Gestão por processos no Ministério Público: Por que a iniciativa institucional merece apoio de todos?

17/01/2022 às 15:30
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PALAVRAS-CHAVES: Ministério Público; Princípio da Eficiência; Gestão por Processos; Gestão de Processos de Negócios; Cultura Organizacional.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Parte Geral; 2.1. Breves Noções sobre Gestão Por Processos; 2.2. Ministério Público e Business Process Management; 3. Parte Especial; 3.1. Atual Contexto da Atuação Finalística; 3.2. Eficiência como Fundamento Constitucional; 3.3. Viabilidade Democrática da Institucionalização; 4. Conclusões; 5. Referências; 6. Fontes das Figuras.

RESUMO: Este trabalho versa sobre gestão por processos no Ministério Público brasileiro, incentivando os Promotores de Justiça a refletirem a respeito da necessidade e importância de encamparem a iniciativa institucional. Na parte geral, traz breves noções acerca da disciplina gerencial relacionada ao Business Process Management - BPM e aborda como o Parquet tem lidado hodiernamente com o tema. Na parte especial, esboça um panorama da realidade atual dos órgãos de execução, mostrando que o crescente aumento do volume de trabalho e a falta de correspondente incremento da força laboral têm prejudicado a adequada atuação finalística. Além disso, examina o princípio constitucional da eficiência, correlacionando sua axiologia às práticas de transformação organizacional. Por fim, trata da imprescindibilidade da participação ativa dos membros ministeriais para uma democrática e exitosa institucionalização da visão orientada por processos, de modo a se tornar parte da cultura organizacional.

PALAVRAS-CHAVES: Ministério Público; Princípio da Eficiência; Gestão por Processos; Gestão de Processos de Negócios; Cultura Organizacional.

 

1. INTRODUÇÃO

A Constituição da República, inspirada pelos ares democráticos de 1988, elevou o Ministério Público ao patamar de instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, tendo-lhe incumbido a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput).

Elencou Lei Maior, ainda, em seu art. 129, um rol exemplificativo de funções institucionais a serem exercidas pelo Parquet, tendo-lhe assegurado autonomia funcional e administrativa, inclusive no tocante "a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares (...), a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento" (art. 127, § 2º).

Como se vê, para garantir ao MP um fiel e pleno desempenho de seu árduo papel constitucional, a Carta Fundamental outorgou-lhe notável liberdade, inclusive para, por meio de lei, definir sua organização e estrutura de pessoal, no que concerne tanto aos membros (aos quais garantiu ainda independência funcional) quanto seus serviços auxiliares.

Seguindo a mesma ideia, a Lei Federal 8.625/1993 - além de diferenciar os conceitos de Promotores de Justiça ("órgãos de execução", segundo o art. 7º, IV) e Promotorias de Justiça ("órgãos de administração do Ministério Público com pelo menos um cargo de Promotor de Justiça e serviços auxiliares necessários ao desempenho das funções que lhe forem cometidas pela Lei Orgânica", conforme os arts. 6º, II, e 23, caput) - classificou os órgãos de apoio administrativo como auxiliares (art. 8º, IV), prevendo que "Lei de iniciativa do Procurador-Geral de Justiça disciplinará os órgãos e serviços auxiliares de apoio administrativo, organizados em quadro próprio de carreiras, com os cargos que atendam às suas peculiaridades e às necessidades da administração e das atividades funcionais" (art. 36).

Nota-se que o membro ministerial, ao mesmo tempo em que é/consubstancia órgão de execução, também figura, do ponto de vista de estrutura organizacional, como integrante de uma unidade administrativa, conjuntamente com outras pessoas, inclusive com os ocupantes de cargos e funções auxiliares, tais como servidores de carreira, assessores e estagiários.

De acordo com as normas supracitadas, a atuação regular e eficiente do Ministério Público, por meio de seus órgãos de execução, depende de uma unidade administrativa bem estruturada, com recursos materiais e humanos qualificados e suficientes.

Sucede que, sobretudo nos dias atuais, ante o número cada vez maior de afazeres diários, oriundos dos mais variados canais de entrada, as Promotorias de Justiça de todo o Brasil, salvo poucas exceções, na prática, têm encontrado dificuldades para funcionarem de forma satisfatória, com real entrega à população de serviços relevantes, de qualidade e com rapidez.

Aliás, "maior celeridade e agilidade na prestação dos serviços" foi a recomendação do Relatório da Pequisa de Satisfação e Imagem do Ministério Público, divulgado pelo CNMP em 2017[2].

Assim, faz-se necessário - mais do que o já costumeiro esforço hercúleo por parte dos valorosos colegas - disponibilizar e conferir aos vocacionados membros do MP, institucionalmente, ferramentas e técnicas gerenciais, para que possam otimizar suas atuações ministeriais.

 

2. PARTE GERAL

Inicialmente, convém tecer pontuais lições a respeito da gestão de e por processos, enquanto abordagem gerencial e ideal a ser perquirido pelas organizações, bem como apresentar, na medida do possível, de que maneira o Ministério Público brasileiro, atualmente, tem lidado com essa relevante temática.

2.1. Breves Noções sobre Gestão Por Processos

A gestão por processos nada mais é do que uma estrutura organizacional, com interação entre áreas, voltada a processos (conjunto de atividades e comportamentos, executados por humanos ou máquinas, visando a alcançar um ou mais resultados), em que se busca, conjuntamente, a obtenção dos melhores resultados, atendendo-se a todas as necessidades dos clientes, com a redução de tempo e custos, visando, ainda, ao aprimoramento contínuo do todo.

O professor José Osvaldo de Sordi - além de precisar a tênue, mas relevante, diferença conceitual entre gestão de processos e gestão por processos ("a gestão de processos se apresenta com uma abrangência muito reduzida em comparação com a gestão por processos; esta, uma abordagem administrativa, aquela, um estilo de organização e gerenciamento da operação de empresas") - explica ainda que:

"Ao contrário das empresas convencionais, projetadas em função de uma visão voltada para a própria realidade interna, sendo centradas em si mesma, as empresas organizadas e gerenciadas por meio de processos de negócios priorizam o cliente final por meio da valorização do trabalho em equipe, da cooperação e da responsabilidade individual. Para alcançar essa proposição, a gestão por processos atua principalmente na redução de interferências e de perdas decorrente de interfaces entre organizações, áreas funcionais e entre níveis hierárquicos, principais problemas da gestão funcional."[3]

A visão por processos, direcionada horizontalmente pela integração de múltiplas competências e focada na constante geração de valor aos clientes, contrapõe-se à tradicional gestão funcional, estruturada verticalmente e fragmentada em áreas para desempenho dos trabalhos específicos. As diferenças entre as alternativas de estruturas organizacionais, desde aquela noção departamentalizada, com priorização das áreas funcionais, até a desejada visão horizontal, com foco nos processos gerenciais, ficam claras nesta ilustração abaixo (Figura 1):

Quando se fala em gestão por processos aplicada a uma entidade, para que esta seja - e permaneça - estruturada, organizada, mensurada e gerenciada em torno de seus processos, destaca-se, atualmente, a abordagem Business Process Management - BPM, a qual é definida assim pelo BPM CBOK:

"Gerenciamento de Processos de Negócio (BPM - Business Process Management) é uma disciplina gerencial que integra estratégias e objetivos de uma organização com expectativas e necessidades de clientes, por meio do foco em processos ponta a ponta. BPM engloba estratégias, objetivos, cultura, estruturas organizacionais, papéis, políticas, métodos e tecnologias para analisar, desenhar, implementar, gerenciar desempenho, transformar e estabelecer a governança de processos."[4]

Cabe asseverar que, tal qual o já difundido Ciclo PDCA (Plan/Do/Check/Act), a gestão de processos de negócios exige das organizações comprometimento permanente e contínuo, a fim de que os processos estejam sempre alinhados com a estratégia organizacional.

Em que pese não seja o propósito do BPM CBOK prescrever ou determinar um ciclo de vida para os processos de negócios, até porque a literatura utiliza incontáveis classificações para descrever as variadas fases, ele traz esta sequência: Planejamento -» Análise -» Desenho -» Implementação -» Monitoramento & Controle -» Refinamento -» Planejamento.[5]

Gize-se que, em cada uma das fases do BPM, há uma série de atividades a serem desenvolvidas, a critério dos gestores, com a ressalva de que nada impede a realização das tarefas de forma concomitante ou, até mesmo, fora de ordem.

Para Andréa Magalhães[6], que adota diferente taxonomia, o Ciclo BPM engloba seis fases, assim classificadas: 1) projeto, cujo objetivo é planejar o que se realizará, com a definição de método, metamodelo, notação e ferramenta que serão usadas no ciclo; 2) modelagem, que busca levantar, mapear e validar a situação atual (as-is) dos processos; 3) simulação, que objetiva testar os processos, com base em medidas de desempenho, para verificar se estão sendo executados da maneira prevista, ou se estão ocorrendo possíveis filas e/ou gargalos; 4) execução, que visa automatizar, implantar e institucionalizar os processos de negócio; 5) monitoramento, quando há o acompanhamento dos processos, através de indicadores de desempenhos, para aferir eventuais desvios; e 6) melhoria, que objetiva avaliar criticamente a situação atual (as-is) dos processos, propor melhorias e projetar novos processos futuros (to-be).

Os processos de negócio podem ser divididos em: primários, que são os essenciais/finalísticos, consubstanciadores das atividades mais importantes que a organização executa para cumprir sua missão principal; de suporte: que existem, como o nome sugere, para prover suporte aos processos primários, podendo servir, ainda, para sustentação de outros processos de suporte; e de gerenciamento: que intentam medir, monitorar, controlar, melhorar e administrar as atividades, continuamente, com foco no presente e no futuro dos negócios.

Enquanto os processos primários se destinam a entregar valor aos clientes da organização, os processos de suporte miram precipuamente a entrega de valor para outros processos. Já os processos de gerenciamento, a despeito de também não gerarem valor diretamente aos clientes, são imprescindíveis para garantir que a organização opere de maneira adequada, seguindo objetivos e metas de desempenho.

A orientação por processos exige e faz surgir novos papéis dentro da organização, especialmente no início de sua implementação, no escopo de que seja executada e viabilizada a desejada transformação, com destaque para as seguintes figuras: patrocinador, essencial para iniciativas de BPM, pois, além de unificar os vários interesses e grupos existentes na organização, determina a direção e estratégia do gerenciamento de processos para sua institucionalização, criando ambiente de sucesso e inspirando mudanças organizacionais; dono do processo, que é a pessoa ou grupo de pessoas, normalmente de nível executivo, responsável, de ponta a ponta, por desenhar, executar e desempenhar um ou mais processos de negócio; e gerente de processos, que, normalmente vinculado ao dono, "coordena e gerencia o desempenho dos processos no dia a dia e lidera iniciativas de transformação de processos"[7].

Vale registrar, também, que, quando questões relacionadas à integração de processos começam a vir à tona, haja vista a necessidade de viabilizar que vários processos operem conjuntamente para assegurarem efetiva entrega de valor aos clientes, mostra-se proveitoso criar e eleger organismos de governança, a exemplo do Conselho de BPM, que, composto por líderes executivos e funcionais, além dos donos do processo, serve substancialmente para, em nível corporativo, identificar e resolver problemas de integração interfuncional e de conflitos relativos a processos, alocação de recursos e estratégias organizacionais; e Comitê de Processos, que constitui ambiente propício para que os gerentes de processos possam negociar divergências, resolver conflitos e estabelecer prioridade com os gestores funcionais.

Destaca-se a existência, ainda, dos escritórios de processos, também conhecidos como núcleos ou áreas de processos ou, ainda, centros de excelência, que podem se confundir com a figura do dono do processo, sendo que, conforme preconiza o BPM CBOK:

"Desempenham um papel fundamental na definição de prioridade e alocação de recursos para os esforços de transformação de processos e são fundamentais nos esforços de aumento de maturidade em processo por meio da padronização do uso de metodologias e tecnologias. Podem, adicionalmente, elaborar reportes de desempenho de processo na ausência de gerentes de processos para respectivos donos de processos e liderança executiva. Um escritório de processos é importante para prover uma abordagem consistente, por meio da criação de políticas e normas para processos e trabalhar com as áreas da organização, para coordenar os padrões e evitar sobreposição, conflitos e falta de clareza. A necessidade de concentrar o conhecimento sobre gerenciamento de processo se tornará evidente em algum momento da evolução da organização para a orientação por processo, uma perspectiva que permite a gestores e membros de equipe olhar o processo ponta a ponta."[8]

É necessário deixar claro que o termo "negócio", oriundo da tradução da expressão em inglês Business Process Management, não se restringe a transação comercial ou outra atividade de troca, compra e venda. Na verdade, como bem explica o BPM CBOK, no contexto da gestão de processos, tal termo "refere-se a pessoas que interagem para executar um conjunto de atividades de entrega de valor para os clientes e gerar retorno às partes interessadas. Negócio abrange todos os tipos de organizações com ou sem fins lucrativos, públicas ou privadas, de qualquer porte e segmento de negócio."[9]

Impõe-se esclarecer, ainda, que todas as organizações, incluindo governamentais, existem com o propósito final de agregar valor às pessoas, através de produtos ou serviços, sendo neste sentido o emprego da terminologia "cliente", mesmo quando se está a analisar uma entidade pública que não estabelece relações comerciais com os destinatários de seus esforços.

Com efeito, a adoção das melhores práticas da Administração pode - e deve - ser ampliada a todo o Poder Público, a fim de torná-lo mais eficiente, sobretudo nos tempos hodiernos de crise fiscal, financeira e orçamentária, com manifesta escassez de recursos públicos.

Por fim, importa registrar que, no ano de 2015, foi realizada uma pesquisa nacional em gerenciamento de processos de negócios, publicada pela Revista BPM Global Tends[10], ocasião em que se apurou que, do total de profissionais que utilizavam o BPM, 20% (vinte por cento) deles pertenciam a organizações ligadas ao setor público, demonstrando que, gradativamente, essa disciplina vem ganhando terreno junto à Administração Pública.

2.2. Ministério Público e Business Process Management

No âmbito do Ministério Público brasileiro, verifica-se que, de uns anos para cá, suas Instituições também passaram a buscar, cada vez mais, aperfeiçoamento gerencial especializado, tanto em relação às atividades-meio como no tocante às atividades-fim.

Os órgão de Administração Superior do Ministério Público, atentos à importância e necessidade de prestação de serviços de qualidade e com celeridade à população, mesmo com as limitações inerentes à tradicionalmente burocrática gestão pública, vêm pesquisando meios de tornar as atividades ministeriais mais eficientes.

Nessa linha, o Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, além de há anos reconhecer e adotar o planejamento estratégico como relevante instrumento de gestão para suas organizações (Resolução n.º 147/2016), ainda vêm, de fato, implementando a gestão por processos em sua estrutura organizacional, disponibilizando, inclusive, dentro de um didático organograma visualizável em seu sítio eletrônico, fluxos de trabalho desenvolvidos pelos variados setores daquele órgão.[11] Consta lá ainda esta explicação da metodologia utilizada:

"Entende-se por processo, todo e qualquer conjunto de atividades correlacionadas, desenvolvidas com o objetivo de gerar resultados (claramente definidos) à organização, com um início e fim determinados. Essas atividades se relacionam por um ordenamento lógico, e são utilizadas para transformar entradas (insumos ou inputs) em saídas (resultados ou outputs), buscando o alcance da meta ou objetivo relacionados ao seu processo de trabalho. De uma forma simplificada, o processo pode ser considerado como aquelas atividades de rotina, desempenhadas por cada setor da instituição, descrito por uma sequência de passos que destacam o que e como devem ser realizadas cada uma de suas atividades. A gestão por processos pressupõe que os processos não são apenas identificados, com as suas atividades destacadas, mas que a organização atue em sua gestão, utilizando-se os processos de trabalho mapeados, atribuindo indicadores de desempenho para que possa avaliar o andamento de seus processos e propor melhorias ao funcionamento de cada um deles, e, por consequência, da instituição como um todo. Nesse contexto, o Conselho Nacional do Ministério Público tem avançado bastante no sentido de se implementar uma gestão por processos efetiva na instituição, tendo desenvolvido uma metodologia própria para o direcionamento das atividades de mapeamento e gestão, divulgando e aplicando-a em todas as suas unidades administrativas e finalísticas."

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Já se percebeu que, para conseguir exercer fielmente e tempestivamente seu árduo papel constitucional, máxime nos exigentes tempos atuais, com efetiva entrega de resultados à sociedade brasileira, o Parquet como um todo, além de se pautar em planejamento estratégico, precisa, efetivamente, implementar e institucionalizar pertinentes práticas gerenciais, a exemplo da gestão de processos, especialmente nos atribulados órgãos de execução (onde se concentra a maior parte dos serviços prestados de forma direta à população).

Nessa toada, em virtude de patrocínios gerenciais promovidos pelos órgãos superiores, e diante da determinação para que os ramos do Ministério Público envidem esforços para mapear seus processos (art. 14, § 3º, da Resolução n.º 147/2016-CNMP), interessantes métodos de trabalho, como o Business Process Management - BPM, na prática, têm ganhado cada vez mais espaço no ambiente institucional.

A título de exemplo, o Ministério Público do Estado do Paraná - MP/PR tem utilizado ferramentas de BPM para levantar, mapear e modelar fluxogramas de trabalho. Disponibilizou o MP das Araucárias, em sua página virtual[12], diversos desenhos de procedimentos institucionais finalísticos e de procedimentos de apoio finalísticos, que evidenciam as rotinas laborais já executadas e norteiam as atividades a serem desenvolvidas pelos integrantes das unidades.

De igual modo, o Ministério Público do Estado do Mato Grosso - MP/MT, além de já ter criado seu escritório de processos e assentado sua cadeia de valor, ambos em permanente aperfeiçoamento, também disponibilizou mapeamentos organizacionais finalísticos e de apoio em seu portal eletrônico.[13]

Sem a menor pretensão de esgotar os inúmeros e inspiradores exemplos, pode-se citar, ainda, a existência, em variados níveis de evolução, de virtuosas iniciativas nos Ministérios Públicos de Alagoas - MP/AL[14], São Paulo - MP/SP[15], Goiás - MP/GO[16], Santa Catarina - MP/SC[17], Pernambuco - MP/PE[18], Mato Grosso do Sul - MP/MS[19], Paraíba - MP/PB[20], Rondônia - MP/RO[21], Sergipe - MP/SE[22], Minas Gerais - MP/MG[23], Bahia - MP/BA[24], Rio de Janeiro - MP/RJ[25], Rio Grande do Sul - MP/RS[26], Amapá - MP/AP[27], Espírito Santo - MP/ES[28], Ceará - MP/CE[29], Rio Grande do Norte - MP/RN[30], Piauí - MP/PI[31], Tocantins - MP/TO[32], Maranhão - MP/MA[33], Distrito Federal e Territórios - MP/DFT[34], bem como no Ministério Público Federal - MPF[35], o qual apresenta avançado nível de maturidade em seus processos, com estabelecimento de cadeia de valor, arquitetura de processos e metodologia da gestão.

Bem se vê, há um notável esforço institucional para assimilar as diretrizes e boas práticas atinentes à gestão por processos, a fim de que as unidades ministeriais possam realmente ficar não só mais produtivas, mas cada vez mais eficientes, sobretudo para que sejam oferecidos e garantidos à sociedade brasileira serviços públicos com presteza e agilidade.

Sucede que o simples fato de um Ministério Público incorporar ou passar a considerar a gestão de processos em seus ambientes institucionais, por óbvio, não torna toda a imensa e complexa atuação ministerial automaticamente mais eficiente.

Na realidade, existem incontáveis desafios, e em todas as fases do Ciclo BPM, para a efetiva implementação - e ideal institucionalização como parte da cultura organizacional - de uma adequada gestão por processos nos órgãos ministeriais.

Diante do tamanho e da complexidade do Ministério Público, bem como das peculiaridades de cada uma das unidades ministeriais (de administração, apoio ou execução) existentes neste país continental, não é de se estranhar que, em cada uma das etapas, surjam dificuldades capazes de turbar, ou até mesmo obstar, a realização da adequada gestão por processos.

Se não bastasse a infinidade de processos (primários, de suporte e de gerenciamento) a serem identificados - bem como levantados, mapeados, modelados e validados - no âmbito de cada Parquet, e em todos seus níveis e repartições, há também uma variedade de maneiras como eles são executados na prática, sendo que a capilaridade do Ministério Público, notadamente dos Estaduais, apesar de constituir relevante proximidade com os cidadãos, interfere na pronta realização e no acompanhamento dos trabalhos pela unidade responsável, no âmbito de cada Instituição, pela exploração dos processos organizacionais.

O próprio planejamento ou projeto pode se transformar num empecilho prefacial, pois, diante de tantos afazeres - muitos deles relevantes e urgentes - a serem executados pela equipe de processos, torna-se um grande desafio, máxime sem o completo conhecimento da causa que se está a inaugurar, eleger quais unidades e quais processos serão primeiramente escolhidos pelo escritório de processos. E essa difícil decisão, além de indicar, de forma antecipada, as prioridades institucionais, podendo frustrar outros interessados na experiência, ainda direciona todo o trabalho que se inicia.

Enfim, se, por um lado, a gestão de processos é de extrema importância para os órgãos ministeriais, sobretudo aos de execução, para que consigam entregar, a tempo e com qualidade, relevantes serviços à população, certo é que, por outro, a efetiva implantação da iniciativa, em todas as unidades do MP, revela-se de colossal dificuldade.

 

3. PARTE ESPECIAL

Demonstrada a relevância da gestão por processos para o Ministério Público brasileiro e apresentada a árdua jornada para sua institucionalização, mesmo com louvável amparo institucional, indaga-se aos valorosos colegas do Parquet: cabe à classe envidar esforços para fortalecer e viabilizar a iniciativa? A resposta mais adequada, sob a ótica do melhor interesse público e institucional, parece ser afirmativa, pelas razões que se passa a apresentar.

3.1. Atual Contexto da Atuação Finalística

De plano, tem-se que o atual contexto no qual se insere a atuação finalística, sobretudo em primeira instância, exige a imediata adoção de medidas institucionais que, efetivamente, permitam aos órgãos de execução exercer, com regularidade, suas funções - as quais, conforme se demonstrará abaixo, têm ficado cada vez mais intensas, complexas e extenuantes.

Pois bem. Os órgãos de execução do Ministério Público tupiniquim enfrentam, de uns anos para cá, um crescente, vertiginoso e expressivo aumento no volume de trabalho.

Conforme dados do CNMP[36], obtidos a partir de relatórios mensais de atuação funcional (Resolução n.º 74/2011), as unidades dos Ministérios Públicos Estaduais de todo o país e do Distrito Federal, em 2014, receberam o total de 12.201.660 (doze milhões, duzentos e um mil, seiscentos e sessenta) feitos de natureza penal, sendo: 6.001.372 (seis milhões, um mil, trezentos e setenta e dois) de inquéritos policiais; 2.733.594 (dois milhões, setecentos e trinta e três mil, quinhentos e noventa e quatro) de termos circunstanciados; e 3.466.694 (três milhões, quatrocentos e sessenta e seis mil, seiscentos e noventa e quatro) de ações penais.

No último levantamento realizado sob a mesma sistemática pelo CNMP (que se refere ao ano de 2018), apurou-se que a quantidade de feitos criminais recepcionados pelos aludidos órgãos totalizou 17.972.945 (dezessete milhões, novecentos e setenta e dois mil, novecentos e quarenta e cinco), sendo: 7.563.773 (sete milhões, quinhentos e sessenta e três mil, setecentos e setenta e três) de inquéritos policiais; 3.257.566 (três milhões, duzentos e cinquenta e sete mil, quinhentos e sessenta e seis) de termos circunstanciados; e 7.151.606 (sete milhões, cento e cinquenta e um mil, seiscentos e seis) de processos criminais.

Como se vê, em apenas cinco anos, houve um aumento expressivo de demandas criminais, mais precisamente de 47,30 % (quarenta e sete inteiros e trinta centésimos por cento).

Na área cível, também se notou crescente aumento na quantia anual de feitos recepcionados pelas unidades dos MP dos Estados e do DF. Em 2014, o total de processos cíveis recebidos foi de 4.520.912 (quatro milhões, quinhentos e vinte mil, novecentos e doze); em 2018, o montante alcançou 5.390.217 (cinco milhões, trezentos e noventa mil, duzentos e dezessete); já em 2019, tal soma chegou a 7.608.004 (sete milhões, seiscentos e oito mil, quatro).

Lado outro, por conta de inúmeros e até justificáveis motivos, das mais variadas ordens, não se tem verificado proporcional aumento da força laboral - na quantidade de servidores efetivos e membros - para fazer frente a esse crescente aumento de demandas.

Quanto aos servidores de carreira, depreende-se que: em 2014, os Ministérios Públicos dos Estados e do DF, somados, tinham 20.906 (vinte mil, novecentos e seis) cargos providos; em 2019, passaram a ter 22.899 (vinte e dois mil, oitocentos e noventa e nove) colaboradores concursados - o que representa aumento de apenas 9,53 % (nove inteiros e cinquenta e três centésimos por cento). Em relação a membros, em 2014, havia 10.370 (dez mil, trezentos e setenta) cargos providos de Promotores e Procuradores, tendo esse número subido, em 2019, para 10.549 (dez mil, quinhentos e quarenta e nove) - o que corresponde, pasme-se, a um aumento que não chega a 1,73% (um inteiro e setenta e três centésimos por cento)![37]

Conforme evidencia a série histórica atinente ao total de membros e servidores providos, abaixo (Figura 2), houve estagnação do capital humano do Parquet (e sem qualquer perspectiva de retomada de seu crescimento, à luz do cenário político, social e econômico).

 

 

Além disso, as atividades ministeriais, retratando o mundo moderno, passaram a ficar cada vez mais intricadas, com advento de novas rotinas e formas de trabalho, a exemplo da digitalização de processos, inquéritos e procedimentos; da implantação de novos sistemas e ferramentas funcionais; da necessidade de registro de informações e alimentação de bancos de dados; além do surgimento de novas legislações e da superveniência de outras atribuições, tais como participação em audiências de custódias, execução das penas de multa e negociação de acordos de não persecução penal e de não persecução cível.

Ademais, notadamente em razão das mudanças impostas pela penosa pandemia do Covid-19, com a repentina transformação de atividades até então físicas em teletrabalho (que, a despeito de ser plenamente viável, requer aperfeiçoamentos), os órgãos de execução, especialmente os membros do Parquet, passaram a ter que cumprir, sem possibilidade de delegação, novas tarefas no seu dia a dia, inclusive em plataformas virtuais sem tanta familiaridade e flexibilidade, de modo que acabou ocorrendo uma concentração de afazeres rotineiros no já demandado agente ministerial, sobretudo mediante a imposição de identificação, acesso, validação e, ainda, coordenação de atividades de entrada, tramitação e/ou saída das demandas.

Enfim, a atual conjuntura relativa à atuação finalística do Parquet, sem dúvidas, merece a atenção de todos, desde os integrantes das altas cúpulas até os colegas de instância singela - os quais, na prática, além de efetivamente atenderem à população e prestarem diretamente os serviços exigidos pela sociedade, acabam responsáveis pelas Promotorias, inclusive no tocante à gestão da equipe, coordenação dos trabalhos e entrega dos resultados de sua atuação.

Pode-se dizer, até mesmo, que a busca por soluções para essa hodierna realidade deve ser encarada como questão de sobrevivência institucional, na medida em que o crescente aumento de afazeres nas unidades sem incremento da força laboral, além de prejudicar, por óbvio, o desempenho dos órgãos de execução, com potencial de frustrar legítimas expectativas das partes interessadas, ainda tem afetado sobremaneira o pleno exercício de uma fundamental atuação estratégica do MP.

Explica-se: seja pela mencionada grande carga laboral, seja pela falta de tempo que ela ocasiona aos integrantes das unidades ministeriais, o fato é que a atuação extrajudicial e resolutiva do Parquet, sobretudo em inquéritos civis e procedimentos preparatórios (que, como se sabe, têm natureza eminentemente coletiva e preventiva), tem ficado em segundo plano.

Os dados do CNMP evidenciam uma gradual redução da atividade de investigação extrajudicial pelos Ministérios Públicos Estaduais e do DF. Veja-se a tabela a seguir (Figura 3).

Essa essencial atuação ministerial - voltada a evitar lesões a bens jurídicos e a resolver macroproblemas (dos quais, aliás, muitas demandas individuais são originadas); que consubstancia a festejada tutela coletiva e social (em que há inteligente concentração de esforços, com espeque de potencializar resultados) - constitui, com acerto, atuação estratégica do Ministério Público, tal como expressamente prevê a Recomendação n.º 54/2017-CNMP (que dispõe sobre a Polícia Nacional de Fomento à Atuação Resolutiva do Ministério Público Brasileiro).

Não por outro motivo que o Mapa Estratégico Nacional 2020-2029 do CNMP, além de eleger como, valores institucionais do MP, resolutividade, transparência, proatividade, inovação e cooperação, assentou ainda como visão: "Ser uma instituição com atuação resolutiva na defesa da sociedade, no combate à corrupção e criminalidade e na garantia da implementação de políticas públicas."[38]

Bem se vê, é realmente urgente a necessidade de adoção de medidas institucionais que permitam aos colegas enfrentar, de forma eficiente, o elevado volume de trabalho ordinário, o qual cresce a cada ano, máxime para que as Promotorias de Justiça consigam dispor de tempo e outros valiosos recursos para lançar mão da estratégica atuação coletiva e preventiva.

Propiciar condições favoráveis para que membros e demais colaboradores do MP possam bem desempenhar suas desafiadoras funções não apenas traz benefícios imediatos às respectivas Instituições e aos cidadãos por elas atendidos, como favorece à criação e manutenção de um ambiente de trabalho organizado, funcionante, saudável e motivador, com a observância de que, em razão de alarmantes dados coletados, a atenção à saúde mental de membros e servidores do Parquet é agora um dos objetivos fundamentais do Plano Diretor estabelecido pela Comissão da Saúde do CNMP para o biênio 2020/2021[39].

Portanto, os órgãos do Ministério Público, sobretudo as Promotorias de Justiça, precisam e dependem, mais do que nunca, de ferramentas e engenharias de trabalho que lhes permitam exercer suas funções de maneira fiel, regular e tempestiva.

Nesse contexto, a gestão de processos, além de ensejar melhor organização e distribuição de atividades entre os integrantes de cada equipe, facilitando inclusive a automação de tarefas estritamente repetitivas, contribui para obtenção de maior eficiência das unidades ministeriais, permitindo que recepcionem, processem e devolvam, com racionalidade, as demandas judiciais e/ou extrajudiciais cotidianamente recebidas e, com isso, disponham de tempo e outros preciosos recursos para execução das estratégias institucionais de caráter preventivo/coletivo, visando à verdadeira transformação e melhoria da realidade social.

3.2. Eficiência como Fundamento Constitucional

Não bastasse ser premente a procura institucional por soluções para o problema acima apresentado, é de se ressaltar que as buscas, adoções e implantações de novas perspectivas gerenciais, máxime quando seus bônus se revelam superiores aos ônus, estão em total consonância com a orientação constitucional.

A Constituição Federal, em seu art. 37, caput, impõe a toda Administração Pública a observância ao princípio da eficiência, assim explicado por José dos Santos Carvalho Filho:

"O núcleo do princípio é a procura de produtividade e economicidade e, o que é mais importante, a exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro público, o que impõe a execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional. Há vários aspectos a serem considerados dentro do princípio, como a produtividade e economicidade, qualidade, celeridade e presteza e desburocratização e flexibilização (...). Vale a pena observar, entretanto, que o princípio da eficiência não alcança apenas os serviços públicos prestados diretamente à coletividade. Ao contrário, deve ser observado também em relação aos serviços administrativos internos das pessoas federativas e das pessoas a elas vinculadas. Significa que a Administração deve recorrer à moderna tecnologia e aos métodos hoje adotados para obter qualidade total da execução das atividades a seu cargo, criando, inclusive, novo organograma em que se destaquem as funções gerenciais e a competência dos agentes que devem exercê-las. Tais objetivos é que ensejaram as recentes ideais a respeito da administração gerencial nos Estados modernos (public management), segundo a qual se faz necessário identificar uma gerência pública compatível com as necessidades comuns da Administração, sem prejuízo para o interesse público que impele toda a atividade administrativa (...)".[40]

Destaca-se que tal princípio, não constante na redação original de 1988, foi acrescentado à Carta Magna pela Emenda Constitucional 19/1998, objetivando, segundo sua exposição de motivos[41], "incorporar a dimensão da eficiência na administração pública: o aparelho de Estado deverá se revelar apto a gerar mais benefícios, na forma de prestação de serviços à sociedade, com os recursos disponíveis, em respeito ao cidadão contribuinte."

De acordo ainda com o constituinte reformador, elevar a eficiência a patamar constitucional "não esgota a reforma administrativa, mas representa etapa imprescindível ao seu sucesso, promovendo a atualização de normas, concomitante à remoção de constrangimentos legais que hoje entravam a implantação de novos princípios, modelos e técnicas de gestão", uma vez que:

"No difícil contexto do retorno a democracia, que em nosso país foi simultâneo a crise financeira do Estado, a Constituição de 1988 corporificou uma concepção de administração pública verticalizada, hierárquica, rígida, que favoreceu a proliferação de controles muitas vezes desnecessários. Cumpre agora, reavaliar algumas das opções e modelos adotados, assimilando novos conceitos que reorientem a ação estatal em direção a eficiência e à qualidade dos serviços prestados ao cidadão. A revisão de dispositivos constitucionais e inúmeras outras mudanças na esfera jurídico-legal que a acompanharão, estão direcionadas para o delineamento de condições propicias a implementação de novos formatos organizacionais e institucionais, a revisão de rotinas e procedimentos e à substituição dos controles formais pela avaliação permanente de resultados."

Não custa rememorar que tal norma também se aplica ao Ministério Público. Aliás, no tocante ao Parquet, a fiel observância ao referido princípio ganha especial relevância, diante de seu papel de ombudsman ("agente público que recebe reclamações, inspeciona e controla uma instituição ou governo")[42], visto que, nos termos do art. 129, II, constitui função institucional sua, dentre outras: "zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia."

Significa dizer que, no exercício da função fiscalizatória, cabe ao MP exigir dos agentes públicos que atuem não só de forma escorreita, mas de maneira eficaz, eficiente e efetiva em seus misteres, a fim de que os serviços sejam executados com presteza, qualidade e rendimento funcional. Mais razão ainda, pois, para que os agentes ministeriais, ao desempenharem papéis de gestores, atentem-se à eficiência administrativa.

A própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo que "A Administração Pública, pautada pelo dever de eficiência (art. 37, caput, da Constituição), deve empregar as soluções de mercado adequadas à prestação de serviços de excelência à população com os recursos disponíveis (...)."[43]

Por essa razão, o Ministério Público, máxime em face do hodierno contexto de imperiosa preservação de recursos públicos, deve mesmo pensar, buscar, criar ou adotar, bem como implementar, métodos de trabalho condizentes com a proposta de tornar mais eficiente a atividade ministerial, como é o caso da regência por processos.

Na prática, a gestão de processos proporciona às Promotorias de Justiça, mesmo às já especializadas, maior produtividade e economicidade, a ponto de conseguirem, concretizando o princípio em estudo, fazer mais com menos, sem prejudicar, com isso, a qualidade, o zelo e a presteza que se espera da atuação ministerial.

3.3. Viabilidade Democrática da Institucionalização

Demonstrado que a visão por processos no Ministério Público é legítima, tem respaldo institucional e vai ao encontro de necessidades atuais das unidades ministeriais, sobretudo dos sobrecarregados órgãos de execução de primeiro grau, subsiste discorrer sobre a importância dos colegas encamparem a ideia e fortalecerem essa iniciativa, objetivando colocá-la em prática e, gradualmente, transformá-la em realidade nas Promotorias de Justiça de todo o Brasil.

Conforme adiantado anteriormente, não obstante a gestão de processos seja realmente pertinente e positiva para bem direcionar os rumos do Ministério Público brasileiro, tornando a atuação ministerial muito mais eficiente, não se pode olvidar que há inúmeros desafios para sua efetiva e adequada implantação nas Instituições, sobretudo nos órgãos de execução - onde a grande maioria dos inúmeros serviços ministeriais são, de fato, prestados à população.

A dimensão e complexidade do MP pátrio, as particularidades de cada uma das unidades existentes e a incontável quantidade de rotinas laborais, referentes a atividades-meio e atividades-fim, por elas executadas na prática (a serem identificadas, mapeadas, modeladas, analisadas, aperfeiçoadas, implementadas e acompanhadas), sem dúvida, agigantam a missão das pessoas responsáveis, no âmbito de cada Instituição, pela gestão dos processos.

Some-se a tudo isso, ainda, o fato de que, não raras vezes, durante o próprio processo de implantação do BPM num determinado órgão ministerial, aparecem novidades legislativas, administrativas, jurisprudenciais ou, até mesmo, circunstanciais que acabam interferindo diretamente na forma como as atividades lá são (ou serão) desempenhadas, causando retrocessos ao trabalho que estava sendo desenvolvido pelo núcleo de processos.

Abstrai-se ainda o fato de que, embora a grande maioria das inovações decorra de nobres propósitos republicanos, há evidentemente interesses escusos (não raras vezes travestidos de legítimos) que intentam, das mais variadas maneiras, inclusive sob viés político/legislativo, obstar a existência de um Ministério Público forte, atuante e com aumento de performance.

Além de cada órgão ministerial possuir suas particularidades, cada qual com rotinas de trabalho legitimamente diferentes, certo é que, sem a efetiva participação e sem o compromisso dos membros responsáveis pelas unidades, não se tem sequer garantias de que eventual êxito em rapidamente se levantar, mapear e modelar os pertinentes processos de trabalho resultará em substanciais melhorias, as quais necessitam ser produzidas, edificadas, compreendidas, implementadas, supervisionadas e constantemente aperfeiçoadas.

A própria identificação das prioridades locais, para a especificação do escopo do BPM a ser explorado junto à Promotoria de Justiça, requer a participação do agente ministerial, pois ele, além de conhecer a realidade de sua Comarca, podendo indicar como a gestão de processos poderá agregar mais valor àquela comunidade em específico, ainda dispõe de experiência prática para dizer, dentro de sua unidade, quais rotinas de trabalho, dentre todas aquelas lá desenvolvidas, merecem ser priorizadas pelo escritório de processos.

E mais: na fase de melhoria, não bastasse a própria implantação das soluções depender estritamente dos Promotores de Justiça (seja como executores de atividades, seja na condição de líderes, chefes ou supervisores de quem as executam), tem-se também que, em virtude de seu vasto conhecimento de causa, os colegas podem contribuir diretamente com ideias para que os problemas identificados sejam efetivamente resolvidos, bem como têm plena capacidade para auxiliar na avaliação de impacto, urgência e exequibilidade das demais sugestões levantadas para o aperfeiçoamento dos fluxos laborais.

Uma vez que a Constituição da República, em seu art. 127, § 1º, assegura, corretamente, a independência funcional aos órgãos do MP que estão no exercício de suas funções, desvinculando-os de eventuais ordens dos superiores hierárquicos, "ficando a hierarquia interna adstrita a questões de caráter administrativo"[44], de modo que "seus integrantes só devem dar satisfações funcionais à Constituição, às leis e ao bom senso"[45], é de se concluir que o engajamento dos agentes ministeriais, em especial, é imprescindível para o sucesso do projeto em suas unidades de atuação.

Ante essa intocável característica democrática do Ministério Público, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como "uma das mais expressivas prerrogativas político-jurídicas do Parquet, na medida em que lhe assegura o desempenho em toda a sua plenitude e extensão, das atribuições a ele conferidas"[46], tem-se que a institucionalização da disciplina de BPM, na prática, de modo a alcançar as demandadas Promotorias de Justiça, só se viabiliza mesmo com a adesão dos colegas.

Sobreleva lembrar que essa autonomia conferida ao Parquet, que traduz "a liberdade que cada um de seus membros tem de exercer suas funções em face de outros órgãos ou de agentes da mesma instituição"[47], serve não só para preservar o agente ministerial como a própria coletividade, convivendo harmonicamente com os princípios institucionais da unidade e da indivisibilidade.

Diferentemente do que acontece em outras organizações, principalmente empresariais, em que a implementação do BPM pode se dar através da abordagem denominada top-down (de cima para baixo), especificamente no caso do Ministério Público, cuja razão de existir é a própria democracia, não se mostra legítima, nem adequada, para ou durante a execução do projeto, o uso da estrutura organizacional hierárquica com o propósito de impor essa aplicação por processos em todos os níveis organizacionais.

Conquanto parte da literatura relativa à disciplina, ao tratar da gestão de mudanças, antecipe a possibilidade de resistência dos envolvidos ao processo de transformação e, ato contínuo, preconize que o patrocinador deve intervir para superá-lo, ao argumento de que "qualquer forma de comportamento passivo ou agressivo, ou sabotagem, não pode ser tolerado e deve ser interrompido, mas com cautela para que o ambiente não sofra ruptura em sua essência"[48], no específico caso do Parquet, descabe qualquer interferência na atuação finalística de um órgão de execução.

Cumpre deixar claro que de nenhum modo se está aqui a insinuar inobservância à garantia constitucional em estudo; muito pelo contrário, a iniciativa institucional ainda se mostra incipiente, máxime quando se tem em mente a vastidão do país, e as Instituições têm demonstrado elogiável cautela e zelo em sua ampliação, podendo talvez a disseminação do assunto de forma didática junto à classe contribuir para o enriquecimento da cultura organizacional.

Acrescente-se que, embora as Promotorias de Justiça possuam algumas rotinas de trabalho passíveis de serem facilmente identificadas e mapeadas, a participação dos agentes ministeriais é essencial para o aprofundamento e detalhamento das atividades lá executadas, bem como mostra-se indispensável para o tratamento adequado dos chamados processos intensivos em conhecimento, frequentes na atuação finalística, valendo anotar que:

"Organizações encontram problemas em suas iniciativas de transformação em processos intensivos em conhecimento, pois normalmente é difícil capturar a dinâmica desses processos através de técnicas tradicionais de modelagem de processos. Outro problema é quando se busca padronizar processos intensivos em conhecimento correndo-se o risco de limitar em demasia a criatividade na execução do processo e reduzir a criação de valor. Portanto, é importante que os processos intensivos em conhecimento sejam corretamente identificados e tratados com técnicas adequadas para que a transformação não resulte em mais danos do que benefícios. O aumento da necessidade por um melhor tratamento de processos intensivos em conhecimento tem estimulado o surgimento de abordagens especializadas, tais como processos declarativos centrados em objetos e gerenciamento adaptativo de caso."[49]

Neste ponto, cabe ressaltar que, dentre as infinitas atividades funcionais desenvolvidas pelos membros do Ministério Público nos mais variados processos de trabalho em que participam, há inquestionavelmente, sobretudo no tocante à atuação finalística, aquelas que se mostram de difícil/impossível planejamento, ostentam múltiplas variáveis a serem sopesadas e, assim, impossibilitam estabelecimento de padrões e sistematizações, na medida em que são guiadas pelo cenário contextual em que inseridas e, com isso, podem/devem ser alteradas durante a execução do processo (on the fly, during execution time).

Esses processos centrados em pessoas (human centric), notadamente em seus conhecimentos especializados (e, até mesmo, criativos), diante de sua ampla flexibilidade, da necessidade de adaptação dinâmica e da inviabilidade de pronta automação, torna ainda mais indispensável a participação dos agentes ministeriais em todo o curso da gestão de processos.

A adesão dos membros do Ministério Público a essa transformação organizacional traz inúmeros benefícios para a melhoria dos processos, pois suas experiências, óticas e contribuições, com diferenciado valor agregado, enriquecem, de maneira única, todo o Ciclo BPM, especialmente a fase de aperfeiçoamento dos processos das unidades, inclusive com significativo incremento da capacidade resolutiva do grupo para gerar alternativas nos casos concretos.

Aliás, tendo em vista a constatação, cada vez mais evidente, de que os processos precisam ser modelados, levando-se em conta as pessoas que os executarão e o modo como elas se relacionam entre si, bem como, ainda, ante a compreensão de que a própria modelagem pode ser preparada e desenhada de forma colaborativa, nota-se, com cada vez mais repercussão, o aparecimento de interessantes propostas práticas tendentes a uma maior colaboração e coparticipação das partes interessadas durante todo o ciclo de gerenciamento dos processos, como é o caso do Social BPM, que tem como objetivo conectar processos e pessoas e assim contribuir para promover os princípios do mundo aberto: colaboração, transparência, compartilhamento e empoderamento.[50]

Outrossim, o advento de novas tecnologias e ferramentas mais acessíveis, assim como a democratização do conhecimento gerencial, disponível praticamente a todos nos dias atuais, vêm aproximando o público em geral desse universo concernente à gestão por processos, facilitando, ainda mais, a interação das equipes de processos com os executores das atividades.

Mesmo que venham a ser utilizados os chamados métodos ágeis[51] - tais como Scrum, Kanban, Lean Software Development, Extreme Programming - para aperfeiçoamento da tradicional gestão de processos (como parece ser tendência de mercado), conferindo-lhe velocidade e aproximando-a da realidade das unidades de trabalho mais distantes, pela pronta obtenção de resultados factíveis, é inevitável, ainda assim, de forma até mais relevante, a participação dos agentes ministeriais, para que as soluções sejam adaptadas e entregues a contento.

Assim, mais do que importante, é indispensável, para viabilizar a implantação de adequada gestão por processos, que os membros do Ministério Público, na defesa e no interesse do pleno e regular exercício de suas atribuições, sobretudo nos dias de hoje, envidem esforços para compreenderem essa temática e participarem ativamente de iniciativas a ela ligadas.

 

4. CONCLUSÕES

O Ministério Público brasileiro, para exercer efetivamente suas inúmeras e exigentes atribuições, de modo a cumprir seu papel constitucional, sobretudo nos dias atuais, deve realmente buscar novos meios e métodos, incluindo práticas gerenciais pertinentes, para prestar seus relevantes serviços à população com cada vez mais qualidade e celeridade.

No hodierno contexto de escassez de recursos públicos, deve-se privilegiar, com ainda mais rigor, máxime no âmbito do Ministério Público, soluções institucionais que, com baixos custos de implementação e manutenção, propiciem significativos e consistentes retornos à sociedade, com vistas a tornar a atuação ministerial como um todo mais eficiente.

Além de elaborar e se pautar em valiosos planejamentos estratégicos, o Parquet precisa, de fato, envidar esforços para colocar em prática - especialmente nas sobrecarregadas Promotorias de Justiça (onde se concentram os mais complexos fluxos de trabalho e a maior parte dos serviços ministeriais prestados diretamente à população) - adequadas técnicas gerenciais, a exemplo da gestão de processos, disponibilizando sua aplicação participativa e facilitada aos agentes ministeriais responsáveis pelos órgãos de execução.

A gestão de processos, etapa elementar para se alcançar o status de organização orientada por processos, traz vários e importantes benefícios não só às Instituições e comunidades por elas atendidas, mas também a todas as pessoas envolvidas nas atividades realizadas pelas unidades ministeriais, cujos processos de trabalho merecem ser - dentro de ciclos de gestão de processos de negócios a serem conjuntamente projetados - identificados, mapeados, modelados, validados, executados, monitorados e constantemente aperfeiçoados.

O engajamento dos membros do Ministério Público, em especial, no sentido de aderirem efetivamente às iniciativas institucionais, mais do que fundamental, é indispensável para viabilizar a adequada implantação e institucionalização democrática da gestão por processos no MP, sendo a colaboração dos Promotores de Justiça, ainda, determinante para o sucesso do BPM em suas unidades.

 

5. REFERÊNCIAS

ABPMP. BPM CBOK: Guia para o Gerenciamento de Processos de Negócio. Corpo Comum do Conhecimento - ABPMP BPM CBOK V3.0, Association of Business Process Management Professionals, 2013.

______. Pesquisa Nacional em Gerenciamento de Processos de Negócios da ABPMP Brasil 2015. Revista ABPMP Brazil BPM Global Trends. Ano 02. 10. Ed. Disponível em: <https://issuu.com/bpmglobaltrends/docs/globaltrends_abpmp_10> Acesso em 14 jun. 2021.

ALAGOAS. Ministério Público. Escritório de Processos. Disponível em: <https://www.mpal.mp.br/planejamento-e-gestao/> Acesso em 24 jun. 2021.

AMAPÁ. Ministério Público. Planejamento Estratégico do MPAP. Disponível em: <http://www.mpap.mp.br/2013-08-28-14-49-51/planejamento-estrategico-do-mpap-programas-e-acoes-2> Acesso em 24 jun. 2021.

ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de Direito Constitucional. 9. Ed. Rev. Atual. São Paulo: Saraiva, 2005.

BAHIA. Ministério Público. Ato Normativo n. 008/2016. Institui o Sistema de Modernização e Gestão por Processos no âmbito do Ministério Público do Estado da Bahia. Disponível em: <https://www.mpba.mp.br/sites/default/files/biblioteca/gestao-administrativa/legislacao_e_normas/ato_normativo_no_008_2016_-_institui_o_sistema_de_modernizacao_e_gestao_por_processos.pdf> Acesso em 24 jun. 2021.

BECK, Kent at al. Manifesto para desenvolvimento ágil de software, 2001. Disponível em: <https://agilemanifesto.org/iso/ptbr/manifesto.html> Acesso em 18 jun 2021.

Sobre o autor
Gladyson Sadao Ishioka

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná (desde 2015). Foi Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Mato Grosso (em 2015). Exerceu cargos de Analista Judiciário e Assessor de Juiz junto ao Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul (de 2010 a 2015), bem como de Assessor Jurídico do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul (de 2009 a 2010). Possui formação em Administração pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2007) e em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco (2008). É pós-graduado, com especializações em Direito Processual Civil (2010) e em Direito Processual Penal (2018). Atualmente, cursa Master in Business Administration – MBA em Gestão de Processos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O trabalho foi escrito em junho de 2021 por GLADYSON SADAO ISHIOKA[1] e publicado originalmente no livro "Ministério Público contemporâneo e do futuro", disponível em: www.editoradplacido.com.br/ministerio-publico-contemporaneo-e-do-futuro

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