INTRODUÇÃO
As penas são mecanismos de que se valem as normas para que seja garantida a proteção dos bens jurídicos por elas tutelados.
A priori, o sistema punitivo que vigora em tempos hodiernos deve ser visto com um caráter transitório, pois como mostra a experiência histórica, o Direito está em constante transformação para acompanhar a evolução social, não perdendo, deste modo, sua eficiência. Francesco Carnelutti aduz nesse sentido
Dizem, facilmente, que a pena não serve somente para a redenção do culpado, mas também para a advertência dos outros, que poderiam ser tentados a delinquir e por isso deve os assustar; e não é este um discurso que deva se tomar por chacota; pois ao menos deriva dele a conhecida contradição entre função repressiva e a função preventiva da pena: o que a pena deve ser para ajudar o culpado não é o que deve ser para ajudar os outros; e não há entre esses dois aspectos do instituto, possibilidade de conciliação (CARNELUTTI, 2006, p.103)
Entretanto, para uma melhor compreensão dos princípios e ideias que fundamentam o sistema punitivo contemporâneo, torna-se necessária a análise da evolução histórica do Direito Penal e seu sistema de sanções.
ACEPÇÃO DO DIREITO PENAL E TEORIAS SOBRE O DIREITO DE PUNIR DO ESTADO
O Direito Penal é produzido pelo Estado, podendo demonstrar uma legitimação que se divide em duas ideias de importância fundamental, quais sejam da teoria do bem jurídico e da teoria dos fins das penas, no que tange a esta se distinguem duas finalidades, ou seja, com o fim mediato e imediato das penas - se aquele, vê-se consequentemente os fins do Estado, este se positiva com a ideia de prevenção e retribuição. Com a evolução da sociedade fez necessária uma grande mudança no que tange as penas impostas aos que ultrapassam os limites da lei e o nosso Direito Penal tem dado diversificadas soluções, inclusive mais humanitárias ao problema da criminalidade, explicadas nas chamadas teorias da pena.
Nas palavras de Damásio de Jesus
O Direito Penal regula as relações do indivíduo com a sociedade. Por isso, não pertence ao Direito Privado, mas sim ao Público. Quando o sujeito pratica um delito, estabelece-se uma relação jurídica entre ele e o Estado. Surge o juspuniendi, que é o direito que tem o Estado de atuar sobre os delinquentes na defesa da sociedade contra o crime. Sob outro aspecto, o violador da norma penal tem o direito de liberdade, que consiste em não ser punido fora dos casos previstos pelas leis estabelecidas pelos órgãos competentes e a obrigação de não impedir a aplicação das sanções. (DAMÁSIO, 2011, p.47)
Mezger, define a nossa matéria como o conjunto de normas jurídicas que regulam el ejercicio del poder punitivo del Estado, conectando en el delito como presupuesto, la pena como consecuencia jurídica.(DAMÁSIO, 2011, p.47) Mas ele caracterizou tal definição sendo imperfeita, pois o Direito Penal Moderno tem-se desenvolvido organicamente, excedendo os limites de sua expressão, ampliando o seu alcance a outras consequências de essência diversa da pena, como as medidas de segurança.(DAMÁSIO, 2011, p.47). Ainda, segundo Frederico Marques - [...] é imprescindível que nele se compreendam todas as relações jurídicas que as normas penais disciplinam, inclusive as que derivam dessa sistematização ordenadora do delito e da pena.(DAMÁSIO, 2011, p.47)
Ao se falar em sanção e direito de punir do Estado, Regis Prado aduz
A pena é a mais importante das consequências jurídicas do delito. Consiste na privação ou restrição de bens jurídicos, com lastro na lei, imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao agente de uma infração penal. São inúmeras as teorias que buscam justificar seus fins e fundamentos, reunidas de modo didático em três grandes grupos: (...). (PRADO, 2005, p. 553)
Teoria absoluta ou de retribuição
Essa teoria defende que a finalidade da pena é retribuir o cometimento do delito retribuindo o mal com o mal.
Nas palavras de PIMENTEL
[...] não havia, portanto, qualquer preocupação com a pessoa do delinquente, uma vez que a pena se destinava a restabelecer a ordem pública alterada pelo delito, e tinha o caráter de um mal equivalente àquele causado pelo infrator, limitada pelo critério de proporcionalidade ao crime, certa e definida, segura e justa. (PIMENTEL,1983, p.129)
Logo, por essa teoria, a pena é a retribuição ao cometimento do crime, restabelecendo a ordem jurídica lesada, mas não possui nenhum fim unitário, nas palavras de Claus Roxin citado por Greco
a teoria da retribuição não encontra o sentido da pena na perspectiva de algum fim socialmente útil, senão em que mediante a imposição de um mal merecidamente se retribui, equilibra e espia a culpabilidade do autor pelo fato cometido. Se fala aqui de uma teoria absoluta porque para ela o fim da pena é independente, desvinculado de seu efeito social. A concepção da pena como retribuição compensatória realmente já é conhecida desde a antiguidade e permanece viva na consciência dos profanos com uma certa naturalidade: apena deve ser justa e isso pressupõe que se corresponda em sua duração e intensidade coma gravidade do delito, que o compense. (GRECO, 2006, p.524)
Esta teoria tem como defensores alguns expoentes como os filósofos Kant, Hegel, Bekker, Stahl etc. Sem sucesso, procuravam eles não confundir esta retribuição com castigo, ora atribuindo-a um caráter divino - Bekker e Stahl, ora jurídico - Hegel e Pessina.
Teoria relativa ou unitária
Aduz que à pena era dado um fim especial qual seja a prevenção. Era uma intimidação para todos, ao ser cominada abstratamente, e para o criminoso, ao ser imposta no caso concreto. O Estado deveria impedir a violação do Direito através da coação psíquica (intimidação) ou física (segregação), já dizia o precursor do Positivismo, Feuerbach (podemos considerá-lo pai do Direito penal moderno).
Nas palavras de Greco a prevenção pode ser estudada em dois aspectos
Pela prevenção geral negativa, conhecida também pela expressão prevenção por intimidação, a pena aplicada ao autor da infração penal tende a refletir junto à sociedade evitando-se, assim, que as demais pessoas, que se encontram com os olhos voltados a condenação de um de seus pares, reflitam antes de praticar qualquer infração penal. (GRECO, 2006, p.525)
Diante do exposto fica claro também por Foucault, qual explica que quando um suplício que por ventura tenha acontecido [...] as cujo desenrolar houvesse sido secreto, não teria sentido. Procurava-se dar o exemplo não só suscitando a consciência de que a menor infração corria sério risco de punição; mas provocando um efeito de terror pelo espetáculo do poder tripudiando sobre o culpado. (FOUCAULT, 2000, p.49)
Dessa forma pensa-se que mostrando o fim daqueles que cometem atos ilícitos, aqueles inclinados a pratica de crimes pensariam duas vezes antes de cometer qualquer infração:
existe a esperança de que os concidadãos com inclinações para a prática de crimes possam ser persuadidos , através da resposta sancionatória à violação do Direito alheio, previamente anunciada, a comportarem-se em conformidade com o Direito; esperança, enfim, de que o Direito Penal ofereça sua contribuição para o aprimoramento da sociedade. (GRECO, 2006, p.525)
Já a prevenção tida como positiva difunde o respeito a certos valores como bem informa Roxin a missão da pena consiste unicamente em fazer com que o autor desista de cometer futuros delitos13, significando, em simples palavras, que o autor pense antes de cometer um ilícito penal. (GRECO, 2006, p.526)
PIMENTEL aduz:
O homem passava a centrar o Direito penal, como objeto principal de suas conceituações doutrinárias. O crime passava a ser apenas um produto do homem, um fenômeno que reclamava providências para a proteção da sociedade. A pena não era mais um castigo, mas uma oportunidade para ressocializar o criminoso, e a segregação deste era um imperativo de proteção à sociedade, tendo em vista sua periculosidade. (PIMENTEL, 1983, p.129)
Masson aduz para esta variante, a finalidade da pena consiste em prevenir, isto é, evitar a prática de novas infrações penais (punitur ne peccetur).É irrelevante a imposição de castigo ao condenado. (MASSON, 2012, p.544)
Teoria mista ou eclética
Marcada pela característica de pena ser ao mesmo tempo um meio de educação e de correção fazendo parte deste conjunto o caráter intimidatório. Ocorre aqui a junção, essas teorias fundem as duas correntes anteriores, sendo o apelo das legislações e posições dogmáticas modernas. A pena tem como finalidade a prevenção aplicando-se um misto de correção e educação, nas palavras de Trigueiros Neto, esta teoria aduz que a pena deve retribuir ao delinquente o mesmo mal que ele deu ensejo, caracterizando a retribuição, ao mesmo tempo em que não dá estímulos àquele praticar novos delitos, caracterizando a prevenção. (TRIGUEIROS NETO, 2012 p.78)
Nosso ordenamento jurídico pátrio aderiu a essa corrente tendo em vista uma espécie de metamorfose do criminoso frente à sociedade, ou seja, tornando-o correto, readaptando-o à vida em sociedade.
Divergências Doutrinárias
Alguns renomados autores e juristas brasileiros discordam das teorias supracitadas, como é o caso do jurista Francesco Carnelutti que não adota nenhuma das três teorias -
O mínimo que se pode concluir dele é que o condenado, o qual, ainda tendo caído redimido antes do término fixado para a condenação, continua em prisão porque deve servir de exemplo aos outros, é submetido a um sacrifício por interesse alheio; este se encontra na mesma linha que o inocente, sujeito a condenação por um daqueles erros judiciais que nenhum esforço humano jamais conseguirá eliminar. Bastaria para não assumir diante da massa dos condenados aquele ar de superioridade que infelizmente, mais ou menos, o orgulho, tão profundamente aninhado ou mais íntimo de nossa alma, inspira a cada um de nós, ninguém verdadeiramente sabe, no meio deles, quem é ou não é culpado e quem continua ou não sendo. (CARNELUTTI, 2006, p.103)
Importante, nesse viés, também lembrar o que afirma Von Liszt, segundo o qual duas teorias que se diferenciam devido a uma primar pela correção daquele que ultrapassou os limites legais, a outra pela punição pelo crime em si
Não se poderá acrescentar nada de importante a esses efeitos da execução da pena. O fato de que a pena produz toda uma série de efeitos reflexos, como me ocorre chamá-los, é obvio, porém carece de importância suficiente para invalidar nossa classificação. Somente resta mencionar, ademais, a importância da ameaça penal, aquele que, como exortação e intimidação, reforça motivos que devem fazer desistir da perpetração de delitos. Não devemos perder de vista este efeito, mas no momento, teremos de deixá-lo de lado. Pois não se trata para nós dos imperativos estatais, mas de pena estatal, da qual a ameaça da pena somente é um imperativo agravado (LISZT, 2005, p.56)
A partir do explicito supra, infere-se que os cidadãos incorretos devem ser inoculados e aqueles que não o são, no caso dos corrigíveis, serem levados à correção, o restante deverá ser visto por consequência.
As primeiras penas eram aplicadas de forma violenta e desumana, dotadas de cunho emocional e religioso; eram fixadas pelo próprio aglomerado humano. As penas mais primitivas foram o escárnio, a expulsão da comunidade (banimento), a vingança de grupo contra grupo e a pena de morte, eliminando-o definitivamente da comunidade e evitando que o mesmo viesse a cometer novos delitos, conturbando a paz social. (MIRABETE, FABBRINI, 2011)
A pena, de um modo geral finda seu conceito sendo uma sanção que o Estado estabelece, atingindo o sujeito em seus bens jurídicos, mostrando, ela, ser contra prática de atos delituosos crimes condutas que se mostram reprováveis frente ao Direito com a finalidade de preservar a sociedades de ser atingida por novas ações delituosas.
Por tal razão, são de sua essência o caráter aflitivo - significando a privação, a restrição do que dito antes se entende por bens jurídicos do criminoso e retributivo significando, como dito pelo próprio termo, uma retribuição pelo delito cometido de acordo com a complexidade apresentada deste. Nesse sentido explica Damásio que O meio de ação de que se vale o Direito Penal é a pena, em que já se viu a satisfação de uma exigência de justiça, constrangendo o autor da conduta punível a submeter-se a um mal que corresponda em gravidade ao dano por ele causado.. (DAMÁSIO, 2011, p.45)
Hodiernamente, o Direito Penal tem adotado uma posição mais liberal, passando a aplicar as penas com um caráter recuperado, ou seja, com o intuito de fazer com que o apenado retorne ao seio social reconstituído, descriminalizado, não sendo mais tratado como criminoso e sim como cidadão comum.
Na realidade, o Direito Penal moderno está fazendo da pena o meio juridicamente instituído pelo qual o Estado procura promover a defesa social contra a violação (fato típico) a bens jurídicos fundamentais, atuando psicologicamente sobre a coletividade ou pelos processos convenientes de ajuste social sobre o criminoso.
Nesse aspecto, no que tange a atualidade, válido se faz lembrar o que Greco nos aduz
Em nosso país, depois de uma longa e lenta evolução, a Constituição, visando proteger os direitos de todos aqueles que, temporariamente ou não, estão em território nacional, proibiu a cominação de uma série de penas, por entender que todas elas, em sentido amplo ofendiam a dignidade da pessoa humana, além de fugir em algumas hipóteses, à sua função preventiva [...](GRECO, 2006, p.519). Isto posto, Greco ainda fundamenta com a Carta Magna O inciso XLVII do art. 5º da Constituição Federal, diz, portanto, que não haverá penas: a)de morte, salvo no caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.(GRECO, 2006, p.519)
Não obstante, o fato é que a prisão, que é vista como o núcleo dos sistemas repressivos atuais, tem fracassado quanto à consecução de seu fim, qual seja de recuperar condenados fazendo com que estes retornem à sociedade, libertos dos sentimentos que os levaram a delinquir.
CONCLUSÃO
Nesse sentido, diante desta nova realidade, caro(a) leitor, que está-se consolidando na doutrina hodierna, o movimento de ideias em favor do Direito Penal Mínimo, segundo o qual é preciso enxugar consideravelmente o excessivo leque de tipologia penal, para que o Direito Penal retorne aos trilhos originais de tutela apenas dos valores fundamentais à coexistência humana: vida, integridade física, patrimônio etc. A ideia matriz é a de que o Direito Penal deve passar por um processo de descriminalização das condutas hoje incriminadas, mas que, sendo importante frisar, não representam uma ofensa mais grave aos bens jurídicos considerados fundamentais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 - CARNELUTTI, Francesco, As Misérias do Processo Penal, São Paulo: editora Pillares, 2006.
2 - JESUS, Damásio de. Direito Penal Parte Geral, 32ª edição, Editora Saraiva. 1º volume. 2011.
3 - MEZGER, Edmund, apud, JESUS, Damásio de. Direito Penal Parte Geral, 32ª edição, Editora Saraiva. 1ºvolume. 2011.
4 - Ob. cit.
5 - MARQUES, José Frederico, apud, JESUS, Damásio de. Direito Penal Parte Geral, 32ª edição, Editora Saraiva. 1ºvolume. 2011.
6 - PRADO, Luiz Regis, Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 1, 5º edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
7 - PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983.
8 - ROXIN, Claus, apud GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral. 6ª edição. Editora IMPETUS. Volume 1.
9Pesquisa no site: http: //www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/13282-13283-1-PB.pdf.
10 - Ob. cit.
11 - FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 23 edição. Editora Vozes. 2000.
12 - HASSEMER, Winfried, apud, GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral, 6ª edição. Editora IMPETUS. Volume 1. 2006.
13 - ROXIN, Claus, apud GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral, 6ª edição. Editora IMPETUS. Volume 1. 2006.
14 - PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. Editora Revista dos Tribunais. 1983.
15 - MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado - Parte geral Volume 1 - Artigos. 1º a 120. 6º Edição atualizada. Editora Forense. 2012.
16 - TRIGUEIROS NETO, Arthur da Motta. Direito Penal Parte Geral II Penas até extinção da punibilidade. Volume 5 Editora Saraiva. 2012.
17 - CARNELUTTI, Francesco, As Misérias do Processo Penal, São Paulo. Editora Pillares, 2006.
18 - LISZT, Franz Von, A Idéia do Fim no Direito Penal, 1º edição. Editora Rideel, 2005.
19 - WESSELS, Johannes, apud MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N., Manual de Direito Penal. 27ª edição. Editora Atlas, 2011.
20 - Ob. cit.
21 - JESUS, Damásio de. Direito Penal Parte Geral, 32ª edição, Editora Saraiva. 1ºvolume. 2011.
22 - GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral, 6ª edição. Editora IMPETUS. Volume 1. 2006.
23 - Ob. cit.
24 Consulta ao site: http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/2208/o_papel_das_penas_alternativas_no_processo_de_ressocializacao_do_apenado_na_comarca_de_fortaleza
25 - MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI ,Renato N. , Manual de Direito Penal, 27ª edição, Editora atlas S.A. 2011.