A teoria do desvio produtivo do consumidor. Breves apontamentos sobre a Teoria do desvio produtivo do consumidor no contexto brasileiro.

02/02/2022 às 20:09
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A teoria do desvio produtivo do consumidor. Breves apontamentos sobre a Teoria do desvio produtivo do consumidor no contexto brasileiro.

O presente artigo jurídico tem por escopo explicar de modo prático a teoria do desvio produtivo do consumidor e elencar alguns exemplos da aplicação efetiva dessa teoria no cenário brasileiro.

A primeira vez que um autor tratou da matéria no cenário brasileiro foi Marco Aurélio Bellizze, este aduz:

A teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, criada pelo advogado Marcos Dessaune, defende que todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a solução de problemas gerados por maus fornecedores constitui dano indenizável. O livro está na 2ª edição, revista e ampliada em 2017, e agora é intitulado Teoria aprofundada do Desvio Produtivo do Consumidor.

Especialmente no Brasil é notório que incontáveis profissionais, empresas e o próprio Estado, em vez de atender ao cidadão consumidor em observância à sua missão, acabam fornecendo-lhe cotidianamente produtos e serviços defeituosos, ou exercendo práticas abusivas no mercado, contrariando a lei", diz o ministro Marco Aurélio Bellizze.

"Para evitar maiores prejuízos, o consumidor se vê então compelido a desperdiçar o seu valioso tempo e a desviar as suas custosas competências de atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o lazer para tentar resolver esses problemas de consumo, que o fornecedor tem o dever de não causar, votou Bellize, em decisão monocrática. (https://www.conjur.com.br/2018-mai-01/stj-reconhece-aplicacao-teoria-desvio-produtivo-consumidor).

O que de forma cristalina elencou o jurista acima é que no Brasil infelizmente algumas empresas privadas e públicas atuam por vezes de forma abusiva, de forma ilegal, desrespeitando as normas e diretrizes do Código de Defesa do Consumidor.

Eis um exemplo do cotidiano do brasileiro: O fornecedor do produto ou do serviço na hora da venda e do fechamento do negócio não relata a forma de manuseio, a forma de uso daquele produto, se o produto ou o serviço pode trazer riscos à saúde do consumidor ou de terceiro, em síntese, o fornecedor não esclarece e não relata todas as informações essenciais para o uso, consumo, para o manuseio daquele produto ou à utilização daquele serviço, assim percebe-se de forma literal uma violação ao artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor possui o dever de ofertar uma informação precisa, clara e numa linguagem adequada ao seu consumidor.

 Nesse caso o consumidor terá que retornar ao estabelecimento seja para perguntar a forma de manuseio do produto ao fornecedor, ocorre que tal situação provoca para o consumidor uma perda de tempo e uma perda financeira por culpa exclusiva do fornecedor, por isso que é aplicável a teoria do desvio produtivo do consumidor no caso em detalhe, o consumidor perde o seu tempo e gasta o seu dinheiro indo até o estabelecimento do fornecedor para resolver um problema causado justamente pelo fornecedor.

Na prática um consumidor efetua a compra de um serviço de dedetização, caso a empresa que presta tal serviço não informa claramente ao consumidor os riscos desse tipo de serviço, isso poderá acarretar acidentes de consumo. Nessa banda, em caso de acidente o consumidor terá que procurar a empresa responsável, ou um PROCON, ou o Poder Judiciário para dirimir o conflito ocasionado pelo acidente de consumo. É justamente nesse condão que se aplica a TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR.

Note bem caro leitor, é obrigação legal da empresa prestadora de serviços de dedetização, conforme o exemplo acima mencionado, informa de forma clara, cristalina, na linguagem entendido pelo consumidor todas as informações essenciais para o uso, o manuseio, a utilização do serviço em tela. É imperioso constatar que o princípio da informação capitulado do Código de Defesa do Consumidor, deve ser respeitado pelo fornecedor no negócio jurídico em todas as suas fases, na pré-venda, na venda e no pós-venda.

A teoria do desvio produtivo do consumidor deve ser aplicada em situações em que o fornecedor do produto ou serviço tenha agido com negligência, não tenha informado de forma cristalina, de forma clara e precisa tudo o que consumidor precisa saber para usar, manusear o produto ou contratar aquele serviço. Isso pois, já é cultural no Brasil não se explicar de forma clara as cláusulas contratuais ao consumidor, isso geralmente acarreta diversos problemas. É imperioso lembrar que o TEMPO DESPERDIÇADO PELO CONSUMIDOR PARA TENTAR SOLUCIONAR UM PROBLEMA CRIADO PELA MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO OU POR UM PROBLEMA NO PRODUTO NÃO VOLTARÁ ATRÁS, em suma, o tempo despendido pelo consumidor para solucionar esses problemas não retornará. Tal tempo desperdiçado pelo consumidor nas situações acima narradas, merece uma indenização por parte do fornecedor do produto ou do serviço, posto que este último é o causador deste tempo perdido do consumidor.

No Brasil, outro exemplo clássico em que se poderá aplicar a TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR são as intermináveis FILAS BANCÁRIAS. É um verdadeiro absurdo, os consumidores terem que ir para frente dos bancos e lotéricas desde a madrugada para galgarem seu lugar na fila. Tal situação é extremamente vexatória para o consumidor, fera de plano a dignidade da pessoa humana do consumidor que enfrenta tais filas. O consumidor acorda de madrugada, fica na fila do banco por horas e mais horas até ser atendido e por vezes sequer consegue resolver o seu problema, então, tamanho desrespeito ao consumidor, merece uma especial atenção do Poder Judiciário, merecer uma indenização que de fato cumpra com a sua finalidade educativa e sancionadora. Alguns tribunais brasileiros já vêm reconhecendo a aplicação da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor em situações com acima narrada em excesso de tempo de espera pelo consumidor em filas bancárias.

Nessa linha de pensamento, insta consignar a posição do Superior Tribunal de Justiça, sobre o tema:

Informativo nº 641

Publicação: 1º de março de 2019.

TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 1.737.412-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 05/02/2019, DJe 08/02/2019

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Atendimento presencial em agências bancárias. Tempo de espera. Dever de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. Teoria do desvio produtivo do consumidor. Dano Moral coletivo. Existência.

DESTAQUE

O descumprimento de normas municipais e federais que estabelecem parâmetros para a adequada prestação do serviço de atendimento presencial em agências bancárias, gerando a perda do tempo útil do consumidor, é capaz de configurar dano moral de natureza coletiva.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O dano moral coletivo é espécie autônoma de dano que está relacionada à integridade psico-física da coletividade, bem de natureza estritamente transindividual e que, portanto, não se identifica com aqueles tradicionais atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico), amparados pelos danos morais individuais. Nesse sentido, o dever de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho que é atribuído aos fornecedores de produtos e serviços pelo art. 4º, II, d, do CDC vislumbrado, em geral, somente sob o prisma individual, da relação privada entre fornecedores e consumidores tem um conteúdo coletivo implícito, uma função social, relacionada à otimização e ao máximo aproveitamento dos recursos produtivos disponíveis na sociedade, entre eles, o tempo. O tempo útil e seu máximo aproveitamento são interesses coletivos, subjacentes aos deveres da qualidade, segurança, durabilidade e desempenho que são atribuídos aos fornecedores de produtos e serviços e à função social da atividade produtiva. A proteção à perda do tempo útil do consumidor deve ser, portanto, realizada sob a vertente coletiva, a qual, por possuir finalidades precípuas de sanção, inibição e reparação indireta, permite seja aplicada a teoria do desvio produtivo do consumidor e a responsabilidade civil pela perda do tempo. No caso, a violação aos deveres de qualidade do atendimento presencial, exigindo do consumidor tempo muito superior aos limites fixados pela legislação municipal pertinente, infringe valores essenciais da sociedade e possui os atributos da gravidade e intolerabilidade, não configurando mera infringência à lei ou ao contrato.

TEMPO PERDIDO

STJ reafirma aplicação da teoria do desvio produtivo do consumidor

3 de outubro de 2018, 7h35 Imprimir Enviar

O Superior Tribunal de Justiça tem aplicado a teoria do desvio produtivo do consumidor e garantido indenização por danos morais a clientes pelo tempo desperdiçado para resolver problemas gerados por maus fornecedores. Somente de maio até outubro deste ano, a corte aplicou a teoria em ao menos cinco casos.

Na decisão mais recente, do dia 27 de setembro, o ministro Moura Ribeiro, da 3ª Turma do STJ, manteve decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que aplicou a teoria no caso de um cancelamento indevido de cartão de crédito. Ao tentar fazer uma compra, a mulher descobriu que seu cartão havia sido bloqueado. Sem conseguir desbloqueá-lo, recorreu ao Judiciário (REsp 1.763.052/RJ).

Em primeira instância foi reconhecido o bloqueio indevido e determinado o desbloqueio, mas negado o dano moral. Após recurso da empresa dizendo ser impossível o desbloqueio, pois o cartão já havia sido cancelado, o TJ-RJ entendeu ser cabível a indenização diante do desvio produtivo.

"O desvio produtivo evidencia-se quando o fornecedor, ao descumprir sua missão e praticar ato ilícito, independentemente de culpa, impõe ao consumidor um relevante ônus produtivo indesejado por este, onerando indevidamente seus recursos produtivos", diz o acórdão do TJ-RJ. Mesmo assim, a corte não condenou a empresa a indenizar a consumidora neste caso, pois a mulher não recorreu da sentença.

Diploma da faculdade


Em outro caso julgado em setembro, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino manteve decisão do TJ-SP que aplicou o desvio produtivo e condenou uma faculdade a pagar R$ 15 mil de indenização a um aluno que concluiu curso superior, mas não recebeu o diploma, o que o impediu de conseguir emprego na área (AREsp 1.167.382/SP).

Ao reconhecer a falha da faculdade, o TJ-SP registrou que "a conduta contratual e a frustração em desfavor do consumidor violam elemento integrante da moral humana, constituindo dano indenizável desvio produtivo do consumidor que não merece passar impune".

Em situação parecida, o ministro Francisco Falcão também manteve decisão da corte paulista que condenou outra instituição de ensino pela demora em entregar o diploma a um aluno (AREsp 1.167.245/SP).

Transferência de veículo


Outra decisão do TJ-SP que aplicou o desvio produtivo e foi mantida no STJ trata de uma seguradora que não fez a transferência de veículo sinistrado. Após receber diversas multas, o ex-proprietário pediu que fosse indenizado pela empresa (AREsp 1.274.334/SP).

O TJ-SP, ao julgar a questão, afirmou: "No caso concreto, as sucessivas cobranças em nome do autor, por conta da negligência da requerida na transferência do automóvel para o seu nome deu ensejo à indenização moral aplica-se, aqui, a teoria do desvio produtivo do consumidor, mas, também, a violação de sua imagem e honra, consideradas as sucessivas cobranças indevidas que recaíram sobre seu nome. O dano moral não precisa representar a medida nem o preço da dor, mas uma compensação pela ofensa injustamente causada a outrem".

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Matrícula cancelada


O desvio produtivo também foi aplicado pelo TJ-SP, e mantido pelo ministro Antonio Carlos Ferreira, do STJ, no caso envolvendo o cancelamento de matrícula de uma aluna. Aprovada no vestibular, ela fez a matrícula e afirmou que não podia apresentar naquele momento o comprovante de conclusão do segundo grau, pois ainda não havia terminado o ensino médio (AREsp 1.271.452/SP).

Assim, combinou de entregar o documento depois, já fazendo sua matrícula e cursando o primeiro semestre da faculdade. Porém, no segundo semestre daquele ano, a faculdade decidiu cancelar a matrícula da estudante, por ela não ter apresentado o documento no prazo previsto.

O TJ-SP então condenou a faculdade pela demora em analisar o caso da estudante. Segundo a corte paulista, o tempo de três meses para tomar uma decisão demonstrou descontrole organizacional capaz de ensejar o dever de indenizar pela frustração e insegurança causadas.

A teoria do desvio produtivo do consumidor, desenvolvida pelo advogado Marcos Dessaune, defende que constitui dano indenizável todo tempo desperdiçado pelo consumidor para a solução de problemas gerados por maus fornecedores, (https://www.conjur.com.br/2018-out-03/stj-reafirma-aplicacao-teoria-desvio-produtivo-consumidor).

DOS SERVIÇOS DE CALL CENTER

 

Eis aqui um dos serviços no Brasil que mais ocasiona problemas na rotina do cidadão brasileiro. Praticamente todas as vezes que o consumidor liga para fazer uma reclamação, ou um cancelamento de serviço ou o cancelamento de compra de um produto, ocorre uma DEMORA DEMASIADA do fornecedor. Em síntese, o consumidor liga para o fornecedor e por via lógica espera um bom atendimento, um atendimento a contento e que solucione a sua demanda naquele momento, ocorre que na prática tal serviço de CALL CENTER disponibilizado pelos fornecedores se tornam um DESAFIO DE PACIÊNCIA para o consumidor.

Existem situações de consumidores que ficam por horas e mais horas tentando solucionar problemas com operadoras de telefonia, agências, órgãos públicos, bancos, etc. Simplesmente não conseguem resolver e perdem o seu precioso tempo. Conforme já relatado neste artigo, o TEMPO é uma variante que não retorna, ou seja, o tempo desperdiçado pelo consumidor por erros cometidos pelo fornecedor ou por uma espera em demasia, filas intermináveis, dentre outros casos, merecem a devida reparação, a devida indenização por parte do fornecedor.

Notório é dentro do mercado de consumo brasileiro que parcela dos fornecedores utilizam uma política de total desrespeito ao consumidor e geralmente ocorre tais abusos, violação de direitos ao consumidor no percurso do contrato, no percurso do serviço, após a realização da compra do produto, em que o consumidor faz uma reclamação ou até pretende cancelar o contrato, porém, este não consegue pela via do CALL CENTER.

CONCLUSÃO

 

Ante todo o exposto é imperioso elencar que a teoria do desvio produtivo do consumidor por mais que seja recente no cenário brasileiro, começa a ganhar relevância perante os Tribunais de Justiça do Brasil e também perante o Superior Tribunal de Justiça. Isso tudo se deu por conta das reiteradas lesões ao direito dos consumidores brasileiros, em detalhe no que tange a PERDA DE TEMPO do consumidor ocasionada pelo fornecedor durante a prestação do serviço ou compra do produto, ou até no pós-venda. Tal situação gera prejuízo grave aos consumidores, por vezes o consumidor perde dias e não consegue resolver o problema, tendo assim que buscar os meios alternativos de resolução de conflitos ou o Poder Judiciário.

Por fim, a importância da aplicação da teoria do desvio produtivo do consumidor se dá pela mudança de postura que os fornecedores no mercado de consumo brasileiro terão que apresentar, seja no pré-contrato, seja no percurso do contrato e no pós-contrato (no pós-venda), no intuito de que os fornecedores não acarretem prejuízo financeiro aos consumidores e principalmente para que os fornecedores não acarretem um desperdiço de tempo precioso dos consumidores nas relações de consumo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1.    https://www.conjur.com.br/2018-mai-01/stj-reconhece-aplicacao-teoria-desvio-produtivo-consumidor). Visitado em 01/02/2022 às 9 horas.

2.    REsp 1.737.412-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 05/02/2019, DJe 08/02/2019.

Sobre o autor
Rodrigo Pereira Costa Saraiva

Ex-Procurador Geral do Município de Porto Rico do Maranhão. Advogado e Consultor jurídico em São Luís- Ma, Advogado da União de Moradores do Rio Grande. Mediador e Árbitro formado pela CACB- Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil em 2016. Professor do Curso Preparatório para o Exame da ordem do Imadec, Ex-coordenador do Premium Concursos, diretor do Escritório Rodrigo Saraiva Advocacia e Consultoria Jurídica, Ex- Coordenador do grupo de estudos em Direito Constitucional da Oab/Ma desde 2013. Doutorando em Direito pela UNLZ (Universidade Nacional de Lomas de Zamora), membro da comissão dos jovens advogados da OAB/MA desde 2011, pós-graduado lato sensu em Direito e Processo do Trabalho, com formação em Magistério Superior pela Universidade Anhanguera Uniderp/REDE LFG. Bacharel em direito pelo UNICEUMA. Autor de artigos científicos e de modelos de peças processuais. Coautor do Livro "Artigos Acadêmicos de Direito". Editora Sapere, Rio de Janeiro. 2014. Disponível para a compra no site: http://www.livrariacultura.com.br/p/artigos-academicos-de-direito-42889748

Informações sobre o texto

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