As atribuições e prerrogativas da Procuradoria Jurídica do Poder Legislativo em benefício da coletividade*

17/01/2022 às 14:14
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A advocacia pública no âmbito do Poder Legislativo ainda é bastante nova e traz dúvidas aos vereadores e sociedade em geral. Afinal, quais as funções e prerrogativas do Procurador Jurídico concursado no âmbito do Poder Legislativo?

Inicialmente, cabe ressaltar que a Advocacia Pública não defende o governante e menos ainda o governo, mas o Estado. É notório que a um Procurador de Câmara Municipal não cabe defender as pessoas dos vereadores, exceto em circunstâncias especialíssimas, quando no exercício de uma representação de órgão do Legislativo, como a Mesa Diretora ou Comissão Parlamentar de Inquérito, ou da própria Câmara Municipal.

Ao Procurador do Legislativo cabe a defesa da instituição, do órgão legislativo e, mediatamente, da própria representação popular e sua legitimidade (exemplo: suspensão ou cassação indevida que impeça o vereador de exercer o mandato popular). E a instituição não se confunde com seus integrantes.

Ainda, ao referido Procurador compete, além das funções de assessoramento e outras correlatas, promover estudos e pesquisas, mantendo o arquivo concernente devidamente atualizado, examinar os aspectos jurídicos dos atos administrativos e elaborar estudos de natureza jurídico-administrativa, apresentando o competente parecer, pesquisar jurisprudência e doutrina em obras e periódicos da Câmara Municipal ou pela rede mundial de computadores, elaborar e/ou amparar na elaboração e análise de minutas, contratos, editais de licitação, convênios, acordos ou ajustes em que for parte a Câmara Municipal, acompanhar as publicações oficiais e outros processos em que figure a Câmara Municipal, amparar juridicamente o Poder Legislativo nas defesas a serem realizadas junto ao TCE, elaborar, quando necessário, projetos de lei, bem como outros documentos de iniciativa do Poder Legislativo, atuar em juízo na defesa do Poder Legislativo, judicial ou extrajudicialmente, acompanhando o processo, redigir petições e executar demais funções ligadas à sua área que requeiram a atuação jurídica, nos termos da Lei Orgânica de Jales e dos artigos 98 a 100 da Constituição do Estado de São Paulo, redigir documentos jurídicos, minutas e informações sobre questões de natureza administrativa e pertinentes a litígios oriundos de todos os ramos do Direito, aplicando a legislação em questão, para utilizá-los na defesa do Poder Legislativo, solicitar, diretamente, a qualquer órgão do Poder Legislativo, ou fora dele, informações indispensáveis à consecução do trabalho jurídico e que não estejam disponíveis na mídia para consulta eletrônica, observados os limites legais (art. 5º, XXXIII, da CF e Lei Federal nº 12.527/2011 - Lei de Acesso à Informação), definir, dentro de sua competência legal, as prioridades jurídicas para inclusão na pauta, realizar controle prévio de legalidade de contratações diretas, acordos, termos de cooperação, convênios, ajustes, adesões a atas de registro de preços, outros instrumentos congêneres e de seus termos aditivos, garantindo-se a autonomia e independência funcional e a dispensa do controle de ponto, nos termos da Lei nº 8.906/94, Constituição Estadual, Constituição Federal, Súmulas e Jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Nesta seara, a ministra do Supremo Tribunal Federal Carmem Lúcia já asseverou que o advogado público tem vínculo jurídico específico e compromisso peculiar com o interesse público posto no sistema jurídico, o qual há de ser legalmente concretizado pelo governante e pelo administrador público, sendo que tal interesse não sucumbe nem se altera a cada quatro anos aos sabores e humores de alguns administradores ou de grupos que, eventualmente, detenham maiorias parlamentares e administrativas. Ou seja, o cargo de advogado público não é político e é de suma importância dentro de um Poder legislativo, sendo incompatível, nos termos da Súmula nº 9 da Comissão Nacional da Advocacia Pública do Conselho Federal da OAB, o controle de ponto com o exercício da advocacia pública (atividade essencialmente intelectual, que exige flexibilidade de horário) já que impor limites artificiais e desnecessários ao exercício da advocacia, notadamente de caráter físico e temporal, não concorre para a realização do melhor desempenho técnico-profissional em benefício justamente daquele que contrata ou remunera o profissional.

Para que os advogados públicos possam exercer suas funções a contento em benefício da sociedade devem ser-lhe garantidos algumas prerrogativas, sob pena da prática de ilícito funcional, respeitando-se a independência técnica e coibindo a tentativa de subordinação ou ingerência do Poder Público na liberdade funcional no exercício da função do advogado público, como assegura a Constituição Federal e o Estatuto da OAB, não sendo os mesmos passíveis de responsabilização, ressalvada a hipótese de dolo ou fraude.

O Estatuto da Advocacia estabelece que os integrantes das procuradorias, além de estarem sujeitos ao regime da Lei nº 8.906/94, estão sujeitos ao regime próprio a que se subordinem (artigo 3º, § 1º). Considerando que dentre as atribuições do cargo estão o comparecimento em repartição pública ou privada para consulta de processos judiciais ou administrativos, participação em audiências ou reuniões, coleta de provas ou informações úteis ao exercício da atividade profissional, submeter as especificidades da jornada de trabalho dos procuradores municipais à anuência da autoridade superior é, em última análise, restringir a autonomia e a independência funcional, podendo ferir, inclusive, a eficiência da Administração Pública.

O compromisso do advogado público é com a sociedade. Exerce uma advocacia de Estado, não de governo. Mira o interesse público primário, está comprometido com a lei e com a preservação do Estado Democrático de Direito. Para que possa cumprir a contento o seu objetivo de proporcionar condições para uma Administração Pública conforme à lei e à Constituição, o advogado público deve exercer sua função com independência, livre de ingerências externas e internas indevidas. É um direito do advogado e um dever ético zelar por esta independência. Deve evitar o ato inválido, o prejuízo ao erário, a demanda judicial temerária. O profissional da advocacia desenvolve atividade essencialmente intelectual, não desenvolve atividades físicas, e o produto das atividades advocatícias, geralmente concretizadas em textos ou manifestações técnico-jurídicas escritas, não exigem elaboração em espaços físicos determinados ou em intervalos de tempo inexoravelmente limitados aos expedientes tradicionais das empresas privadas ou repartições públicas.

Assim, a advocacia pode ser considerada uma das profissões mais fortemente vocacionadas para o trabalho à distância, caracterizada pela desnecessidade de deslocamento físico para as dependências da empresa ou repartição pública tomadora dos serviços profissionais, o que envolve uma série de vantagens, particularmente de redução de despesas pessoais, organizacionais e sociais, para o trabalhador e para o empregador, ou seja, trata-se não só de uma prerrogativa inerente à advocacia pública mas de um benefício para toda a sociedade.

Portanto, é viável afirmar que o compromisso do profissional da advocacia é com a qualidade do trabalho intelectual realizado, com a consistência da argumentação técnico-jurídica apresentada e com a satisfação quantitativa das demandas de atuação com o nível de excelência mencionado. Neste sentido torna-se imprescindível garantir ao advogado público a flexibilização de horário para o eficiente exercício de suas atribuições, o que, como acima mencionado, não comporta limitação temporal face ao desempenho de atividade eminentemente intelectual que, por vezes, será exercida em ambiente externo. O advogado possui integral autonomia para construir seu raciocínio técnico-jurídico e concretizar uma atuação específica nas áreas do contencioso e da consultoria. Não é válida juridicamente nenhuma interferência alheia na atuação técnico-profissional do advogado.

A simples existência ou normatização das exigências ou limitações já agride o estatuto legal do exercício da profissional de advogado pelo demérito à profissão e pelo potencial de ilicitude estabelecido. Indiscutível, portanto, que a flexibilidade de horário e a possibilidade de exercer seu múnus público em diversos locais, fora de um escritório ou repartição pública e fora do horário de expediente são inerentes, hoje, a uma boa atividade advocatícia. A submissão a controle ponto viola prerrogativas basilares da profissão: a autonomia e independência funcionais. E o Estatuto da Advocacia lhe ampara. Por isso, foi também editada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil a Súmula nº 2, in verbis: A independência técnica é prerrogativa inata à advocacia, seja ela pública ou privada. A tentativa de subordinação ou ingerência do Estado na liberdade funcional e independência no livre exercício da função do advogado público constitui violação aos preceitos Constitucionais e garantias insertas no Estatuto da OAB.

Ressalte-se que nos termos do Artigo 6º do Estatuto da OAB, a fim de que os advogados públicos possam exercer a contento as funções que lhes cabem, não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos, sendo certo que as autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho.

Especialmente quanto às prerrogativas o advogado representa a parte que busca a prestação jurisdicional e, nesse sentido, é indispensável à administração da justiça, sendo, portanto, inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei, tudo conforme disposto no artigo 133 da Constituição Federal. E, nesse cenário, destacam-se as prerrogativas inseridas no Estatuto da Advocacia (aplicáveis à Advocacia Pública Municipal (§ 1º do artigo 3º), devidamente regulamentado na Lei nº 8.906/1994, em seu capítulo II, precisamente nos artigos 6º e 7º. São direitos do advogado, dentre outros: a) Exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional; b) Reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, Regulamento ou Regimento; c) Examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estiverem sujeitos a sigilo ou segredo de justiça, assegurada a obtenção de cópias, com possibilidade de tomar apontamentos; d) Examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital; e) Ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais; f) Retirar autos de processos findos, mesmo sem procuração, pelo prazo de dez dias; g) Ser publicamente desagravado, quando ofendido no exercício da profissão ou em razão dela. O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria ou difamação puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer. 

Tratando-se de advogado público, vale asseverar que o dever essencial cometido aos Advogados e Procuradores das entidades estatais é o de escorar e esmerar a ordem jurídica, mantendo o seu compromisso com a sociedade na missão de defender o Estado Democrático de Direito. E para que possam cumprir a contento o seu objetivo de proporcionar condições para uma Administração Pública conforme a lei e a Constituição, o advogado público deve exercer sua função com independência, sendo que qualquer tentativa de interferir na sua atuação, em amparo na legislação e na Constituição, é nociva e deve ser prontamente combatida por ele e pelos órgãos de controle da Administração. É um direito do advogado e um dever ético zelar por esta independência.

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Assim, deve ser garantido aos advogados públicos, em sintonia com os artigos 98 a 100 da Constituição do Estado de São Paulo, a independência intelectual, sendo indubitável que, em conformidade com a Súmula 3 do Conselho Federal da OAB, a Advocacia Pública somente se vincula ao órgão jurídico que ela integra, sendo inconstitucional qualquer outro tipo de subordinação. Isso porque as atividades dos advogados que atuam na administração pública, direta ou indireta (autarquias e fundações públicas) evidenciam peculiaridades e prerrogativas indispensáveis para o seu regular exercício com autonomia funcional e independência, revelando a importância das atividades destes profissionais como instrumento de controle de legalidade dos atos administrativos e garantia da eficiência e governança pública das entidades que representam judicial e extrajudicialmente. Assim, a independência técnica é inata, vale dizer, a liberdade moral e intelectual de que é dotada necessariamente a Advocacia de Estado.

Desta feita, os advogados públicos não podem ficar sujeitos a interesses subjetivos e passageiros dos governantes, de tal arte que a independência constitui a maior virtude e o valor mais caro do advogado. Evidente que as suas atribuições podem até tangenciar a viabilidade de determinada política pública, mas sem sucumbir aos interesses particulares do gestor. Logo, a vontade manifestada pelo administrador municipal somente interfere na atividade dos representantes judiciais, enquanto nos estritos limites da autorização legal ou constitucional.

Cabe salientar que o Chefe dos Procuradores Jurídicos (Advogados Públicos) deve ser alguém da carreira jurídica, aprovado em concurso público, sendo certo que o comando da advocacia pública municipal não pode ser exercido por quem dela não faça parte, nos termos dos artigos 98 a 100 da Constituição do Estado de São Paulo (declarados constitucionais pelo STF), que são aplicáveis obrigatoriamente às procuradorias municipais.

Nesta seara, as atividades específicas de Advocacia Pública somente podem ser exercidas diretamente pelos procuradores municipais previamente aprovados mediante concurso público, devendo os Cargos de Procurador Geral do Município e Procurador Chefe ser providos somente por servidores integrantes da carreira, cujo ingresso depende de concurso público, o que é essencial para atender aos anseios da sociedade.

Saliente-se ainda que, conforme já mencionado, ao Procurador Jurídico do Legislativo cabe a defesa da própria representação popular, devendo as questões relativas a pessoal, direito eleitoral, publicidade institucional e quaisquer matérias afetas ao cotidiano do Legislativo ser submetidas à análise da Procuradoria, sendo certo também que as Comissões de Sindicância Processantes disciplinares porventura instauradas devem ser conduzidas por Procuradores, sendo indubitável que, em defesa da instituição, segundo decisão do Superior Tribunal de Justiça, procuradores de Câmaras Municipais podem advogar em ação contra o presidente da Casa Legislativa em caso de atos ilegais, ou seja, os advogados públicos devem adotar todas as medidas legais cabíveis inclusive contra ato de vereador que esteja, por razões exclusivamente políticas, indo contra a legalidade e o interesse público, daí não poder ser desmerecida a importância dos Procuradores do Poder Legislativo, como representantes judiciais e extrajudiciais legítimos da Casa do Povo. Caso alguém desatenda os interesses da coletividade cabe ao Procurador tomar as providências cabíveis em benefício da população e da própria imagem da Câmara Municipal.

Nesta seara, a defesa da independência funcional (com as devidas prerrogativas) e a valorização da carreira é dever de todos os advogados públicos, que são o primeiro filtro da legalidade dos atos praticados pela Administração Pública e têm papel fundamental no combate à corrupção, devendo ficar claro que os servidores concursados como advogados ou procuradores são representantes técnicos dos entes municipais e não podem estar sujeitos às variações do cenário político. A atuação jamais será para determinado governo, mas sim em prol da municipalidade, na incansável defesa do interesse público.

Desta forma, fica-se claro pelo presente que são inúmeras as atribuições e prerrogativas dos advogados públicos, sendo inquestionável que as Procuradorias do Poder Legislativo devem, em benefício do interesse público, ser estruturadas em caráter permanente, com observância dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade, que convergem na inafastável exigência de concurso público para o ingresso na carreira, devendo ainda ser obedecidos, em benefício da coletividade, a Constituição Federal, Constituição Estadual, Estatuto da OAB, Súmulas do Conselho Federal da OAB, jurisprudência e todo o ordenamento jurídico, garantindo-se expressamente aplicação das normas atinentes à advocacia pública no âmbito das Câmara Municipais. A Procuradoria Jurídica no âmbito do Legislativo ainda é nova e de difícil aceitação inclusive por alguns edis eleitos, mas a sociedade tem o direito de conhecer e entender a importância das funções do advogado público legislativo em benefício dos próprios munícipes. O inarredável e essencial interesse público primário agradece.

Fontes:

1 - https://www.migalhas.com.br/depeso/175265/advocacia-publica-no-poder-legislativo-e-atuacao-contenciosa--alguns-mitos-e-horizontes

2 - Lei nº 5.133/2021 Jales-SP

3 - https://www.conjur.com.br/2012-jul-01/advocacia-publica-municipal-fundamental-aplicacao justica#:~:text=Nas%20palavras%20da%20Ministra%20Carmen,governante%20e%20pelo%20administrador%20p%C3%BAblico.

4 - Apelação nº 1000379-42.2017.8.26.0352

5 - Parecer Padrão nº 1 aprovado pela Comissão de Advocacia Pública da OAB/SP

6 - Processo nº 0011842-71.2016.5.15.0034

7 - Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2174315-46.2018.8.26.0000)

8 - ADI 2002406-62.2020.8.26.0000, com base no incidente de resolução de demandas repetitivas 2229223-53.2018.8.26.0000

9 - Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2034787-60.2019.8.26.0000

  1. - REsp 1.398.484-RO

Sobre o autor
Rodrigo Murad Vitoriano

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Rio Preto UNIRP, Especialista em Direito Público Constitucional (UNP), Penal (UNP) e Direito Civil e Processual Civil (Gama Filho), Advogado e Procurador Jurídico do Poder Legislativo de Jales-SP desde 2017.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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