A medida cautelar de embargo sob a perspectiva dos princípios do processo administrativo ambiental

08/01/2022 às 20:24
Leia nesta página:

O embargo no processo administrativo ambiental visa prevenir danos, podendo ser acautelatório ou sancionatório.

O EMBARGO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO AMBIENTAL

No desempenho de suas atribuições ordinárias, os órgãos ambientais podem realizar atividade de fiscalização com o objetivo de lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para apuração de infrações à legislação ambiental.

A atividade de fiscalização está inserida no exercício do poder de polícia ambiental, da qual decorre a aplicação de sanções e medidas administrativas previstas no art. 3º do Decreto 6.514/2008, havendo possibilidade de imposição de sanções pecuniárias e aplicação de medidas cautelares que são vinculadas ao auto de infração, dentre as quais destaca-se o embargo.

O embargo de obra ou atividade está previsto no inciso VII do art. 3º, do Decreto nº 6.514/2008 como punição decorrente de infração administrativa ambiental (BRASIL, 2008).

Um dos objetivos do embargo é impedir a continuidade do dano ambiental, advindo do Decreto nº 6.514/2008 a interpretação sistemática que indica a existência de dois tipos de embargos: acautelatórios e sancionatórios (SIQUEIRA, 2021).

O embargo acautelatório pode ser compreendido como medida administrativa cautelar prevista como medida vinculada ao princípio da precaução. Já o embargo sancionatório é aplicado como sanção, após o devido processo legal e está vinculado ao princípio da prevenção.

Siqueira (2008, p. 01 apud Curt Trennepohl) indica que os embargos acautelatórios decorrem da atuação imediata do agente fiscalizador, o qual, no ato da constatação da irregularidade e para impedir a continuidade da ação delituosa, aplica a medida cautelar impedir danos ao meio ambiente.

Já os embargos sancionatórios são caracterizados pelo afastamento da imediatidade, haja vista que são aplicados por meio de decisão administrativa da autoridade competente no momento do julgamento do processo administrativo ambiental após a regular tramitação do processo administrativo ambiental em cotejo com o devido processo legal e ampla defesa.

Durante o impulso processual no âmbito do processo administrativo ambiental é necessário que se observe as competências definidas pela Lei Complementar nº 140/2011 quanto às atribuições para fiscalização e aplicação de sanções, para que não se incorra em causas de nulidade ou até mesmo na prática de atos que denotem desconexão entre os entes federativos.

Assim, o presente artigo tem como objetivo analisar, através do uso e pesquisa bibliográfica e pesquisa documental, a medida cautelar de embargo sob as diferentes perspectivas que emergem dos princípios do processo administrativo ambiental.


A MEDIDA CAUTELAR DE EMBARGO SOB A ÓTICA DOS PRINCÍPIOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO AMBIENTAL

São diversos os conceitos que são apresentados pela doutrina especializada acerca dos princípios jurídico-ambientais, os quais podem ser extraídos da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional. No âmbito do Direito Ambiental os princípios podem ser dispostos como aqueles preconizados no art. 225 da Constituição de 1988 em cotejo com outros preceitos constitucionais que tratam dos mais variados temas que correlacionam com a temática do meio ambiente (MARTINS JÚNIOR, 2015)

A doutrina indica os princípios do direito ambiental de forma ramificada, sendo que para Martins Júnior (apud Granziera, 2014, p. 55-74), os princípios são arrolados da seguinte forma:

direito humano, desenvolvimento sustentável, prevenção, precaução, cooperação, reparação integral, informação, participação social, poluidor-pagador, usuário-pagador, acesso equitativo aos recursos naturais e proibição do retrocesso.

Os princípios relacionados ao meio ambiente e ao processo administrativo ambiental devem garantir a harmonização que a Constituição Federal objetiva realizar entre o desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente, não havendo espaço para polarização ou extremos equidistantes que venha inviabilizar essa equação necessária para o desenvolvimento sustentável.

Os princípios aplicáveis ao processo administrativo ambiental podem ser abstraídos do Decreto 6.5414/08, que regula o processo administrativo ambiental e que dispõe em seu art. 95 que (THOMAZ, 2021):

Art. 95. O processo será orientado pelos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, bem como pelos critérios mencionados no parágrafo único do art. 2º da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

O processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal é regido pela Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, a qual enumera os princípios que orienta a atuação da administração pública:

Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Portanto, o que se observa é que o processo administrativo ambiental tem por baliza os princípios básicos do direito administrativo, o qual é orientado pelos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público, eficiência (THOMAZ apud MELO, 2017, p.476).

O embargo, como medida cautelar que restringe direitos, deve se atrelar aos princípios que regem o processo administrativo ambiental, não obstante sua correlação com o princípio da prevenção e precaução.

O que impera na imposição de medida cautelar é possibilitar a atuação antecipada do poder de polícia calcado no princípio da precaução com a finalidade de impedir um dano ambiental.

A intenção não é reduzir a necessária proteção do meio ambiente a questões procedimentais e processuais, mas se mostra contraproducente possibilitar a violação de direitos e princípios para albergar atos que podem caracterizar ilegalidade violadoras do devido processo legal.

A Constituição Federal determina em seu art. 5º, inciso LIV que "ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Esse dispositivo tem imperatividade vinculada à possibilidade de ação arbitrária por parte do Estado, razão pela qual se torna uma garantia contra excessos que possam violar direitos e macular princípios.

Cabe assinalar que a Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, assegura que seja observado no processo administrativo ambiental a ampla defesa e o contraditório, não havendo prescrição de afastamento dessas garantias por via de exceção.

Para que se instaure o processo administrativo ambiental a lei impõe ao Poder Público o dever de defender o meio ambiente, dever este que se consubstancia no poder de polícia em matéria ambiental.

O art. 78, do Código Tributário Nacional CTN define o poder de polícia:

Art. 78 - Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Veja-se que a regularidade do poder de polícia exige que o ato seja praticado por órgão competente e nos limites da lei aplicável, sempre observando o devido processo legal e sem abuso ou desvio de poder.

Quanto ao poder de polícia ambiental, a definição pode mesclar o conceito abstraído do art. 78 do CTN com a finalidade almejada pela atuação do poder público nas questões que dizem respeito ao meio ambiente. Assim, a polícia ambiental pode ser conceituada da seguinte forma:

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Poder de Polícia Ambiental é a atividade da Administração Pública realizada de acordo com as balizas constitucionais e que impõe limites ao exercício de direito, interesse ou liberdade de forma a restringir a prática de ato ou abstenção de fato que possa macular a prevalência do interesse público concernente à integridade do meio ambiente

Portanto, o exercício do poder de polícia não é amplo e ultra legem, razão pela qual a imposição de sanções deve ser ater aos aspectos legais e procedimentais de forma a legitimar a instauração do processo administrativo ambiental.

Dessa forma, a imposição de embargo como medida cautelar no âmbito do poder de polícia ambiental tem como pressuposto a competência.

O art. 17 da Lei Complementar nº 140/2011 dispõe:

Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.

Assim, a princípio, a competência para lavrar o auto de infração e aplicar embargo é atribuída ao órgão responsável pelo licenciamento. No entanto, o parágrafo segundo do mesmo dispositivo legal dispõe:

(...)

§ 2º. Nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis.

Portanto, possível abstrair do dispositivo legal acima a competência comum para aplicação de medidas cautelares com a finalidade de evitar a degradação ambiental, havendo imposição para que o órgão competente seja comunicado imediatamente para as providências cabíveis.

Nota-se que o devido processo legal impõe ao administrado que exerça o contraditório perante o órgão competente, não havendo previsão que o ato decorrente do poder de polícia seja praticado por qualquer órgão de forma indiscriminada.

Assim, há imposição para que o órgão competente seja comunicado, isso para que proceda com a instauração do processo administrativo ambiental e passe a exercer de forma ampla as atribuições previstas na legislação de regência, inclusive em relação à medida cautelar aplicada.

Caso o embargo seja aplicado em razão de atividade passível de licenciamento, não há na legislação autorização para prorrogação da competência, haja vista que a lei impõe que o órgão competente deve ser comunicado para as providências cabíveis.

Assim, caberá ao órgão competente manifestar sobre a manutenção do embargo aplicado e a instauração do processo administrativo ambiental, sob pena de violação do devido processo legal.

No caso de imposição de medida cautelar, a legislação deve ser interprestada de forma sistemática para fins de se evitar sobreposições ou omissões que possam violar direitos e princípios que norteiam o processo administrativo ambiental.


CONCLUSÃO

O devido processo legal impõe balizas que devem ser observadas dentro do processo administrativo ambiental, principalmente quando há imposição de medida cautelar que venha restringir direitos e liberdades.

A medida cautelar de embargo é medida extrema que limita o direito de propriedade, razão pela qual deve se amoldar aos princípios que norteiam o processo administrativo ambiental.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008. Dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/d6514.htm. Acesso em 05 jan. 2021.

MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Princípios Jurídicos de Direito Administrativo, Ambiental e Urbanístico e o Princípio de Precaução. Justitia, São Paulo, v. 204/205/206, p. 349-373, Jan./Dec. 2013-2014-2015. Disponível em: https://es.mpsp.mp.br/revista_justitia/index.php/Justitia/article/view/87/44. Acesso em 05 jan. 2021.

SIQUEIRA, Artur. Os desdobramentos da aplicação de embargos ambientais. Revista Consultor Jurídico. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-set-07/opiniao-desdobramentos-aplicacao-embargos-ambientais. Acesso em 05 jan. 2021.

THOMAZ, GABRIEL DA SILVA. Responsabilidade administrativa ambiental: processo administrativo. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 08 jan. 2022. Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/56914/responsabilidade-administrativa-ambiental-processo-administrativo. Acesso em: 08 jan 2022.

Sobre o autor
Luiz Cesar Barbosa Lopes

Superintendente do Ibama no Estado do Ceará de 05/2021 a 12/2022; Secretário Executivo da Controladoria Geral do Município de Goiânia de 01/2023 a 07/2023; Mestre em Administração Pública pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento, Ensino e Pesquisa - IDP; Pós-Graduado em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC/Minas; Consultor Político e Eleitoral; Pós-graduado em Direito Penal; Especialista em Direito Eleitoral.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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