Da constitucionalidade/necessidade da autonomia orçamentária, funcional e administrativa das polícias judiciárias brasileiras

22/02/2022 às 21:12
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RESUMO

A República Federativa do Brasil requer a aprovação pelo parlamento federal da autonomia orçamentária, funcional e administrativa das polícias judiciárias brasileiras. Busca-se elucidar o citado tema e trazer a baila determinado assunto pouco debatido e bastante desconhecido pela imprensa, políticos e a sociedade civil organizada. Por meio da pesquisa e da leitura, percebe-se que polícia judiciária precisa ser reformulada, na medida em que seu mister aparenta ter sido usurpado. É sabido que o estado brasileiro emanado da carta magna adotou um sistema no qual a polícia judiciária auxilia o poder judiciário, embora esteja posicionada dentro do poder executivo. Apesar de cada nação adotar a forma de estado a qual mais identifique aquele povo, o desprestígio e amadorismo não se tratam de um caminho razoável para a solução dos problemas sociais e de eficiência na prestação de serviço público brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Autonomia. Polícia judiciária. Serviço público.

CONSTITUTIONALITY / NEED FOR BUDGETARY, FUNCTIONAL AND ADMINISTRATIVE AUTONOMY OF BRAZILIAN JUDICIAL POLICIES

ABSTRACT

The Federation Republic of Brazil requires the approval by the federal parliament of the budgetary, functional and administrative autonomy of the Brazilian judicial police. This work bring a subject less debated and unkown by the press, politicians and civil society. The Judiciary Police should be restructured, because it was realized for research and reading, according as its competence seems to have been usurped. This work bring a subject less debated and unkown by the press, politicians and civil society. The Judiciary Police should be restructured, because it was realized for research and reading, according as its competence seems to have been usurped. Actually, the Brazilian state has a system in which a police helps the Judiciary, although the a police is into Executive Branch. However, each nation adopts the form of state which most identifies their people, the discredit and amateurism arent a reasonable way to solve social problems and state inefficiency.

KEYWORDS: Autonomy. Judiciary police. Public service.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA. ..

  • DA CONSTITUCIONALIDADE DA AUTONOMIA ORÇAMENTÁRIA, FUNCIONAL E ADMINISTRATIVA DAS POLÍCIAS JUDICIÁRIAS BRASILEIRAS.

    • DA NECESSIDADE DA AUTONOMIA ORÇAMENTÁRIA, FUNCIONAL E ADMINISTRATIVA DAS POLÍCIAS JUDICIÁRIAS BRASILEIRAS.pag.20/23 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS.. 4 REFERÊNCIAS.

INTRODUÇÃO

Desde a proclamação da república, o estado brasileiro aperfeiçoa a distribuição de funções entre os três poderes, bem como seus órgãos e entidades estatais e paraestatais. Buscava-se, de uma maneira global, à época, a diminuição do poder do monarca ou de determinado órgão julgador. No Brasil, a carta magna promulgada em 1891 deu o ponta pé ao federalismo brasileiro e da laicidade estatal. Malgrado alguns historiados acenarem para o viés não popular e, por consequência, autoritário dessa constituição, há de se reconhecer que o avanço do ponto de vista de divisão de funções do estado.

Nesse diapasão, os ideais da Revolução Francesa e do Iluminismo se espraiavam pela Europa e, de certa forma, pelo restante do mundo. Os conceitos de liberdade e igualdade recém- percebidos pelas pessoas incomodavam o movimento conservador pró-monarquismo. Apesar disso, a primeira metade do século XX se tratou de um período nebuloso, haja vista os regimes varguistas, a criação de novos órgãos e entidades estatais e a repressão popular vigente.

Após o ato institucional de número cinco (AI-5) promovido pelo governo militar brasileiro, além da supressão de direitos fundamentais individuais e coletivos, percebeu-se certo paradoxo entre órgãos e entidades estatais. De um lado, alguns órgãos com autonomia absoluta, sobrepondo- se a outros órgãos ou poderes que, em tese, deveriam ter autonomia sobre determinadas atividades estatais. De outra ponta, algumas atividades estatais estavam praticamente alijadas e, por consequência, ocorria constantemente o preterimento do interesse público em relação ao privado.

A partir da promulgação da carta magna cidadã, houve, de um modo claro, a divisão de atribuições das funções dos poderes, órgãos e entidades estatais. O avanço da administração gerencial acabara de ter sido interrompida com tal promulgação desse diploma. Frise-se que o legislador ordinário ainda aprovou, por meio de emendas constitucionais, outras atribuições e funções de outros órgãos e entidades de um modo amplo. Órgãos como a defensoria pública e o tribunal de contas da união podem ser apontados como exemplos de autonomia concedida pelo legislador derivado. Aquilo que era privativo da administração direta havia sido transferido também à administração indireta, aprovada durante a vigência da atual lei maior.

Atualmente, não se pode olvidar das inúmeras tentativas de gestores públicos em uma investigação que possa ter como possível investigado um filho, amigo de longa data, uma esposa ou qualquer pessoa que, por algum motivo, enseje o interesse para obstaculizar o intento investigatório.

É provável que um governador, por exemplo, possa conseguir até facilmente informações a respeito de uma investigação dentro de um órgão de polícia judiciária submetida às suas ordens e contraordens, bem como órgão militar com cunho de investigação, para se apontar o mínimo.

Este presente trabalho tem como mister justificar a necessidade da aprovação pelo parlamento da autonomia administrativa, orçamentária e técnica para as polícias judiciárias estaduais e a da União. Para isso, pesquisas em outros artigos, opiniões de especialistas, julgados de tribunais, a legislação e principalmente a prática policial foram a mola mestra durante a elaboração deste artigo científico. Pode-se dizer que há um contraste entre a realidade das polícias judiciárias e o seu dever constitucional.

Trata-se o presente de artigo científico o qual está subdividido em introdução, um capítulo sobre a fundamentação teórica, outro sobre a constitucionalidade da autonomia para as polícias investigativas, proposta deste trabalho, além de um capítulo que trata sobre a necessidade a autonomia para as polícias investigativas, proposta deste trabalho. In fine, há as considerações finais com uma apartada síntese da tese deste trabalho acompanhadas das referências bibliográficas.

Foi adotada nesse artigo uma linguagem simples e objetiva para que o leigo ou o cidadão de um moral geral, caso tenha acesso ao presente, possa enxergar a importância da atividade policial investigativa. Isto é, não se exige nenhuma disciplina propedêutica para que o leitor possa entender a tese trazida pelo autor. Como o presente curso é voltado para a segurança pública, nada melhor que o tema do artigo seja a respeito de um tema inserido no contexto da segurança.

O presente tema foi escolhido por causa da necessidade do parlamento brasileiro e do gestor eleito se atentar para as polícias judiciárias e o seu status quo. Não basta que, analogicamente, o corpo humano esteja funcionando bem o coração, rins, fígado e intestino, se o seu cérebro não está funcionando ou, se está, labora de maneira deficiente. Certamente, a morte do corpo humano será constatada. Chegou a hora e a vez das polícias judiciárias serem mais bem valorizadas e terem voz perante o debate público.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Conforme a Carta Cidadã de 1988, são objetivos da República Federativa do Brasil a erradicação da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, além da construção de uma sociedade livre, justa e solidária (BRASIL, 1988). O constituinte norteou a direção na qual o legislador e o gestor da coisa pública devem, em tese, se pautar. Não satisfeito, o constituinte ainda trouxe a baila que os poderes da União, Legislativo, Executivo e Judiciário, são harmônicos e independentes entre si (BRASIL, 1988).

É sabido que o direito social pertence à segunda geração dos direitos fundamentais, segundo a doutrina majoritária. Isto é, cabe ao estado dispor, positivamente, aos cidadãos os direitos sociais, dentre eles a segurança pública. Assim leciona Pedro Lenza, () no art. 6°, aproxima-se do conceito de segurança pública, que, como dever do Estado, aparece como direito e responsabilidade de todos, sendo exercida, nos termos do art. 144, caput, para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. (DIREITO CONSTITUCIONAL ESQUEMATIZADO, 2011, p. 977). Segundo o artigo 144 da constituição federal, a segurança pública é dever do Estado (BRASIL, 1988), sendo esse mister exercido por diversos órgãos com atribuição policial pertencente ao gênero Polícia. Saliente-se que o rol de órgãos da segurança pública trazidos no citado dispositivo se trata de numerus clausus, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal. (ADI n° 236-8/RJ Rel Min. Otávio Gallotti Pleno. STF).

Esse múnus exercido pelos órgãos de segurança pública consta inserido no poder de polícia o qual, por sua vez, é conceituado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. (DIREITO ADMINISTRATIVO, 1997, p. 94). A polícia, para Guido Zanobini, pode ser conceitada em:

a atividade da administração pública dirigida a concretizar, na esfera administrativa, independente da sanção penal, as limitações que são impostas pela lei à liberdade dos particulares ao interesse da conservação da ordem, da segurança geral, da paz social e de qualquer outro bem tutelado pelos dispositivos penais. (CORSO DI DIRITTO AMMINISTRATIVO. 1950, p. 17).

Conforme o professor Pedro Lenza (2011 p.843), esse poder de segurança pode ser dividido em polícia administrativa e polícia judiciária. À administrativa cabe atuação preventiva, ou ostensiva, tentando-se evitar que o delito ocorra. À judiciária atua repressivamente, após ocorrido o ilícito penal, finaliza o excelente.

Cabe frisar que, conforme o §6o do art. 144 da constituição (BRASIL, 1988), as polícias civis e militares dos estados e do distrito federal estão subordinadas ao chefe do poder executivo estadual e distrital. Isto é, torna-se claro evidente que, diante do atual modelo de segurança pública, há uma relação hierárquica entre as polícias e o chefe do executivo, pelo menos no âmbito distrital e estadual. No âmbito da União, o diploma silencia quanto a eventual relação hierárquica entre o presidente da república e a polícia federal.

Como se percebe, a cada órgão compete determinadas atribuições. Essa divisão de funções tem origem remota. Desde a Antiguidade, segundo Pedro Lenza (2011 p.433), mais precisamente com Aristóteles em sua obra Política notou-se que o estado tinha três funções distintas, quais sejam: editar normas, infligir regras e a função de julgamento. No tocante à investigação não é diferente. Esse mister foi subdividido entre as atribuições da polícia federal e da civil. A federal apura infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimentos de bens, serviços e interesses da União, além de outras infrações com repercussão interestadual ou internacional, previne e reprime o tráfico ilícito de entorpecentes, contrabando e descaminho, exercício das funções de polícia marítima, aeroportuárias e de fronteiras, além do exercício, exclusivamente, da função judiciária da União. (BRASIL, 1988). Impende salientar que o tráfico de entorpecente de atribuição federal é apenas no caso de ilícito transnacional, segundo o artigo 70 da lei 11.343/06. A civil possui competência de apurar infrações penais de forma residual em relação à competência federal com exceção de crime castrense, conforme §4o do art. 144 (BRASIL, 1988).

A polícia judiciária estadual e/ou distrital terá o comando da autoridade policial a qual terá o mister de apurar as infrações penais com o fito de esclarecer a autoria, bem como a materialidade dos casos (BRASIL, 1941). Em regra, as infrações penais são investigadas pelas polícias civis dos estados e do distrito federal. Para isso, essa autoridade policial poderá se valer dos seguintes procedimentos: Inquérito Policial (IP) e Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), segundo o retro mencionado diploma e a lei 9099/95 que regula os juizados especiais civis e criminais.

Com efeito, cabe frisar que o Ministério Público possui, atualmente, o poder de investigar infrações penais, por meio Procedimento Investigatório Criminal (PIC), na mesma toada que as polícias judiciárias, conforme o julgamento do RE 593727/MG, datada em 14/5/2015, do Pretório Excelso, no qual foi sacramentada, com repercussão geral, a teoria dos poderes implícitos do parquet. Outrossim, o mesmo tribunal julgou o termo circunstanciado como ato não privativo de polícia judiciária (ADI 3807, 27 de junho de 2020, Plenário virtual, STF).

O tecido constitucional traz em seu bojo que polícia judiciária não se confunde com a polícia investigativa, mais precisamente em seu artigo, 144, §4o (BRASIL, 1988). Nesse diapasão foi sancionada a lei 12.830/13 a qual forneceu ao arcabouço jurídico pátrio, embora modestos, elementos que possam ser usados durante a investigação propriamente dita conduzida pela autoridade policial. É como assevera Nestor Távora e Fábio Roque (Código de Processo Penal, 2015, p. 24):

Cumpre registrar a distinção feita por parte da doutrina, capitaneada por Denilson Feitoza, que, à luz do art. 144 da CF/88 sustenta a existência de polícias judiciária e investigativa, adotando nítida diferenciação. Nesse contexto, as diligências referentes à persecução preliminar da infração penal seriam realizadas pela polícia investigativa, enquanto que a função de auxiliar o Poder Judiciário (executar mandado de busca e apreensão, por exemplo) recairia sobre a polícia judiciária. A lei 12830/13, no seu artigo 2o, parece adotar esta concepção, ao dispor que as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações

penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica.

Essa diferença de atribuição inerente à polícia civil e federal deve ser respeitada e aplicada pelo gestor da coisa pública. Deve-se buscar o atendimento de ambos os escopos constitucionais, quais sejam: auxílio ao poder judiciário por meio do labor da polícia judiciária, bem como a investigação propriamente dita de infrações penais pela polícia investigativa. A autoridade policial diante de uma notícia crime (notitia criminis) deve, por meio de inquérito policial ou termo circunstanciado, apurar aquela infração penal noticiada. A doutrina chama essa fase de pré- processual, informativa, preliminar ou inquisitiva: Esta fase se destina à coleta de elementos relativos à materialidade (existência do crime) e autoria ou participação na infração penal. (Código de Processo Penal, 2015, p. 23). Essa fase não é mais nem menos importante que a fase processual. Trata-se de fases legais e necessárias para a elucidação de determinada infração penal.

O Código de Processo Penal aduz que logo que a autoridade policial estiver ciente da prática de infração penal deverá se dirigir ao local da ocorrência, providenciando a conservação do local de crime. Para alcançar o objetivo da persecução penal, o delegado civil e federal poderá se valer interceptações telefônicas, captação ambiental, mandados de busca e de apreensão, quebra do sigilo bancário, telemático e telefônico, desde que exista, na maioria dos casos, autorização judicial prévia. Como se percebe, é um mister perigoso, importante e árduo que não pode ser alijado e desmerecido frente a outras atribuições de outros órgãos ou entidades. O papel da polícia civil dos estados, do distrito federal e da polícia federal é tão importante quanto o papel do Congresso Nacional, quanto do Supremo Tribunal Federal. Em um regime democrático no qual se nota que há um sistema de freios e de contrapesos, cada órgão exerce sua atribuição, respeitando e buscando sempre o interesse público e a defesa dos direitos fundamentais do indivíduo.

DA CONSTITUCIONALIDADE DA AUTONOMIA ORÇAMENTÁRIA, FUNCIONAL E ADMINISTRATIVA DAS POLÍCIAS JUDICIÁRIAS BRASILEIRAS

Nota-se que o tema da interpretação constitucional ganhou notoriedade na sociedade acadêmica, jurídica e que tem impactos sociais. Há para a doutrina uma verdadeira hermenêutica constitucional (NOVELINO, 2016). Hans Kelsen percebeu que a norma jurídica pode conter inúmeras exegeses a partir do julgador ou do operador do direito. O pensador asseverou que:

A interpretação jurídica científica tem de evitar, com o máximo cuidado, a ficção de que uma norma jurídica apenas permite, sempre e em todos os casos, uma só interpretação: a interpretação correta. Isto é uma ficção de que se serve a jurisprudencia tradicional para consolidar o ideal de segurança jurídica. Em vista da plurissignificação da maioria das normas jurídicas, este ideal somente e realizável aproximativamente. (KELSEN, 1996).

Com o fito de melhor explanar o presente tópico, traz-se à tona o princípio da unidade da constituição a qual se trata de um desdobramento da interpretação sistêmica. Tal princípio se torna fundamental ao presente trabalho para explicar a ideia de unidade que a carta magna deve possuir, embora os conflitos entre as normas oriundas do pluralismo e as do antagonismo de ideias subjacentes do pacto fundador (NOVELINO, 2016).

Outra contribuição da dogmática alemã foi o princípio da força normativa. Na solução de problemas jurídico-constitucionais, como afirmou Konrad Hesse (1998), dever-se-á dar preferência às soluções mais apropriadas a incentivar a dinamização de suas normas, tornando-as mais eficazes. Deve-se dar força normativa à CF/88, mormente o mandamento constitucional de apurar infração da penal da polícia investigativa. Desdobramento desse princípio pode-se apontar o da máxima efetividade. Nesse sentido, leciona a doutrina: a realização do Direito, atuação prática da norma, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelados. Simboliza a efetividade, portanto, a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser

da realidade social (BARROSO, 1996). Por sua vez, Canotilho afirma:

é um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas, é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais).(J.J.G. Canotilho.1993, p. 227)

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Isto é, o ápice do ordenamento jurídico deve ser aplicado e, para isso, devem existir métodos, regras ou princípios os quais orientem o aplicador do direito durante seu labor. O aplicador deve buscar uma uniformidade, globalidade e harmonização dos espaços de tensão, além

de aplicar, de forma mais eficiente possível, uma interpretação efetiva e conferir uma máxima efetividade às normas constitucionais (NOVELINO, 2016).

Tais princípios costumam ser invocados em ações rescisórias que questionam decisões de primeiro grau as quais afrontem, de certa maneira, jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. O pretório excelso julgou da seguinte maneira: [] a manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional (STF- RE 328.812/ED/ AM, Rel. Min. Gilmar Mendes. 06.03.2008).

Durante o positivismo jurídico tradicional, o direito se traduzia em um sistema fechado. Não havia conceito de princípio e regra no ordenamento à época. Para Kelsen (1965. p.465) apenas o direito posto por seres humanos se trata de um direito positivo. Como sistema fechado e divorciado da moral, o positivismo que a presença de direito, moral e direito natural em um sistema como algo equivocado (PFERSMANN, 2003, p. 1043). Como ensina Hart (2002, p. 185-186): não é uma verdade necessária que o direito reproduz ou satisfaz certas exigências da moralidade, mesmo se frequentemente isso ocorre de fato. A partir do estado constitucional ou como afirmou Canotilho (1993, p. 1159), estado de direito democrático português, houve uma influência para que os sistemas constitucionais na Europa trouxessem um escopo mais aberto de regras e princípios.

Nesse instante, é de bom alvitre apresentar as diferenças entre regras e princípios trazidas pela doutrina tradicional. Segundo anota Barroso (2004. p.353):

a Constituição passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual as ideias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central. A mudança de paradigma nessa matéria deve especial tributo às concepções de Ronald Dworkin e aos desenvolvimentos a ela dados por Robert Alexy. A conjugação das ideias desses dois autores dominou a teoria jurídica e passou a constituir o conhecimento convencional da matéria.

As regras, para o autor, devem ser aplicadas mediante a técnica da subsunção. Em um eventual conflito entre elas, apenas um prevalece e a outra é afastada, incidindo a ideia do tudo ou nada (all or nothing). Apenas não será aplicada aquela regra no caso de haver outra mais específica, se não estiver em vigor ou se for inválida. Os princípios, por sua vez, deve ser analisado no plano abstrato com utilização do exato peso entre eventuais choques. Aplica-se, assim, a técnica da ponderação e do balanceamento em uma solução de conflitos entre princípios, finaliza o professor.

Já mais recente, Robert Alexy aperfeiçoou os princípios ao os trazer a tona como verdadeiro mandamentos ou mandados de otimização. Esses mandados são caracterizados por poderem ser

satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas (ALEXY, p. 90-91).

De outra ponta, sobre as regras ...são as normas satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinação no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. O professor Lenza (2011. p. 140) traz um gráfico de diferença entre as espécies de norma, princípio e regra. Senão veja-se:

REGRAS

PRINCÍPIOS

  • Dimensão da validade, especifidade e vigência

  • Dimensão da importância, peso e valor

  • Conflito entre regras (uma das regras em conflito ou será afastada pelo princípio da especialidade, ou será declarada inválida cláusula de exceção,

que também pode ser entendida como declaração parcial de invalidade)

  • Colisão entre princípios (não haverá declaração de invalidade de qualquer dos princípios em colisão. Diante das condições do caso concreto,

um princípio prevalecerá sobre o outro)

  • tudo ou nada

  • Ponderação, balanceamento, sopesamento entre princípios colidentes.

  • Mandamentos ou mandados de definição

  • Mandamentos ou mandados de otimização

Fonte: LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15a ed. Revista, atualizada e atualizada. Saraiva. 2011. p. 140

Dentre os princípios basilares de uma democracia como a brasileira, destaca-se o princípio da interpretação conforme a constituição. O Supremo Tribunal Federal, por meio do saudoso ministro Sepúlveda Pertence, na ADI 3.046-9-SP, afirmou que: Interpretação conforme a Constituição: técnica de controle de constitucionalidade que encontra o limite de sua utilização no raio das possibilidades hermenêuticas de extrair do texto uma significação normativa harmônica com a Constituição. As polícias federal e civis, dos estados e do distrito federal, como já informado, possuem atribuições de investigação para apuração de delitos e de auxílio ao poder judiciário. Para o cumprimento dessas competências de forma eficiente, que respeite o interesse público e a legalidade, faz-se mister uma interpretação ou extração tanto do artigo 144 da Carta Magna de 1988 e seus parágrafos, quanto da lei 12.830/2013 trata da investigação conduzida pela autoridade policial quanto do Código de Processo Penal, mais precisamente nos seus artigos 4o ao 23.

Esse princípio possui seis características apontadas por Canotilho (1993, p. 229-230), quais sejam: prevalência da Constituição; conservação de normas; exclusão da interpretação contra legem; espaço de interpretação; rejeição ou não aplicação de normas inconstitucionais; não pode haver atuação como legislador positivo. O autor ensina que tal dogma deve preferir uma exegese compatível com a constituição, excluir uma lei que afronta o tecido constitucional, existir espaço

para interpretação da norma, vedar uma interpretação que possa apresentar um resultado contrário a constituição e proibir que o intérprete legisle, criando uma norma ao arrepio da carta maior.

Essa exegese se traduz no rompimento com o modelo liberal, legalista e codicista, no qual havia uma divisão entre o direito público e o privado, existindo uma certa preferência do direito privado sobre o público. Hodiernamente, há uma verdadeira reunião e influência do direito público ao privado e vice-versa. Ou seja, percebe-se um diálogo das fontes do direito como algo aparentemente mais uníssono na construção de um bem-estar da sociedade e de uma maior segurança jurídica. Essa aparente fusão, contudo, pode ter trazido à sociedade algumas questões sociais, coletivas e subjetivas importantes. Sem culpa aparente, o constituinte trouxe uma carga de subjetividade para o gestor aparentemente desnecessária. No mínimo, esse teor deveria ter sido previsto pelo legislador constituinte originário.

O sociólogo Sergio Buarque de Holanda (1991), por sua vez, explica em seu livro Raízes do Brasil que a formação moral do brasileiro e o tratamento daquilo que é público e privado pelo homem nacional eram contemporâneos e estavam ligados a uma diferença de pensamento. O estado, no começo do século XX, iniciou um período de transição de algo incipiente, amador e arraigado de paixão para um sistema com regras claras, objetivo e desprovido de paixões (1991). Essa realidade certamente ainda existente foi influenciada por esse movimento de surgimento e crescimento do estado democrático. Sabe-se, nesse sentido, que a administração pública brasileira não está imune à corrupção e ao jeitinho brasileiro e com a polícia civil não poderia ser diferente. Aqueles que erram, praticam improbidade administrativa e delitos graves devem ser responder por seus atos e ter a pena devidamente imposta. Porém, os vícios do estado brasileiro não está apenas dentro da polícia civil. Se a polícia civil tem sua parcela de culpa, toda a administração brasileira também a possui.

A respeito da constitucionalidade do tema autonomia, é mister que seja apresentado o seu conceito e seus desdobramentos. O conceito é apontado pela doutrina (LENZA, 2011, p. 768), quando se trata do Ministério Público: [] ao cumprir os seus deveres institucionais, o membro do Ministério Público não se submeterá a nenhum outro poder (legislativo, executivo ou judiciario), órgão, autoridade pública etc. O professor acrescenta: a autonomia administrativa consiste na capaciadde de direção de si próprio, autogestão, autoadministração, um governo de si. Isto é, o parquet poderá propor ao Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira, enfim, a sua organização e funcionamento, finaliza o autor. Enfim, o órgão

ministerial possui a prerrogativa de elaborar a sua própria proposta de orçamento dentro dos limites da lei de diretrizes orçamentárias, além de gerir de forma autonomia seus recursos (LENZA, 2011p. 768). Os órgãos estatais que compõe a estrutura organizacional trazida pela constituição tiveram seu mister reconhecido pelo guardião da constituição. A corte de contas possui autonomia funcional nos moldes do ministério público, conforme o supremo. Para o Supremo,

as cortes de contas seguem o exemplo dos tribunais judiciários no que concerne às garantias de independência, sendo também detentoras de autonomia funcional, administrativa e financeira, das quais decorre, essencialmente, a iniciativa reservada para instaurar processo legislativo que pretenda alterar sua organização e funcionamento, conforme interpretação sistemática dos arts. 73, 75 e 96, II, d, da CF. [ADI 4.418, rel. min. Dias Toffoli, j. 15-12-2016, P, DJE de 3-3-2017.] Consideradas a autonomia e a independência asseguradas aos Tribunais de Contas pela Lei Maior, surge constitucional a limitação do padrão remuneratório dos auditores àqueles vinculados ao subsídio percebido por Conselheiro cargo de maior hierarquia dentro dos órgãos. [ADI 3.977, rel. min. Marco Aurélio, j. 10-10-2019, P, DJE de 10-3-2020.]

Uma autarquia que recebeu autonomia pelo legislador necessária foi o Banco Central do Brasil (BACEN), por meio da Lei Complementar 179/2021. O objetivo fundamental do BACEN, conforme seu artigo primeiro se trata da estabilização de preços, controlando a inflação. A fim de que atos eleitoreiros inoportunos intervenham no plano estratégico da entidade, houve a aprovação da autonomia administrativa, técnica e financeira, com fixação de mandatos para o presidente e diretores do banco, trazendo mais profissionalismo e retidão para essa entidade a qual tem um mister bastante essencial dentro da democracia brasileira. Uma das inovações trazidas por essa legislação foi a não coincidência dos mandatos de Presidente do BACEN e o Presidente da república, segundo artigo 4o do diploma:

Art. 4º O Presidente e os Diretores do Banco Central do Brasil serão indicados pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação de seus nomes pelo Senado Federal. § 1º O mandato do Presidente do Banco Central do Brasil terá duração de 4 (quatro) anos, com início no dia 1º de janeiro do terceiro ano de mandato do Presidente da República. § 2º Os mandatos dos Diretores do Banco Central do Brasil terão duração de 4 (quatro) anos, observando-se a seguinte escala:

  • - 2 (dois) Diretores terão mandatos com início no dia 1º de março do primeiro ano de mandato do Presidente da República;

    • - 2 (dois) Diretores terão mandatos com início no dia 1º de janeiro do segundo ano de mandato do Presidente da República;

    • - 2 (dois) Diretores terão mandatos com início no dia 1º de janeiro do terceiro ano de mandato do Presidente da República; e

    • - 2 (dois) Diretores terão mandatos com início no dia 1º de janeiro do quarto ano de mandato do Presidente da República.

O Presidente do BACEN e os diretores do banco podem ser reconduzidos e somente podem ser exonerados a pedido, no caso incapacidade por enfermidade do titular, quando sofrerem condenação transitada em julgado ou por órgão colegiada pela prática de ato de improbidade ou de

crime cuja decisão defina expressamente a proibição de acesso a cargo público, conforme artigo 5o do diploma. A última e polêmica hipótese se trata do inciso IV: quando apresentarem comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco Central do Brasil. Essa hipótese somente ocorrerá mediante iniciativa do Conselho Monetário Nacional ao Presidente da República com prévia aprovação do Senado Federal por maioria absoluta. Desde logo, percebe- se a dificuldade de interferência política na atividade essencial do BACEN.

Outra entidade que possui status de autônoma se trata das universidades federais e estaduais, segundo artigo 207 da CF/88. Para extirpar qualquer dúvida a respeito da constitucionalidade do dispositivo, a Corte Suprema editou o verbete 47 nos seguintes termos: Reitor de universidade não é livremente demissível pelo presidente da república durante o prazo de sua investidura.

Impende salientar também a autonomia da defensoria pública aprovada por meio da emenda 74/2013 pelo parlamento brasileiro. O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento, por meio da ADI 5296, que essa norma é compatível com o texto constitucional, sendo, portanto, constitucional (STF. ADI 5296- DF. Pleno. Rel. Rosa Weber). O ministro Dias Toffoli, no citado julgamento, afirmou que:

Ao contrário, portanto, da pretensão da inicial de atribuir pecha de incompatibilidade com o texto da Constituição, vislumbro no espírito da norma a busca pela elevação da Defensoria Pública a um patamar adequado a seu delineamento constitucional originário de função essencial à Justiça , densificando um direito fundamental previsto no artigo 5º da Constituição Federal, que ordena ao Estado a prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. STF. ADI 5296- DF. Plenário.

Conforme Dias Tóffoli, a Defensoria Pública, a Advocacia Pública e o Ministério Público não se submetem a nenhum dos três Poderes da República não integrando o órgão de assistência judiciária o poder executivo. E completa que o mister da defensoria de tutelar o acesso à justiça pelos necessitados ficaria respaldado em certa medida. Malgrado a alegação de dar consistência e eficácia ao postulado de acesso à justiça consubstanciado no inciso LXXIV, do artigo 5o da Carta Maior, a polícia judiciária de todos os níveis possui atribuição que tutela também os direitos fundamentais escritos no citado dispositivo. Como foi introduzido neste trabalho, busca-se o estado brasileiro, conforme o artigo 3o da Carta Magna, construir uma sociedade livre, justa e solidária e erradicar a marginalização, além de reduzir as desigualdades sociais e regionais.

A segurança pública, por sua vez, contida nos artigos 6o e 144 da CF/88 celebram o conteúdo de direito fundamental de segunda geração inerente ao indivíduo, de obrigação de fazer estatal. Ademais, há vários incisos do artigo 5o que, no mínimo, têm reflexo na atividade e estão, sem dúvidas, ligados ao mister policial. Ora, se é direito fundamental do cidadão ter acesso à

justiça, na mesma medida também se trata de um direito fundamental do cidadão ser preso apenas em flagrante ou por ordem escrita e fundamentada (inc. LXI, art. 5o CF/88), ter sua casa não violada sem consentimento do morador, via de regra (inc. XI, art. 5o CF/88), além do direito de ir e vir (inc. XV, art. 5o CF/88). A alegação de que o BACEN e as universidades federais, autarquias federais, poderiam possuir autonomia por causa de sua posição na administração indireta não parece razoável, haja vista que o Ministério Público e a Defensoria Pública, órgãos da administração direta, possuem a autonomia tão debatida nesse artigo. A subordinação da administração direta de forma ilimitada e sem limites culminar por comprometer o mister de algumas instituições, tais como o órgão de assistência judiciária e o ministério público.

Nesse diapasão, fica claro que a segurança pública, mister das polícias judiciárias, trata-se de um direito fundamental inerente ao cidadão de segunda geração. À medida que é constitucional a autonomia funcional, administrativa e orçamentária dada às defensorias públicas pela EC 74/13, também é evidente a constitucionalidade da autonomia das polícias investigativas, em caso de eventual aprovação de uma emenda constitucional nesse sentido. No mínimo, dever-se-ia ser aprovada pelo parlamento brasileiro uma proposta de emenda à constituição que garanta estabilidade do Delegado Geral das polícias civis dos estados aos moldes do reitor das universidades federais e institutos federais, uma garantia de inamovibilidade aos investigadores, tais como delegados, agentes de polícia e escrivães e uma autonomia administrativa e orçamentária da própria polícia civil a fim de que a polícia investigativa tenha melhores meios de forma mais imparcial e isonômica para desempenhar sua função constitucional.

Há, portanto, hermenêutica constitucional, exemplos institucionais, teses bem fundamentadas, até proposta de emenda constitucional como se verá adiante, faltando apenas vontade política para que esse tema seja debatido perante o Parlamento Brasileiro.

Em Portugal, vigora um sistema processual penal e investigatório de que a magistratura ministerial possui a direção das investigações. No Brasil, a investigação está sob direção dos delegados de polícia civil, conforme artigo 144 da Carta Magna. No Uruguai, o Ministério Público assumiu a titularidade da investigação criminal, função essa anteriormente ocupada pela autoridade policial. Lá, os órgãos policiais passaram para uma função de auxiliares do Ministério Público nas tarefas de investigação.

No tocante à desburocratização dos procedimentos, há um nítido avanço trazendo um sistema lusitano e uruguaio mais gerencial e moderno, Na antiga cisplatina, não há um auto investigatório, e sim uma carpeta investigativa sob o comando do Ministério Público, sem

formalidade expressa, em regra, conforme artigo 264 do CPP. No País lusitano, em caso de flagrante delito, lavra-se um Termo de Identidade e Residência (TIR) e apresenta-se o detido ao juiz. Os policiais lusitanos adentram na instituição em cargo de carreira única, algo similar ao que ocorre na Polícia Rodoviária Federal brasileira.

Aparentemente, há uma tendência mundial de o membro do Parquet assumir também a titularidade investigação criminal, diante da sucumbência do inquérito policial diante dos problemas sociais e necessidade de respeito, cada vez maior, dos direitos individuais e humanos. Malgrado alguns países tenham optado por essa formatação do sistema investigativo, é importante que se tenha trazido no presente artigo tais exemplos a fim de elucidar eventuais dúvidas e comparar os sistemas e opções legislativas desses países.

No Brasil, será apontado as peculiaridades locais no próximo tópico e a necessidade da aprovação de uma autonomia para a polícia investigativo com intuito de se aumentar o respeito aos direitos individuais e coletivos, uniformizar as condutas policiais, facilitar na apuração de eventual abuso de autoridade e dar efetividade aos direitos fundamentais consubstanciados na carta de 1988.

Um dilema que o legislador tinha de enfrentar seria o que fazer com os delegados de polícia civil e da polícia federal, caso se optasse por modelo similar aos citados alhures. Certamente, haveria um litígio enorme e uma celeuma que seria um prato cheio para a política brasileira. A atividade policial possui contornos próprios e peculiaridades que somente quem está dentro da instituição poderia conduzir uma investigação de maneira autônoma, respeitando a titularidade da ação penal do Parquet e atingir de uma maneira razoável os direitos fundamentais trazidos na constituição de 1988.

Ademais, não parece haver preparo social, isto é, preparo da população brasileira já acostumada com a atuação policial localmente vigente, embora esta atividade seja exercida na medida das possibilidades de um órgão que em inúmeras vezes possui estrutura extremamente precária em diversos estados do Brasil, inclusive em estados como São Paulo e Rio de Janeiro, que possuem uma arrecadação e população notórios. Não parece razoável, invés de se investir e dar uma estrutura isenta à polícia civil, ir o legislador na contramão disso e talvez sucatear ainda mais a instituição civil ou até mesmo vir a extingui-la.

A polícia civil não é única que possui vícios enraizados. Como relatado no presente artigo, a administração pública em geral possui vícios trazidos pela administração patrimonial no início do século XX, embora já se tenha avançado, o estado ainda precisa de alteração, reformulação e evolução.

DA NECESSIDADE DA AUTONOMIA ORÇAMENTÁRIA, FUNCIONAL E ADMINISTRATIVA DAS POLÍCIAS JUDICIÁRIAS BRASILEIRAS

Diferentemente da polícia civil e federal, sem menosprezo algum, segundo artigo 144 da CF/ 88, a polícia militar possui atribuição de guarda da sociedade e do governador, de polícia ostensiva, atuando, como já relatado, com enfoque preventivo. À polícia penal cabe a segurança do estabelecimento penal. Ao corpo de bombeiro cabe a execução de atividades de defesa civil. À polícia rodoviária federal cabe o patrulhamento ostensivo nas ferrovias federais assemelhando-se ao mister da polícia militar dos estados e do distrito federal. O que deixa evidente é que esses órgãos são órgãos de execução, diferente da polícia investigativa.

A polícia judiciária, por sua vez, possui atribuição de apurar, investigar e, enfim, produzir elementos probatórios que possam incriminar ou inocentar o indivíduo. A função de polícia investigativa das polícias civis e federal exige certa independência, em certa medida, do Poder Executivo, do Ministério Público, do Judiciário e do Legislativo. É de bom alvitre evitar interferências políticas ou de outros poderes com objetivo estritamente pessoal e ao arrepio da lei em uma investigação policial que poderá dar supedâneo a uma futura denúncia do parquet.

Cabe salientar o caso midiático de tentativa aparente de interferência do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro na atividade investigativa da polícia civil que deu ensejo ao Inquérito 4831 na suprema corte. No caso dos estados-membros, deve-se buscar tal autonomia a fim de diminuir ou cessar a interferência política dos governadores e gestores dentro da polícia investigativa.

Dar-se-á, destarte, mais prestígio, profissionalismo e estrutura para, principalmente, as polícias civis dos estados, as quais estão em verdadeiro estado de coisa inconstitucional, assemelhando-se à tese consagrada pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 347, que acabam por produzir um baixo número de soluções de crimes, mormente os delitos contra a vida. Apenas para efeito de elucidação, segundo matéria do programa da rede Globo Fantástico datada de 27/09/2020 baseada em um levantamento do Instituto Sou da Paz, cerca de 30% dos casos de homicídios são solucionados em média.

A sociedade de certa maneira entende a função do Ministério Público, do Judiciário, do Executivo e até da Defensoria Pública, porém o papel das polícias investigativas não parece estar claro para o povo. Talvez porque em outrora foi um local onde se resolvia da confusão entre dois

vizinhos, por exemplo, até uma investigação de delitos praticados na rede mundial de computadores

Internet que exigem conhecimento específico do investigador. Quando um cidadão procura a polícia judiciária para buscar uma solução de uma infração penal praticada na Internet, o investigador deveria ter esse conhecimento técnico e isso muitas vezes não ocorre na prática. Cada vez mais, as nações estão valorizando e entendendo sobre a importância de uma investigação policial bem feita a fim de que o processo criminal possa seguir seu rumo de uma forma humana e republicana.

A polícia investigava, que auxilia também judiciário, deve ser um órgão sério, com atribuições definidas de modo claro para que tanto a sociedade tenha um serviço público prestado com continuidade, eficiência, segurança, regularidade e atualidade, conforme a lei 8987/95 Serviços Públicos quanto se evite subjetividade e decisões políticas dentro da política judiciária.

Sobre o tema, vale destacar a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 882-MT, datada em 19/2/2004, no sentido de não reconhecer a autonomia administrativa, funcional e financeira da polícia judiciária civil por afronta ao §6o do artigo 144 da CF/88. Assim julgou:

Ordenamento constitucional. Organização administrativa. As polícias civis integram a estrutura institucional do Poder Executivo, encontrando-se em posição de dependência administrativa, funcional e financeira em relação ao Governador do Estado (artigo, 144, § 6o, CF). 2. Orçamento anual. Competência privativa. Por força de vinculação administrativo constitucional, a competência para propor orçamento anual é privativa do Chefe do Poder Executivo. 3. Ação direta de inconstitucionalidade. Norma infraconstitucional. Não-cabimento. Em sede de controle abstrato de constitucionalidade é vedado o exame do conteúdo das normas jurídicas infraconstitucionais. 4. Prerrogativa de foro. Delegados de Polícia. Esta Corte consagrou tese no sentido da impossibilidade de estender-se a prerrogativa de foro, ainda que por previsão da Carta Estadual, em face da ausência de previsão simétrica no modelo federal. 5. Direito Processual. Competência privativa. Matéria de direito processual sobre a qual somente a União pode legislar (artigo 22, I, CF). 6. Aposentadoria. Servidor Público. Previsão constitucional. Ausência. A norma institui exceções às regras de aposentadoria dos servidores públicos em geral, não previstas na Lei Fundamental (artigo 40, § 1o, I, II, III, a e b, CF). Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte. [STF. Pleno. ADI 882-MT]

Contudo, há uma proposta de emenda à constituição (PEC) datada de 2009 no Congresso Nacional a qual confere à Polícia Federal autonomia funcional, administrativa e orçamentária, senão veja-se: Art. 144. § 1º Lei Complementar organizará a polícia federal e prescreverá normas para a sua autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de elaborar sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, com as seguintes funções institucionais:. Interessante mencionar as razões ou a justificativa trazida pelo deputado Alexandre Silveira para a aprovação dessa PEC:

A presente Emenda Constitucional visa aprimorar o texto da Carta Magna para assegurar a autonomia institucional necessária à construção da Polícia Federal como uma Polícia Republicana, que atua a serviço do Estado e não de governos.

A sociedade espera da Polícia Federal o exercício de suas funções institucionais com imparcialidade e efetividade. Sua autonomia funcional e administrativa prevenirá os problemas advindos de uma polícia submetida às intempéries do poder e de capricho dos governantes no combate à criminalidade organizada, à corrupção e à impunidade neste país. Historicamente, e fora do Poder Judiciário e do Ministério Público, é possível encontrar um grande número de órgãos que receberam o devido enaltecimento institucional. Assim, aconteceu com a Defensoria Pública da União, a Advocacia-Geral da União (AGU), os Tribunais de Contas, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o Banco Central do Brasil, a Controladoria-Geral da União (CGU), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), as Agências Reguladoras e as Universidades.

No Executivo Federal, é notório o fortalecimento institucional obtido pela AGU nos últimos anos graças ao reconhecimento de sua autonomia funcional. Especificamente no âmbito do Ministério da Justiça, onde se situa a Polícia Federal, há órgãos de notável sucesso com autonomia gerencial tais como a Defensoria Pública da União e o Cade.

Se a ação da Defensoria Pública da União merece todo o apoio estatal, posto que seu objetivo é a defesa dos menos assistidos, não poderá ser diferente com a Polícia Federal, pois segurança pública e o combate ao crime organizado e à corrupção são igualmente objetivos desejados pela sociedade brasileira.

Não adianta o discurso vazio de prioridade para as ações de segurança, quando isso não se revela em ações governamentais práticas de investimentos em recursos financeiros, orçamentários, materiais e humanos.

A Polícia Federal, diante do rol de responsabilidades constitucionalmente lhe atribuídas, sofre com o contingenciamento de recursos orçamentários e financeiros e limitações de empenhos. Recentemente criou-se 230 varas federais no interior do país. A Polícia Federal, embora seja a Polícia Judiciária da União, não recebe o equivalente investimento para conseguir atender às demandas decorrentes dessa interiorização da Justiça Federal.

Fato semelhante ocorre com as fronteiras do país, em face da falta de uma autonomia gerencial à Polícia Federal, que está engessa- 3 da, não podendo atuar adequadamente nos postos de fronteiras terrestres, marítimos e aeroportuários.

Outro fenômeno negativo derivado dessa desatenção com a Polícia Federal é a usurpação das funções constitucionais de Polícia Judiciária da União por parte de órgãos policiais de patrulhamento rodoviário, militares estaduais e até por órgãos não policiais em absoluto e frontal desrespeito a Magna Carta, sob o argumento de ocupação de espaço institucional. Esse espaço surgiu em consequência de investimentos inferiores às necessidades da Polícia Federal. A fim de melhor compreender a situação, é preciso deixar claro que dentro do Ministério da Justiça, guardada as devidas proporções, há vários órgãos mais bem aquinhoados. Por exemplo, a Fundação Nacional do Índio (Funai) está mais bem estruturada que a Polícia Federal.

Por fim, não se está aqui propondo uma Polícia Federal independente. Não se pode confundir autonomia gerencial com independência funcional absoluta, vez que ela só existe no nível técnico. A Polícia Federal continuará submetida ao controle finalístico do Ministério da Justiça, a quem continuará vinculado, aos órgãos de controle da União tais como CGU e TCU, ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público e ao controle jurisdicional dos órgãos do Poder Judiciário, sem prejuízo da criação da Ouvidoria das Polícias da União.

Deixar de investir na Polícia Federal, é deixar de investir no combate à criminalidade, à corrupção e à impunidade no país. Perde a sociedade brasileira.

Na contramão da PEC mencionada e mais no sentido do julgamento na ADI 882/MT, o jurista Lênio Streck afirma em artigo publicado no site: conjur.com, em 26 de agosto de 2019, com título Proposta de autonomia da Polícia Federal divide especialistas., redigido por Gabriela Coelho, não haver precedente no mundo de uma polícia judiciária e investigativa com status de autônoma. E ainda complementa:

"Novamente o Brasil quer fazer atalhos. Traição no casal? Simples: compra sofá novo. Não tem como funcionar um sistema de investigação com polícia e MP autônomos ao mesmo tempo. Este é um país das autonomias. Neste ritmo, logo outras instituições quererão autonomia. Bom, em filosofia se diz: se tudo é, nada é! Ou: se todos são autônomos, já ninguém será. Governos já de nada valerão. O eleito estará submetido a um poder autárquico representado pela estrutura estatal autônoma. Cuidado, pois"

Ainda que seja válido o argumento de não existir, em tese, precedente de polícia judiciária autônoma, parece ser importante uma polícia investigativa com caráter autônomo, haja vista que a discricionariedade, as atribuições constitucionais policiais e o controle interno, consubstanciado no artigo 70 da CF/88 costumam ser violados por outros órgãos, havendo, na prática, um desprestígio institucional das polícias, principalmente em relação à polícia judiciária dos estados-membros. Frise-se, a polícia investigativa não possui caráter de órgão executor ou operacional e sim de construtor de ideias.

É sabido, por exemplo, da interferência do Ministério Público dentro da Polícia Judiciária com a alegação de ser o titular da ação penal (BRASIL, 1988) e culminar por intimidar a autoridade policial em sua atividade, e da alegação rotineira de ser o detentor da função de controle externo das polícias (BRASIL, 1988) e, por isso, invadir em diversas vezes o mister constitucional da polícia judiciária. Não raro são as vezes que despachos, recomendações ou decisões judiciais são produzidas com palavras intimidatórias, com termos que faltam com o respeito com o presidente do inquérito, além de eventualmente haver alguns ataques pessoais, fomentando a subordinação ilimitada da polícia judiciária ao Ministério Público, ao Judiciário, dentre outros órgãos. A tese defendida nesse artigo se coaduna com a não subordinação entre polícia civil e o parquet e não exclui a atividade externa ministerial, frisem-se.

Certamente, a diminuição dos números de delitos e o aumento da sensação de segurança passa por uma valorização da carreira policial, mormente a investigativa. Sem dúvidas, não é com críticas, incompreensões e falta de respeito que farão com que a situação da segurança pública brasileira melhore. A polícia judiciária precisa, no mínimo, ser remodelada para um sistema mais moderno, isento, desprovido de preconceitos, com mais estrutura organizacional e principalmente mais prestígio, tanto com a sociedade quanto perante outros órgãos e entidades estatais.

É mister que haja uma discussão entre a Sociedade, o Parlamento, o Ministério Público, a Suprema Corte, a Imprensa e as Policiais Judiciárias Brasileiras a fim atenuar, no mínimo, a situação das polícias investigativas, seja com a aprovação de proposta de emenda à constituição concedendo a autonomia funcional, administrativa e orçamentária, ou até uma autonomia mitigada ou regrada, nos termos de uma legislação específica produzida após o debate entre essas entidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalmente, o presente artigo teve como mister trazer a tona a teoria e um pouco da prática da atividade policial a fim de que o leitor tenha entendimento de como está a polícia judiciária brasileira, embora ele, leitor, esteja fora do órgão.

Malgrado se saiba que a formação cultural e moral do brasileiro esteja ligado a uma formação católica, marcada pelo subjetivismo e paixões, parece importante que se tente uma mudança de ótica dos cidadãos, a fim de que se consiga modernizar o aparelho estatal, diminuir os litígios, atingir de uma forma mais eficaz os direitos individuais e coletivos, além de aumentar consideravelmente a eficiência estatal.

Apesar de haver tentativas de modernização da máquina estatal desde o decreto-lei 200/67 com a descentralização administrativa, a instituição de princípios tais como a racionalidade, a reunião de competências, a dinamização, a informação do processo decisório e o controle, além de outros termos usados pelo diploma, aparentemente não se passou de uma mera tentativa ou da prova da incompetência estatal em cumprir o que fora estabelecido.

Como se vê, não é de hoje que o estado brasileiro pede ajuda e as autoridades dialogam e discutem entre si soluções para um estado mais moderno. Contudo, o teor político espraiado nas decisões do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, seja de quaisquer dos entes, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, colocam em cheque, de certa forma, a modernização do aparelho estatal.

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado aprovado no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso assevera que a promulgação da constituição de 1988 trouxe um engessamento estatal e um retorno, em certa medida, do patrimonialismo e da burocracia, já existentes no Brasil. Houve no caso, uma perda da autonomia do Poder Executivo para tratar sobre a estruturação dos órgãos públicos, instituiu-se a obrigatoriedade do regime jurídico único para os servidores e atribuiu-se à administração indireta as competências da administração direta.

Como se nota, o estado brasileiro vem sendo reformulado, embora ainda se possa perceber aspectos burocráticos e gerenciais que convivem simultaneamente. Como exemplo pode-se citar a polícia federal com competência escrita expressamente na constituição em seu artigo 109 na qual seus policiais possuem acesso a sistemas de altíssima tecnologia. Nos estados, a polícia civil

investigativa, embora possua uma competência residual e quase ilimitada, possui uma realidade de total contraste com os órgãos federais de investigação ou que auxiliam nas investigações.

Certamente, não é razoável que o sucateamento ou o alijamento de um órgão investigativo seja uma estratégica pública ou política pública coerente com o interesse público e o sentimento republicano. Nesse diapasão, parece ser urgente uma aprovação legislativa que proporcione à polícia judiciária determinada autonomia, mais profissionalismo e uma melhor estrutura organizacional. Na prática, a força do poder político dentro da instituição civil compromete, em certa medida, o atendimento de seu mister constitucional.

Como foi salientado no tópico a respeito da constitucionalidade da autonomia às polícias investigativas, embora exista pensamento em sentido diverso, parece ser salutar e importante para que a República Federativa do Brasil atenda, cada vez mais, seus fundamentos e objetivos fundamentais, a citada promulgação da autonomia das polícias civis. Há amparo constitucional para que uma emenda à constituição seja aprovada pelo parlamento brasileiro. Não há contrariedade às cláusulas pétreas. Pelo contrário, haveria um melhor atendimento dos direitos fundamentais individuais e coletivos. Após esse tópico, o autor trouxe a baila outro item o qual tratou sobre a necessidade da aprovação da autonomia das polícias investigativas pelo parlamento.

Como já citado, a interferência política, mormente do Chefe do Poder Executivo dentro da polícia civil e federal trata-se de algo comum no Brasil. O modelo adotado pelo Brasil deve ser revisto a fim de que a polícia consiga laborar de uma forma mais independente, mais autônoma, embora não apartada absolutamente do Poder Executivo.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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