O direito penal e o medo

UM FLERTE ENTRE A “SOCIEDADE DE RISCO” E A TEORIA FUNCIONALISTA DE GÜNTHER JAKOBS.

31/01/2022 às 10:42
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Na sociedade de risco os anseios, o medo e a insegurança podem dimensionar uma tutela penal desnecessária e autoritária. Tal tutela emergente afasta o Direito penal de sua concepção clássica aproximando-o da Teoria Funcionalista Radical de Günther Jakobs.

RESUMO: A Sociedade de risco segundo Ulrick Beck (1986) mostra que as consequências do desenvolvimento científico, industrial, cultural etc. são um conjunto de riscos que produzem a cultura do medo e um governo inteiramente regido pelas leis da probabilidade. De tal modo, o fenômeno da globalização, o dimensionamento dos problemas, a configuração de uma sociedade insegura implicou significativas mudanças sociais, sendo então o Direito Penal frequentemente convocado a controlar essas novas peculiaridades. Assim, utilizando-se da metodologia qualitativa, por meio da revisão bibliográfica e documental, analisa-se esse novo dirigismo do Direito Penal na sociedade contemporânea, que a par de sua concepção clássica (proteção de bens jurídicos) se aproxima do Funcionalismo Sistêmico de Günther Jakobs (proteção da própria norma) com a expansão criminal para os modelos de delitos de perigo abstratos supraindividuais como resultado do domínio do medo e a aspiração por um Estado de segurança. Por fim, valendo-se do método dedutivo para análise geral do tema, observará essa ligação entre a cultura do medo estabelecida pela Sociedade de Risco, o Novo Direito Penal e a dogmática funcionalista defendida por Günther Jakobs, bem como as possíveis consequências dessa busca obsessiva de elementos de orientação penal no atual contexto social.

Palavras chaves: Direito Penal. Sociedade de risco. Funcionalismo Sistêmico.

1 INTRODUÇÃO

O Direito Penal sempre será um tema atual, por vezes, ouve-se falar que ele está em crise, mas o que é a crise, senão um fenômeno social, e sendo um fenômeno social, como não surtir efeitos nas ciências penais.

Ademais, as crises na sociedade pós-industrial - ou de Risco para Ulrich Beck (1986) - são potencializadas pela quebra de fronteiras denominada globalização. Assim, não há mais barreiras para as interações sociais, tecnologias, informações, cultura, mercado de consumo etc, logo, a sociedade que aspirava por uma inclusão entre os povos, sofre, atualmente, com as vulnerabilidades e inseguranças uns dos outros.

Nesse aspecto, os anseios da sociedade, o medo e a insegurança podem dimensionar uma tutela jurídica desnecessária e autoritária. O controle da crise gera o descontrole legal, e aqui, num viés epistemológico, a suposta crise do Direito Penal (que, diga-se de passagem, é essencial para sua manutenção) trilha um caminho sombrio, uma vez que, a tutela emergente e simbólica afasta sua concepção clássica - que no olhar de Claus Roxin seria a proteção de bens jurídicos - se aproximando do Funcionalismo Radical de Günther Jakobs.

Desta forma, o presente estudo faz uma breve análise sobre o Direito Penal contemporâneo, onde o fenômeno da globalização dimensionou os problemas a níveis mundiais, gerando a cultura desenfreada do medo. Ademais, a configuração de uma sociedade de risco implicou significativas mudanças sociais, sendo o Direito Penal comumente convocado a controlar novos dilemas, com efeito, gerou-se uma utilização desmedida dito expansionismo - e consequentemente possíveis mudanças na sua estrutura clássica, alterando conceitos solidificados ao longo da história, principalmente quanto a sua função.

Assim, utilizando-se da metodologia qualitativa, por meio da revisão bibliográfica e documental, valendo-se do método dedutivo para análise geral do tema, buscar-se-á a caracterização da Sociedade de Risco segundo os estudos de Ulrich Beck (1986). Após, far-se-á algumas considerações sobre a evolução doutrinária do Direito Penal até as chamadas correntes do Funcionalismo penal, mais especificamente de Claus Roxin (1970) e Günther Jakobs (1995). Por último, analisar-se-á a suposta ligação entre a cultura do medo estabelecida pela Sociedade de Risco, o Novo Direito Penal e a dogmática funcionalista defendida por Günther Jakobs.

Por fim, sem a pretensão de esgotar o tema, será observada a necessidade de evolução do Direito Penal para acompanhar as tendências da Sociedade de risco, se afastando do Funcionalismo Sistêmico e preservando as garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito.

2 ACERCA DA SOCIEDADE DE RISCO

Ulrick Beck, em sua obra: "Sociedade de risco: Rumo a uma outra modernidade" no original "Risikogesellschaft. Weg in eine andere Moderne" (1986) discorreu sobre as consequências do desenvolvimento desenfreado científico e industrial como causa da precarização crescente e massiva das condições de existência, desigualdades sociais e de incertezas quanto às condições futuras.

Num contexto evolucional, verifica-se uma série de processos de caráter econômico, científico e político que dimensificam a economia, revolucionam a tecnologia e transformam os meios de comunicação. Tal fenômeno, conhecido por globalização, promove uma mudança de tempo, ressignificando valores e pulverizando os problemas locais a níveis mundiais. Os problemas e as soluções estão se generalizando, ultrapassando o viés individual e alcançando o coletivo, ao passo que, as decisões envolvem várias comunidades, Estados e, portanto, um número inestimável de outras pessoas (ALLER, 2006).

Nas palavras de Beck (2011, p. 23) Na modernidade tardia, a produção social de riqueza é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos. Para tanto, imperioso ressaltar que, o risco não é um fenômeno de origem moderna, todavia, ganhou novos contornos e adaptações em uma sociedade dotada de complexidades a qual, no olhar da sociologia contemporânea, a semântica do risco relaciona-se com o processo de modernização, mola propulsora de incertezas e ameaças, que aliada à massificação da informação cria um mundo de perigos e consequentemente a cultura de medo. Nessa via, se extrai que os riscos, aqui explanados, são os construídos/fabricados pela própria civilização, especificamente com relação aos riscos que não podem ser mensurados, mesmo que haja grandes avanços nas ciências da probabilidade. As incertezas são construídas e não se podem quantificar suas consequências, como se observa nos apontamentos de Beck, (2006, p. 5-7):

Os riscos com os quais nos confrontamos não podem ser delimitados espacialmente, temporalmente, ou socialmente; eles abrangem estados-nação, alianças militares, e todas as classes sociais, e, por sua natureza, apresentam novos tipos de desafios às instituições designadas para seu controle. As regras estabelecidas de atribuição e responsabilidade causalidade, culpa e justiça quebraram-se. Isso significa que sua cuidadosa aplicação à pesquisa e jurisdição tem o efeito contrário: os perigos aumentaram e sua anonimatização (anonymization) é legitimada. [...] Quando falo de sociedade de risco, é nesse último sentido de incertezas fabricadas. Essas verdadeiras incertezas, reforçadas por rápidas inovações tecnológicas e respostas sociais aceleradas, estão criando uma nova paisagem de risco global. Em todas essas novas tecnologias incertas de risco, estamos separados da possibilidade e dos resultados por um oceano de ignorância.

O tema sociedade de risco vem sendo suscitado em vários lugares e campos do conhecimento, isso pelo fato de decisões civilizacionais, em qualquer parte do mundo, envolver consequências e ameaças globais, a exemplo, a onda de desmatamentos e queimadas na Amazônia que causou uma comoção a nível mundial, ao ponto de gerar um desgaste político entre os Presidentes do Brasil e da França, e, diga-se de passagem, essa situação impulsionada pelo mundo globalizado comoveu até o líder do catolicismo, que aderiu ao clamor público para proteger a floresta (BBC NEWS, 2019).

A globalização superou qualquer barreira, e isso não quer dizer que ela seja boa ou ruim, mas é a maneira mais adequada de conceber à sociedade como se fosse um sistema macro ou uma aldeia global. É nítido o progresso (em alguns pontos) com relação à forma rápida e conjunta para repudiar eventuais violações de direitos humanos, cataclismos, desastres ecológicos, vítimas de doenças infecciosas e muitas outras vicissitudes do mundo. Além disso, a informação sem fronteira, ou seja, globalizada, nos permite que saibamos o que se passa, nesse exato momento do outro lado do hemisfério, além de nos colocar dentro de uma espaçonave com um click, em tempo real, a quilômetros de distância da terra (ALLER, 2006).

Em seus profundos estudos sobre o tema, Bauman (2007, p.89-90) sustentou que a sociedade de risco evoluiu para uma sociedade de incerteza global, revelando as consequências sociais do processo globalizador. Nesse sentido, a globalização (entendida pelo autor como abertura ou quebra de fronteiras) possui modernamente um viés negativo, qual seja, a força contrária às políticas institucionalizadas como: capital, financiamento, comércio de produtos primários, informação, criminalidade, tráfico de drogas, de armas etc.

Nas palavras de Bauman (2007, p.13):

O atributo da "abertura", antes um produto precioso, ainda que frágil, da corajosa mas estafante auto-afirmação, é associado, hoje, principalmente a um destino irresistível - aos efeitos não-planejados e imprevistos da "globalização negativa" - ou seja, uma globalização seletiva do comércio e do capital, da vigilância e da informação, da violência e das armas, do crime e do terrorismo; todos unânimes em seu desdém pelo princípio da soberania territorial e em sua falta de respeito a qualquer fronteira entre Estados. Uma sociedade "aberta" é uma sociedade exposta aos golpes do "destino".

Como visto, a marca fundamental da sociedade de risco é a insegurança; os perigos generalizados (guerra, terrorismo, corrupção, desemprego, epidemias) são fenômenos típicos de uma sociedade sem fronteiras, ficando a indagação de como é possível que as ameaças e riscos sistematicamente produzidos sejam evitados, minimizados, e quando inevitáveis, como controlar seus efeitos colaterais de modo que não comprometam o desenvolvimento da sociedade (BECK, 2011).

Em resposta, David Garland (2014) afirma que tem havido uma marcante mudança de ênfase da modalidade do bem-estar social para a modalidade penal, que vem se tornando mais importante, mais punitivo, mais expressivo, mais voltado para a segurança. O delinquente tem menos probabilidade de ser representado no discurso oficial como cidadão socialmente carente, que precisa de socialização, pelo contrário, é apresentado como indivíduo que merece ser castigado, indigno e um tanto perigoso.

Nesse sentido, o dimensionamento dos problemas na sociedade de risco implica significativas mudanças sociais, e o Direito Penal ganha destaque na solução desses novos problemas. Desse modo, o medo passa a ser tutelado na esfera criminal, os problemas específicos de determinados povos passam a ser objeto de proteção em outras sociedades, que se veem inseguras diante do perigo alheio, como bem explica Aller, (2006, p.9):

Los problemas de otras naciones y comunidades se trasmiten velozmente, al punto de ser captados y sentidos como propios, llegándose al extremo de generar reacciones punitivas a cuestiones que no conciernen al momento ni circunstancias locales (no merecedoras allí y entonces del celo penal), pero motivados por la problemática ajena, cuando no por los reclamos de otros Estados, se legisla penalmente asumiendo como local el conflito foráneo. No escapa a estas consideraciones el sensato pensamiento de quien, avizorando una determinada situación en otro país, que sea agraviante de bienes jurídicos, analice el entorno suyo para contemplar el eventual traslado de esas conductas dañosas a su país.

Assim, o Direito Penal ganha novos contornos; na sociedade de risco os problemas são comuns e o bem jurídico outrora tutelado ultrapassa seus conceitos clássicos, assim como a incerteza e o medo que passam a serem vistos como problemas por si só, razão pela qual identifica-se na sociedade de risco a proliferação de delitos de perigo, com a necessidade de criminalizar as condutas de risco sem esperar a produção efetiva de danos, lesões ou de morte (DINIZ NETO, 2010).

A globalização do Direito Penal é inegável, fala-se em Novo Direito Penal ou Modernização do Direito Penal, ao qual é caracterizada por dar origem à tutela eminentemente normativa (sem ou com mínimo conteúdo social) ao invés de uma resolução direta do problema jurídico-criminal (proteção de bens jurídicos).

Nesse aspecto, acentua Diniz Neto (2010, p.204):

Diante das contingências desse novo dirigismo da sociedade de riscos, ou seja, den­tro de um contexto de exigências da própria modernização do direito penal, recrudesce, para muitos críticos, a crença na capacidade de intimidação pelas penas, revalorizando-se o escopo, principalmente, da prevenção geral através das sanções de natureza penal frente a condutas de determinados grupos de pessoas, representativos de verdadeiras fontes de perigo e que, por isso mesmo, devem ser neutralizados a qualquer custo (direito penal do inimigo), sem se prio­rizar, ou mesmo a desprezar totalmente, o caráter preventivo especial (ressocialização). 

Por fim, os efeitos incontroláveis gerados pela globalização proporcionaram um ambiente inseguro por definição (Bauman, 2007). O Direito Penal na sociedade de risco vem se afastando de sua concepção clássica (proteção de bens jurídicos) e se aproximando do Funcionalismo Sistêmico de Günther Jakobs (proteção da própria norma), assim a expansão criminal para o modelo de delitos de perigos abstratos supraindividuais é resultado do domínio do medo e intervenção antes que se produza uma suposta lesão a algum bem.

3 SOBRE O FUNCIONALISMO PENAL

Aqui, torna-se importante tecer algumas breves considerações sobre a evolução doutrinária do Direito Penal até o chamado Funcionalismo penal, com origem nos anos 70 na doutrina jurídica Germânica.

Inicialmente, com o desenvolvimento do positivismo, Karl Binding, em sua obra Die Normen und ihere Ubertretung (1872) - As normas e sua violação- inaugurou a teoria do Positivismo Jurídico (que não se confunde com a Escola Positiva) responsável por conferir uma posição extremamente normativa e formal à conduta humana tida como delituosa, para tanto, a conduta era um mero movimento corporal que resultava na modificação do mundo exterior, ou seja, a conduta compreende uma descrição objetiva, vinculada ao resultado pela relação de causalidade. O positivismo jurídico se ocupa exclusivamente da norma, se afastando dos conceitos sociais e valorativos (MASSON, 2020). Contrário ao posicionamento de Binding, mas também positivista, Fran Von Liszt (1881) sustentou a teoria do Positivismo Sociológico ou naturalista, partindo da concepção que o delito não é uma ofensa ao direito subjetivo (visto como a ordem jurídica pode proteger interesses) e sim a um interesse juridicamente protegido, concebidos a partir da realidade social e não da própria norma jurídica, dessa maneira, a ideia do interesse do bem jurídico - e não a do direito subjetivo - é indispensável ao Direito Penal (LISZT, 2006, p. 94-95)

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Superando o paradigma positivista, mas com bases idênticas, surge o Neokantismo penal, com Rudolf Stammler e Gustav Radbruch como seus principais representantes. Diferente dos positivistas que atribuíram prioridade ao ser do direito, os neokantistas supervalorizaram o dever ser, mediante a inserção de considerações axiológicas e materiais. No neokantismo a ação supera seu conceito naturalista para assumir um postulado valorativo, sendo redefinido como comportamento humano voluntário. Nessa senda, o dolo como elemento da culpabilidade é questionado (sem muitos avanços); a divisão entre o subjetivo e o objetivo são flexibilizadas; a culpabilidade é observada no campo da ética (culpabilidade normativa) e as relações entre a criminalização e a ilegalidade desenvolvem conceitos de ação e conduta. Em suma o Neokantismo penal reafirmou a ideia da teoria estratificada do delito (ZAFFARONI, 2019, p. 132-133).

Em sucessão ao Neokantismo, Hans Welzel (1930) desenvolveu a Teoria Finalista, chamada de Teoria Final da Ação, que refere-se à conduta humana como exercício de uma finalidade, razão pela qual a ação é um acontecer final, e não, apenas causal. Para o Finalismo a essência da ação está no fato de que o indivíduo por meio de uma antecipação mental controla cursos causais e seleciona meios correspondentes no sentido de determinado objetivo, supradeterminando-o finalisticamente (ROXIN apud JUNIOR E LAZARI, 2017, p.384).

Questionando a validade dos conceitos penais desenvolvidos pelo Sistema finalista, surge uma nova visão da dogmática jurídica penal, o então Funcionalismo Penal. Na preocupação de olhar o Direito Penal sob viés valorativo, afastando-o do tecnicismo jurídico centralizado na adequação típica, Claus Roxin (1970) propôs o Funcionalismo teleológico (dualista, moderado ou da política criminal), por sua vez, partindo da Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann (1984), Günther Jakobs (1995) desenvolveu o Funcionalismo sistêmico (radical ou monista).

De maneira sintética, mas visando introduzir o tema, Masson (2020, p.84) rubrica:

Em suma sustenta o funcionalismo que a dogmática penal deve ser direcionada à finalidade precípua do Direito Penal, ou seja, à política criminal. Essa finalidade seria a reafirmação da autoridade do Direito, que não encontra limites externos, mas somente internos (Günther Jakobs) ou então a proteção de bens jurídicos indispensáveis ao desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, respeitando os limites impostos pelo ordenamento jurídico (Claus Roxin).

Ressalta-se que o funcionalismo penal sofreu nítida influência das teorias sociológicas elaboradas por Max Weber, Émile Durkheim, Robert Merton, Niklas Lühmann, Jürgen Habermas, dentre outros estudiosos da sociologia moderna. No campo sociológico o funcionalismo é aplicado na análise do processo social e o seu consequente desenvolvimento, esclarecendo os mais variados aspectos da sociedade, segundo as funções desenvolvidas pelas instituições que nela operam e seus diversificados segmentos.

Nesse prisma, com o objetivo de estruturar as categorias basilares da ciência penal do ponto de vista político-criminal, Claus Roxin (1970) propôs em sua obra Kriminalpolitik und Strafrechtssystem - (Política criminal e sistema jurídico-penal) - o conceito teleológico/político-criminal. Contrário à máxima de Liszt, onde o Direito Penal é a barreira instransponível da política criminal, Roxin sustenta que o Direito Penal e Política criminal se interpenetram, devendo os conceitos da teoria do delito sofrer uma revisão em seus fundamentos e conteúdo à luz da função político-criminal que lhes cabem (ROXIN, 2006).

Extrai-se do funcionalismo penal teleológico uma releitura do conceito do delito a partir dos princípios políticos criminais, a exemplo o da Intervenção Mínima e Insignificância, de modo que a tipicidade supera seu sentido puramente formal e alcança seu viés material, reintroduzindo na matéria penal a teoria da imputação objetiva, que parte da premissa de que só é imputável ao agente a conduta que cria um risco juridicamente desaprovado e desde que esse risco se concretize no resultado. Para uma melhor compreensão, reprisam-se as palavras de Roxin, 2006, p. 71:

A teoria da imputação objetiva compreende a ação típica de modo consequente como a realização de um risco não permitido, delimitando os diversos âmbitos de responsabilidade. Ela fornece, assim, um parâmetro de interpretação que se orienta imediatamente segundo o injusto material, segundo a intolerável lesividade social do comportamento do autor. Com isso, permissão e não permissão de um risco designam os limites entre a liberdade dos cidadãos e a faculdade interventiva estatal.

Em suma, Roxin (2015), em sua visão funcionalista teleológica, asseverou que a finalidade do Direito Penal deve ser limitada por exigências políticos-criminais, razão pelo qual a aplicação de penas só se justifica quando há lesões de bens jurídicos que não possam ser protegidas por meios menos incisivos. Assim, os fenômenos jurídicos devem ser orientados social e juridicamente, não se esvaindo na finalidade ou na causa.

Nesse sentido, à luz de critérios políticos, a dinamização da teoria do delito por Roxin repercutiu significativamente na dogmática penal, vinculando aos elementos do delito variada carga axiológica, a exemplo: na tipicidade, o critério básico foi a da determinação legal em consonância com a reserva legal; na antijuridicidade, foi a solução social dos conflitos, e na culpabilidade (responsabilidade) foram os fins da pena de caráter predominantemente preventiva (MASSON, 2020). Finalmente, a Teoria Funcionalista Teleológica, nas palavras de Roxin (2015, p.34) conduz a seguinte tese: A tarefa do direito penal consiste na proteção subsidiária de bens jurídicos.

Em contraponto aos estudos de Roxin, Günther Jakobs (1995) desenvolveu outra vertente do Funcionalismo penal, conhecido por Funcionalismo Estratégico, Radical, Monista ou Sistêmico, ao qual foi inspirada na Teoria dos Sistemas do sociólogo Niklas Luhmann (1984).

Para a Teoria Luhmanniana, os sistemas se autoproduzem, razão pela qual trabalha com a ideia de "Sistemas Autopoiéticos", sustentando a premissa que a sociedade é um sistema que se compõe de comunicações e não necessariamente de seres humanos, e enquanto sistema segue suas próprias regras, assim como os sistemas biológicos e psicológicos. O autor ressalta o importante papel dos seres humanos, porém entende que esses não compõem o sistema, mas participam e executam as comunicações que os transcendem, dessarte, seus atos são mais que a expressão do sentido social do que uma representação consciente individual independente. Em resumo o conceito de comunicação se converte em um fator decisivo para a determinação do conceito de sociedade. Ainda, com relação ao direito, Luhmann o entende como um subsistema em que é comunicação e nada mais que comunicação, visto como um sistema autorreferencial que processa informações de forma autônoma, define significados e constrói sua realidade e expectativas (CRUZ, 2008).

Inspirado nessa teoria, Jakobs parte da concepção do direito como um sistema autopoiético, o qual sua função, mais especificamente a função do Direito Penal, é tão somente a proteção das suas próprias normas, posto que a proteção de bens jurídicos torna-se utópico, já que, sempre haverá sua violação, a despeito da norma proibitiva.

Para o Funcionalismo Sistêmico, o crime, visto como uma comunicação defeituosa, é uma fraude de expectativas (não dano a bem jurídico) que prejudica a validade da norma, e a pena tem o significado de manter essas expectativas, ou seja, o status da norma. Deste modo, a imposição de pena é a forma do sistema social de lidar com a fraude à custa do delinquente e cumprir sua função de estabilização normativa, ou seja, a pena não se destina a prevalecer sobre o infrator (seu modo de ser ou de agir), mas para reafirmar aos cidadãos suas expectativas sobre a norma. Em outras palavras, o fim da pena é tão somente o preventivo geral positivo, devendo se encarregar de reafirmar o valor da norma violada e a ordem jurídica e, com isso, a confiança e fidelidade ao Direito Penal (JAKOBS, 2001).

Assim, na construção teórica Jakobsiana, as normas legais seriam expectativas de comportamento contrafactual estabilizado e, o crime, a falha na comunicação que viola a validade da norma e consequentemente recorre-se a pena como instrumento de garantia da validade dessa norma violada. Para o autor, a sociedade se constitui justamente por meio de normas, e a partir dessas, conquistam sua identidade pessoal (direitos, deveres e liberdades). Sem elas, não haveria sociedade e perderíamos a identidade de povo, portanto o Direito Penal é invocado com a função de zelar pelo mais essencial e fundamental de tais normas, e assim resolver a subsistência dessas que estruturam a base do social (CRUZ, 2008).

Outro ponto relevante é sobre o posicionamento de Günther Jakobs sobre Teoria da imputação objetiva, para esse a teoria deve ser desenvolvida com base nos contatos sociais (relações entre as pessoas), sendo a imputação objetiva do comportamento (e não do resultado) uma imputação vinculada a alguma sociedade concretamente considerada e se determinados contatos causarem certas consequências, deve-se recorrer à tipicidade penal de modo objetivo (LEAL, 2016).

Para efeitos dessa teoria, Regis Prado e Érika de Carvalho (2005, p.6) expõem:

[...] a imputação de comportamentos propõe quatro critérios fundamentais de imputação: o risco permitido (definido normativamente como o estado normal de interação, ou seja, como o status quo de liberdades de atuação vigentes, desvinculado da ponderação de interesses que deu lugar ao seu estabelecimento); o princípio de confiança (que na verdade nada mais é do que uma adaptação do risco permitido às circunstâncias concretas); a proibição de regresso (que busca delimitar de forma sistemática o âmbito da participação punível dentro da imputação objetiva com fulcro em critérios objetivo-normativos) e a competência da vítima (carente de maior precisão e ampliação).

Em síntese, o Funcionalismo-sistêmico preza pela fidelidade ao ordenamento jurídico penal, partindo da premissa que a sociedade é composta por comunicações entre seres humanos, sendo que o Direito Penal não determina quais condutas devem ser seguidas, mas assegura as expectativas de condutas pela sociedade. Quanto aos elementos do delito, a causalidade deve ser substituída por critérios puramente normativos e tanto o injusto quanto a culpabilidade devem ser interpretados à luz da validade da norma. Assim, a norma é a base do Funcionalismo sistêmico de Jakobs, independente do bem jurídico tutelado, a violação resultará sempre em uma lesão na própria norma.

Por fim, a sistematização proposta por Jakobs tem como impacto marcante na dogmática penal a criação de uma nova percepção de riscos para o Direito Penal, ao qual o risco criado não está na con­duta em si, mas no próprio tipo incriminador. Nesse sentido, o Direito Penal funcionalizado tende a justificar a tutela antecipada de grandes riscos da sociedade contemporânea, assim a cultura do medo crédula na efetiva capacidade das penas se aproxima do Direito Penal do Inimigo, promovendo uma desenfreada hipertrofia penal para neutralizar qualquer fonte de perigo.

4 O DIREITO PENAL E O MEDO: O FLERTE COM A TEORIA DE JAKOBS

Outrora visto, a Sociedade de risco, segundo Ulrick Beck, mostra que as consequências do desenvolvimento científico, industrial, cultural são um conjunto de riscos que produz a cultura do medo e consequentemente um governo inteiramente regido pelas leis da probabilidade.

Na quebra de fronteiras, denominada "globalização", as sociedades são total e verdadeiramente abertas, seja material ou intelectualmente, de modo que, toda injúria, privação relativa ou indolência em qualquer lugar é coroada pelo insulto da injustiça. O medo torna-se o pior pesadelo na sociedade de risco, que alimentado pela incerteza e insegurança, faz nascer um sentimento mútuo de impotência, perdendo-se a sensação de controle e tornando-se mais apavorante e menos tolerável. Nesse sentido, em razão do capitalismo, o medo está sendo utilizado como fonte para se obter qualquer espécie de lucro, seja comercial ou político, passando a ser bandeira nos manifestos e campanhas eleitorais. A exibição de ameaças se tornou um grande trunfo na guerra de audiência dos meios de comunicação (pedófilos, seriais killers, assaltante, estupradores, traficantes, terroristas ou até mesmo imigrantes ilegais) contra quem o Estado contemporâneo promete defender seus cidadãos (BAUMAM, 2007).

O medo passou a ser visto como problema por si só, distinto do crime e de sua vitimização, tanto que políticas específicas têm sido desenvolvidas mais com o objetivo de reduzir os níveis de medo do que reduzir as condutas criminosas. O tema ganhou tanta repercussão que há desenvolvimentos científicos sobre os níveis e as características desse medo, categorizando e medindo as reações emocionais provocadas pelo crime medos concretos, medos difusos, insegurança generalizada, raiva, ressentimento e correlacionando-os com os parâmetros atuais de risco e vitimização (GARLAND, 2014).

Fontes para o exercício de poder, o medo, a insegurança e as incertezas ganharam notoriedade na sociedade de risco. Alardes sobre o aumento da criminalidade, a guerra contra o terrorismo e narcotraficantes, ações ostensivamente duras dos governos, o rápido crescimento da população carcerária, a inflação legislativa criminal são características do Direito Penal que se reveste de novos contornos, em outras palavras, o Direito Penal está sendo globalizado e invocado para ser a resolução dos atuais problemas, e sua missão, a par da proteção de bens jurídicos tradicionais, se volta para a tutela de novos bens jurídico-penais peculiares da sociedade pós-industrial, tarefa que implica a revisão de muitos de seus fundamentos de ordem dogmático-jurídica e das posturas político-criminais (DINIZ NETO, 2010, p.203).

Nessa esteira, Germán Aller (2006) sustenta que a partir da globalização, o Direito Penal tradicional tem se transformado para atingir as novas exigências da sociedade moderna, para tanto, os bens jurídicos (cada vez mais abstrato: coletivo e supraindividual, mas não individual), a criação de infrações penais sem proteção efetiva a bens jurídicos, a hipertrofia criminal (novas infrações criminais, superposição de normas, penas mais duras) são características do novo Direito Penal, fruto de demandas sociais massivas por regulação. No entanto, critica-se, se a proliferação dos tipos penais de perigo abstrato, o uso do Direito Penal para fins de mera segurança, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, a privatização da justiça e graves alterações no processo penal não tendem a reduzir as tão custosas garantias individuais.

De mais a mais, explica o referido autor que há tempos atrás, os crimes eram aqueles perceptíveis pelos sentidos, tangíveis e facilmente apreciáveis, ao passo que o Direito Penal na sociedade de risco não pode ser governado por esses protótipos, pois não é mais a violência física, nem o que perceptível pelos sentidos, mas sim o Direito Penal se voltando para a ciência do criminoso (Direito Penal do autor), criando-se tipos de perigo abstrato - fora do conceito clássico de real perigo - na concepção do arriscado.

Não é outro, senão o resultado da sociedade pós-industrial, dotada de complexidades, ao quais os níveis de contatos sociais redundem em possíveis consequências lesivas, onde os delitos de resultado/lesão se mostram carentes e insatisfatórios como meio de intervenção, daí recorre-se frequentemente aos tipos de perigo, com configuração cada vez mais abstrata ou formalista (SÁNCHEZ, 2013, p. 37-38). Vislumbra-se no atual cenário a criação de novos ramos do Direito Penal, a exemplo a proteção do meio ambiente, da economia, dos sistemas digitais e não raro com aumento das penas ou seu recrudescimento. Logo, na sociedade de risco há um amplo Direito Penal, geralmente de intervenção máxima, construído com formato de tipo aberto, de perigo abstrato e de responsabilidade objetiva. A globalização do Direito Penal, ao revés do clássico, altera o paradigma quanto ao dano ao bem jurídico pela periculosidade e risco.

Para Silva Sánchez (2013), a introdução de novas infrações penais, o agravamento das penas, a flexibilidade dos critérios de imputação, a relativização dos princípios político-criminais, a reinterpretação das garantias clássicas do Direito Penal substantivo e direito processual adjetivo, bem como a ampliação das áreas de risco criminal são aspectos que denotam tendência a expansão do Direito Penal. Ainda, segundo o autor, ciência penal na sociedade pós-industrial se converte em um direito de gestão (punitivo) de riscos gerais, o qual se denominou de administrativização do Direito Penal, que caracterizado pela introdução de novos objetos de proteção somado a antecipação das fronteiras de proteção penal, resultou na transição do modelo de delito de lesão de bens individuais ao modelo de delito de perigo (presumido) de bens supra-individuais (SÁNCHEZ, 2013, p.146-148). Tudo isso, anuncia a funcionalização do Direito Penal, não apenas para fins de minimização de risco, mas também (e de forma muito mais promissora) por uma questão de segurança subjetiva, legitimada num Direito Penal que promete a proteção contra comportamentos de risco e a preservação - simbólica - da insegura sociedade de risco (PRITTWITZ, 2003, p.263).

Nessa perspectiva, o novo dirigismo penal conduzido pela sociedade de risco flerta com a proposta de sistematização elaborada por Jakobs, de modo que o bem jurídico se confunde com a própria norma, sobre a qual se funda as bases do Funcionalismo sistêmico. Ademais, ao olhar o direito como um sistema autopoiético, justifica-se a incidência da lei penal diante da simples violação da norma, pres­cindindo, pois, da análise da ocorrência de efetiva lesão ou não a um determinado bem jurídico, de modo que o Direito Penal corresponde à função de garantir a parte mais essencial e básica das normas, que é a sua própria vigência. Assim, na base da concepção funcionalista, portanto, a perspectiva do risco vincula-se com uma série de fenômenos afetos ao moderno Direito Penal, na medida em que este intervém em novos âmbitos cuja regulamentação pressupõe juízos de valor eminentemente normativos (DINIZ NETO, 2010, p. 211).

Outro aspecto relevante entre a Sociedade pós-moderna e a Teoria de Jakobs é com relação à busca pelo inimigo. Segundo Günther Jakobs citado por Aller (2006, p.1-3), os indivíduos definidos como perigosos com base em seus hábitos e reincidência criminal (persistência criminal), estilos de vida ou rejeição do Sistema Institucional devem ser privados de seu status de pessoa, com o fundamento de que esses se afastam do papel de cidadão e, portanto, tornam-se inimigos da sociedade. Jakobs, em sua teoria, referia-se à legislação para combater o crime econômico, terrorismo, crime organizado, tráfico de drogas, crimes sexuais e outras ofensas consideradas perigosas.

Frisa-se, que a busca pelo inimigo não é novidade e, num contexto histórico, sempre se buscou o não cidadão, assim as maiores atrocidades humanas se serviram de Códigos penais, tais como: a Lei de Talião no Código de Hamurabi (datado de 1.770 a.C); a pena de morte como punição de qualquer delito no Código de Drácon por volta de 620 a.C; a caçada incessante as famigeradas bruxas, no século medievo XV - XVI, seguindo o rito manual Malleus Maleficarum e os suplícios em praças públicas como espetáculo punitivo até meados do século XVIII.

Não diferente, a Sociedade de risco impulsionada pela cultura do medo assume uma postura de guerra em todos os sentidos, como se observa na Guerra ao terror empregada pelos Estados Unidos contra o terrorismo, na Grã-Bretanha contra os imigrantes sem-teto e no Brasil contra a corrupção e as drogas. Nessa linha, a criação de novas ofensas criminais, o aumento das penas e a diminuição das garantias individuais, além de uma linguagem bélica são os caminhos de repressão contra os definidos como inimigos.

Fato que, o Direito Penal dos inimigos sempre existiu (oficial e não oficialmente) e como bem observa Sánchez (2013, p. 193-197), ao considera-lo a terceira velocidade do Direito Penal (pena de prisão com ampla relativização de garantias políticos-criminais, regras de imputação e critérios processuais), na sociedade contemporânea - de risco - o Direito Penal dos inimigos tenderá, ilegitimamente, a estabilizar-se e a crescer.

Em conclusão, mas longe de se exaurir o tema, pode-se afirmar que certamente existe, como já observado, uma ligação entre a cultura do medo estabelecida pela Sociedade de Risco, o Novo Direito Penal e a dogmática funcionalista defendida por Günther Jakobs. Entretanto, discute-se, se a busca obsessiva de elementos de orientação normativa, mais precisamente no Direito Penal, como bem expressa PRITTWITZ (2003), não causará uma violação massiva dos direitos individuais fundamentais, haja vista que os problemas da sociedade moderna permanecem sem a efetiva solução quando transferidos ao Direito Penal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Findo o presente estudo, observou-se que na sociedade pós-industrial tem havido um grande desenvolvimento industrial, tecnológico, científico e financeiro, que impulsionou os Estados a realizarem Acordos, Tratados, Blocos econômicos para construir uma sociedade de inclusão, não à toa, Bauman (2007) já dizia que a ideia de "sociedade aberta" era originalmente compatível com a autodeterminação de uma sociedade livre que cultivava essa abertura, contudo, esse fenômeno trouxe a experiência da vulnerabilidade, da insegurança e do medo generalizado.

Na sociedade contemporânea os riscos foram globalizados: guerras, experiências nucleares, narcotráfico, crises ambientais, terrorismo, ciberespaço financeiros, experiências genéticas e demais comunicações e interações humanas que geram potenciais riscos a toda humanidade, tudo isso, que se chamou globalização, tornou a população horrorizada por sua própria vulnerabilidade, obcecada por segurança e uma maior intervenção Estatal.

Nesse sentido, espiou-se os novos contornos do Direito penal na sociedade de risco, que constantemente convocado, ultrapassa seus conceitos clássicos. A incerteza e o medo passaram a serem vistos como fontes dignas de tutela pelo Direito Penal. Na sociedade de risco a proliferação de delitos de perigo, com a necessidade de criminalizar as condutas de risco, sem esperar a produção efetiva de danos ou lesões a bens jurídicos são expressões do novo dirigismo penal.

Noutro giro, presenciou-se que, esse novo Direito Penal se aproxima da sistematização proposta por Günther Jakobs, onde o Direito Penal funcionalizado tende a justificar a tutela antecipada de grandes riscos da sociedade contemporânea, que deposita toda sua confiança no recrudescimento das penas, se aproximando então do Direito Penal do Inimigo refletido na desenfreada hipertrofia criminal para eliminar qualquer fonte de perigo.

Ao abordar o tema, Silva Sánches (2013) demonstrou que o simbolismo ou a retórica do Direito Penal na sociedade de risco é caracterizado por dar origem a - ao invés de uma solução direta do problema jurídico-penal (a proteção de bens jurídicos) - produção na opinião pública da impressão tranquilizadora de um legislador atento e determinado em resolver os anseios da sociedade. Quando isso se relaciona com a aceitação da prevenção geral como um reforço da fidelidade normativa em um determinado sistema, a solução surge necessariamente com a enorme variedade de proibições, o agravamento das penas e a relativização dos princípios político-criminais, caminho esse que se direciona na reinterpretação ou violação das garantias clássicas do Direito Penal.

Por fim, corroborando do entendimento de Diniz Neto (2010, p. 217-218), conclui-se que a modernização do Direito Penal é fato notório e necessário, aliás, as normas penais correspondem aos processos sociais de interação, ademais, a moderna criminalidade e os novos riscos no mundo globalizado avançam em uma velocidade incompatível com o desenvolvimento das ciências penais, portanto, é indiscutível a tutela penal de novos bens jurídicos - mais especificamente, diante das tendências globais, os bens jurídicos supraindividuais - o que legitima (não de maneira desmedida) a existências dos delitos de perigo abstrato. Contudo, a globalização do Direito Penal, para que seja legítima, deve buscar a rígida obediência às garantias do Estado Democrático de Direito, se afastando, como apontado antes, dos caminhos sombrios teorizados por Jakobs, caso contrário se levará ao fracasso o Direito Penal moderno, e as supostas melhorias terão como efeito a ruína gradativa do seu perfil constitucional.

REFERÊNCIAS

ALLER, Gérman. Co-responsabilidad social, sociedad del riesgo y derecho penal del enemigo. Montevideo: Carlos Alvarez Editor, 2006.

BAUMAN, Zygmunt, 1925 - Tempos líquidos. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed. 2007.

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BECK, Ulrich. Incertezas fabricadas. Sociedade do risco: o medo na contemporaneidade. Revista ihu onlin UNISINOS, São Leopoldo, 2006, p. 5-12. Disponível em: http://www.ihuonline.unisinos.br/media/pdf/IHUOnlineEdicao181.pdf. Acesso em: jun./2021.

CRUZ, Estuardo L. Montero. El funcionalismo penal. Una introducción a la teoría de Günther Jakobs. Derechopenalonline. Disponível em: https://derechopenalonline.com/el-funcionalismo-penal-una-introduccion-a-la-teoria-de-gunther-jakobs/. Acesso em: jun./2021.

DINIZ NETO, Eduardo. Sociedade de Risco, Direito Penal e Politica Criminal. Revista de Direito Público, Londrina, v. 5, n. 2, p. 202-220, ago. 2010.

GARLAND, David, 1955. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Tradução, apresentação e notas André Nascimento. Rio de Janeiro, Revan, 2014.

JAKOBS, Günther. ¿Qué protege el Derecho penal bienes juridicos o la vigencia de la norma?. Traducción de Manuel Cancio Meliá: Cuadernos de Doctrina y Jurisprudencia Penal, ISSN 0328-3909, Vol. 7, Nº 11, 2001, págs. 23-42.

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LEAL, Augusto Antônio Fontanive. A teoria da imputação: fundamentos e aplicação. Caxias do Sul, RS: Educs, 2016.

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Sobre o autor
Ederson Luiz Reis dos Santos

Mestrando em Ciências Criminológico-Forenses pela Universidade de La Empresa/Uruguai (2020). Pós-graduando em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina (2020). Especialista em Direito aplicado pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná (2019). Membro do IBCCRIM. Atualmente é servidor público na Prefeitura Municipal de Londrina.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo apresentado no curso de Pós-Graduação em Direito e Processo Penal da Universidade Estadual de Londrina (2021) sob a orientação do Professor Me. Eduardo Diniz Neto; e publicado na Revista de Direito Público da Procuradoria Geral do Município de Londrina/ Associação dos Procuradores do Município de Londrina APROLON / Procuradoria Geral do Município de Londrina, - v.10,n.2, (Dez, 2021) Londrina, 2021. Anual ISSN: 2317-4188.

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