho de Justificação, após o seu processamento, administrativamente, os Autos deveriam ser remetidos ao STM para o fim exclusivo homologatório, pois, como órgão do Poder Judiciário, nos moldes do Art. 92, VI, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), também processa e julga em última ou única instância.
Observa-se, assim, que a natureza judicial do Conselho de Justificação deve pairar no atual cenário constitucional, afinal, ele se inicia na administração militar e se exaure por meio de decisão definitiva do STM, fazendo coisa julgada material, havendo, para tanto, necessidade da ocorrência de provocação do legitimado ativo: o Ministério Público Militar.
Pelos argumentos antecedentes, espera-se que o entendimento majoritário firmado pelos sodalícios se modifiquem para o fim de passar a predominar que a natureza jurídica da decisão proferida pelo STM, em processo oriundo do Conselho de Justificação, seja a judicial, resplandecendo o entendimento doutrinário e jurisprudencial favorável à tese e mencionado neste trabalho.
3 CONCLUSÃO
O entendimento majoritário da jurisprudência, é no sentido de que a natureza jurídica da decisão proferida em processos oriundos do Conselho de Justificação, é administrativa, porém, buscou-se, com este Artigo, defender ser a natureza jurídica judicial.
E a natureza jurídica judicial é a que mais se adapta ao cenário do Estado Democrático de Direito, do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e, com a imprescindível atuação do Ministério Público Militar, como órgão legitimado ativo, responsável pelo início da ação judicial, objetivando a declaração da perda do posto e da patente do Oficial das Forças Armadas, no STM
Não é crível que um Oficial das Forças Armadas, detentor de vitaliciedade, venha a perder seu posto e patente por meio de um processo administrativo, em contrariedade com o que ocorre com os Magistrados e membros do Ministério Público que, por força da Constituição Federal (BRASIL, 1988), somente a perdem por meio de decisão judicial transitada em julgado.
Deve-se partir para o princípio onde há a mesma razão, prevalece a mesma regra de direito, donde se conclui que, se a vitaliciedade dos servidores citados no parágrafo anterior, demandam sua perda por meio de processo judicial, com decisão de trânsito em julgado, isso leva a crer que, para não ferir o princípio da isonomia entre os detentores desta garantia prevista constitucionalmente, todos se sujeitarem sob o manto de idêntica situação jurídica.
Neste enredo, reconhecer que a natureza jurídica da decisão judicial a ser proferida pelo STM, em processos oriundos do Conselho de Justificação, deve ser a judicial, se amolda com mais juridicidade com a questão posta, de competência originária daquele Tribunal, e, de decisão judicial proferida em última ou única instância, dá margem à interposição de Recurso Extraordinário, destacando, que:
Em suma, o efeito prático da tese jurisdicional, como pretende a doutrina, será o cabimento de Recurso Extraordinário do processo oriundo do Conselho, após a fase de julgamento pelo STM. Além de garantir uma nova rodada de discussões, condicionando à relativização da garantia da vitaliciedade do posto e da patente a um extenso debate, possibilitará o reexame do tema pelo STF, o qual, em muitos pontos, possui posicionamento diverso daquele apresentado pelo STM. (AQUINO CAMPOS; ASSIS, 2019, p. 52, apud SOUZA, 2013, p. 30)
Com tais adminículos, espera-se que com o tempo, a tese venha a ganhar, cada vez mais, a força necessária para a sua implementação, com a veemência que o caso requer, concluindo, ser judicial, a natureza jurídica das decisões proferidas pelo STM em processos oriundos do Conselho de Justificação.
REFERÊNCIAS
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