Constitucionalismo brasileiro: os golpes de estado e seus reflexos nos direitos sociais dos trabalhadores

15/01/2022 às 09:14
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Resumo: O artigo retrata, de maneira sucinta, a trajetória das Constituições brasileiras, analisando an passant, os momentos históricos em que foram editadas. Dentro do contexto, se buscou refletir sobre os golpes de estado praticados no Brasil e seus reflexos sobre os direitos dos trabalhadores. Tais investidas ao estado de direito democrático, como verificado, não apenas ferem direitos dos trabalhadores, mas também impedem o desenvolvimento econômico. Imprescindível que se faça a construção ideológica para resgate do Estado Constitucional Social.

Palavras-chave: Constituições. Trabalho decente. Leis trabalhistas. Golpes. Ditadura. Estado. Capitalismo. Emancipação. Libertação. Democracia. Estado Social.

Introdução As constituições brasileiras

Quando de sua invasão[1] (que a maioria dos historiadores prefere chamar de descobrimento), pelos portugueses em 1.500 até sua independência em 1824, quando teoricamente deixou de ser uma colônia para ser um império, o Brasil não tinha sua própria carta constitucional, sendo então regido pelas Ordenações Manuelinas (1512 e que substituíram as Ordenações Afonsinas) e sucessivamente pelas Ordenações Filipinas (com vigência a partir de 1603). As ordenações eram compilações de códigos e como o próprio nome indica, tratavam de elencar ordens aos súditos e vassalos do reino de Portugal.

Com a declaração de independência em 7 de setembro de 1824, foi outorgada (imposta) a primeira Constituição do Brasil, oficialmente denominada Constituição Política do Império do Brasil, mas que ficou conhecida simplesmente como Constituição do Império. Apesar de ter sido instaurada uma Assembleia Constituinte, para elaboração do texto constitucional, a Carta de 1824 acabou sendo outorgada, tendo em vista que alguns constituintes (dentre eles padres a religião católica era a única aceita na época), de orientação política liberal-democrata, queriam que os poderes do imperador fossem limitados, o que não foi aceito por D. Pedro I, que acabou impondo o texto final.

A imposição da Carta de Lei de 25 de março de 1824, abriu o texto com os seguintes dizeres: Manda observar a Constituição Política do Império, offerecida e jurada por Sua Magestade o Imperador[2] (texto em sua redação original). Como o sistema de governo era monárquico, a Carta de 1824 dispunha sobre quatro poderes institucionais: Moderador, Legislativo, Executivo e Judiciário. O primeiro tratava de dar poderes absolutos ao Imperador D. Pedro I. Para embasamento da assertiva, vale trazer à baila os ditames dos seus artigos 98 e 99 (redação original), sucessivamente e in verbis:

Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organisação Política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos.

Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.

À época da edição da Constituição do Império, países da América Latina e Caribe já haviam lançado as suas cartas supremas, como o Chile (1812), Venezuela (1811), Argentina (1813), Paraguai (1813), Peru (1822) e México (1814). A ilustração posta é curiosa na medida em que nos revela os movimentos de independência ocorridos na época na região citada, ou seja, tratava-se de um anseio das colônias sob domínio de Portugal, Espanha e França se emanciparem de seus colonizadores.

Os movimentos emancipatórios foram acompanhados de outros levantes, no que diz respeito à abolição da escravatura. Neste sentido, vale mencionar a revolta de escravos ocorrida no Haiti Revolta de São Domingos (1791 1804), liderada por Toussaint Louverture e que culminou com a sua independência e abolição da escravatura, dando azo a que outros países latino-americanos e caribenhos seguissem o mesmo passo libertatório e emancipatório.

Apesar da emancipação política e independência econômica do Reino de Portugal, no que tange à economia interna, a Carta de 1824 não trouxe mudanças significativas. O Brasil continuou com sua política econômica agrícola e extrativista (ouro e metais preciosos) sob os auspícios do capitalismo mercantil (que teve origem no século XV e que perdurou até o século XVIII).

Sob a influência do sistema capitalista (lucro e relações de poder), e após ter dizimado quase que por completo a população indígena (primeira mão de obra escrava), o Brasil continuou com sua política escravocrata, valendo-se da mão de obra do negro africano. Foi o último país das Américas a declarar a abolição da escravatura, o que se deu somente em 1888, com a Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1988 (Lei Áurea), assinada pela Princesa Isabel e que serviu para o agravamento da crise política ora então instalada, que culminou com a Proclamação da República em 1889, que deu azo à edição da segunda Carta Constitucional em 1891, a primeira promulgada. Seu preâmbulo trazia os seguintes dizeres: Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte, para organizar um regime livre e democrático, estabelecemos, decretamos e promulgamos a seguinte [Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil][3].

A Carta de 1891 reflete vários acontecimentos históricos (apesar que serodiamente), dentre os quais, a Revolução Industrial, que eclodiu notadamente na Inglaterra no começo do século XIX e que foi responsável por mostrar ao mundo que trabalhadores precisavam de proteção social. Neste contexto, é salutar lembrar que o alemão Otto Von Bismarck, cedendo às pressões de trabalhadores, acabou editando em 1883, as primeiras leis de proteção social, instituindo seguro-doença, acidente de trabalho e seguro de invalidez e velhice.

A terceira Constituição do Brasil foi editada e promulgada num período de forte tensão no Brasil, após o golpe deflagrado com a Revolução de 1930. Na realidade, quem comandava a economia do Brasil à época eram as elites oligárquicas, notadamente nos estados de São Paulo (produção bovina) e Minas Gerais (produção leiteira). Tanto é que os referidos estados deram origem à política conhecida como café com leite, onde se reversavam na presidência da República.

Com a crise econômica de 1929 queda da bolsa de Nova Iorque, que refletiu em todo o mundo, inclusive no Brasil, que teve abaladas suas exportações, notadamente de café, o que fez com que as lideranças da oligarquia paulista rompessem com as mineiras. Com o golpe de 1930, Getúlio Vargas assume o Governo Provisório (1930-1934). Ao fim do seu primeiro governo, promulga a Constituição de 1934, que em seu preâmbulo ficou assim consignado (redação original): Nós, os representantes do Povo Brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembléa Nacional Constituinte para organizar um regime democratico, que assegure á Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte [Constiuição da República dos Estados Unidos do Brasil].

Apesar de ter sido fruto de um golpe de estado, a Carta Constitucional de 1934 trouxe uma importante inovação social ao erigir o princípio do bem-estar social, como um de seus vetores. Tal fato pode ser atribuído ao genocídio ocorrido durante a 1ª Guerra Mundial; e à influência do movimento do Constitucionalismo Social. Sobre este último, vale invocar a Constituição do México de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919, não nos olvidando da Revolução Russa de 1917.

Em nossa singela opinião, o golpe de 1930 acabou sendo favorável aos trabalhadores brasileiros, vez que Getúlio Vargas (que entrou para a história brasileira como o pai dos pobres), foi um nacionalista a serviço da classe operária, apesar de muitos o considerarem um ditador, principalmente quando outorgou a Constituição de 1937, instaurando o chamado Estado Novo (1937-1945).

Sem tecer comentário à perseguição de Vargas a Luis Carlos Prestes (o Cavaleiro da Esperança), pelo fato de tentar propagar o comunismo no Brasil, e nem nos reportarmos aos movimentos nacionalistas fortemente visualizados na época, nazismo (Alemanha de Adolf Hitler) e fascismo (Itália de Benito Mussolini), vez que nossa orientação ideológica política é inclinada às ideias emanadas e propagadas por Karl Marx (1818-1883), não podemos deixar de reconhecer que foi durante o Estado Novo que Vargas editou a principal conquista dos trabalhadores brasileiros: a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1º de maio de 1943.

Consolidação das Leis do Trabalho (compilação da legislação trabalhista então vigente) reconheceu o trabalho decente, positivou uma série de direitos trabalhistas e organizou e deu poder aos sindicatos, como organizações representativas das classes obreiras[4], além de dar aos trabalhadores possibilidades de enfrentamento, notadamente no que tange à judicialização de suas questões com patrões. Sobre o tema, vale colacionar comentário da Professora e Juíza do Trabalho Vólia Bomfim Cassar, que é dedicada às causas trabalhistas, com forte inclinação decisória em prol da parte hipossuficiente:

Entre 1949 e 1964, o mercado interno ampliou-se, crescendo consideravelmente o número de assalariados, já que a produção industrial brasileira multiplicou-se três vezes e meia.

A sistematização e consolidação das leis num único texto (CLT) integrou os trabalhadores no circuito de direitos mínimos e fundamentais para uma sobrevivência digna. Além disso, proporcionou o conhecimento global dos direitos trabalhistas por todos os interessados, principalmente empregados e empregadores[5].

Como referenciado acima, após a edição da CLT, o Brasil experimentou crescimento econômico e social. No entanto, as pressões da oligarquia brasileira e do mercado internacional foram se acentuando, o que fez com que Vargas, em 1954, viesse a cometer o maior ato atentatório a sua própria existência: o suicídio.

A quinta Constituição do Brasil foi promulgada em 1946, sob os cuidados de Eurico Gaspar Dutra, então Presidente de República (1946-1951) e que foi Ministro da Defesa na Era Vargas e curiosamente, contou com a participação de parlamentares comunistas em sua elaboração.

Com fortes vertentes socialistas, acabou por constitucionalizar vários direitos dos trabalhadores brasileiros, notadamente elencados em seus artigos 157, 158 e 159. No entanto, durante sua vigência, a Constituição de 1946 sofreu

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No entanto, a elite hegemônica do capitalismo, acentuou seus ataques à ordem democrática e social, uma vez que como cediço, o sistema capitalista busca o lucro, o que para tal, oprime a massa trabalhadora e coloniza nações para suprimir suas riquezas naturais. Segundo a enciclopédia livre Wikipédia:

Durante a vigência da Constituição de 1946, a ordem democrática sofreria uma série de tentativas de golpes de estado, culminando no Golpe militar de 1964, quando governava o presidente João Goulart. A partir de então, a carta-magna passou a receber uma série de emendas, que a descaracterizaram. Foi suspensa por seis meses pelo Ato Institucional Número Um e finalmente substituída pela Constituição de 1967, proposta oficialmente pelo Ato Institucional Número Quatro.[6].

O golpe militar de 1964 afirmou o Brasil como nação dependente da hegemonia capitalista internacional, precipuamente com a onda de privatizações deflagradas (venda das empresas nacionais ao poderio econômico internacional). Sobre essa dependência ao império capitalista, vale trazer à baila as constatações da economista e cientista política Vânia Bambirra, uma brasileira que lutou, ferrenhamente, através de suas ideias, contra as submissões dos estados latinos americanos, ao imperialismo (notadamente norte-americano):

A dependência política não deve ser definida apenas como a imposição da ingerência estrangeira na vida nacional, mas sobretudo como parte de uma situação de dependência que faz com que o processo de tomada de decisões por parte das classes dominantes em função dos interesses políticos nacionais internos seja dependente. Como os países dependentes são parte constitutiva do sistema capitalista internacional, suas classes dominantes jamais gozaram de uma real autonomia para dirigir e organizar suas respectivas sociedades. A situação de dependência termina por conformar estruturas cujas características e cuja dinâmica estão subjugadas às formas de funcionamento e às leis de movimento das estruturas dominantes[7].

Partilhando das ideias esposas por Bambirra, o golpe militar de 1964 no Brasil, além de colocar um freio nos avanços sociais, significou um rompimento com o estado democrático de direito. Em 1967, foi outorgada nova Constituição Federal, com direcionamento nitidamente neoliberal e que institucionalizou e legalizou o golpe. Dentre as medidas adotadas, estava a possibilidade de edição de atos institucionais e a liberação geral de governabilidade através de decretos-leis, ou seja, proposições normativas sem o aval do Congresso Nacional. Cuidou assim, de hierarquizar o Poder Executivo sobre o Poder Legislativo e Poder Judiciário.

Dentre os vários atos arbitrários (centralização de poder, censura, limitação de direitos políticos), o direito de greve foi proibido, sendo que dirigentes sindicais foram cassados, torturados, exilados e muitos mortos.

Um mês após a publicação da Constituição de 1967, o governo sob o comando dos militares, editou o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, promovendo uma ampla reforma administrativa, que remodelou toda a estrutura da máquina administrativa, implantou o Sistema Nacional de Informações (SNI) e deliberadamente instituiu a meritocracia no Brasil, que pode ser tomada como forma de nepotismo e favoritismo foi um verdadeiro massacre aos servidores públicos (Eliminação ou reabsorção do pessoal ocioso, art. 94, X).

Constituição de 1967 foi substancialmente alterada pelo Ato Institucional nº 5, de 1968 e pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Esta última, para a maioria dos doutrinadores brasileiros, é adotada como uma a sétima Constituição Brasileira, entendimento este ratificado pelo Supremo Tribunal Federal (vez que abre o conteúdo normativo ditando o novo texto da Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967):

Foram tantas as modificações introduzidas por essa emenda constitucional na lei de organização básica do Estado brasileiro que prevaleceu o entendimento de que se tratava de uma nova Constituição. Como aponta José Celso de Mello Filho, a questão da cessação da vigência da Carta de 1967, e sua consequente substituição por um novo e autônomo documento constitucional, perdeu o seu caráter polêmico, em face da decisão unânime do STF, reunido em sessão plenária, que reconheceu, expressamente, que a Constituição do Brasil, de 1967, está revogada (RTJ, 98:952-63). A principal característica dessa Constituição era o art. 182 estabelecendo que continuavam em vigor o Ato Institucional n. 5 e os demais atos institucionais posteriormente baixados.[8]

Acerca do Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968, o famoso e famigerado AI-5, extraímos do seu preâmbulo (que a priori copiou o preâmbulo da Constituição de 1967), as seguintes conclusões: 1) institucionalizou a Revolução de 1964; 2) abertamente proclamou a continuidade do golpe; 3) serviu de instrumento para limitar liberdades políticas, chamando de subversivos todos aqueles contrários à sua ideologia; 4) abriu espaço para adoção de atos desumanos como torturas; e 5) reafirmou o discurso de combate à corrupção.

O AI-5 vigorou até 1978. Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 11 (artigo 3º) todos os atos institucionais e complementares foram expressamente revogados (São revogados os Atos institucionais e complementares, no que contrariarem a Constituição Federal, ressalvados os efeitos dos atos praticados com bases neles, os quais estão excluídos de apreciação judicial).

Com o fim do AI-5, iniciou-se o processo de redemocratização do país. Em 1985 as ruas foram tomadas por milhões de brasileiros que exigiam eleições diretas e volta da democracia, durante violada durante o regime militar ditatorial. Por força da pressão popular, em 1987, foi instaurada Assembleia Nacional Constituinte, sob a presidência do saudoso Ulysses Guimarães, um dos políticos mais importantes que o Brasil já teve.

O resultado da Assembleia Nacional Constituinte de 1987, foi a promulgação da Constituição Federal de 1988, que apesar de hoje contar com 96 (noventa e seis) emendas constitucionais, continua em vigência. Referida carta, que rompeu com o sistema capitalista-ditatorial patrocinado pelo golpe de 1964, firmou com a sociedade um pacto social, através do seu preâmbulo:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.[9]

Constituição Federal de 1988 representou um verdadeiro marco no que diz respeito aos direitos humanos fundamentais, que passaram a compor seus primeiros capítulos. Em nossa concepção, e dado o momento histórico brasileiro em que foi formalmente editada, trata-se de uma verdadeira Carta com ideologia socialista. A assertiva é abalizada através das conclusões tomadas por Paulo Bonavides, que adotamos como o maior constitucionalista da atualidade brasileira:

Constituição de 1988 é basicamente em muitas de suas dimensões essenciais uma Constituição do Estado social. Portanto, os problemas constitucionais referentes a relações de poderes e exercício de direitos subjetivos têm que ser examinados e resolvidos à luz dos conceitos derivados daquela modalidade de ordenamento. Uma coisa é a Constituição do Estado liberal, outra a Constituição do Estado Social. A primeira é uma Constituição antigoverno e antiestado; a segunda uma Constituição de valores refratários ao individualismo no Direito e ao absolutismo no Poder.[10]

O primeiro presidente legitimamente eleito após os anos de chumbo, ou seja, após o golpe de 1964, foi Fernando Collor de Mello, que notadamente, mesmo após a histórica celebração da Carta de 1988, continuou a determinar os rumos do país pelas mãos da hegemonia capital. Tendo tomado posse em março de 1990, Collor renunciou à presidência em dezembro de 1992, após instauração de processo de impeachment. Após 22 (vinte e dois) anos do seu afastamento da presidência da República, foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal das acusações de peculato, corrupção passiva e falsidade ideológica (o que para muitos, o impeachment de Collor foi um golpe engendrado para afastá-lo da presidência).

De 1995 até final de 2002, o Brasil foi governado por Fernando Henrique Cardoso, que seguiu a mesma linha governamental. No governo FHC a máquina administrativa sofreu forte desmonte, leis em desfavor dos trabalhadores foram editadas, servidores públicos foram severamente atacados. Vale destacar que o governo FHC seguia as linhas dogmáticas do Consenso de Washington, sendo que suas medidas (seus dez mandamentos) foram pinceladas num quadro pintado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que recebeu moldura do Banco Mundial (documento Envelhecer sem Crises, de 1994, que priorizava privatizações sem preocupação com a disseminação da pobreza).

Analisando fidedignamente os impactos dos ajustes neoliberais sobre as políticas sociais, ou seja, as consequências danosas da diminuição do estado,com a substituição do gasto público social por formas de financiamento externo que priorizam programas sociais precários, Laura Tavares Soares nos adverte que:

Nesses processos [reformas estruturantes neoliberais], também se podem visualizar fortes fatores de retrocesso, sobretudo quando se levam em consideração certos avanços, como aqueles registrados em alguns países com destaque para o Brasil no que diz respeito à cobertura da Seguridade Social e ao acesso a uma infra-estrutura de serviços públicos básicos, que fizeram com que a situação social não se agravasse ainda mais. Todas as reformas dos sistemas previdenciários e/ou de seguridade social na América Latina levaram à sua privatização, com um enorme aumento dos seus custos e, sobretudo, com a redução das suas coberturas e exclusão crescente daqueles que não podem pagar diretamente por seus serviços e benefícios[11].

Os governos progressistas de Luiz Inácio Lula da Silva (lulismo) e de Dilma Rousseff mostraram à nação brasileira que a democracia e o desenvolvimento nacional econômico podem e devem conviver com políticas públicas voltadas para a diminuição das desigualdades sociais e inclusão social.

Contudo, em 12 de abril de 2016, após novo golpe de estado, sob a roupagem de processo de impeachment, a Presidenta Dilma Rousseff foi afastada do seu cargo, assumindo o posto Michel Temer. Em 31 de agosto perdeu o cargo, após a conclusão da tramitação do processo, cujo julgamento teve como matéria a violação da lei orçamentária.

No começo do governo de Michel Temer, as opiniões dos brasileiros no que diz respeito ao golpe, eram divididas. Hoje a maioria maciça dos brasileiros sabe que tudo foi um processo arquitetado, com apoio da grande mídia (leia-se aqui principalmente a Rede Globo), O presidente ilegítimo hoje tem reprovação de 95% (noventa e cinco por cento) dos brasileiros.

A serviço do capital internacional, Temer tem promovido um verdadeiro massacre à classe trabalhadora. Sob o manto do discurso de combate à corrupção e ajustamento fiscal (tal como eram os fundamentos para o golpe de 1964), Temer (com um congresso em sua maioria de parlamentares denunciados por corrupção e recebendo propinas em troca das votações), tem proposto medidas que não apenas tendem a escravizar o trabalhador brasileiro, mas fragilizar o mercado interno, vez que este está sendo orientado para as multinacionais integrantes do sistema financeiro nacional a nova metrópole. O trabalho assalariado precarizado e fragilizado tendem a não apenas promover a escravidão brasileira do século XXI, mas reduzir o país a mero exportador de seus produtos agrícolas e minerais, tal como acontecia no Brasil colonial.

As políticas neoliberais estão enterrando as conquistas trabalhistas adquiridas, promovendo verdadeiro assassinato ao Estado Constitucional Social instituído em 1988, com a Carta Republicana. Dentre o pacote legislativo, destaque-se: i) Emenda Constitucional n. 95, de 16 de dezembro de 2016, que ficou conhecida no Brasil como a PEC dos gastos públicos, dentre outros, congela por 20 (vinte) anos, gastos do governo em todas as esferas (federal, estadual e municipal), gostos com saúde, previdência, assistência e educação, sendo que o novo regime fiscal inclui os orçamentos da seguridade social; ii) a chamada Lei da Terceirização, Lei nº 13.429/2017; e iii) a Reforma Trabalhista, Lei nº 13.467/2017, que basicamente rasga a Consolidação das Leis do Trabalho editada por Vargas. E em tramitação no Congresso Nacional encontra-se a Proposta de Emenda Constitucional nº 287/2016 Reforma da Previdência. Esta última tem sido ferozmente combatida, tendo o Senado Federal instaurado Comissão Parlamentar de Inquérito CPI (da qual participamos das audiências), para que se possa revelar empiricamente, os reais dados e números dos sistemas previdenciários brasileiros.

As medidas promovidas, juntamente com a ingovernabilidade instaurada, aumentaram significativamente o número de desempregados no Brasil e dentre as medidas do pacote de ajustamento fiscal, se encontra a mitigação do programa social denominado Bolsa Família. As tratativas engendradas, segundo o Banco Mundial, tendem a migrar milhões de brasileiros para a linha de pobreza. Neste sentido:

Estudo inédito do Banco Mundial, ao qual o GLOBO teve acesso, aponta que o número de pessoas vivendo na pobreza no Brasil aumentará entre 2,5 milhões e 3,6 milhões até o fim deste ano. Denominados de novos pobres pela instituição internacional, porque estavam acima da linha da pobreza em 2015 e já caíram ou cairão abaixo dela neste ano, eles são na maioria adultos jovens, de áreas urbanas, com escolaridade média e que foram expulsos do mercado de trabalho formal pelo desemprego[12]

Contudo, e apesar das notificações de organismos internacionais (notadamente da Organização Internacional do Trabalho OIT) e vários estudos apresentados, o governo Temer continua a promover medidas draconianas, o que tem aumentado o clima de instabilidade política e econômica no Brasil.

Conclusão

Perlustrando a história constitucional do Brasil podemos verificar em que nas Cartas Sociais, o pais alavancou sua economia, na medida em que, patrocinando trabalho decente e proteção social, ou seja, valorizando sua mão de obra, houve desenvolvimento. Via transversa, nos períodos em que o país foi governado a mando do capital hegemônico, houve desaceleração da economia.

Tais fatos são nitidamente observados na Era Vargas, onde o trabalhador brasileiro alcançou direitos sociais, quando a organização política brasileira (apesar da instauração de um modelo nacional ditatorial) estava sob o manto do Estado Constitucional Social.

Durante o golpe militar de 1964, que suprimiu direitos políticos e mitigou direitos sociais, o Brasil esteve sob o comando da elite financista, que coordenou o desmonte da máquina administrativa.

A redemocratização do país culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ora vigente. Sua linha principiológica seguiu claramente o Estado Constitucional Social, desenvolvendo dignidade aos trabalhadores brasileiros.

Os governos progressistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, base na Carta Social de 1988, promoveram desenvolvimento ao Brasil, valorizando o trabalho decente e acentuando proteção social.

No entanto, após o golpe sob o manto do processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, em abril de 2016, assumiu o comando do Brasil Michel Temer, que atendendo ao mercado financeiro internacional com sua ditadura civil do capital, está promovendo um verdadeiro massacre aos trabalhadores brasileiros, inclusive, aumentando o nível de desemprego e os números da linha de pobreza.

Como a ditadura civil atroz promovida pelo sistema financista, cumpre-nos rever conceitos, valores e ter olhar voltado para o futuro. São milhões de brasileiros a serem massacrados e excluídos. A elite financista não pode continuar com suas políticas de dominação e submissão de governos. É hora de resgatar o Estado Constitucional Social e enterrar de vez o Estado Constitucional puramente liberal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAMBIRRA, Vânia. O capitalismo dependente latino-americano. Tradução de Fernando Correa Prado e Marina Machado Gouveia. 3ª ed. Florianópolis: Insular, 2015.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 7ª ed. São Paulo: Método, 2013.

PINHO, Rodrigo César Rebello. Da Organização do Estado, dos Poderes, e histórico das Constituições. 16ª ed.São Paulo: Saraiva, 2016.

ROSÁRIO, Miguel do. O efeito mais triste do golpe: Banco Mundial prevê explosão de pobreza no Brasil, Revista Eletrônica O Cafezinho. Edição do dia 13.02.2017. Disponível em http://www.ocafezinho.com/2017/02/13/o-efeito-mais-triste-do-golpe-banco-mundial-preve-explosao-de-pobreza-no-brasil/

SOARES, Laura Tavares. Os custos sociais do ajuste neoliberal na América Latina. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.

----- Constituição Federal de 1988. Fonte: Planalto. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm. Acesso em 27.07.2017.

----- Constituição de 1824. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituicao24.htm.

----- Constituição de 1891. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituicao91.htm.

----- Constituição brasileira de 1946. Fonte: Wikipédia A enciclopédia livre. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Constitui%C3%A7%C3%A3o_brasileira_de_1946. Acesso em 27.07.2017.

NOTAS DE RODAPÉ

[1] A título de ilustração, o termo invasão é adotado pelo norte-americano John Gerassi, em seu livro A Invasão da América Latina, que foi editado no Brasil pela Editora Civilização Brasileira S.A., Rio de Janeiro, em 1965.

[2] ----- Constituição de 1824. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituicao24.htm. Acesso em 27.07.2017.

[3] ----- Constituição de 1891. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituicao91.htm. Acesso em 27.07.2017.

[4] Aqui vale abrir parênteses no sentido de comentar que o modelo da estrutura sindical de Vargas é fortemente repudiado por segmentos do setor, tendo em vista que na realidade cuida-se de um modelo centralizador e engessado, nos moldes criados na Itália por Benito Mussolini.

[5] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 7ª ed. São Paulo: Método, 2013.

[6] ----- Constituição brasileira de 1946. Fonte: Wikipédia A enciclopédia livre. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Constitui%C3%A7%C3%A3o_brasileira_de_1946. Acesso em 27.07.2017.

[7] BAMBIRRA, Vânia. O capitalismo dependente latino-americano. Tradução de Fernando Correa Prado e Marina Machado Gouveia. 3ª ed. Florianópolis: Insular, 2015.

[8] PINHO, Rodrigo César Rebello. Da Organização do Estado, dos Poderes, e histórico das Constituições. 16ª ed.São Paulo: Saraiva, 2016.

[9] ----- Constituição Federal de 1988. Fonte: Planalto. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm. Acesso em 27.07.2017.

[10] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

[11] SOARES, Laura Tavares. Os custos sociais do ajuste neoliberal na América Latina. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.

[12] ROSÁRIO, Miguel do. O efeito mais triste do golpe: Banco Mundial prevê explosão de pobreza no Brasil, Revista Eletrônica O Cafezinho. Edição do dia 13.02.2017. Disponível em https://www.ocafezinho.com/2017/02/13/o-efeito-mais-triste-do-golpe-banco-mundial-preve-explosao-de-pobreza-no-brasil/. Acesso em 27.07.2017.

Sobre a autora
Rosana Colen Moreno

Rosana Cólen Moreno. Procuradora do Estado de Alagoas. Membro da Confederação Latino-americana de trabalhadores estatais (CLATE). Especialista em previdência pública pela Damásio Educacional e em direitos humanos pela PUC/RS (em finalização). Autora do livro Manual de Gestão dos Regimes Próprios de Previdência Social: foco na prevenção e combate à corrupção, publicado pela LTr. Coordenadora da Comissão Internacional Avaliadora instituída pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO-UNESCO) e denominada “Desigualdades, Exclusão e Crises de Sustentabilidade dos Sistemas Previdenciários da América Latina e Caribe. Educadora, Professora, Instrutora, Palestrante, Consultora. Participante do programa de doutorado em Direito Constitucional pela Universidad de Buenos Aires – UBA. Especialista em Regimes Próprios de Previdência (Damásio Educacional). Autora do livro: Manual de Gestão dos Regimes Próprios de Previdência Social: foco na prevenção e combate à corrupção.

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