OS DIREITOS AUTORAIS E O PLÁGIO

17/07/2020 às 13:36
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE O TEMA COM BASE NO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E NO DIREITO CIVIL PÁTRIO.

OS DIREITOS AUTORAIS E O PLÁGIO

Rogério Tadeu Romano

I – OS DIREITOS AUTORAIS

O grupo de direitos autorais, ou da propriedade literária, científica e artística, pertence à classe de propriedade incorpórea na qual se compreende, ainda, a propriedade industrial, incluindo-se, ainda, a de bens imateriais, como a patrimonialidade de certos ofícios e os direitos sobre as cartas missivas.

Para alguns, o direito autoral é parte integrante do conceito de propriedade intelectual de natureza sui generis, visto que é presente na lei brasileira, salvo raras exceções, o autor deve ser pessoa física. A doutrina contemporânea tem criticado este conceito, sob o fundamento de que associar os direitos autorais à ideia de propriedade visa tão somente justificar o monopólio privado de distribuição de obras intelectuais.

Quanto à autonomia deste ramo do direito deve-se dizer que ele é considerado ramo autônomo do direito da propriedade intelectual, em função, principalmente, desta natureza dúplice, que engloba tanto aspectos morais quanto patrimoniais e que lhe imprime uma feição única, própria, que não permite seja ele enquadrado no âmbito dos direitos reais, nem nos da personalidade.

A proteção do direito autoral no Brasil é proporcionada pela Constituição Federal, em seu artigo 5º., parágrafos 27 e 28, bem como pelo Código Civil Brasileiro e pela Lei 9.610/98. A Lei 5.988, de 14 de dezembro de 1973, vigorou por muitos anos até ser revogada pela Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

O direito autoral também é regido por diversos acordos e convenções onde participam muitos Estados signatários.

O Brasil é membro da Convenção de Berna (revista em Paris em 24.07.71 – Decreto nº. 75.699, de 06.05.75), da Convenção Universal sobre o Direito de Autor (Decreto nº. 76.905/1975) e da Convenção Interamericana sobre os direitos de autor em obras literárias, científicas e artísticas, também conhecida como Convenção de Washington (Decreto nº. 26.675/1949).

Todas estas Convenções corroboram a proteção prevista na legislação pátria, estendendo tanto aos autores nacionais dos demais países signatários das convenções a proteção aos seus direitos no Brasil, como a proteção dos direitos de autores nacionais naqueles países.

O artigo 7º. da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98) lista as principais categorias de obras de arte que são passíveis de proteção, tais como textos literários, artísticos ou científicos, obras de arte dramática, coreografias, composições musicais com ou sem letra, obras audiovisuais, fotografias (desde que sejam criações artísticas) etc. Os programas de computador (softwares) também são protegidos pelo direito do autor, mas gozam de legislação própria (Lei 9.609/98).

O registro da obra, apesar de não ser obrigatório, constitui evidência, num primeiro momento, de prioridade e de autoria da Obra. O registro opcional pode ser feito na Biblioteca Nacional, através do Escritório de Direitos Autorais (EDA) ou da Escola de Belas Artes da UFRJ, de acordo com a natureza da Obra.

Outras Leis e Convenções que protegem o Direito de Autor:

1. Convenção de Roma => Decreto nº. 75.699, de 6 de maio de 1975. Convenção de Berna relativa à proteção das obras literárias e artísticas de 9 de Setembro de 1886, completada em PARIS em 4 de Maio de 1896, revista em BERLIM em 13 de Novembro de 1908, completada em BERNA em 20 de Março de 1914 e revista em ROMA em 2 de Junho de 1928, BRUXELAS em 26 de Junho de 1948, em ESTOCOLMO em 14 de Julho de 1967 e em PARIS em 24 de Julho de 1971, e modificada em 28 de Setembro de 1979;

2. Convenção de Genebra => Decreto nº. 76.906, de 24 de dezembro de 1975. Convenção de Genebra para a proteção de produtores de fonogramas contra reproduções não autorizadas;

3. Lei nº. 6.533, de 24 de maio de 1978 => Dispõe sobre a regulamentação das profissões de artista e de técnico em espetáculos de diversões, e dá outras providências;

4. Lei nº. 9.615 de 24 de março de 1998 => Institui normas gerais sobre o desporto, tratando do direito de arena, sendo denominada como 'Lei Pelé';

5. Lei nº. 9.472 de 16 de julho de 1997 => Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional 8 de 1995, sendo conhecida como 'Lei Geral de Telecomunicações';

6. Decreto-Lei nº. 980, de 20 de Outubro de 1969 => Dispõe sobre a cobrança de direitos autorais nas exibições cinematográficas;

7. Lei nº. 2.415, de 9 de Fevereiro de 1955 => Dispõe sobre a outorga da licença autoral no rádio e televisão;

8. Decreto nº. 4.857, de 9 de novembro de 1939 => Registro da propriedade literária, científica e artística;

9. Decreto nº. 76.906, de 24 de dezembro de 1975 => Promulga a Convenção para a proteção de produtores de fonogramas contra a reprodução não autorizada de seus fonogramas, concluída em Genebra, em 29.10.1971;

10. Decreto nº. 75.541 - de 31 de março de 1975 => Promulga a Convenção que instituiu a Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI;

11. Decreto nº. 57.125, de 19 de outubro de 1965 => Promulga a Convenção Internacional para proteção aos artistas intérpretes ou executantes, aos produtores de fonogramas e aos organismos de radiodifusão, assinada em Roma, em 26.10.1961;

12. Decreto nº. 2.894, de 22 de dezembro de 1998 => Regulamenta a emissão e o fornecimento de selo ou sinal de identificação dos fonogramas e das obras audiovisuais, previstos no art. 113 da Lei nº. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências;

13. Decreto s/ nº. de 13 de março de 2001 => Institui Comitê Interministerial de Combate à Pirataria.

II – O PLÁGIO

A reprodução abusiva é considerada plágio, quer se trate de obra literária ou científica ou obra de arte.

Toda a reprodução é uma cópia, e cópia sem autorização do titular dos direitos autorais e/ou do detentor dos direitos de reprodução ou fora das demais estipulações legais constitui contrafação, um ato ilícito civil e criminal.

De acordo com o disposto no art. 28 da Lei 9.610/98 “cabe ao Autor, ou ao detentor dos direitos autorais patrimoniais o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica”; art. 29 do mesmo dispositivo legal “depende de autorização prévia e expressa do mesmo para que a obra seja utilizada, por quaisquer modalidades, dentre elas a reprodução parcial ou integral”.

É pacífico que o direito autoral protege a criação de uma obra, caracterizada como sua exteriorização sob determinada forma, não a ideia em si nem um tema determinado. É plenamente possível a coexistência, sem violação de direitos autorais, de obras com temáticas semelhantes. (art. 8.º, I, da Lei n. 9.610/1998).

José de Oliveira Ascensão(Direito autoral. 2. ed., ref. e ampl. Rio de Janeiro: renovar, 1997. p. 28), ao discorrer sobre as ideias, afirma que não há propriedade ou exclusividade dessas, e que, uma vez concebidas, configuram patrimônio comum da humanidade. Esclarece também que não são protegidos os temas, podendo ser retomados milhares de vezes, afirmando: "Uma Inês de Castro não preclude todas as outras glosas do tema. Um filme sobre um extraterrestre, por mais invectivo, não impede uma erupção de uma torrente de obras centradas no mesmo tema"

Tem-se a lição de a lição de Hermano Duval (Violações dos direitos autorais, Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1968. p. 56-57):

“Nessa base, a mais rudimentar análise desde logo revela que em qualquer obra literária, artística ou científica coexistem dois elementos fundamentais à sua integração, a ideia e a forma de expressão. Assim, se duas obras, sob formas de expressão diversas, contêm a mesma ideia, segue-se que nenhuma poderá ser havida como plágio da outra. Tão-somente porque a forma de expressão é diversa? Não. Mas porque a ideia é comum, pertencendo a todos, não pertence exclusivamente aos autores das obras em conflito. Com efeito, as ideias pertencem ao patrimônio comum da humanidade”.

Por sua vez, Rodrigo Moraes(Os direitos morais do autor repersonalizando o direito autoral, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 94) disse:

“O Direito Autoral nasceu para estimular a criação, e não para engessá-la. Obras semelhantes podem perfeitamente coexistir de forma harmônica, sem a incidência de plágio. É preciso estar atento àqueles que em tudo e em todos veem a caracterização de plágio. O exagero existente na "plagiofobia" merece rechaço. Trata-se de corrente que fomenta o totalitarismo cultural. Ir além do verdadeiro alcance da proteção autoral fere, inclusive o direito de livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, previsto no Carta Magna (CF-88, art. 5.º, IX).”

Sobre a própria natureza do plágio, ensina pois, Antônio Chaves, trata-se de ilícito "mais sutil": "apresenta o trabalho alheio como próprio mediante o aproveitamento disfarçado, mascarado, diluído, obliquo, de frases, ideias, personagens, situações, roteiros e demais elementos das criações alheias" (In Plagio. artigo publicado na Revista de Informação Legislativa do Senado Federal a 20 n. 77, janeiro/março de 1983, p. 406).

O plágio, por natureza, não se desenvolve às escâncaras, mas sob embuço (AREsp 916.212/BA, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 19/12/2016).

Como ensina Plácido e Silva, o plágio é o "engano malicioso" ou a "ação astuciosa" promovidos de má-fé e sempre se funda na prática de "ato lesivo a interesses de terceiros ou da coletividade".

Conclui o jurista: "A fraude, firma-se na evidência do prejuízo causado intencionalmente, pela oculta maquinação" (In Vocabulário Jurídico. 5ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1961, p. 718).

III - DIREITO MORAL DO AUTOR

O direito moral, segundo Planiol, Ripert e PIcard (Traité Pratique, vol. III, 2ª edição, 1952, n. 575, pág. 580), comporta os seguintes atributos: o direito discricionário de publicação, o direito de arrependimento, o direito ao respeito e o direito à paternidade.

Para Filadelfo Azevedo (Direito moral do escrito) há dois aspectos no direito moral do autor: o positivo e o negativo.

Veja-se o aspecto positivo:

I – antes da publicação, compreendendo: o direito do inédito; o respeito ao nome;

II – depois da publicação, compreendendo: faculdade de correção; direito de arrependimento.

Para Antônio Chaves (obra citada) “o direito moral se funda no respeito à personalidade humana, em sua alta manifestação criadora da arte e ciência e apresenta-se com caráter absoluto, perpétuo, intransmissível e irrenunciável”. Consiste:

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  1. Na segurança da paternidade da obra;
  2. Na defesa do inédito;
  3. No arrependimento, primando sobre a cessão máxima no caso de inércia do cessionário na publicação e até sobre a desapropriação;
  4. Na faculdade imanente de correção, a despeito de quaisquer convenções em contrário, salvo a indenização, se couber, qualquer que seja o caso de solvabilidade do autor;
  5. No direito ao respeito, seu aspecto negativo, impedindo quaisquer modificações feitas por outrem, salvo autorização concedida a posteriori, indicados neste caso, a data e autor daquelas;
  6. Na sua impenhorabilidade.

Mas, como observou Eduardo Espínola (obra citada, pág. 546) esse caráter intransmissível, absoluto do direito autoral deve ser compreendido em termos hábeis.

Assim é inquestionável o poder discricionário do autor quanto à publicação de sua obra.

Observe-se que só a ele pertence o direito de publicar, mas os seus herdeiros, atendendo às suas intenções expressas ou implícitas, podem decidir se e em que condições a obra pode ser publicada.

Na lição de Planiol, Ripert e Picard (obra citada, n. 575, pág. 581) o escritor e o artista não têm que prestar contas dos motivos por que não querem editar um manuscrito, ou expor à venda um quadro ou uma estátua: sejam considerações de ordem pecuniária ou escrúpulos, ainda que excessivos e arbitrários, de ordem estética ou moral. Depois de sua morte, porém, já os herdeiros não podem invocar suas próprias convicções pessoais para se operem a uma publicação decidida pelo autor, embora como titulares de um monopólio, posam fixar o preço da venda e as modalidades do contrato de edição, a não ser que o próprio autor tenha feito disposições precisas e imutáveis.

Questão de relevância diz respeito ao direito de se arrepender.

Na Itália, a lei declara que o autor, quando ocorram graves razões morais, tem o direito de retirar a obra do comércio, salvo a obrigação de indenizar os que adquiriram direitos de reprodução, difusão, execução, representação; direito este pessoal e intransmissível (artigo 142 de Lei de 1941).

No mesmo sentido, tem-se Lei uruguaia, de 1937, no artigo 13.

Afirmou Eduardo Espinola (obra citada, pág. 547) que, no Brasil, não existia dispositivo de lei referente ao direito de arrependimento.

De um modo geral, a doutrina se concentra na opinião pela inalienabilidade do direito moral do autor.

A respeito escreveu Antônio Chaves (Proteção Internacional do direito autoral de Radiofusão, n. 85, pág. 302 a 303):

“ Um texto de lei que declare peremptoriamente inalienável o direito moral do autor, se bem que na prática tenha de resultar inócuo e inconsequente, implicaria na proibição do autor conceder a outrem a possibilidade de adaptar a obra para cinematografia ou a radiodifusão etc. Não declaramos, pois, pura e simplesmente e simplesmente, que o direito moral é inalienável como fez a IV Conferência Interamericana de Advogados de Santiago do Chile. Limitemo-nos a afirmar, com toda a energia, que é inalienável o direito moral de paternidade intelectual, até mesmo quando assim não entenda o próprio autor. Nesse sentido está perfeitamente certa a conclusão a que chegou a mesma Conferência: “A substituição do nome é ilícita, ainda quando se faça com o consentimento do autor”.

IV – DA PRESCRIÇÃO

Fala-se aqui sobre o prazo prescricional.

Na matéria aplica-se o artigo 206 do Código Civil de 2002:

Art. 206. Prescreve

Em três anos:

.......

V - a pretensão de reparação civil;

Observe-se o julgamento do REsp 1168336/RJ, Rel.ª Ministra Nancy Andrighi, j. 22/03/2011, DJe 16/09/2011.

Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi fez uma análise da legislação acerca da contagem do prazo prescricional da ação por violação de direito. Ela explicou que o artigo 189 do Código Civil de 2002 (CC/02) define que a data inicial para contagem do prazo é a da ofensa do direito, ou seja, da publicação. Trata-se de um critério objetivo, definiu. Conforme a ministra, o critério subjetivo, de contagem do prazo a partir da ciência da ofensa, utilizado pelo TJRJ para decidir o pedido, é exceção, caso contrário trariam enormes dificuldades materiais relacionadas à comprovação do momento exato em que houve a efetiva ciência da violação pela vítima.

A ministra observou que o prazo prescricional para direitos patrimoniais de autores era previsto pelo CC de 1916 em cinco anos, e esse prazo foi mantido pela Lei n. 5.988/1973. Posteriormente, a Lei n. 9.610/98 alterou o CC/16 e ampliou o prazo para 20 anos. Por fim, o novo CC, vigente desde 2003, não estabeleceu um prazo específico para a prescrição do direito autoral, sendo aplicável a regra geral de três anos, constante do seu artigo 206, para a pretensão de reparação civil, dispositivo em que se inclui a reparação de danos patrimoniais.

A matéria é polêmica.

Observe-se o julgamento do REsp 1.645.746-BA, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, por maioria, julgado em 6/6/2017, DJe 10/8/2017:

“O termo inicial da pretensão de ressarcimento nas hipóteses de plágio se dá quando o autor originário tem comprovada ciência da lesão a seu direito subjetivo e de sua extensão, não servindo a data da publicação da obra plagiária, por si só, como presunção de conhecimento do dano.”

Penso ser melhor utilizar o critério objetivo. O critério subjetivo, de contagem do prazo a partir da ciência da ofensa, é exceção, caso contrário traria enormes dificuldades materiais relacionadas à comprovação do momento exato em que houve a efetiva ciência da violação pela vítima.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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