Os limites éticos do marketing médico

17/01/2022 às 12:10
Leia nesta página:

Profissionais da saúde devem observar o marketing.

Os assuntos relacionados à área da saúde, e sobretudo à medicina estão cada vez mais presentes na mídia. Tanto pelo grande interesse de todos por manterem relação com momentos-chave da existência humana (vida e morte), quanto pelo grande avanço da tecnologia, nos trazendo um mundo cada vez mais conectado em todos os assuntos.

Contudo, chama a atenção a atual exposição exagerada da classe médica na mídia, de forma voluntária. Em uma sociedade altamente consumerista, a mercantilização da medicina tornou-se uma mazela quase inevitável. A autopromoção de muitos profissionais, sobretudo pelos meios errados e com estratégias questionáveis, vai de encontro a uma imprensa cada vez mais sensacionalista que dá preferência às péssimas notícias, que são cada vez mais, garantia de uma boa audiência.

Neste contexto, esbarramos no grande dilema do marketing médico: Se por um lado há a necessidade de informar aos pacientes e a sociedade sobre os avanços científicos e tecnológicos na saúde, e o direito legítimo dos profissionais de divulgarem à sociedade sua habilitação e capacitação; temos por outro lado os limites éticos aos quais os médicos estão sujeitos.

Em síntese, podemos definir o marketing médico como sendo um conjunto de estratégias e ações de comunicação, que tem como finalidade difundir conhecimento, seguindo a legislação e os padrões éticos impostos pelo CFM. Seu objetivo não é o de vender mais por meio do maior alcance de pacientes, mas sim ajudar o maior número de pessoas possível.

Já a propaganda é a repetição de uma mensagem de maneira ostensiva, para gerar o convencimento do público-alvo. E a publicidade é um conjunto de ações que buscam a visibilidade de um produto ou marca, diante do público consumidor, gerando visibilidade à empresa. Como se nota, são conceitos que não se confundem.

Obviamente, um bom marketing médico pode criar uma relação mais próxima com o paciente, gerando mais confiança no trabalho do profissional. Pode ainda gerar posicionamento de autoridade como referência na área de atuação do médico, e como consequência, atrair novos pacientes. E o mais importante: não só novos, mas bons pacientes, conscientes e instruídos pelo rico conteúdo compartilhado pelo profissional. Ao passo que as estratégias de publicidade e propaganda, tão adotadas atualmente por muitos médicos, atraem clientes e não pacientes, em busca de soluções tão imediatas e indolores quanto os anúncios que os atraíram, gerando um altíssimo índice de insatisfações e conflitos.

O próprio CFM (Conselho Federal de Medicina) e o CODAME (Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos), editaram a Resolução CFM 1974/11, que há 10 anos regula o assunto, prevendo que a conduta do profissional deve se guiar pela função de divulgação e promoção de conhecimento científico e de educação da sociedade. Mas como o avanço social e tecnológico é constante, o CFM editou anos depois a resolução CFM 2.126/15, que trata da ética médica nas redes sociais e na internet. A resolução (que se aplica a sites, blogs, Facebook, Instagram, Twitter e Whatsapp) é cirúrgica em vedar selfies e conteúdos que induzam a autopromoção, ao proibir os famosos antes e depois, e ao vedar o sensacionalismo e a concorrência desleal.

É importante ressaltar que os tribunais já firmaram o entendimento (acertado, diga-se de passagem) de que o material de marketing integra a documentação médica e vincula o prestador de serviços, podendo ser entendido como uma promessa de resultado. Portanto, o uso desenfreado de estratégias de publicidade visando tão somente a atração de pacientes pode ser muito perigosa para o médico. E em muitos casos chega a desvalorizar o profissional no mercado, gerando efeito contrário ao pretendido, dado o mal gosto do material gerado.

Nunca é demais lembrar que práticas como o famoso antes e depois, uso de representações visuais de maneira abusiva e assustadora, e a divulgação de promoções e preços são expressamente vedadas. E a ostentação constante de fotos com bons resultados, pode ser entendida como a promessa deles, por gerar esta expectativa no paciente. Fotos só podem ser utilizadas com anuência do paciente, e em eventos de caráter científico.

A mal uso das redes sociais podem até passar, a curto prazo, a impressão de crescimento da reputação e retorno financeiro imediato. Mas a médio e longo prazo, os efeitos do mal uso podem ser devastadores, e até encerrar a carreira do profissional prematuramente.

Por outro lado, a atuação em redes sociais com caráter informativo, inclusive tirando dúvidas de pacientes e divulgando novos tratamentos e tecnologias, é muito positivo em todos os sentidos. Caso o profissional da saúde, sobretudo o médico, deseje fazer uso do marketing de forma positiva e nos termos da legislação, é indispensável que sua atuação seja acompanhada por um profissional que domine o assunto, garantindo assim a ética e legalidade no uso das estratégias.

Em suma, antes de visar o lucro os médicos devem prezar pela ética. O marketing médico deve ser orientado a uma comunicação com informações relevantes e verídicas, que sejam de interesse público, sem cunho comercial e com o devido acompanhamento jurídico. Daí em diante, o estabelecimento do profissional como referência e a atração de novos (e bons) pacientes, se torna uma consequência inevitável.

Sobre o autor
Renato Assis

Advogado inscrito na OAB dos estados de BA, ES, MG, PR, SP e RJ; Professor de Direito e empresário; Graduado em Direito pela Universidade FUMEC-MG; Especialista em Direito Processual pela PUC-MG; Especialista em Direito Médico pela Universidade de Araraquara/SP; MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas/RJ; Especialista em Direito Ambiental e Minerário pela PUC/MG; Professor do curso de Direito Médico e Odontológico da UCA (Universidade Corporativa da ANADEM); Autor do livro “Direito Processual e o Constitucionalismo Democrático Brasileiro” – 2009; Autor do livro “Socorro Mútuo: Como a Proteção Veicular revolucionou o mercado de Proteção Patrimonial e de Seguros do Brasil” – 2019; Conselheiro Jurídico e Científico da ANADEM – Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética; Acadêmico Efetivo e Vitalício na área de Ciências Jurídicas da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Membro da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro; Membro da WAML – World Association for Medical Law; Presidente da Unidade Brasil da ASOLADEME – Associación Latinoamericana de Derecho Médico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos