Prisão ou liberdade? Possibilidades legais sem redução de texto normativo.

14/02/2022 às 22:16
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O presente ensaio tem por fim colimado apresentar as possibilidades legais de manutenção da prisão do delinquente ou colocá-lo em liberdade, encontrando os fundamentos legais na mesma legislação, para quaisquer das hipóteses, sem redução do texto...

A prioridade da proteção estatal deve ser a sociedade de bem, o cidadão que trabalha arduamente e recolhe seus tributos; bandido de qualquer coloração deve ser recolhido ao cárcere, com todos os rigores do encarceramento mesmo porque a prisão é a consequência natural de quem fez o mau uso da liberdade.

(Prof. Jeferson Botelho)

RESUMO. O presente ensaio tem por fim colimado apresentar as possibilidades legais de manutenção da prisão do delinquente ou colocá-lo em liberdade, encontrando os fundamentos legais na mesma legislação, para quaisquer das hipóteses, sem redução do texto normativo.

Palavras-chave. Direito; prisão; liberdade; fundamentos; legais; possibilidades.

Aconteceu um crime gravíssimo na cidade. A mídia noticia em primeira página, manchetes, destaques, com chamadas extraordinárias, as redes sociais ficam agitadas, alvoraçadas, invadem grupos de aplicativos, todo mundo comenta, querem divulgar com furos de reportagem, e logo surgem os especialistas em Segurança Pública por todos os cantos, entram em cena filósofos, sociólogos, policiólogos, surgem os salvadores da Pátria, aparece logo um parlamentar ligeiro e oportunista e já apresenta um projeto de lei para agravar a pena, restringir benefícios processuais, enquadrar como crime hediondo, dizem que agora o crime é inafiançável, surgem os teóricos falando sobre Direito Penal Simbólico, Legislação Penal de Emergência, Movimento da Lei e da Ordem, Direito Penal do Inimigo, Teoria das Janelas Quebradas, teoria da condição inus ou teoria da condição mínima , entrevistas em rádios e canais de televisão.

Ab initio, é certo afirmar sem medo de errar que o criminoso deve fazer um esforço hercúleo para ficar preso no Brasil. O policial se esforça, como herói coloca sua vida e de sua família em jogo, a sociedade sangra, chora, busca palavras amenas, implora por socorro, o delinquente, irônico, zomba do sistema de justiça, e os artistas do sistema criminal se postam nos púlpitos da hipocrisia, na arrogância de seus pedestais, indiferentes, tudo isso acontecendo, perambulam nas Praças com milho nas mãos a procura dos pombos, e à espera dos holofotes da fama.

A legislação penal e processual é um forte esquema de impunidade. São vários os institutos despenalizadores e descarcerizadores, podendo citar a título exemplificativo, o livramento condicional, suspensão condicional da pena, suspensão condicional do processo, art. 89 da Lei nº 9.099/95, regime progressivo de cumprimento de penas, as diversas modalidades de remição da pena, pelo trabalho, pelo estudo, pela leitura de obras literárias, saídas temporárias, fiança, prisão domiciliar, monitoração eletrônica, acordo de não persecução criminal, os regalos do direito premial, penas alternativas, penas restritivas de direito do artigo 43 do Código Penal, regime semiaberto harmonizado, indulto natalino, além de outras modalidades de liberdade.

Primeiro é preciso afirmar com todas as letras que por mais permissiva que seja a lei, ela sozinha não solta e nem prende delinquentes. Há necessidade de concurso de pessoas. Quem mantem o criminoso preso ou pode colocá-lo em liberdade é um agente público pago com o erário público para teoricamente distribuir Justiça.

Dizer que o direito penal é obsoleto, que é da década de 1940, ou ultrapassado é conversa sem noção e sem parâmetros. Colóquio flácido para acalantar bovinos. Não há necessidade de mudar a lei. É possível encontrar na mesma lei fundamentos para manter o criminoso preso ou para colocá-lo em liberdade.

Tudo vai depender da interpretação do juiz ao decidir, todo depende do estado de ânimo da canetada do julgador em querer proteger a sociedade ou beneficiar o delinquente. Tudo depende da livre consciência motivada do julgador, pois como bem define o artigo 155 do CPP, o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Assim, numa situação hipotética, o autor foi preso em flagrante delito sob acusado de tráfico ilícito de drogas, incurso nas iras do art. 33 da Lei nº 11.343, de 2006, com pena de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. Existem duas possibilidades na decisão. Posso manter o autor do crime na prisão ou posso soltar o criminoso.

1º ARGUMENTO PARA COLOCAR EM LIBERDADE O CRIMINOSO. Primeiro invoco a dicção do Artigo 93, IX, CF/88, dizendo que todas as decisões devem ser motivadas. Assim, para conceder liberdades provisórias a delinquentes perigosos, às vezes levado pela enfermidade crônica da falta de compromisso social, passo a alegar uma sorte de princípios em favor do delinquente, como ofensa do devido processo legal, princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da individualização da pena, a questão da coculpabilidade social, princípio da plena felicidade, igualdade formal e material, presunção de culpabilidade, obediência a Tratados e Convenções Internacionais ratificados, como Regras de Tóquio, Regras de Mandela, Pacto de São José da Costa Rica, Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 e quejando. Assim, digo que o sistema de justiça não pode fazer juízos apriorísticos, considerando o estado de inocência, e a possiblidade de se processar um inocente, digo que a prisão é uma universidade do crime, as prisões estão superlotadas, que o sistema prisional é falido, não recupera ninguém, concedo a liberdade provisória, e determino a substituição da prisão em flagrante por medidas alternativas da prisão, a teor do artigo 319 do Código de processo penal, com nova redação determinada pela Lei nº 12.403, de 2011.

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2º ARGUMENTO PARA MANTER O DELINQUENTE PRESO, ESTE DE CARÁTER SOCIAL. Assim, para negar a concessão de liberdade provisória a perigosos sociocidas em situações problemáticas, como ensinava o Professor Louk Husmann, nosso argumento principal é a utilização da técnica de colisão excludente ou colisão com redução unilateral, quando houver conflito de direitos fundamentais fazendo sempre a opção pela proteção da sociedade e supremacia do interesse público, a força normativa da Constituição para proteção da maioria, e finalmente pela proibição da proteção deficiente e do retrocesso social, pois a impunidade tolerada sempre conduz ao caminho da cumplicidade. A droga é um câncer da sociedade, tem provocado um caos social, jovens morrendo prematuramente. É o oxigênio que aquece a criminalidade violenta. Precisamos viver numa sociedade onde não se reina a impunidade, digo que a sociedade está cansada de presenciar tantos crimes, que ninguém mais respeita a lei, a norma parece de brinquedo, uma fantasia de carnaval, na cabeça do delinquente, a lei parece um pedaço de papel sem valor normativo e assim, que o criminoso parece ter certeza da impunidade por isso não respeita as convenções sociais e nesse cenário deve o Sistema de Justiça se apresentar como última trincheira a ser vencida pelo meliante. E mais que isso, o criminoso é resistente ao pacto social, sua liberdade coloca em risco iminente a harmonia social e pode conspurcar a paz social. Por isso, determinado a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, conforme preceitua o artigo 310, II, do CPP, tendo-se em vista a presença dos pressupostos objetivos e subjetivos do crime, previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, e nesse compasso estão presentes os requisitos constantes da legislação processual, se revelando inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão.

REFLEXÕES FINAIS

O bandido, algoz e cruel, recalcitrante das normas do pacto social, cognitivamente, não aceita submeter-se às normas de boa convivência, inimigo do Estado e da Sociedade, portanto, destruidor de sonhos, chacal da sociedade detém de o sagrado direito inalienável, irrenunciável, de ir para o inferno com as próprias vestes do corpo, de dedos entrelaçados, desde que demonstradas cabalmente que no meio do caminho não tenha tentado empreender fuga do seu ataúde, a priori, hermeticamente fechado, e não venha a transgredir direitos alheios. (Prof. Jeferson Botelho)

Arremata-se, se valendo o autor do texto de seu sagrado direito fundamental de liberdade de manifestação do pensamento, insculpido no artigo 5º, IV, da CF/88, de sua livre expressão da liberdade intelectual e de comunicação, e também da proteção do artigo 13, do Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil, por meio do Decreto nº 678, de 92, que estatui a liberdade de pensamento e de expressão, segundo o qual toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão.  Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. O exercício do direito não pode estar sujeito à censura prévia.

Portanto, goste ou não, apenas respeite, e caso ainda se mantenha recalcitrante, com a nódoa da boçalidade, lembre-se que os direitos de 1ª geração ou dimensão também asseguram essa faculdade de livre expressão, somente isso e mais nada, e assim, recomenda-se, aceite caso seja um amante da democracia e do Estado Democrático de Direito.

Assim, diante das hipóteses possíveis em epígrafe, percebe-se que somente mudam os discursos, e agora José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora José? E agora você? Você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama, protesta? E agora José? escolha uma delas, talvez mantendo o criminoso em liberdade, porque o prazo processual é muito mais flexível, sem possibilidades de responder HC, e fique em paz com sua consciência.

Consigna-se com a clareza da luz solar, da incandescência do brilho lunar, de encanto de um arrebol que se desenha nas montanhas de Minas, que os atos administrativos e as decisões da Administração Pública sempre ficam gravados e impregnados nos anais da história. Entre ser um pusilânime homiziado nos púlpitos sagrados da função, degustar das prerrogativas honoríficas, usufruir do tratamento protocolar, e outros favores funcionais há sempre quem prefere cumprir com zelo e destemor sua função no anonimato em nome da construção de uma sociedade melhor para se viver.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

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