Condicionantes da criminalidade feminina no Brasil

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Entenda os principais fatores relacionados ao crescimento do número de mulheres detidas no sistema penitenciário brasileiro.

RESUMO: O objetivo do trabalho é estudar o crescimento do número de mulheres detidas no sistema penitenciário brasileiro. Apresenta-se um perfil geral das detentas, bem como as suas principais motivações para ter cometido o crime que as levaram à prisão. Por meio da análise dos dados, infere-se que o perfil das mulheres presas no Brasil segue um padrão imediatamente relacionável a elementos como pobreza, marginalização, cor da pele, uso habitual de entorpecentes, maternidade precoce, baixo grau de escolaridade e histórico de reincidência. As circunstâncias das prisões das reeducandas, por sua vez, são ainda mais semelhantes, diante do contexto de associação a indivíduos do sexo masculino, frequentemente identificados como seus companheiros ou familiares, bem como da imputação do tráfico de drogas como principal motivador da prisão. Tais fatores acabam por potencializar a inflamação e precariedade do sistema prisional brasileiro, contribuindo para que sejam superficialmente observadas as condições adequadas para a regular execução penal com observância à tríplice finalidade da pena.

Palavras-chave: Violência; Mulher; Encarceramento; Brasil.

ABSTRACT: The objective of the work is to study the growth in the number of women detained in the Brazilian penitentiary system. A general profile of the detainees is presented, as well as their main motivations for having committed the crime that led to their arrest. Through data analysis, it is inferred that the profile of women incarcerated in Brazil follows a pattern immediately related to elements such as poverty, marginalization, skin color, habitual use of narcotics, early motherhood, low level of education and a history of recidivism . The circumstances of the inmates' arrests, in turn, are even more similar, given the context of association with male individuals, often identified as their partners or family members, as well as the imputation of drug trafficking as the main motivator of the arrest. Such factors end up potentiating the inflammation and precariousness of the Brazilian prison system, contributing to the superficial observation of the adequate conditions for the regular criminal execution, with observance of the triple purpose of the penalty.

Keywords: Violence; Women; Incarceration; Brazil.

INTRODUÇÃO

As análises dos condicionantes da criminalidade, a despeito de toda a complexidade do fenômeno, partem de uma realidade que apresenta o universo do crime como sendo majoritariamente masculino. Os crimes cometidos por mulheres ainda são uma parcela menos expressiva em relação àqueles cometidos por homens. No entanto, a criminalidade feminina vem aumentando. Entre os anos de 2000 e 2016, houve um crescimento de mais de 567% desse grupo nas penitenciárias, revelando que, nesses dezesseis anos, teve uma explosão da população carcerária feminina de 5.600 para 42.355 mulheres (FGV DAPP, 2018). 

Ademais, em 2016 o Brasil estava em 3º lugar na lista dos países com maior número de mulheres encarceradas no mundo, quando se compara à taxa de 100 mil habitantes, ficando atrás da Rússia e da China, países com quantitativo populacional superior ao brasileiro.

Como esse aumento é uma realidade brasileira, torna-se necessário analisar suas condicionantes para o entendermos como fenômeno social e sociológico.

1. ANÁLISE DO CRIME COMO FENÔMENO SOCIAL

Conforme Paula e Santana (2019, p. 218):

A criminalidade é um fenômeno social intrínseco ao surgimento dos primeiros povos, sendo aquela analisada de distintos ângulos a depender do momento histórico e da sociedade na qual é fonte de apreciações. Diante disso, grandes estudiosos de diversos períodos históricos buscaram entender não só quem é esse indivíduo delinquente, como também explicarem os motivos que os levaram a delinquir. E a partir de estudos como estes, destacaram-se Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Raffaele Garófalo, na segunda metade do século XIX, ao “fundarem” a ciência da criminologia tradicional ou positivista. Insta salientar que esses estudos eram embasados no homem delinquente, mas Lombroso, em seu ilustre livro La Donna Delinquente, La Prostituta e La Donna Normale traz a ideia da mulher delinquente, como sendo aquela desviante das normas impostas socialmente, e, tendo a sexualidade como grande destaque na caracterização dela como infratora ou não. Assim, ao passar dos anos, no Brasil, na década de 30 e 40 do século passado, há necessidade de criação de presídios próprios para abrigar essas mulheres consideradas como criminosas. E, atualmente, o encarceramento feminino cresce assustadoramente em relação ao masculino, contudo sobre essa mulher presa recai, em grande parte, o “manto” da invisibilidade para a sociedade e para as ações governamentais de política criminal. (PAULA; SANTANA, 2019, p. 218)

Ao longo dos anos, vários sociólogos como Durkheim (2007) e Merton (2004) buscaram analisar e explicar o crime como fenômeno social. Durkheim (2007) buscava a definição da sociologia como um estudo científico, destacando o impulso que leva aos sujeitos a se posicionarem a partir dos fatos sociais existentes, consistindo no crime num ato que ofende certos sentimentos coletivos, enquanto Merton (2004) relacionava estritamente o crime com a sociedade em que este está inserido.

O sociólogo Durkheim (2007), em sua obra “As Regras do Método Sociológico” traz alguns conceitos importantes que devem ser analisados no estudo da criminalidade. Segundo ele, o ser humano, pela educação que recebeu, cumpre deveres que estão definidos, fora dele e dos seus atos, no direito e nos costumes. Essas condutas e pensamentos são dotados de uma força coercitiva, que ao ser violada provoca uma reação, podendo ser essa violenta ou não. Na obra, o autor diz que esse fenômeno não é orgânico, nem psíquico, mas sim social.

Para Durkheim (2007) o fato social existe onde há uma organização definida e é distinto de suas repercussões individuais. Sem excluir necessariamente nossa personalidade individual, a maior parte de nossas ideias e tendências não são elaboradas por nós. Existe uma força de coerção externa, que na maioria das vezes só se afirma com nitidez quando existe resistência, mas está sempre presente. Essa força se encontra, inclusive, na educação dada as crianças que têm como objetivo produzir o ser social.

Deve-se ressaltar que “um fato social é normal para um tipo social determinado, considerado numa fase determinada de seu desenvolvimento, quando ele se produz na média das sociedades dessa espécie, considerada na fase correspondente de evolução” (DURKHEIM, 2007, p. 65). Nesse sentido, o fato social e, consequentemente, o conceito de normalidade varia de acordo com cada lugar e contexto histórico (DURKHEIM, 2007).

O que afronta esse conceito de normalidade em uma sociedade, segundo Durkheim, é denominado como um fato com caráter patológico. O crime é definido por ele como um “ato que ofende certos sentimentos coletivos dotados de uma energia e clareza particulares” (DURKHEIM, 2017, p. 68). Para o sociólogo, o crime é normal porque uma sociedade que dele estivesse isenta seria inteiramente impossível. Diante da presença de atos criminosos a sociedade se arma do poder de julgar e punir, qualificando esses atos e os tratando como quais.

Dessa forma, Durkheim preceitua: “se o crime é uma doença, a pena é seu remédio e não pode ser concebida de outro modo; assim, todas as discussões que ela suscita tem por objeto saber o que ela deve ser para cumprir seu papel de remédio” (DURKHEIM, 2017, p. 73). Com o aumento de mulheres encarceradas, deve-se ter o cuidado de analisar se as penas estão cumprindo seu objetivo e realmente tratando o que leva essas mulheres a delinquirem, pois “o dever do homem de Estado não é empurrar violentamente as sociedades para um ideal que lhe afigura sedutor, antes o seu papel é o do médico; ele previne a eclosão de doenças mediante uma boa higiene e, quando essas se manifestam, procura curá-las” (DURKHEIN, 2017, p. 74).

Para Capez (2011, p. 384) a sanção penal consiste na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é a de aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade, ou seja, a pena também deve cumprir um papel de remédio para esse problema denominado criminalidade.

Para esse trabalho de “cura” da violência, é necessário conhecer suas motivações. Como a violência praticada por mulheres vem crescendo exponencialmente, é necessário conhecer suas condicionantes para entender como fenômeno próprio, já que essa se difere da masculina em números e características. É importante aprender quem são essas mulheres que se encontram presas e quais foram os delitos que as levaram aos tribunais.

Já Merton (2004), estruturalista Norte Americano que se apropria do conceito de anomia de Durkheim, põe em evidência a estrita relação entre o crime e a sociedade em que ele está inserido, estudando o desvio a partir da estrutura social. Segundo ele, se essa estrutura não conseguir conter os impulsos biológicos, que geram um crime, há um defeito na mesma.

Merton (2004) ainda aponta que quanto menos integrada for uma sociedade, mais suscetível ao crime ela é, ou seja, quanto mais distantes forem as metas da estrutura oferecida dentro da realidade social, mais as pessoas buscam meios alternativos para alcançar esses objetivos. Esse sociólogo acredita que a sociedade impõe objetivos para que pessoas alcancem o sucesso, e que pressões maiores são exercidas nas camadas mais inferiores da sociedade. Contudo, a estrutura restringe ou fecha os modos aprovados para alcançar esse objetivo. Leciona ainda que:

A cultura dominante faz exigências incompatíveis, para os indivíduos situados nas camadas inferiores da estrutura social. De um lado, a eles se pede que orientem sua conduta em direção à expectativa de grande riqueza – “Que cada homem seja um rei”, diziam Marden, Carnegie e Long – e do outro, a eles se negam, em larga medida, as oportunidades efetivas de assim fazer dentro das instituições vigentes. A consequência dessa inconstância estrutural é uma grande porcentagem de comportamento transviado (MERTON, 2004, p. 219).

Para o autor, quando existe uma desigualdade entre a aceitação dos indivíduos em relação aos fins culturais em relação aos meios para alcançá-los, existe a criminalidade. Como dito, essa situação predomina nos estratos mais inferiores da sociedade, ocorrendo uma desarmonia entre a estrutura cultural e a social. Contudo, essa mesma desarmonia ocorre nos crimes de colarinho branco, em que pessoas de classes mais abastadas buscam meios alternativos, e consequentemente criminosos, para alcançarem seus objetivos em busca da aprovação da sociedade.

Podemos perceber que ambos os sociólogos interligam o crime com questões sociais e, dessa forma, para entendermos o crime temos que entender a sociedade por trás dele, os aspectos que fazem com que os indivíduos cometam atos criminosos, quais seriam essas motivações e o porquê da busca por métodos alternativos para alcançar esses objetivos.

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2. PERFIL DA MULHER PRIVADA DE LIBERDADE

O encarceramento feminino pode ser conceituado como o recolhimento de indivíduos do sexo feminino em estabelecimentos prisionais. Trata-se de tema muito relevante nas discussões sobre o sistema prisional brasileiro, vez que, em que pese a baixa representatividade quando enfrentado o número total de presos brasileiros, são inúmeras as problemáticas dele decorrentes.

O sistema prisional é constituído pelos estabelecimentos prisionais estaduais e federais, destinados tanto ao recolhimento de indivíduos do sexo masculino quanto feminino. Quanto ao sistema prisional, em específico o brasileiro, são constantes as críticas no que se refere à superlotação, estrutura física, observância dos direitos fundamentais do reeducando e efetivo cumprimento da tríplice finalidade da pena.

No que tange à faixa etária da mulher encarcerada no ano de 2020, podemos perceber que no Brasil as presas até 29 anos de idade totalizam 47,33% da população
carcerária. Ao compreendermos juventude como sendo uma categoria social devemos extrapolar a questão da faixa etária.

Essa categoria configura, ao mesmo tempo, uma representação sociocultural e uma situação social. Por essa via, o termo juventude, trata de uma concepção, representação ou criação simbólica, oriunda dos grupos sociais ou pelos próprios sujeitos tidos como jovens, para designar uma série de comportamentos e atitudes a ela atribuídos. Como observa o referido autor, a juventude metamorfoseia-se de acordo com a classe social, o grupo étnico/racial, a nacionalidade, o gênero, o contexto histórico nacional e regional, dentre outros aspectos (NASCIMENTO et al., 2008, p. 1).

Abramovay et al. (2002) afirmam que apesar de a violência não se restringir a estratos sociais, econômicos, raciais, ou mesmo geográficos, levantamentos estatísticos têm demonstrado que tal fenômeno social atinge determinados segmentos com maior intensidade, como por exemplo, os jovens, especialmente os do sexo masculino. Entretanto, entre as mulheres é também na juventude que se encontram mais sujeitas à criminalidade, seja como sujeito ativo ou passivo.

Ao se analisar a variável do estado civil, fica evidenciada maior participação dos indivíduos solteiros dentre os reclusos. Segundo o Infopen (2017), é possível observar que, entre esta população, destaca-se o percentual de mulheres solteiras, que representa 58,4% da população prisional.

No tocante à escolaridade, existe uma tendência à ocorrência de baixa escolaridade dentre as apenadas: é possível afirmar que 44,42% destas possuem o Ensino Fundamental incompleto, seguido de 15,27% com Ensino Médio incompleto e 14,48% com Ensino Médio completo. O percentual de custodiadas que possuem Ensino Superior completo é de 1,46%.

A falta de formação escolar e profissional influencia diretamente na inserção no mercado de trabalho, e justamente essa dificuldade de ter uma fonte de renda levaria algumas dessas mulheres a delinquirem.

Em relação ao dado sobre a cor ou etnia da população prisional feminina
brasileira, 48,04% das mulheres privadas de liberdade com informação sobre raça/etnia no Brasil são de cor/etnia pardas, seguido de 35,59% da população carcerária de cor/etnia branca e 15,51% de cor/etnia preta. Somadas, as mulheres presas de cor/etnia pretas e pardas totalizam 63,55% da população carcerária nacional (INFOPEN, 2017).

3. ENCARCERAMENTO FEMININO E MATERNIDADE

Estamos diante de um grupo de mulheres, na grande maioria abandonadas por seus parceiros, em contexto de fragilização das relações familiares e enfrentando o afastamento dos filhos em decorrência do encarceramento. Da mesma forma, estamos diante de crianças que se encontram sem o apoio materno e sem o direito, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, de serem criadas e educadas no seio de sua família.

PolicyPaper Encarceramento Feminino, produzido pela Diretoria de Análises de Políticas Públicas da fundação Getúlio Vargas, em 2018, traz dados e análises do aprisionamento feminino no Brasil, demonstrando que a maioria das penitenciárias brasileiras carecem de melhor estrutura para proteção dos filhos menores das reclusas, como, por exemplo, estrutura de creche. “Essa situação acarreta diversos problemas que afetam o desenvolvimento infantil, criando uma dificuldade adicional aos filhos das detentas” (FGV DAPP, 2018, p. 16).

Moura (2005) afirma que no contexto da prisão, na maioria das vezes, os filhos que são cuidados exclusivamente pelas mães ficam abandonados, pois não existem políticas públicas que respondam a essa questão. Ela preceitua que as presas descrevem “sentimento de culpa, pois elas entendem que os filhos também são sentenciados, penalidade expressa na ausência delas e na falta de quem lhes preste assistência” (MOURA, 2005, p. 77).

A obra “Maternidade no Cárcere e Lei n.° 13.769/2018”, da Equipe do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais, do Júri e de Execuções Penais, produzida em 2019, apresenta uma análise das legislações referentes a maternidade na privação da liberdade das mulheres tanto no que diz respeito ao acompanhamento da mulher privada de liberdade gestante quanto na manutenção das crianças com suas genitoras em estabelecimentos penais e suas implicações, tendo como foco a prisão domiciliar como alternativa à prisão preventiva, por meio da análise do cenário jurisprudencial da temática até a Lei n.° 13.769/2018.

Esta lei alterou o Código de Processo Penal, as Leis n.º 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), e 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), para estabelecer a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar da mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência e para disciplinar o regime de cumprimento de pena privativa de liberdade de condenadas na mesma situação.

Destaca-se aqui, que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal proferiu importante decisão no Habeas Corpus n.° 143.641, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, que permitiu que fosse substituída a prisão preventiva pela prisão domiciliar (sem prejuízo da aplicação cumulada de medidas alternativas), a todas as mulheres presas durante o período de pandemia da Covid-19, inclusive àquelas adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas, que sejam gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, em prestígio ao art. 2° do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências, “enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes” (STF, 2018, p. 55-56). 

Por conseguinte, recentemente, com vistas a estabelecer “procedimentos e diretrizes para a substituição da privação de liberdade” das referidas reeducandas e em cumprimento à ordem coletiva já mencionada, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n.° 369, de 19 de janeiro de 2021 (CNJ, 2021, p. 04).

4. PRINCIPAL MOTIVAÇÃO DO ENCARCERAMENTO FEMININO

Apesar de não penalizar os usuários de drogas, a legislação brasileira não apresenta qualquer parâmetro objetivo capaz de distinguir o porte de drogas para consumo pessoal e para o tráfico. A ausência de tal diferenciação pode ser entendida como um dos principais fatores desencadeadores do alto número de prisões por tráfico de drogas no Brasil.

O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (2019) concluiu que dentre as incidências penais, o ilícito do tráfico de drogas representava, do período de julho a dezembro de 2019, um total de 200.583 pessoas privadas de liberdade em todo o Brasil, sendo ele também o fator responsável por 50,94% da população de mulheres presas no mesmo período.

Ressalte-se inclusive que, conforme o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (2017, p. 45), no período de 2005 a 2017, o crime de tráfico de drogas se manteve como o principal motivador do encarceramento de mulheres no país, mesmo tratando-se de um ilícito praticado sem violência ou grave ameaça, diretamente. Curiosamente, o mesmo estudo indicou que no que se refere ao ilícito do tráfico de drogas, muitas das mulheres buscam ou são levadas ao cometimento por meio de uma figura masculina, reforçando “a influência das relações de gênero no universo criminal” (INFOPEN, 2017, p. 72).

É importante considerarmos que no mercado de trabalho informal do tráfico de drogas também ocorre divisão sexual do trabalho, existindo funções e atividades específicas a serem desempenhadas para cada um dos sexos. Na hierarquia do tráfico, as mulheres desempenham atividades frequentemente relacionadas a trabalhos domésticos ou são usadas quando há necessidade de discrição.

Athayde e Bill (2007), por meio de relatos e entrevistas com dezenas de mulheres residentes em favelas do Brasil, descrevem de maneira objetiva como se dá a inserção feminina no contexto do tráfico de drogas, evidenciando questões como a violência, vulnerabilidade social, abandono familiar, displicência dos governantes e sexismo, bem como incentivando a reflexão acerca da necessidade de políticas públicas sociais e de segurança para tratamento dos impasses.

Nesta feita, Szabó e Clemente (2017) demonstram o envolvimento de fatores relacionáveis ao financiamento de grupos armados, mulheres que se arriscam no transporte de drogas, problemática da atuação policial e dependência química, priorizando a abordagem da adoção de medidas alternativas no combate às drogas e da inviabilidade de políticas repressivas e aprisionantes em detrimento da mera crítica aos riscos intrínsecos às substâncias ilícitas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados obtidos são de certa forma, graves, pois as mulheres, principalmente nas comunidades pobres, são fatores de apoio e articulação da família, de modo que seu recolhimento enseja, na maioria das vezes, o abandono pelos seus companheiros e a privação forçosa do contato diário e do cuidado de seus filhos.

Merton (2004) acredita que a integração social, à luz das instituições sociais, é o principal indicador de uma sociedade saudável, opondo-se ao estado enfermo de anomia. No entanto, podemos perceber que a sociedade brasileira não se encontra devidamente integrada e que quanto menos integrada for uma sociedade, mais suscetível ao crime ela é. No contexto social onde as mulheres encarceradas foram inseridas, são distantes as metas da estrutura oferecida dentro da realidade social. Por tal motivo, as detentas buscam meios alternativos para alcançar esses objetivos, uma vez que se encontram nas camadas inferiores da sociedade.

Por meio da pesquisa, foi possível perceber ainda que ao contrário do que propõe Durkheim (2007), o Estado não está cumprindo seu papel de “médico” em relação à criminalidade. Percebe-se que as mulheres encarceradas encontram dificuldade de serem inseridas na sociedade através dos estudos e/ou do mercado de trabalho, assim como não estão sendo cumpridas as medidas legislativas que buscam proporcionar melhores condições para seus filhos, evitando a retroalimentação da cadeia do crime no futuro.

Diante do exposto, constata-se a importância de melhor analisar o perfil das mulheres privadas de liberdade, bem como as circunstâncias da prisão, com vistas a obter resultados aptos a contribuir juridicamente e socialmente para o provimento de políticas públicas tanto preventivas, no sentido da proteção social, inclusão e aprimoramento da segurança pública, quanto assecuratórias do cumprimento satisfatório e ressocializador da pena.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, M. ET AL. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para políticas públicas. Brasília: UNESCO, 2002.

ATHAYDE, Celso; BILL, MV. Falcão: mulheres e o tráfico. 1. ed. Rio de Janeiro (RJ): Objetiva, 2007.

CAPEZ, Fernando. Direito Penal Parte Geral. 15 ed.; São Paulo: Saraiva, 2011.

CNJ. Resolução n.° 369, de 19 de janeiro de 2021. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original0529372021020960221dc15941f.pdf. Acesso em 21 de junho de 2021.

DIRETORIA DE ANÁLISES DE POLÍTICAS DE PÚBLICAS DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS. PolicyPaper - Segurança e Cidadania: encarceramento feminino, 2018. Disponível em: http://dapp.fgv.br/publicacao/encarceramento-feminino-policy-paper/. Acesso em 15 de novembro de 2021.

DURKHEIM, E. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

EQUIPE DO CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS CRIMINAIS, DO JÚRI E DE EXECUÇÕES PENAIS. Maternidade no Cárcere e Lei n. 13.769/2018: Apontamentos sobre a prisão domiciliar como substituto da prisão preventiva e do regime de cumprimento de pena e como instrumento da progressão especial de regime, 2019. Disponível em: https://criminal.mppr.mp.br/arquivos/File/Maternidade_no_Carcere_e_Prisao_domiciliar_-_versao_2019_- _versao_atualizada_em_26-2-2019.pdf. Acesso em 20 de novembro de 2021.

INFOPEN. Quantidade de incidências por tipo penal. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiYWY5NjFmZjctOTJmNi00MmY3LThlMTEtNWYwOTlmODFjYWQ5IiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9. Acesso em 20 de novembro de 2021.

INFOPEN. Relatório temático sobre mulheres privadas de liberdade. Disponível em: http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/copy_of_Infopenmulheresjunho2017.pdf. Acesso em: 20 de novembro de 2021.

MERTON, Robert K. Teoria y  EstruturaSociales. México: FCE, 2004.

MOURA, Maria Jurena de. Porta fechada, vida dilacerada - Mulher, tráfico de drogas e prisão: estudo realizado no presídio feminino do Ceará. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará, 2005.

PAULA, Ana Carolina Medeiros Costa; SANTANA, Israel José. Delinquência feminil: breves aspectos históricos e criminológicos. Disponível em: https://sistema.atenaeditora.com.br/index.php/admin/api/artigoPDF/26236. Acesso em: 14 de novembro de 2021.

STF. Habeas Corpus n.° 143.641/SP. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Julgado em 20 de fevereiro de 2018. Publicado em 09 de outubro de 2018. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC143641final3pdfVoto.pdf. Acesso em 21 de novembro de 2021.

SZABÓ, Ilona; CLEMENTE, Isabel. Drogas: as histórias que não te contaram. 1. ed. Rio de Janeiro (RJ): Zahar, 2017.

Sobre os autores
Milene Daniele Oliva Leão

Advogada, Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros e Gestora em Segurança Pública e Privada pela Faculdade de Tecnologia e Educação de Goiás.

Samuel Felipe Santos Souza

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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