Reflexões sobre o inventário que contenha ações negociadas na bolsa

Leia nesta página:

O valor das ações negociadas na bolsa de valores está sujeito à bruscas alterações, esta característica cria desafios específicos para a realização de um inventário cuja herança contenha valores mobiliários e realça a necessidade de uma boa estratégia

Nos últimos anos o número de pessoas físicas que investem em ações de empresas de capital aberto na bolsa de valores a B3 aumentou vertiginosamente, já são cerca de 4 milhões de investidores e 545 bilhões de reais custodiados.[1]

Assim sendo, a tendência é que se torne cada vez mais comum a realização de inventários cujo espólio contenha ações de empresas negociadas na B3.

À primeira vista pode parecer que o inventário de uma ação não difere do dos demais bens móveis, pois trata-se de um patrimônio com valor econômico sujeito às mesmas leis de sucessão.

Embora o inventário para o recebimento de uma herança de ações tenha o mesmo procedimento dos demais bens, a volatilidade de seu valor, que pode variar drasticamente em horas e, sobretudo, em anos, cria risco de depreciação do patrimônio.

A conclusão de um inventário pode durar anos e sem as precauções adequadas, neste período, as ações podem ficar sem a gestão adequada e sujeitas às variações do mercado, como uma folha solta carregada pelo vento.

A volatilidade e a dificuldade de gestão das ações na pendência do inventário geram risco de depreciação significativa do espólio e, também, podem criar casos difíceis quanto à tributação da herança.

A título exemplificativo, suponhamos o seguinte exemplo: Em 2012 dois irmãos, não conhecedores do mercado de ações, iniciam um inventário judicial para o recebimento de uma herança que contém 10.000 ações preferenciais da empresa de telefonia Oi, cujo código de negociação na B3 é OIBR4.

Em 2012, a cotação da OIBR4 era R$ 87,60, portanto, o valor total do inventário na sua abertura era de R$ 876.000,00 e os herdeiros apenas se preocupam em encerrar o inventário, sem atentar para a gestão das ações.

Porém a conclusão do inventário demandou 10 anos e só ocorreu em 2022, período no qual a empresa Oi deixou de ser uma das mais robustas do mercado e entrou em recuperação judicial. Resultado, a cotação da OIBR4 despencou para R$ 1,48, conforme o gráfico abaixo.

Quando as ações foram partilhadas elas valiam apenas R$ 14.800,00 - uma atroz depreciação de 98,33%. Ou seja, enquanto corria o inventário os herdeiros assistiram passivamente à desintegração do patrimônio.

Pior, provavelmente a base de cálculo do imposto incidente sobre a transmissão da herança (ITCMD) teria sido o valor das ações no dia da abertura da sucessão; assumindo uma alíquota de 4%, o tributo seria de R$ 35.400,00, mais que o dobro do valor efetivamente recebido ao final do inventário.

Esse exemplo mostra que a gestão de um inventário que contenha ações demanda atenção e uma estratégia para mitigar os riscos envolvidos.

Cabe salientar que mesmo que o oposto tivesse ocorrido e no curso do inventário as ações tivessem valorizado, ainda seria possível que houvesse problemas na quantificação do ITCMD, caso a Fazenda adotasse como base de cálculo do imposto o valor da cotação do momento da elaboração dos cálculos, o que o majoraria indevidamente.

Dessa forma, é evidente que gestão de uma herança que contenha ações de companhias de capital aberto merece considerações específicas, algumas das quais abordamos pontualmente a seguir.

  • A IMPORTÂNCIA DA REALIZAÇÃO EFICIENTE E CÉLERE DO INVENTÁRIO

Embora o princípio da saisine estabeleça que a sucessão ocorre no momento do óbito, na prática, a herança é transferida apenas com a conclusão do inventário e a entrega do formal de partilha aos herdeiros, se feito judicialmente, ou a lavratura da escritura de partilha, no caso do extrajudicial.

Sendo indispensável a realização do inventário para a transferência das ações, então aos herdeiros cabe agir de forma rápida e decisiva para finalizar o inventário o quanto antes ou, ao menos, alienar as ações com autorização judiciai.

O meio mais rápido para fazer o inventário é a via extrajudicial, isto é, através de escritura lavrada em cartório de notas e que, se feita com agilidade, pode ser encerrada em semanas ou poucos meses, a depender das peculiaridades do caso.

Pode ocorrer dos herdeiros desejarem fazer o inventário extrajudicial, porém, por qualquer razão, não o podem fazer imediatamente, normalmente por alguma pendência de algum outro bem do espólio.

Nesses casos, é possível lavrar uma escritura de inventário apenas para a partilha das ações e deixar para o futuro o inventário dos demais bens através de uma sobrepartilha.

Lavrada a escritura, devem então os herdeiros entrar em contato com a corretora de valores que mantém a custódia das ações para proceder a efetiva transferência delas para os seus nomes e, a partir de então, gerir elas como melhor entenderem.

Contudo, em alguns casos o inventário deverá ser realizado necessariamente pela via judicial, talvez, por exemplo, porque haja o interesse de menores envolvidos na sucessão.

É proeminente nos inventários judiciais a figura do inventariante, a quem incube administrar o espólio (art. 618, II do CPC) e ouvidos os interessados e com autorização do juiz, alienar bens de qualquer espécie (art. 619, I do CPC).

Embora seja mais demorado que o extrajudicial, no inventário judicial poderão os herdeiros, através do inventariante, requerer o deferimento de medida judicial que autorize a alienação das ações no mercado através da corretora de valores que mantém a custódia delas.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Em que pese neste caso as ações propriamente ditas sejam vendidas, fica resguardado o valor econômico e protegido o patrimônio de eventual queda da cotação.

De toda a sorte, o importante é que os herdeiros compreendam as peculiaridades dos ativos que compõem o espólio e formulem uma estratégia coerente, o que, na realidade, vale não só para ações, mas para quaisquer outros bens que integrem o espólio.

  • REFLEXÕES SOBRE O IMPOSTO DE TRANSFERÊNCIA CAUSA MORTIS (ITCMD) DA HERANÇA QUE CONTENHA AÇÕES

A volatilidade do valor das ações pode também criar casos difíceis na definição da base de cálculo do ITCMD incidente sobre a transmissão de ações, quer em caso de valorização ou desvalorização.

Um dos principiais princípios que informam o direito sucessório é o da saisine, segundo o qual, em síntese, a sucessão patrimonial ocorre no momento do óbito do autor da herança.

Portanto, os herdeiros herdam as ações com o valor da cotação do pregão do dia do óbito do autor da herança, de forma que todas as variações posteriores, para mais ou para menos, estão fora da sucessão e da tributação.

Dessa forma, a base de cálculo do ITCMD deve ter por base a cotação do ativo do dia do pregão do em que aberta a sucessão e, de maneira geral, este é o critério adotado pelas legislações estaduais, tais como as do Rio de Janeiro e São Paulo.

Contudo, como no exemplo por nós imaginado nessas reflexões, é possível que surjam casos nos quais grande desvalorização das ações no curso do inventário crie grande desproporção entre o valor do imposto e do bem tributado, sendo possível, em casos extremos, que o imposto seja maior do que todo o patrimônio a ser herdado.

Ainda não conhecemos jurisprudência sobre o assunto, que certamente será tratado por tribunais no futuro, embora suspeitemos que o tema venha a ser tratado sob a luz da vedação de tributação com efeito confiscatório.

Por ora, a principal proteção é buscar encerrar o inventário o quanto antes ou, então, liquidar as ações através de autorização judicial, tal como abordado anteriormente.

Pode ocorrer também o oposto, isto é, as ações valorizarem no curso do inventário e, nesse caso, é importante que os herdeiros fiquem atentos aos documentos de lançamento do ITCMD para controlar qual a base de cálculo adotada pelo fisco.

Os cálculos tributários certamente serão feitos meses ou anos depois de aberta a sucessão e é possível que quando efetivamente realizados a autoridade fazendária venha a adotar a cotação de momento para calcular o imposto.

Caso tal situação ocorra, será preciso impugnar o lançamento tributário para buscar uma base de cálculo que tenha por base o valor da cotação das ações no momento da abertura da sucessão, estando qualquer valorização posterior fora da incidência tributária.

  1. Conforme https://www.b3.com.br/pt_br/noticias/porcentagem-de-investidores-pessoa-fisica-cresce-na-b3.htm, acessado em 18/01/2022.

Sobre o autor
George Gustavo Sinclair Medeiros

Advogado, especialista em direito sucessório.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos