GUARDA PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS:
PODE O GUARDIÃO SER O (A) BISAVÔ (Ó)?
O instituto da guarda para fins previdenciários tem respaldo no Art. 227 da Constituição Federal, que assim dispõe, verbis:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
Por sua vez, assim expressa o art. 33 da Lei 8.069, de 13.07.1990 Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. (Vide Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 1º A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros.
§ 2º Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados.
§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.
§ 4o Salvo expressa e fundamentada determinação em contrário, da autoridade judiciária competente, ou quando a medida for aplicada em preparação para adoção, o deferimento da guarda de criança ou adolescente a terceiros não impede o exercício do direito de visitas pelos pais, assim como o dever de prestar alimentos, que serão objeto de regulamentação específica, a pedido do interessado ou do Ministério Público. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009).
Os dispositivos citados pressupõem que o guardião deve ser o responsável financeiro pelo menor, além de cuidar do seu bem-estar físico e emocional. Ou seja, para fins previdenciários, a exigência é de que o menor viva às suas expensas do ex-segurado que era seu guardião na relação jurídica pré-existente e que serve de parâmetro para concessão de pensão por morte.
A pensão por morte, nessa circunstância tem o condão de garantir os interesses do menor, tendo em vista que a guarda anteriormente concedida é meio indispensável à subsistência do menor em desenvolvimento, amparando-o e não o deixando exposto à riscos nem o privando de valores essenciais à sua existência digna.
No escólio de Valter Kenji, citando França, temos que:
Guarda é o conjunto de relações jurídicas que existem entre uma pessoa e a criança ou adolescente, dimanadas do fato de estar este sob o poder ou companhia daquela, e da responsabilidade daquela em relação a este, quanto a vigilância, direção e educação (França, 1972, v. 2. t. 1:45)[1].
Hodiernamente, com respaldo jurisprudencial, a guarda é instituto que visa a resguardar os interesses do menor, fulcrada no moderno conceito de família a família eudenomista: AFETO + FELICIDADE. A família eudemonista ou afetiva significa "doutrina que admite ser a felicidade individual ou coletiva o fundamento da conduta humana moral ". (BIRMANN).
A família moderna é formada pelo valor do AFETO, em que a realização plena de seus integrantes passa a ser a razão e a justificação de existência desse núcleo. Decorrência disso é o aspecto afetivo preponderando sobre o vínculo biológico, objetivando proteger a preservação da posse do estado de filho, na relação jurídica socioafetiva. Vale dizer que o caráter instrumental da família atual deixa de ser um fim em si mesmo, passando a ser um instrumento da felicidade.
É, portanto, direito essencial de todos, crianças, adolescentes, adultos e idosos, ter uma família. Esse direito é personalíssimo, intransferível, inalienável e imprescritível (LIBERATI, 2007, p. 25).
Neste diapasão, a jurisprudência pátria sedimentou seu posicionamento, manifestando-se favorável ao entendimento de que o afeto é elemento definidor da estrutura familiar, qualquer que seja sua formação nuclear. Para melhor ilustrar, vale colacionar decisão do Superior Tribunal de Justiça, lastreada no Princípio da Efetividade:
DIREITO DE FAMÍLIA. GUARDA DE MENOR PLEITEADA POR AVÓS. POSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA ABSOLUTA DO INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE OBSERVADA.
1. É sólido o entendimento segundo qual mesmo para fins de prequestionamento, a oposição de embargos de declaração não prescinde de demonstração da existência de uma das causas listadas no art. 535 do CPC, inocorrentes, no caso.
2. No caso em exame, não se trata de pedido de guarda unicamente para fins previdenciários, que é repudiada pela jurisprudência. Ao reverso, o pedido de guarda visa à regularização de situação de fato consolidada desde o nascimento do infante (16.01.1991), situação essa qualificada pela assistência material e afetiva prestada pelos avós, como se pais fossem. Nesse passo, conforme delineado no acórdão recorrido, verifica-se uma convivência entre os autores e o menor perfeitamente apta a assegurar o seu bem estar físico e espiritual, não havendo, por outro lado, nenhum fato que sirva de empecilho ao seu pleno desenvolvimento psicológico e social.
3. Em casos como o dos autos, em que os avós pleiteiam a regularização de uma situação de fato, não se tratando de guarda previdenciária, o Estatuto da Criança e do Adolescente deve ser aplicado tendo em vista mais os princípios protetivos dos interesses da criança. Notadamente porque o art. 33 está localizado em seção intitulada Da Família Substituta, e, diante da expansão conceitual que hoje se opera sobre o termo família, não se pode afirmar que, no caso dos autos, há, verdadeiramente, uma substituição familiar.
4. O que deve balizar o conceito de família é, sobretudo, o princípio da afetividade, que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico.(STJ, REsp 945283, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, T4, j. 15.09.2009 e p. DJe de 28.09.2009). (Grifos nossos).
Em observância ao Princípio da Efetividade, abarcado pelas cortes superiores, temos que a guarda é o instituto pelo qual alguém, parente ou não, assume a responsabilidade sobre um menor. Para Venosa (2007, p. 06) a guarda: é atributo do poder familiar. Por sua vez cinge uma série de direito e deveres.
Uma vez deferida, a guarda assegura o direito de estabelecer domicílio legal, impondo deveres de responsabilidade inclusive na formação escolar e profissional do menor. Acarreta o dever de desenvolver o espírito e as atitudes sadias da criança e do adolescente, incutindo no espírito o sentido do bem, do justo e de perspectivas de se tornar um elemento útil a sociedade. (RIZZARDO, 2007, p. 569). O guardião ou a pessoa que detém a guarda passa a assumir diversos encargos de natureza educacional, material e moral, visando proporcionar à criança ou ao adolescente uma vida sadia e feliz[2].
No julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade nº 4.878 e 5.083 o STF firmou o entendimento de que o "menor sob guarda" é dependente previdenciário, caso comprovada a dependência econômica.
No julgamento da ADI nº 5083, protocolizada pelo Conselho Federal da Ordem do Brasil CFOAB, em 6 de janeiro de 2014 e que ficou sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, em suas manifestações, a Procuradoria Geral da República, se posicionou favorável a demanda. Neste diapasão, vale colacionar parte da ementa produzida no Parecer número 4.412/2015-AsJConst/SAJ/PGR:
CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º DA LEI 9.528/1997. EXCLUSÃO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE SOB GUARDA JUDICIAL DO ROL DE DEPENDENTES DO ART. 16, § 2º, DA LEI 8.213/1991. SUPRESSÃO DE DIREITO SOCIAL CONQUISTADO PELA POPULAÇÃO INFANTOJUVENIL. MEDIDA RETROCESSIVA QUE ATENTA CONTRA O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL, CRIA SITUAÇÃO ANTI-ISONÔMICA E NÃO SUPERA O TESTE DA PROPORCIONALIDADE.
Ponderou a PGR que o fato de se reconhecer direitos previdenciários às crianças e adolescentes representa conquista social, tal como previsto na Declaração Universal dos Direitos da Criança e no artigo 227, § 3º da CF/88. Para a PGR a exclusão do menor sob guarda do rol de dependentes, cria situação anti-isonômica, pois distingue, sem amparo constitucional, crianças e adolescentes colocados em família substituta e em condição de vulnerabilidade, tão somente pelo caráter de estabilidade ou precariedade do instrumento que os vincula à nova realidade familiar.
Conforme ainda entendimento da PGR, medidas legislativas para evitar fraudes têm que guardar proporcionalidade, não podendo, entretanto, suprimir direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Para coibir fraudes, existem instrumentos judiciais e administrativos menos gravosos ao direito protegido, aptos a identificar desvirtuamento de guarda judicial para gerar pensão por morte de avós em favor de netos.
Em suas conclusões ementárias finais, a Procuradoria Geral da República se posiciona no sentido de que deva ser dada interpretação conforme a Constituição, no sentido de que a falta de menção do menor sob guarda no rol de dependentes do art. 16, § 2º, da Lei 8.213/1991, na redação dada pela Lei 9.528/1997, não lhe retira a condição de dependente, nos termos do art. 33, § 3º, da Lei 8.069/1990. Não afastando, contudo, a exigência de comprovação de dependência econômica.
Contudo, assim se posicionou o Supremo Tribunal Federal colocando uma pá de cal na celeuma:
EMENTA: AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO CONJUNTO. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. ARTIGO 16, § 2º, DA LEI N.º 8.213/1991. REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI N.º 9.528/1997. MENOR SOB GUARDA. PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA. ART. 227, CRFB. INTERPRETAÇÃO CONFORME, PARA RECONHECER O MENOR SOB GUARDA DEPENDENTE PARA FINS DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, DESDE QUE COMPROVADA A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. 1. Julgamento conjunto da ADI nº 4.878 e da ADI nº 5.083, que impugnam o artigo 16, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, na redação conferida pela Lei n° 9.528/1997, que retirou o menor sob guarda do rol de dependentes para fins de concessão de benefício previdenciário. 2. A Constituição de 1988, no art. 227, estabeleceu novos paradigmas para a disciplina dos direitos de crianças e de adolescentes, no que foi em tudo complementada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. º 8.069/1990). Adotou-se a doutrina da proteção integral e o princípio da prioridade absoluta, que ressignificam o status protetivo, reconhecendo-se a especial condição de crianças e adolescentes enquanto pessoas em desenvolvimento. 3. Embora o menor sob guarda tenha sido excluído do rol de dependentes da legislação previdenciária pela alteração promovida pela Lei n° 9.528/1997, ele ainda figura no comando contido no art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990), que assegura que a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e direitos, inclusive previdenciários. 4. O deferimento judicial da guarda, seja nas hipóteses do art. 1.584, § 5º, do Código Civil (Lei n.º 10.406/2002); seja nos casos do art. 33, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990), deve observar as formalidades legais, inclusive a intervenção obrigatória do Ministério Público. A fiel observância dos requisitos legais evita a ocorrência de fraudes, que devem ser combatidas sem impedir o acesso de crianças e de adolescentes a seus direitos previdenciários. 5. A interpretação constitucionalmente adequada é a que assegura ao menor sob guarda o direito à proteção previdenciária, porque assim dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente e também porque direitos fundamentais devem observar o princípio da máxima eficácia. Prevalência do compromisso constitucional contido no art. 227, § 3º, VI, CRFB. 6. ADI 4878 julgada procedente e ADI 5083 julgada parcialmente procedente para conferir interpretação conforme ao § 2º do art. 16, da Lei n.º 8.213/1991, para contemplar, em seu âmbito de proteção, o menor sob guarda, na categoria de dependentes do Regime Geral de Previdência Social, em consonância com o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, nos termos do art. 227 da Constituição da República, desde que comprovada a dependência econômica, nos termos em que exige a legislação previdenciária (art. 16, § 2º, Lei 8.213/1991 e Decreto 3048/1999). (STF, ADI 5083 / DF - DISTRITO FEDERAL, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 08.06.2021).
Vale deixar frisado que a sedimentação jurisprudencial acerca do instituto da guarda, fundamenta-se na proteção e nos interesses do menor, valorizando a família efetiva, ou seja, aquela que lhe dá amor e amparo, evitando mudanças capazes de lhe acarretar prejuízos emocionais. Neste contexto a melhor medida a ser adotada é manter o menor na companhia legal de quem de fato detém sua guarda, muitas das vezes desde o seu nascimento.
Para melhor ilustrar o aludido, segue entendimento exarado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
AÇÃO DE GUARDA. SENTENÇA QUE CONCEDE A GUARDA COMPARTILHADA DO MENOR PARA SUA MÃE E BISAVÓ MATERNA. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO SOB O ARGUMENTO DE GUARDA PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. INSUBSISTÊNCIA. ELEMENTOS SUFICIENTES A DEMONSTRAR O COMPARTILHAMENTO DO MUNUS NA PRÁTICA, ALÉM DO COMPROMETIMENTO DE AMBAS AS MULHERES NA CRIAÇÃO, CUIDADOS E EDUCAÇÃO DO MENOR. CRIANÇA QUE, JUNTAMENTE COM SUA MÃE, RESIDE E CONVIVE, DESDE O NASCIMENTO, COM A BISAVÓ, PESSOA PREPONDERANTEMENTE RESPONSÁVEL PELO SEU SUSTENTO.PROVIDÊNCIA QUE DENOTA A PREOCUPAÇÃO COM O FUTURO DO INFANTE, PRIORIZANDO-O. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
É de se destacar, a propósito, que o atual paradigma familiar segue os princípios da afetividade e da solidariedade, encontrando respaldo constitucional em suas mais variadas feições e abrigando juridicamente arranjos pouco convencionais. Cabe, então, ao julgador, sob a óptica do melhor interesse da criança, reconhecer legalmente tais entidades familiares, a fim de garantir-lhe o atendimento de suas necessidades mais básicas, como segurança, saúde, educação, convivência familiar e comunitária, entre outros tantos. (TJ/SC, AC 20120802418 SC 2012.080241-8 (Acórdão), Rel. Ronei Danielli, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 19.06.2013 e p. 09.07.2013). (Grifamos).
A convivência do infante com o guardião pressupõe-se cercada de carinho, favorável ao seu desenvolvimento e proteção integral, pois resguarda seu bem estar, integridade física e moral, ou seja, preserva seus melhores interesses, demonstrando-se propício a sua permanência com o guardião.
No que tange à figura do bisavô, vale deixar registrado decisão acordada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, uma vez que melhor ilustra a linha de ilação defendida na tese presente:
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. APELAÇAO. GUARDA E RESPONSABILIDADE DE INFANTE. REGULARIZAÇAO DE SITUAÇAO FÁTICA PREEXISTENTE. PROTEÇAO AOS INTERESSES DA MENOR.
1) Comprovado nos autos que a criança, desde o seu nascimento, vive sob a responsabilidade de sua bisavó, que lhe supre, dentro de suas limitações, todas as suas necessidades, deve a guarda e responsabilidade lhe ser concedida, regularizando situação fática preexistente. Inteligência do 1º do art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
2) Não existe desvirtuamento do instituto da guarda e responsabilidade quando a medida visa regularizar situação de dependência material e moral já existente entre a infante e a autora.
3) Estando a menor sob a guarda da bisavó, desta é dependente para todos os fins, de acordo com o 3º do art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
4) Recurso provido. (TJ/AP, APL 123761120108030001 AP, Rel. Juíza Convocada Sueli Pini, Câmara Única, j. 21.07.2011 e p. 1.08.2011). (Os destaques são nossos).
Em processos nos quais se discute a proteção da criança ou adolescente o Poder Judiciário deve buscar solução adequada à satisfação do melhor interesse desses seres em formação. Essa determinação não decorre tão-somente da letra expressa da Constituição Federal (artigo 227) ou do Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 4º), mas advém igualmente de imperativo da razão, haja vista que a pacificação social (um dos escopos da atividade jurídica estatal) não está alicerçada unicamente na legalidade estrita, mas na aplicação racional do arcabouço normativo e supranormativo. A promoção da dignidade humana, desde a formação de cada cidadão, deve ser o escopo primordial da ação estatal. (Cf. TJSC, AI n. 2011.079162-4, de Jaraguá do Sul, Rel.. Desa. Denise Volpato, j. em 12-6-2012).
Conforme o princípio do melhor interesse do menor, tem-se que não é recomendada sua retirada do seio familiar já consolidado, a qual, caso ocorra, pode, na verdade, ensejar incomensuráveis prejuízos ao desenvolvimento da criança. Todas as demais discussões de fundo econômico, médico e previdenciário são decorrências lógicas da guarda do menor exercida pelos bisavôs, uma vez que, embora seja uma manifestação de afeto, este ato, inegavelmente, acarreta conseqüências materiais e jurídicas, as quais, em seu devido tempo e obedecidos aos devidos trâmites e formalidades jurídicas, devem ser consolidadas, atendendo sempre ao melhor interesse da criança. (Cf. TJ/DF, APC 20140610053959, Rel. Gilberto Pereira de Oliveira, 3ª Câmara Cível, j. 4.11.2015 e DJe de 3.12.2015, p. 212).
A linha de elucubração é no sentido de que as questões materiais são decorrência lógica da questão jurídica de fundo, que a mantença dos interesses do menor, seu amparo físico e mental, seu pleno desenvolvimento.
No que concerne ao fim mediato a ser alcançado reflexamente através da presente demanda e malgrados entendimentos em sentido contrário, o Supremo Tribunal Federal hodiernamente sepultou o entendimento de que o menor sob guarda tem direitos previdenciários, equiparando-o para esse fim especifico, ao menor sob tutela.
No Mandado de Segurança nº 31.803, a Ministra Carmen Lúcia, em seu relatório, afirmou que a interpretação dada pelo TCU ao artigo 5º da Lei 9.717/1998, admitindo a vinculação dos critérios de concessão de benefícios nos regimes próprios àqueles estimulados no RGPS, contraria o artigo 24, inciso XII, da Constituição da República. Tal dispositivo prevê a competência concorrente da União, dos estados e do Distrito Federal para legislar sobre previdência social, proteção e defesa da saúde. Lembrou que a vinculação estabelecida pelo TCU permitiria que lei de iniciativa parlamentar para alterar regra do RGPS repercutisse nos regimes próprios dos servidores públicos, violando a reserva de iniciativa legislativa do Poder Executivo. Assim, segundo a ministra, o entendimento afronta também o princípio constitucional da separação de poderes. Considerada a diversidade da natureza das normas previdenciárias em discussão, não se há de cogitar de revogação expressa de uma lei pela outra, tampouco em derrogação tácita, destacou. A relatora ressaltou também que, ao excluir dos beneficiários pessoa em comprovada situação de dependência econômica, a decisão da corte de contas divorcia-se do sistema de proteção estabelecido constitucionalmente, afrontando, ainda, os princípios da vedação do retrocesso social e da proteção ao hipossuficiente. Mais grave se a exclusão for de criança ou adolescente, enfatizou a ministra, já que contam com proteção especial do Estado. Ela concluiu que se mantém válido o fundamento legal utilizado na concessão da pensão do autor do MS e ressaltou que o entendimento das duas Turmas do STF é nesse sentido. Assim, com base na jurisprudência da Corte, concedeu o mandado de segurança para anular o acórdão impugnado[3].
Referida ação mandamental, ao final do julgamento (com trânsito em julgado), ficou assim ementada:
MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. MENOR SOB GUARDA DE SERVIDOR PÚBLICO. FALECIMENTO: PENSÃO TEMPORÁRIA. ART. 217, INC. II, AL. B, DA LEI N. 8.112/1990. NEGATIVA DE REGISTRO. LEI N. 9.717/1998, ART. 5º. PRETENSO EFEITO DERROGATÓRIO NOS REGIMES PRÓPRIOS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL: INOCORRÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO. (STF, MS 31.803, Relatora Min. Cármen Lúcia, j. 17.03.2015 e DJe de 30.03.2015).
Em outro writ mandamental, o MS nº 33.099, o Subprocurador-Geral da República, Odim Brandão Ferreira, em sua peça de informações nº 19437 - OBF PGR, protocolizada em 3.2.2015, deixou registrado que se avó e netos formam família e se a pessoa capaz é segurada da previdência social, parece óbvio que o legislador ordinário não poderia ter excluído essa espécie de incapaz da proteção previdenciária estatal. Seja ela o regime geral ou o especial.
Referida petição foi assim ementada:
Mandado de segurança originário. Tribunal de Contas da União. Negativa no registro de pensão por morte de servidor público a menor sob guarda. Art. 16, § 2º, da Lei 8.213/1991, com a nova redação da Lei 9.528/1997. Inconstitucionalidade da redação do art. 16, § 2º, da Lei 8.213/1991, dada pela Lei 9.528/1997, por atentar contra a proteção constitucional da família e dos menores e, ainda, por atentar contra a isonomia. Parecer pela concessão da segurança, com efeitos financeiros limitados à data da impetração.
E é consubstancialmente no sentido de amparar efetivamente o menor, preservando seus interesses e sua integridade física, moral e emocional que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais adotou o seguinte posicionamento, que prevalece atualmente:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DECLARATÓRIA - MENOR SOB A GUARDA DOS AVÓS - PENSÃO POR MORTE - DEFERIMENTO LIMINAR - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 227 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL C/C ARTIGO33, § 3º, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - RECURSO NÃO PROVIDO.
1.Ainda que a guarda não seja medida tão drástica quanto a tutela judicial, por não pressupor a prévia decretação da perda ou suspensão do poder familiar, não se pode desconsiderar que também corresponde a uma medida protetiva geralmente direcionada a regularizar a posse de fato do infante por terceiro. Assim, falecido o guardião, não pode o Poder Público se negar a pensionar o dependente, sob pena de retorno à anterior situação de desamparo, com prejuízo à concretização dos demais direitos encartados na CR/88, tais como a vida, saúde, alimentação, educação, lazer. 2. Negar provimento ao recurso. (TJ/MG, AI 10024133920371001, Rel. Teresa Cristina da Cunha Peixoto, 8ª Câmara Cível, j. 18.09.2014 e p.29.09.2014).
Por toda a exposição delineada, persistem fundamentos jurisprudenciais e doutrinários robustos para o deferimento de pedido de pensão por morte derivada de guarda sendo (a) guardião (ã) o bisavô (ó), por se cuidar notadamente da proteção integral do menor e valorização da família.
ISHIDA, Valter Kenji. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Doutrina e Jurisprudência. 15ª. ed. São Paulo, Atlas, 2014. p. 86.
VIANNA, Roberta Carvalho. O INSTITUTO DA FAMÍLIA E A VALORIZAÇÃO DO AFETO COMO PRINCÍPIO NORTEADOR DAS NOVAS ESPÉCIES DA INSTITUIÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Revista da Escola Superior de Magistratura do Estado de Santa Catarina - ESMESC, v. 18, n. 24, 2011
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Fonte informativa: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=280798. Acesso em 15.04.2016.