Da emissão de cheques sem fundos ao crime de estelionato

07/03/2022 às 13:51

Resumo:


  • O cheque é uma ordem de pagamento à vista emitida contra um banco sobre fundos depositados na conta do emitente, podendo ser nominal ou ao portador.

  • A emissão de cheques pré-datados sem fundos configura inadimplemento contratual, e não estelionato, sendo necessário o elemento subjetivo de induzir em erro para obter vantagem ilícita.

  • A fraude na emissão de cheques sem fundo configura crime quando há intenção de obter vantagem patrimonial em prejuízo alheio, caracterizando o delito de estelionato.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

De acordo com Fábio Ulhoa Coelho (2014), cheque é uma ordem de pagamento à vista expedida contra um banco sobre fundos depositados na conta do emitente. Trata-se de uma ordem de débito emitida pelo titular da conta bancária, usado para que possa quitar um pagamento determinado, o cheque pode ser nominal ou ao portador. Entende-se por cheque de mesma praça aquele no qual foi emitido no mesmo local onde deverá ser pago, tendo como prazo para apresentação o prazo de 30 dias; e em praça diferente, como o próprio nome diz, é em local diferente do pagamento e tem o prazo de 60 dias.

Cheque Nominal é como um instrumento financeiro que traz o nome do beneficiário no qual irá receber o pagamento, ou seja, da referida pessoa no qual possui a autorização para receber o dinheiro/pagamento. É possível depositar o cheque na conta do beneficiário em questão e, também, será possível receber na boca do caixa. Já no Cheque ao Portador qualquer cidadão em posse do cheque poderá solicitar a então compensação do valor no banco correspondente. Quero dizer que, quando o cheque é ao portador, significa que o nome do beneficiário não foi especificado no preenchimento das informações.

Outrossim, o cheque é uma ordem de pagamento à vista, porque deve ser pago no momento em que é apresentado ao banco pelo então beneficiário do dinheiro. Isso vale ainda que o cheque seja pós-datado, ou seja, é indicado uma data posterior. Em suma, isso significa que, ao passá-lo, o emissor dá uma ordem para o banco fazer o pagamento de um determinado valor ao beneficiário. Dado o exposto, compreende-se que se trata de um título de crédito e, consequentemente, um reconhecimento da dívida por parte do emitente.

A emissão de cheques pré-datados sem fundos configura inadimplemento contratual, e não estelionato. O acusado realizou compras e pagou com cheques pré-datados, os quais foram devolvidos por insuficiência de fundos. De acordo com a 2ª Turma Criminal do TJDFT, não existem provas de que o réu agiu com dolo anterior e específico de induzir as vítimas em erro para obter a vantagem ilícita, elemento subjetivo do tipo penal estelionato. Além disso, os cheques dados em pagamento foram pré-datados e o crime de estelionato mediante cheque sem fundos somente se tipifica quando os cheques são emitidos como ordem de pagamento à vista. Para os Julgadores, a fraude deve ter por fim o lucro ilícito e não o mero inadimplemento de obrigação, pois este, mesmo doloso, é ilícito civil. Dessa forma, não há que se falar em ilicitude penal da conduta e sim em ilegalidade civil. (Acórdão n.º 817145, 20120110281924APR, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, Revisor: JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, 2ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 04/09/2014, publicado no DJE: 09/09/2014. Pág.: 312)

Ulhoa (2014) preceitua: "A emissão de Cheque Sem Fundos é tipificada como crime de fraude por pagamento de cheques (CP, art. 171, parágrafo 2°, VI), com pena de reclusão se 1 a 5 anos, e multa. Trata-se de crime na modalidade dolosa, não incorrendo em qualquer ilícito penal aquele que emite cheque sem fundos por culpa (por exemplo, com negligência no controle do saldo). O recebimento do cheque até o recebimento da denúncia importa extinção da punibilidade. A fraude é o elemento do tipo e deve ser comprovada".
 

A emissão de cheques sem fundo (art. 171 §2º, VI, do CP) configura-se crime quando há fraude na conduta do agente, quando essa prática dolosa é utilizada de modo a obter vantagem patrimonial em prejuízo alheio. A Súmula 246 do STF elenca: "comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheque sem fundos", ou seja, para que seja caracterizado o crime é necessário a caracterização do elemento volitivo na esfera cognitiva do autor do fato. Para tanto, o delito de estelionato pressupõe sempre a má-fé do agente e não podendo ser tipificado na modalidade culposa, assim sendo, admite-se somente o enquadramento do crime em sua modalidade dolosa, de modo livre, consciente e voluntário.

Nesse sentido, Fernando Capez (2016): "A fraude, portanto, reside no ato de o emitente fazer o beneficiário crer na existência de fundos suficientes em sua conta bancária para arcar com o pagamento prometido. Com o engodo, ele obtém a vantagem almejada, sem que realize a contraprestação pecuniária exigida. Se o tomador do que tem conhecimento da ausência de fundos, não há que se falar em fraude configuradora do crime de estelionato. É o que ocorre na emissão de cheque pós-datado. O tomador não é induzido a erro. Ele tem plena ciência da ausência ou insuficiência de provisão de fundos. Caso apresente o cheque antes da data acordada, o emitente não incorrerá em crime algum.

Logo, a presença do dolo antecedente e a intenção de auferir vantagem econômica patrimonial em desfavor da vítima caracterizam o delito de estelionato. A fraude deve ter por fim o lucro ilícito e não mero inadimplemento de obrigação, para a configuração do crime de estelionato, é exigível que o agente empregue qualquer meio fraudulento, induzindo ou mantendo alguém em erro e obtendo, assim, vantagem ilícita para si ou para outrem, com a consequente lesão patrimonial da vítima. Se comprovada a inexistência de dolo/fraude, não se pode falar em crime na esfera penal, uma vez que o agente deverá agir de modo livre, consciente e voluntário. Portanto, não havendo comprovação da intenção "ab initio" do acusado de fraudar, o mero inadimplemento constitui ilícito civil, não adentrando na esfera da fraude penal.  

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Sobre o autor
Wagner Muniz

Mestrando em Direito Público e Evolução Social (PPGD/UNESA/RJ), Intercambista na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos (USA). Espec. em Ciências Criminais e Direito Internacional (UniAmérica/PR), Graduando em Gestão Pública (FGV), Bacharel em Direito (Estácio, campus Cabo Frio/RJ), Voluntário no UNICEF BRASIL, atuou como Estagiário da Justiça Federal (TRF-2, SJRJ), Palestrante, Ativista Social pela Educação, Informação e Participação Sociopolítica Juvenil, Influenciador Digital e Mobilizador Social. Wagner é morador de São Pedro da Aldeia - RJ e atua em prol da Defesa dos Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens. Possui experiência ampla na área de Direito Público, com ênfase em Direito Penal, Processo Penal, Execução Penal, Direitos Humanos, Constitucional e Internacional. Também possui experiência com atuações em Direito Eleitoral, Jornalismo, Comunicação, Marketing, Planejamento de Campanha, Criação de Imagem e Discurso Político, Gestão Pública e Ciência Política. Esteve como Monitor em Direito Penal e Processo Penal e Direito Público, também, como Padrinho Veterano do Curso de Direito (2020-2022) da Universidade Estácio de Sá, campus Cabo Frio-RJ.

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