A álea ordinária, administrativa e econômica nos contratos administrativos

24/02/2022 às 10:25

Resumo:


  • Os contratos administrativos podem ser alterados unilateralmente pela Administração Pública para atender ao interesse público, o que pode afetar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

  • A teoria do equilíbrio econômico-financeiro visa ajustar os contratos administrativos frente a eventos imprevisíveis ou alterações unilaterais, mantendo a relação contratual justa para ambas as partes.

  • A nova Lei de Licitações (Lei n. 14.133/2021) estabelece limites e condições para a alteração contratual, visando preservar o equilíbrio econômico-financeiro e a justa compensação em caso de alterações significativas no escopo do contrato.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Riscos dos contratos administrativos.

Nos contratos administrativos existem diversos os riscos a que se sujeitam as partes, que podem impactar no equilíbrio econômico-financeiro do pacto estabelecido.

Por causa desses elementos de insegurança que se elabora uma teoria do equilíbrio econômico nos contratos administrativos.

Uma das características dos contratos administrativos é a sua mutabilidade, visto que a Administração pode alterar o contrato de forma unilateral.

Entretanto, o contrato igualmente pode ser modificado devido ao fato do príncipe e teoria da imprevisão.

Como diz Maria Sylvia Zanella Di Pietro, O próprio interesse público que à Administração compete defender não é estável, exigindo eventuais alterações do contrato para ampliar ou reduzir o seu objeto ou incorporar novas técnicas de execução[1].

A solução para esses riscos consiste na chamada teoria das áleas.

A álea ordinária, também chamada de empresarial é o risco que estaria presente em qualquer tipo de negócio, seja ele privado ou público. Nesse caso é importante que o risco seja ordinário, comum, previsível.

A álea administrativa abrange três modalidades, como ensina Sylvia Zanella Di Pietro: Pode decorrer da alteração unilateral do contrato por parte da Administração, para atendimento ao interesse público. Também pode decorrer do fato do príncipe, que como já explicado em outro artigo, é um ato da Administração, exterior ao contrato, mas que o afeta de forma direta e/ou indireta. Por fim, pode decorrer do fato da Administração, que consiste em toda ação ou omissão da Administração Pública, que vai impedir ou agravar a execução do contrato ou levar ao seu atraso.

A alteração unilateral do contrato, pela Administração, consoante artigo 124 da nova Lei de Licitações (Lei n. 14.133, de 1 de abril de 2021) só pode ocorrer nos seguintes casos:

Art. 124. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

I - unilateralmente pela Administração:

a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica a seus objetivos;

b) quando for necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei; (...)

O artigo 125 estabelece os limites quantitativos às alterações quantitativas:

Art. 125. Nas alterações unilaterais a que se refere o inciso I do caput do art. 124 desta Lei, o contratado será obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato que se fizerem nas obras, nos serviços ou nas compras, e, no caso de reforma de edifício ou de equipamento, o limite para os acréscimos será de 50% (cinquenta por cento).

E o artigo 130 da mesma lei obriga a Administração, nos casos de alteração unilateral, a restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial:

Art. 130. Caso haja alteração unilateral do contrato que aumente ou diminua os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, no mesmo termo aditivo, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.

Isso equivale a dizer, portanto, que o poder da Administração, de alteração contratual, não é ilimitado.

O fato do príncipe é previsto expressamente na nova lei de licitações: Artigo 124, II, d: para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato.

Pelo magistério de Maria Silvia Zanella Di Pietro:

No direito brasileiro, de regime federativo, a teoria do fato do príncipe somente se aplica se a autoridade responsável pelo fato do príncipe for da mesma esfera de governo em que se celebrou o contrato (União, Estados e Municípios); se for de outra esfera, aplica-se a teoria da imprevisão[2].

O fato da Administração é qualquer conduta ou comportamento da Administração que pode tornar o impossível a execução do contrato ou provocar seu desiquilíbrio econômico.

Maria Sylvia explica que se costuma equiparar o fato da Administração com força maior, tendo em vista que em ambas as situações há ocorrência de um fato atual, posterior à celebração do contrato, imprevisível e inevitável. Contudo, na força maior, esse fato é estranho à vontade das partes e, no fato da Administração, é imputável a esta (DI PIETRO, 2019, p.610).

A álea econômica é a circunstância externa ao contrato, imprevisíveis, inevitáveis, que causam um desiquilíbrio considerável no contrato, dando margem à aplicação da teoria da imprevisão.

Maria Sylvia vai expor que os requisitos para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, pela aplicação da teoria da imprevisão, que o fato seja:

  • imprevisível quanto à sua ocorrência ou quanto às suas consequências;

  • estranho à vontade das partes;

  • inevitável;

  • causa de desequilíbrio muito grande no contrato.

E continua:

Se for fato previsível e de consequências calculáveis, ele é suportável pelo contratado, constituindo álea econômica ordinária; a mesma conclusão, se se tratar de fato que o particular pudesse evitar, pois não será justo que a Administração responda pela desídia do contratado; só o desequilíbrio muito grande, que torne excessivamente onerosa a execução para o contratado, justifica a aplicação da teoria da imprevisão, pois os pequenos prejuízos, decorrentes de má previsão, constituem álea ordinária não suportável pela Administração. Além disso, tem que ser fato estranho à vontade das partes: se decorrer da vontade do particular, responde sozinho pelas consequências de seu ato; se decorrer da vontade da Administração, cai-se nas regras referentes à álea administrativa (alteração unilateral e teoria do fato do príncipe)[3].

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Nesse caso, importante diferenciar a álea econômica da força maior. No caso da força maior, se verifica a impossibilidade absoluta da execução do contrato. Já no caso da álea econômica, a Administração pode aplicar a teoria da imprevisão, visto que de acordo com Maria Sylvia, ocorre apenas um desiquilíbrio econômico, que não impede a continuidade do contrato, tendo em vista que a Administração pode rever cláusulas financeiras do contrato, com a finalidade de permitir sua continuidade, caso seja conveniente ao interesse público.

Já no caso da força maior, não há responsabilidade por inadimplemento contratual, não dando margem à indenização.

  1. PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Forense, 2019, p. 604.

  2. Ibidem, p.609.

  3. Ibidem, p. 616.

Sobre a autora
Ana Carolina Rosalino Garcia

Advogada graduada em Direito pela Universidade Paulista (2008). Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo desde 2009. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Possui MBA em Administração de Empresas com Ênfase em Gestão pela Fundação Getúlio Vargas - FGV / EAESP - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. Pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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