UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA UnB
FACULDADE DE DIREITO FD
Paulo Lemgruber Xavier Mattoso Pavie
Análise e dissertação a respeito das diferenças e similitudes entre o Casamento civil no Brasil e o sacramento do casamento na Igreja Católica.
Brasília
2021
O CASAMENTO CIVIL PERANTE O DIREITO CANÔNICO
RESUMO
O presente trabalho visa demonstrar e analisar as diferenças e semelhanças entre o Casamento civil no Brasil e o sacramento do Casamento ministrado pela Igreja Católica, regido pelo Direito Canônico, abordando questões atuais como: União Homoafetiva, poliamor, divórcio etc.
Palavras-chaves: Jusnaturalismo Católico; Direito Canônico; Casamento.
ABSTRACT
The article pretends to analyses and show the diferences and similarities between the civil marriage in Brazil and the sacrament of the marriage performed by the Catholic Church, ruled by the canon law, approaching current issues as: homoaffective union, polyamory, divorce and others.
Key-words: Catholic Jusnaturalism; Canon Law; Marriage.
Introdução e Análise da Atividade
O presente artigo tem como objetivo estabelecer e analisar as semelhanças e diferenças entre o instituto do Casamento, regido pelo Direito Civil brasileiro e o sacramento do Casamento, ministrado pela Igreja Católica Apostólica Romana, regido pelo Direito Canônico[1] e justificado pela doutrina juscatólica a respeito da Família. Em tempos que a proteção dos direitos das famílias estão tão à tona, seja na mídia, seja nos conflitos políticos e ideológicos, ou nas conversas quotidianas, este ensaio busca esclarecer a perspectiva da doutrina do Jusnaturalismo Católico, expressado no direito canônico, sobre este tema, contrapondo concepções reducionistas e equivocadas estabelecidas e defendidas muitas vezes por líderes e autoridades civis e eclesiásticas, em que se utilizam das Sagradas Escrituras, através de uma exegese criativa e superficial para legitimar atos contrários à ortodoxia da fé católica.
Dentre os ramos do Direito Civil brasileiro, faz-se presente o Direito de Família, que como bem indica Flavio Tartuce (2013, Direito de Família, pp. 1): trata das relações familiares e das obrigações e direitos decorrentes dessas relações, tem como conteúdo os estudos do casamento, união estável, relações de parentesco, filiação, alimentos, bem de família, tutela, curatela e guarda. São princípios que regem esta seara do Direito: O Princípio da dignidade humana, o Princípio da Afetividade, o Princípio da Liberdade, Princípio do pluralismo familiar, Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros, Princípio da igualdade e isonomia dos filhos, Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, Princípio da paternidade responsável e do planejamento familiar e o Princípio da solidariedade familiar.
O Direito Natural católico é a corrente jusfilosófica que crê e ensina que os direitos provêm de Deus, criador da lei eterna - imutável e atemporal. A lei natural seria, stricto sensu, a lei eterna, enquanto participada à natureza racional do homem: participatio legis aeternae in rationali criatura (TOMÁS DE AQUINO, I-II, q.91, a. 2). Esta lei estaria inscrita na consciência do ser humano através de princípios e seria acessada por meio da sindérese[2]. Importante ressaltar que a lei natural não é uma espécie de catálogo de normas positivadas proibitivas ou permissivas, nem induz a criação de um código ideal de direitos, sendo predominantemente principiológica.
Esta corrente jusfilosófica perdurou principalmente no continente europeu pelo período da Idade Média, onde a autoridade civil Rei, Imperador submetia-se à autoridade eclesiástica Bispos e o Sumo Pontífice ainda que não se confundissem estas duas autoridades. Nos dias atuais esta ainda perdura no Direito Canônico e no Direito Civil de alguns países e é discutida principalmente em países de raízes ibéricas, como o Brasil, Portugal, Espanha e Argentina.
Este artigo irá analisar o casamento católico em face ao casamento civil, de modo que perante a Doutrina jusnaturalista católica estabeleça a compatibilidade ou incompatibilidade entre aspectos de ambos. Para isto, as fontes consultadas serão as Sagradas Escrituras, o Código de Direito Canônico, o Código Civil brasileiro, documentos emitidos pela Santa Sé, tais como as Bulas papais, a Constituição Federal e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
O Casamento no Direito Civil
O Casamento por muito tempo foi a única entidade familiar reconhecida pelo Direito brasileiro, o casamento jurídico é um ato jurídico complexo por meio do qual um casal constitui família, caracterizado pela livre manifestação de vontades dos nubentes e pelo reconhecimento do Estado, assim sendo, um ato jurídico solene, público e negocial (dependente da vontade das partes). É a junção de todos estes elementos que torna o casamento válido.
Atualmente, apesar de não ser a única forma de entidade familiar, é o modelo mais frequente e visado na sociedade. A sua constituição pressupõe a observância de um procedimento bastante complexo, dependendo de diversos atos estatais. A prova do casamento se dá através de registro público, via certidão pública, registrada em cartório. Nos dias de hoje, o casamento civil se limita a efeitos civis, o que nem sempre ocorreu no país. Durante o período do Império (1822-1889), a religião católica foi estabelecida como religião oficial do Estado, de modo que as normas regentes do casamento eram as mesmas do direito canônico. Com o advento da República e a laicização do Estado, a única intersecção entre as esferas seculares e religiosas é a do reconhecimento de celebração religiosa, não somente a católica, mas de qualquer crença, produzindo efeitos jurídicos, desde que efetuado o registro civil mediante prévia habilitação de autoridade competente (art. 1516 do Código Civil Brasileiro), ou posteriormente, em situações excepcionais.
Este registro requer a apresentação dos seguintes documentos: Documentos de identificação dos nubentes, autorização por escrito dos responsáveis (se necessário for), a declaração de duas testemunhas (por escrito) de que os nubentes se conhecem e não possuem impedimentos para casar, declaração de estado civil e domicílio dos nubentes e de seus pais (se vivos forem) e a certidão de óbito de um cônjuge falecido (se houver), declaração de nulidade de casamento prévio ou certidão de divórcio (para os nubentes que já foram casados). Em posse desses documentos, os nubentes comparecem ao oficial de registro, que dará início ao processo de habilitação para casar-se, estando tudo conforme a lei, abrir-se-á o edital do proclamas nas circunscrições de registro de nascimento de ambos os nubentes correndo prazo de 15 dias para que qualquer pessoa, incluindo o oficial, se manifeste para alegar impedimentos ao matrimônio. Em caso de alegação de impedimento do matrimônio, os nubentes serão notificados e terão prazo de 3 dias ou mais, em situação excepcional, para indicar provas para atestar a inexistência de impedimentos ou causas suspensivas. Após este prazo, a autoridade cartorária encaminhará as alegações contrárias e a defesa dos nubentes para que haja a definição a seu respeito. Transcorrido o prazo de 15 dias do proclamas sem alegação contrária ou impugnação, ou impugnação rejeitada, inicia-se um processo de vistas para o Ministério Público para que este manifeste-se pela regularidade da habilitação ou necessidade de cumprimento de exigência acessória para suprir eventual irregularidade na habilitação, não havendo impugnação ou resolvida esta, o Ministério Público emite um atestado de habilitação, imprescindível para a celebração do casamento.
A celebração do casamento precisa ser realizada em prazo de até 90 dias após a habilitação, que poderá ser feita por autoridade civil ou religiosa, requerendo três elementos: A declaração de vontade das partes - livre e consciente, o testemunho de pessoas presentes e a declaração de autoridade civil e religiosa a respeito da realização do matrimônio. Havendo vício de consentimento, manifestada a recusa da vontade de casar-se, a ausência de liberdade na escolha ou o arrependimento do ato, suspender-se-á a celebração. É permitido arrepender-se da recusa e prosseguir com o casório, não no mesmo dia. É necessária a presença de duas testemunhas para atestar o casamento, no caso de nubente analfabeto, ou cerimonia em Igreja ou recinto privado, serão necessárias 4 testemunhas. A celebração poderá ser realizada na ausência dos futuros cônjuges mediante procuração. Em situações extremas, como doença grave, a lei estabelece a possibilidade de deslocamento do oficial de registro para que faça a celebração do casamento, testemunhado por apenas duas testemunhas, no casamento nuncupativo - com nubente em grave perigo de morte - dispensa-se a presença de autoridade judicial, requerendo seis testemunhas que não possuam parentesco com os nubentes e realizem em até 10 dias os fatos testemunhados.
Findada a celebração, dar-se-á o registro público do ato. Este registro deverá contar com uma série de informações atinentes à validade da celebração. No caso de celebração religiosa, há o prazo de 90 dias para o registro público, uma vez registrada, há a retroatividade dos efeitos do casamento até a data de celebração.
A capacidade para casar-se é de quem possui capacidade civil plena maiores de 18 anos, com plenas faculdades mentais- maiores de 16 e menores de 18 anos com autorização expressa de ambos os pais, no caso de recusa injusta de um dos pais, há a possibilidade de supressão da recusa. Não é admitido o casamento de menores de 16 anos.
Os impedimentos matrimoniais são motivos que vedam o casamento entre determinados nubentes. Não é permitido o casamento de ascendentes com seus descendentes, os afins em linha reta, o adotante com o cônjuge do adotado, os irmãos e demais colaterais em até 3º grau, adotado com o filho do adotante, pessoas casadas, cônjuge sobrevivente com o condenado pela morte de seu consorte.
Há também causas suspensivas ao casamento, que não impedem a realização do casamento, mas restringem a liberdade dos cônjuges, causando a separação total de bens: Quando um viúvo(a) tem filhos(as) do cônjuge falecido(a) e ainda não foi feito o inventário dos bens do casal e a partilha desses bens aos herdeiros; Nos dez meses seguintes à morte do marido, do divórcio ou anulação do casamento; Uma pessoa divorciada, enquanto não for homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; Quando uma pessoa é tutelada ou curatelada por outra, não deve se casar nem com o seu tutor ou curador, nem com os seus descendentes (filhos, netos), ascendentes (pais, avós), irmãos, cunhados e sobrinhos, enquanto persistir a tutela ou curatela e não estiverem saldadas as contas deste tipo de relação jurídica. Só podem ser arguidas pelos parentes em linha reta (pais, avós, bisavós, filhos, netos, bisnetos) e pelos irmãos dos interessados em se casar.
Há também as cláusulas de nulidade e anulabilidade do casamento. A única hipótese de nulidade é verificada quando existe algum impedimento (artigo 1521 do Código Civil) por parte de um ou ambos os cônjuges. Esta deve ser declarada pelo poder judiciário, não sendo de reconhecimento automático. Os entes legitimados a propor demanda arguindo a nulidade do casamento são: os interessados e o Ministério Público. A nulidade retroage relativamente, todavia são preservados os direitos de eventuais terceiros de boa-fé. Não há prescrição do direito de requerimento da declaração de nulidade matrimonial.
A anulabilidade é hipótese em grau menos elevado de invalidade do matrimônio que diz respeito à tutela de interesses individuais relevantes, estando vinculadas integralmente à sua promoção por parte dos interessados legitimados nos prazos decadenciais estabelecidos. Sua sentença não possuirá efeitos retroativos. Quando por culpa de um dos cônjuges, o casamento for anulado, este responderá por perdas e danos em face do cônjuge prejudicado, devendo, inclusive, cumprir as promessas já feitas em eventual contrato antenupcial (Código Civil, art. 1.564). São anuláveis os casamentos (Código Civil, art. 1.550): De quem não completou a idade mínima para casar-se, do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal; por vício da vontade, nos termos dos artigos 1.556 a 1.558 ; do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento; realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges; por incompetência da autoridade celebrante.
O Direito Natural
O Direito Natural é a corrente jusfilosófica que crê e ensina que os direitos provêm de Deus, criador da lei eterna - imutável e atemporal. A lei natural seria, stricto sensu, a lei eterna, enquanto participada à natureza racional do homem: participatio legis aeternae in rationali criatura (TOMÁS DE AQUINO., I-II, q. 91, a. 2). Esta lei estaria inscrita na consciência do ser humano através de princípios e seria acessada por meio da sindérese. O justo natural ou direito natural é o débito estrito em relação a outra pessoa, com fundamentos na lei da natureza.
Acredita-se que o termo Direito[3] se origina do particípio passado do verbo latino dirigere, que significa dirigido, composto pela partícula di e do verbo regere, que significa reger ou governar (particípio passado: rectum). O direito é aquela coisa que, estando atribuída a um sujeito, que é seu titular, é devida a esse, em virtude de uma dívida em sentido estrito (Hervada, pp.136, 1987). Com o passar do tempo, o vocábulo assumiu outras conotações, por analogia, significando: Norma Jurídica (Lei), Poder Jurídico, Saber Jurídico, Lugar Jurídico e pessoa realiza o direito (Juiz, partes, o notário etc.). Tomás de Aquino aborda este assunto:
É habitual serem os nomes desviados da sua primitiva significação para significar outras coisas. Assim, o nome de medicina foi empregado, primeiro, para designar o remédio dado a um enfermo, para que sare; depois, passou a significar a arte de curar. Assim também, a palavra ius foi empregada primeiramente para significar a coisa justa mesmo; depois, porém, aplicou-se à arte pela qual conhecemos o justo; ulteriormente, para significar o lugar em que é aplicado o direito, como quando se diz que alguém deve comparecer perante a justiça; e, por fim, chama-se ainda direito o que é aplicado por quem tem o dever de fazer justiça, embora seja iníquo o que decidiu. (TOMÁS DE AQUINO, II-II, q. 57, a.1 ad 1)
Dentre os autores que advogam por esta corrente de pensamento estão: Cícero, Platão, Aristóteles, Agostinho de Hipona, Isidoro de Sevilha, Tomás de Aquino, John Finnis, Michel Villey, Leo Strauss, Javier Hervada, Ricardo Dip, Vitor Sales Pinheiro, José Pedro Galvão de Sousa e Eric Voegelin.
É importante ressaltar que jusnaturalismo não se confunde com o jusracionalismo, muitas vezes nomeado jusnaturalismo racional (dentre seus pensadores estão: Hobbes, Locke, Espinosa etc.). Esta corrente de pensamento buscou um sistema de direito baseado na razão, deduzido desta, que em muitos casos possuía grande tendencia reformista em relação ao direito estabelecido.
A lei natural também não é uma espécie de catálogo de normas positivadas proibitivas ou permissivas, nem induz a criação de um código ideal de direitos, sendo predominantemente principiológica.
O adjetivo católico ao termo jusnaturalismo indica que este está de acordo com os enunciados e preceitos da religião católica. A religião católica, segundo dados se trata da maior religião em número de adeptos no Brasil e em todo o mundo, alega ser fundada pelo próprio Cristo, que delegou a administração de sua Igreja (reunião de pessoas) ao apóstolo Simão Pedro que, conforme estabeleceu a Tradição, foi o 1º papa.
Após a ressureição de Jesus Cristo, a administração da sua Igreja foi delegada ao papa, vigário do Cristo na terra e aos epíscopos (bispos) que governam em suas dioceses (unidades territoriais). Isto está presente nas Sagradas Escrituras, no livro de Matheus:
"Jesus, então, lhe disse: Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus." (BÍBLIA, Mateus, 16, 17-19)
Este poder sobre a administração da Igreja Católica ficou conhecido como Magistério, cabendo a ele o guiar e o esclarecimento do povo católico nas questões de fé e moral, a partir das interpretações das escrituras e da Tradição constituída ao longo dos quase 2000 anos de existência.
A Igreja por sua vez, através de suas autoridades, sempre foi uma ferrenha defensora da lei natural (como já mencionado, partícipe da lei eterna, criada pelo próprio Deus), ensinamentos em favor desta estão presentes em diversos textos ligados à esta instituição, tais como: O Catecismo da Igreja Católica, que esclarece:
As expressões da lei moral são diversas, mas todas coordenadas entre si: a lei eterna, fonte em Deus de todas as leis; a lei natural; a lei revelada, compreendendo a Lei antiga e a Lei nova ou evangélica: por fim, as leis civis e eclesiásticas. (CATECISMO da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2000. pp. 516.; CIC 1952.)
Os escritos dos santos, tal como já mencionado em Tomás de Aquino; A Bíblia Sagrada, precisamente na epístola II de Pedro: "Mas estes, quais brutos destinados pela Lei natural para a presa e para a perdição, injuriam o que ignoram, e assim da mesma forma perecerão. Esse será o salário de sua iniquidade." (BÍBLIA, II Pedro 2, 12); As declarações dos seus membros e em diversas outras fontes, a Igreja é ferrenha defensora da Lei Natural. A lei natural para a Igreja é revelada através dos mandamentos a Moisés, que constitui um regramento moral a nortear toda a cristandade.
Cabe ressaltar que não é por ser contrário a Lei natural, que uma conduta deve ser regulada pelo Direito. É objeto do Direito todo ato[4] que transcende a individualidade atingindo a terceiros, ao passo que a Moral abarcaria todo agir humano. Deste modo, se a Moral pode ser resumida a: Agir (Verbo mais adequado do que fazer) o bem e evitar o mal. o Direito preceituaria: Agir o bem a outrem e evitar o mal a outrem.
Importante ressaltar que a lei natural não é uma espécie de catálogo de normas positivadas proibitivas ou permissivas, nem induz a criação de um código ideal de direitos, sendo predominantemente principiológica. A Igreja nunca recitou um modelo ou formato de governo, mas sempre emitiu juízos a respeito destes, O Papel da teologia certamente não é determinar a política nem o direito, mas os julga. Faz uma seleção (Villey, pp.103. 1987).
Todavia a partir do século XIX com as constantes mudanças ocorridas na vida social, os papas iniciaram uma série de encíclicas e exortações para elucidar e definir o que seria conveniente ao cidadão católico dentro da seara política e social. Esta série de documentos ficou conhecida como Doutrina Social da Igreja (D.S.I.). A 1ª encíclica sobre este tema foi a Rerum Novarum (em português, "Das Coisas Novas") que condenou o Liberalismo e Socialismo e inclinou-se favorável ao Distributismo. O último documento até os dias atuais é a Fratelli tutti[5] (em português: 'Todos irmãos'; subtítulo: "sobre a fraternidade a amizade social"), do ano 2020. Dentre os princípios da DSI estão: 1) A dignidade da pessoa humana, como criatura à imagem de Deus e a igual dignidade de todas as pessoas; 2) respeito à vida humana, 3) princípio de associação, 4) princípio da participação, 5) princípio da solidariedade, 6) princípio da subsidiariedade, 7) princípio do bem comum, 8) princípio da destinação universal dos bens.
O Sacramento do Casamento no Direito Canônico.
De acordo com o Direito Canônico, o casamento é o pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio íntimo de toda a vida, ordenado por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole. Entre os batizados, foi elevado por Cristo Nosso Senhor à dignidade de sacramento. São características deste contrato: A unidade, pela qual os cônjuges tornam-se uma só carne perante Deus: "Por isso, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois constituirão uma só carne"[6] e: A indissolubilidade, vedando o divórcio: "Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu[7].
O casamento celebrado diante de autoridades seculares não possui validade diante o direito divino, isso se aplica também às celebrações realizadas em outras confissões religiosas, sejam elas cristãs ou não, exceção feita aos católicos orientais[8], uma vez que a observância do rito prescrito na liturgia romana é conditio sine qua non para a validade da celebração. Nos casos de casamentos mistos entre batizados e não batizados é vedada a participação, (seja esta anterior ou posterior ao rito católico) da parte católica no rito da religião de seu cônjuge. Já para o casamento diante de autoridade civil, não há nenhum óbice por parte do direito canônico.
Para que ocorra o casamento, deve constar que nada obsta à sua válida e lícita celebração. É dever da Conferência episcopal, no caso do Brasil a CNBB, estabelecer as normas acerca do exame dos noivos e das publicações matrimoniais ou outros meios oportunos para as investigações que se devem realizar e são necessárias antes do matrimônio, com intuito de que depois de tudo observado cuidadosamente, o pároco ou autoridade por ele delegada possa proceder a assistir ao matrimônio. Em caso de perigo de morte, ocorre a dispensa das provas, bastando apenas o juramento dos nubentes de que são batizados e desimpedidos.
Os casamentos só são validos se assistidos pela autoridade local competente, seja ela, Bispo ou Pároco, ou nos casos de delegação: O sacerdote, o diácono ou leigo delegado. É válido ressaltar que para que haja a competência territorial, ao menos um dos nubentes deve ser súbdito[9] daquele que assistirá à celebração. Em situações excepcionais há a dispensa de necessidade de assistente juridicamente previsto pelo direito canônico. É necessária a presença de duas testemunhas.
A celebração matrimonial deve ser feita em templo católico (Paróquia, Capela, Santuário, Catedral etc.) ou em local conveniente desde que previamente autorizado. Não havendo estado de necessidade, a celebração deve obedecer ao rito estabelecido nos livros litúrgicos. Realizada a celebração e pactuado o matrimonio entre o casal, cabe ao pároco ou assistente delegado, registrar no livro dos matrimônios, os nomes dos cônjuges, do assistente e das testemunhas, o dia e o lugar da celebração do matrimónio, segundo o modo prescrito pela Conferência episcopal ou pelo Bispo diocesano. É também necessário o registro no livro de batismos.
Há previsão para celebrações secretas, neste caso, ainda é necessária a investigação sobre impedimentos dos cônjuges, o Ordinário do lugar, o assistente, as testemunhas e os cônjuges deverão guardar segredo acerca da celebração do matrimônio. Neste caso o registro deverá ser realizado em livro próprio e guardado no arquivo da cúria.
A capacidade para casar-se é de todos aqueles que não estejam proibidos pelo direito. Isto é, que não incorrem em nenhum impedimento. Os impedimentos são motivos que desqualificam um nubente a contrair núpcias. Alguns deles podem ser dispensados, uns pelo ordinário local, outros somente pela Santa Sé. São impedimentos ou impedidos ao matrimônio: A idade do homem antes de dezesseis anos completos e a mulher antes dos catorze anos; A impotência antecedente e perpétua para realizar o ato conjugal, por parte quer do marido quer da mulher, tanto absoluta como relativa; A ligação pelo vínculo de um matrimônio anterior, ainda que não consumado; a recepção de ordens sacras; o voto público perpétuo de castidade emitido num instituto religioso; entre um homem e a mulher raptada ou retida com intuito de com ela casar, não pode existir matrimônio, a não ser que a mulher, separada do raptor e colocada em lugar seguro e livre, espontaneamente escolha o matrimônio; Quem, com intuito de contrair matrimônio com determinada pessoa, tiver causado ou cooperar com a morte do cônjuge desta ou do próprio cônjuge, atenta invalidamente tal matrimônio; na linha reta de consanguinidade com ascendentes ou descendentes e na linha colateral é inválido o matrimônio até ao quarto grau, inclusive; A afinidade em linha reta dirime o matrimônio em qualquer grau; O impedimento de pública honestidade origina-se no matrimônio inválido após a instauração da vida comum ou de concubinato notório ou público; E dirime as núpcias no primeiro grau da linha reta entre o homem e as consanguíneas da mulher, e vice-versa; Não podem contrair matrimônio válido os que se encontram vinculados por parentesco legal originado na adopção, em linha reta ou no segundo grau da linha colateral.
O matrimônio entre batizados ou mistos, rato e consumado não pode ser dissolvido por nenhum poder humano nem por nenhuma causa além da morte. No caso de matrimônios não consumados, é possível que seja dissolvido pelo Sumário Pontífice. Os matrimônios entre não católicos é dissolvível uma vez que diante do direito divino, é nulo.
Todos os matrimônios celebrados em desconformidade ao direito canônico que incidem em hipótese de impedimento, com vícios de consentimento, assistidos por autoridades inválidas ou qualquer outro vício de direito - são nulos. Em alguns casos, como os matrimônios assistidos em comunidades cristãs sem plena comunhão com Roma, são passíveis de sanações na raiz ou convalidações. Já em casos em que os cônjuges estão impedidos por seu próprio estado, como em uniões com cônjuges casados e separados de seus cônjuges, não há instrumento jurídico para que possam contrair núpcias, restando neste caso específico, aguardar a morte de seus cônjuges (casamento celebrado na Igreja) e a natural dissolução do contrato matrimonial pelo falecimento de um de seus integrantes.
Análise das diferenças e semelhanças.
Diversos são os pontos em comum e as diferenças entre as duas formas de casamento abordadas acima. Em virtude da origem canônica do instituto do casamento estabelecido pelo direito civil e a congruência unitária destes ao longo do período imperial, há de se notar muitas semelhanças, principalmente no relativo ao trâmite burocrático que envolve o casamento, alguns dos impedimentos, a previsão de nulidade, a vedação à poligamia, a observância de um consentimento livre para validar o pacto firmado entre os cônjuges. Poderiam ser resumidas em questões referentes à justiça legal, ou convencionada, que aos olhos do direito natural, está a ser fixada pelos homens para a satisfação da justiça.
Já as diferenças que existem entre as duas formas de casamento, estão vinculadas à laicização do Estado, que desvinculado da doutrina da Igreja, após a proclamação e instauração da República, flexibilizou alguns pontos que a Igreja Católica ainda repudia ou desincentiva, tais como: a possibilidade de divórcio, casamentos subsequentes a um que foi válido e ainda vige aos olhos direito canônico e a permissão de uniões homoafetivas (entre pares do mesmo sexo). Além de alguns impedimentos, como a recepção de ordem sacra sem dispensa clerical, a ausência de batismo de ambos os postulantes ao casamento, ou os que fizeram votos públicos de castidade e não se encontram dispensados destes (todos de escopo eclesiástico, o que justifica a impertinência temática ao Estado laico).
Referências Bibliográficas:
TARTUCE, Flávio (2013). Direito Civil: Direito de Família. São Paulo: Método.
TOMAS DE AQUINO (Santo). Tratado da Lei. Trad. Fernando Couto. Summa Theologica. Porto Alegre: res-editora, s.d. (Coleção Resjurídica), 1980-1981.
Bíblia Sagrada Ave-Maria, 141. ed. São Paulo: Editora Ave- Maria, 1959, (impressão 2001).
TOMAS DE AQUINO (Santo). Tratado da Justiça. Trad. Fernando Couto. Summa Theologica. Porto Alegre: res-editora, s.d. (Coleção Resjurídica), 1980-1981.
Hervada, Javier. Lições propedêuticas de filosofia do direito. Tradução Elza Maria Gasparotto. Revisão técnica Gilberto Callado de Oliveira. São Paulo. WMF Martins Fontes. 2008.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 3ª. ed. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulinas, Loyola, Ave-Maria, 1993.
Villey, Michel. Questões de tomás de aquino sobre direito e política/ Michel Villey; tradução de Ivone C. Benedetti São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014.
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O direito canônico é o conjunto das normas que regulam a vida na comunidade eclesial.
No aristotelismo e na escolástica, capacidade espiritual inata, espontânea e imediata para a apreensão dos primeiros princípios da ética, capaz de oferecer intuitivamente uma orientação para o comportamento moral.
E seus representantes em outros idiomas, tais como: derecho, diritto, droit, right, recht, dereito, deréit, dret, drech, dritto, drecho, etc)
Anteriormente à esta encíclica foi publicada a encíclica Laudato si, na qual o papa realiza críticas ao consumismo e ao desenvolvimento irresponsável e efetua um apelo à mudança e à unificação global para combater a degradação ambiental e as alterações climáticas.