A evolução do controle de convencionalidade na América Latina

05/03/2022 às 09:58
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Tendo em vista o julgamento da RE 466.343/SP, no ano de 2008, o qual deu caráter supralegal aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, o controle difuso de convencionalidade das leis ordinárias nacionais, passou a ser de vital importância dentro do nosso ordenamento jurídico, tendo em vista ofertar efeitos paralisantes a qualquer lei ordinária que vá de encontro as convenções internacionais ratificadas pelo brasil.

Devido a isto é salutar o estudo do controle de convencionalidade, bem como a sua evolução no continente latino-americano, para tanto passamos a analisar os casos da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre tal assunto, vejamos:

Em 15 de setembro de 1998, data do recebimento da denúncia nº 12.057 o caso Almonacid Arellano e Outros contra Governo do Chile, até o seu julgamento final pela Corte Interamericana de Direitos, em 26 de setembro de 2006, foi o precursor, em grande parte, do primeiro caso de controle de convencionalidade no continente americano.

Trata-se de um homicídio perpetrado pela policia chilena onde ceifou a vida do senhor Luis Alfredo Almonacid Arellano, um professor, militante do Partido Comunista do Chile, Presidente da Central Única de Trabalhadores (CUT) da cidade de Rancagua e dirigente do Sindicato Único de Trabalhadores de Educação (SUTE).

Pelo fato do Estado Chileno ter sido totalmente omisso, não apurando o caso e muito menos não punindo os responsáveis, obstaculizado o fato pela Lei de Anistia Nacional, foi condenado por práticas ilícitas de repressão a alguns setores da sociedade civil, configurando assim em crime contra a humanidade, por violação a regras básicas de direitos internacionais.

A violação a tais direitos acima citados se deu pelo fato de o Estado Chileno ter descumprido determinação internacional de amoldar suas normas internas aos artigos de lei estabelecidos na Convenção Americana de Direitos Humanos, sendo que da citada sentença, merece destaque o trecho abaixo retirado do parágrafo nº 124, onde consta determinação expressa do Estado em realizar o controle de convencionalidade de suas leis infraconstitucionais, vejamos:

A Corte está ciente de que os juízes e tribunais internos estão sujeitos ao império da lei e, por isso, estão obrigados a aplicar as disposições vigentes do ordenamento jurídico. Contudo, quando um Estado ratifica um tratado internacional como a Convenção Americana, seus Juízes, como parte do aparato do Estado, também se submetem a ela, o que os obriga a zelar para que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam comprometidos pela aplicação de leis contrárias ao seu objeto e finalidade, e que desde sua origem carecem de efeitos jurídicos. Em outras palavras, o Poder Judiciário deve exercer uma espécie de controle de convencionalidade entre as normas jurídicas internas que aplicam e os casos concretos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Nessa tarefa, o Poder Judiciário deve ter em conta não somente o tratado, mas também a interpretação do mesmo pela Corte Americana, intérprete final da Convenção Americana.

Assim sendo na citação acima, a Corte Interamericana determina expressamente que o Estado por meio de seus órgãos jurisdicionais deve realizar o chamado controle de convencionalidade das leis, expulsando aquelas que contrariem normas internacionais que tratam sobre direitos humanos.

Neste sentido podemos tirar a seguinte conclusão: Há o âmbito nacional de controle de convencionalidade realizado pelo Estado signatário da Convenção, bem como o âmbito internacional feito pela Corte Interamericana, sendo que de acordo com os julgados da Corte o segundo controle tem mais poderio do que o primeiro.

Tanto é verdade o que foi acima relatado que a própria Corte reiterou seus julgados nos casos Cantuta contra Perú, de 29 de novembro de 2006 e no caso Boyce e otros contra Barbados, de 20 de novembro de 2007, já o nosso direito pátrio raramente realiza o controle difuso de convencionalidade das leis, dando ênfase infelizmente apenas ao controle constitucional.

Por sua vez, outro caso que merece ser citado no exercício do controle de convencionalidade é o caso dos Trabajadores Cesados del Congreso (Aguado Alfaro y otros) contra Perú, consoante os termos do parágrafo 128 da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, vejamos:

Quando um Estado ratifica um tratado internacional como a Convenção Americana, seus juízes também se submetem a ela, o que os obriga a velar para que o efeito útil da convenção não seja obstruído ou anulado pela aplicação de leis contrárias às suas disposições, objeto e finalidade. Em outras palavras, os órgãos do Poder Judiciário devem exercer não só um controle de constitucionalidade, mas também de convencionalidade ex officio entre as normas internas e a Convenção Americana, observados os limites de suas respectivas competências e das normas processuais correspondentes. Essa função não deve se limitar às manifestações ou atos dos demandantes em cada caso, mas não implica que esse controle deve ser exercido sempre, sem considerar outras ações formais e materiais de admissibilidade e procedência desse tipo de ações. (CORTE IDH, 2019).

A importância deste caso é devido ao fato do mesmo ser o primeiro julgado que faz referência ao controle de convencionalidade exercido ex officio pelo Poder Judiciário nacional, não necessitando que qualquer interveniência das partes e muito menos de casos já anteriormente decididos pela Corte Internacional.

Já no caso Cabrera García y Montiel Flores vs México que diz respeito a condenação do Estado mexicano por violação de direitos humanos dos senhores Teodoro Cabrera García e Rodolfo Montiel Flores, os quais foram presos e condenados injustamente, além dos mesmos terem sofrido tratamento degradante e cruel no cárcere, ficou decidido que todos os magistrados e órgãos vinculados à administração da justiça, em todos os níveis de instância, devem exercer o controle de convencionalidade das leis, sendo este o primeiro julgado a ampliar ainda mais a competência para o exercício do controle convencional fazendo nascer a expressão bloco de convencionalidade.

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Por fim, continuando esta evolução do controle de convencionalidade no continente latinoamericano, não podemos deixar de destacar o caso Gelman vs Uruguai que durante a operação condor violou os direitos fundamentais de Maria Claudia García Iruretagoyena Gelman em virtude de seu desaparecimento forçado, além de ocultar a identidade de sua filha María Macarena Gelman Garcia Iruretagoyena.

No citado caso fora decidido que não só os integrantes do Poder Judiciário, mas toda e qualquer autoridade pública poderá realizar o chamado controle de convencionalidade das leis, portanto assim como no caso Cabrera García y Montiel Flores vs México o qual ampliou o controle convencional a todos os juízes e órgãos ligados ao judiciário, o caso Gelman vs Uruguai estende ainda mais o rol de autoridades que podem exercer o controle convencional das normas internas de cada país.

Concluimos que leis ordinárias que vão de encontro aos tratados internacionais de direitos humanos na qual o Brasil é signatário, devem ser declaradas inconvencionais por toda e qualquer autoridade, seja de que seara for, tendo por fim o princípio pro homine, bem como a decisão do STF no julgamento do RE nº 466.343, o qual estabeleceu carater de supralegalidade a todos os tratados internacionais de direitos humanos aprovados nos termos do paragrafo 2º do artigo 5º da nossa Constituição Federal.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

MAZZUOLI, Valério de Oliveira, Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Método, 5ª Edição 2018.

PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional - 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015;

RAMOS, André de Carvalho, Curso de Direitos Humanos, Saraiva - 6ª Ed. 2019.

Súmula Vinculante nº25: O fim da prisão do depositário infiel: Disponível em <http://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19916/sumula-vinculante-no25-o-fim-da-prisao-do-depositario-infiel> Acesso em 04 de março de 2022 às 20:59hs.

Sobre o autor
Alan Bezerra Oliveira Lima

Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Leão Sampaio - Ceará; mestrando em Direito Processual Constitucional pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora – UNLZ.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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