Tramita atualmente no Senado Federal o Projeto de Lei 6.204/2019, que visa a desjudicialização das execuções civis, de modo a transferir a responsabilidade, que atualmente é integral do Poder Judiciário, aos cartórios extrajudiciais de protestos.
Referido Projeto, de autoria da Senadora Soraya Thronicke, tem basicamente como justificativa o abarrotamento do Poder Judiciário e utiliza índices divulgados pelo CNJ em 2018, os quais demonstram que cerca de 17% dos processos ativos são execuções civis, dos quais apenas 14,9% atingem a satisfação, em virtude do longo tempo de tramitação.
A temática dos procedimentos extrajudiciais vem ganhando cada vez mais espaço no nosso cotidiano, a exemplo de divórcios consensuais, retificação de registro civil, até mesmo a usucapião. De fato, os procedimentos se tornam mais céleres e desafogam o Poder Judiciário.
Com relação especificamente ao objeto de discussão, ou seja, a desjudicialização da execução civil, este modelo de procedimento já é utilizado em diversos países da Europa, sem interferência do Poder Judiciário, existindo a figura do agente de execução, o qual recebe o pedido de ingresso da ação (extrajudicial) e pratica os atos pertinentes para a resolução daquele conflito, sendo que o juiz de direito só participará quando chamado para decidir questões passíveis de embargos.
No Projeto da Senadora Soraya não é diferente. Cria-se a figura do agente de execução, que será o Tabelião de Notas, pois este já é habituado com a lida dos títulos de créditos e prática de atos de protestos.
Tenha-se presente que os dispositivos contidos no PL 6.204/19 guardam semelhança com aqueles contidos no capítulo das Execuções do CPC/16, como prazo de pagamento, possibilidade de parcelamento, redução dos honorários em caso de quitação dentro do prazo e penhora de bens com a mesma ordem de preferência.
Além disso, como não poderia deixar de ser, há a previsão de que o Exequente será representado por advogado em todos os atos. Mas e o Executado? O artigo 2º do PL prevê a participação de advogado apenas para Exequente, quando deveria consignar que AS PARTES serão representadas por advogado, o que nos faz pensar que haverá alteração.
Neste diapasão, muitos dos dispositivos contidos no PL merecem atenção e ponderação, tendo em vista que poderão gerar desconforto e resistência em sua aprovação.
A exemplo disso é a questão da irrecorribilidade de decisões, contidas nos arts. 20 e 21. Vejamos:
"Art. 20. O agente de execução poderá consultar o juízo competente sobre questões relacionadas ao título exequendo e ao procedimento executivo; havendo necessidade de aplicação de medidas de força ou coerção, deverá requerer ao juízo competente para se for caso, determinar a autoridade policial competente para realizar a providência adequada.
§ 1º Nas hipóteses definidas no caput, o juiz intimará as partes para apresentar suas razões no prazo comum de 5 (cinco) dias, limitando-se ao esclarecimento das questões controvertidas, não podendo acrescentar fato ou fundamento novo.
§ 2o. A decisão que julgar a consulta a que se refere este artigo é irrecorrível. (grifei)
Art. 21. As decisões do agente de execução que forem suscetíveis de causar prejuízo às partes poderão ser impugnadas por suscitação de dúvida perante o próprio agente, no prazo de cinco (5) dias que, por sua vez, poderá reconsiderá-las no mesmo prazo.
§ 1º Caso não reconsidere a decisão, o agente de execução encaminhará a suscitação de dúvida formulada pelo interessado para o juízo competente e dará ciência à parte contrária para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentar manifestação diretamente ao juízo.
§ 2º. A decisão que julgar a suscitação a que se refere este artigo será irrecorrível." (grifei)
Podemos dizer que referidos dispositivos podem ser reconhecidos/declarados inconstitucionais, tendo em vista ser, claramente, um cerceamento de defesa e óbice ao acesso ao segundo grau de jurisdição, devendo haver alteração no CPC, para a possibilidade de interposição de Agravo de Instrumento, por exemplo.
Outra questão que merece ponderação é a concessão de poderes a esse Tabelião de Notas, pois além da prática de atos para efetivação de citação, ele poderá praticar atos constritivos de bens, com total acesso aos sistemas conveniados aos Tribunais, o que atualmente é feito apenas pelo juiz de direito.
Quanto à defesa do devedor, ou seja, a oposição de Embargos à Execução, será dirigido diretamente ao juiz e não ao Tabelião. O PL é omisso quanto à possibilidade de recorrer de eventual decisão que julgar os Embargos. Concluímos então, que teremos um procedimento misto, extrajudicial e judicial.
Ainda que seja louvável a intenção de trazer os modelos europeus de resolução de questões judiciais ao Brasil, devemos lembrar que em nosso país está enraizada a cultura do inadimplemento, de modo que, independentemente do procedimento (judicial ou extrajudicial), a satisfação do crédito seguirá pelo mesmo caminho e continuaremos com pequenos índices de extinção pelo pagamento.
Nesta toada, podemos dizer que a Desjudicialização das Execuções Civis tende a ter o mesmo sucesso dos demais procedimentos já praticados por cartórios extrajudiciais, se for bem estruturado e contar com recursos específicos suficientes ao desempenho e satisfação das ações.
Referência:
Soraya Thronicke. Senado Federal. Projeto de Lei 6204/2019 - 20/11/2019. Disponível em <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8041988&ts=1630408062443&disposition=inline>. Acesso em 26/11/2021.