Esse pensamento gira em torno do Tesouro como provedor dos recursos previdenciáriose vem povoando a mente dos servidores públicos desde sempre, sob o cobertor do Estado do Bem-Estar Social. Para mudar paradigmas medidas legislativas estão sendo propostas, tal como a Lei Complementar nº 178, de 2021 e que promoveu profundas mudanças nos Arts. 18 e 19 da LRF.
Para tecer comentários acerca da novel LC 178/2021, o Ministério da Economia elaborou a já citada Nota Técnica SEI nº 18162/2021/ME, que assim disciplina no tocante às insuficiências financeiras do ente:
39. O registro, a mensuração e a evidenciação do equilíbrio financeiro se dará por meio da apuração da avaliação financeira do RPPS, que levará em consideração o cômputo do resultado financeiro do RPPS, confrontando-se as receitas e as despesas apuradas no exercício financeiro de referência, podendo haver superavit ou déficit financeiro. Caso as receitas auferidas pelo RPPS sejam suficientes para o pagamento das obrigações (despesas) com inativos (aposentados) e pensionistas em cada exercício financeiro, o RPPS apresentará equilíbrio ou um superavit financeiro.
40. Entretanto, quando as receitas auferidas não forem suficientes para o pagamento mensal das despesas com inativos e pensionistas, o RPPS apresentará déficit financeiro e, nesse caso, o Tesouro do ente federativo deverá arcar com o valor necessário para que o RPPS alcance o equilíbrio financeiro e consiga pagar os benefícios devidos, sendo que as despesas custeadas com esses aportes de recursos financeiros não poderão ser deduzidas das despesas com pessoal, conforme prevê o § 3º do art. 19 da LRF, na redação dada pela LC nº 178, de 2021.
41. Assim, as despesas custeadas com os recursos transferidos pelo Tesouro do ente para fazer face ao déficit financeiro do exercício não podem ser deduzidas para o cálculo da despesa com pessoal, pois constituem parcela da despesa com inativos e pensionistas de responsabilidade do ente federado e por isso nãorepresentam as transferências de recursos destinadas a promover o equilíbrio atuarial do regime próprio de previdência social[9]. (Os destaques são nossos).
O Estado-provedor (Welfare State) há muito cedeu espaço para o Estado-mínimo. Neste, a questão previdenciária assumiu outra faceta. No entanto, em numa ou outra leitura, a demanda previdenciária deve ser tratada com responsabilidade, sem condutas temerárias. Não há espaço para impor sempre ao Tesouro a obrigatoriedade de seguir adotando a máxima de que o Estado deve sempre arcar com insuficiências financeiras que crescem em sentido vegetativo e que minimiza e por vezes inviabiliza políticas públicas.
Aqui abrimos parênteses para deixar expressamente registrado que não se trata de adesão a um ou outro sistema protetivo (Estado-provedor ou Estado-mínimo), mas sim de análise da situação real e atual que envolve as políticas previdenciárias.
A questão não é tão simples como culturalmente fora enraizada no pensamento da gestão pública. Por conta dessas condutas que não prezam para o desafogamento dos recursos do Tesouro, é que são promovidas sistematicamente reformas a serem suportadas pelos servidores públicos, bem como outras medidas severas.
A falta de planejamento na gestão pública, inclusive no que se refere à solvabilidade dos fundos previdenciários, espelha outra questão crucial: o aumento das desigualdades socais. A acentuação do endividamento dos fundos previdenciários é endividamento que alcança a todos.
O aumento de subsídios/vencimentos sem avaliação atuarial e indicação da respectiva fonte de custeio (o que nos afigura como imprescindível no caso de majoração indireta de proventos e pensões) pode significar, por exemplo, instituição de contribuições extraordinárias, cuja previsãovem expressa no Art. 149, §§ 1º, 1º-A, 1º-B e 1º-C, da CF/88, in verbis:
Art. 149.Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
§ 1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, por meio de lei, contribuições para custeio de regime próprio de previdência social, cobradas dos servidores ativos, dos aposentados e dos pensionistas, que poderão ter alíquotas progressivas de acordo com o valor da base de contribuição ou dos proventos de aposentadoria e de pensões. (Parágrafo único transformado em § 1º pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001, e com nova redação dada pela EmendaConstitucional nº 103, de 2019)(Vide inciso II do art. 36 da Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
§ 1º-A. Quando houver deficit atuarial, a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo. (Parágrafo acrescido pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)(Vide inciso II do art. 36 da Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
§ 1º-B. Demonstrada a insuficiência da medida prevista no § 1º-A para equacionar o deficit atuarial, é facultada a instituição de contribuição extraordinária, no âmbito da União, dos servidores públicos ativos, dos aposentados e dos pensionistas. (Parágrafo acrescido pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)(Vide inciso II do art. 36 da Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
§ 1º-C. A contribuição extraordinária de que trata o § 1º-B deverá ser instituída simultaneamente com outras medidas para equacionamento do deficit e vigorará por período determinado, contado da data de sua instituição. (Parágrafo acrescido pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)(Vide inciso II do art. 36 da Emenda Constitucional nº 103, de 2019)[...]
Um caso concreto
Interessante movimentação ocorreu no Estado de Alagoas que após a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019 instituiu, através da Lei Complementar Estadual nº 52/2019, a alíquota de 14% a incidir sobre a parcela dos proventos e pensões que fossem superiores a um salário mínimo. Vejamos:
Art. 14. As contribuições previdenciárias dos segurados ativos, aposentados e pensionistas dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, do Ministério Público do Estado de Alagoas MPE/AL, do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas TCE/AL e da Defensoria Pública do Estado de Alagoas DPE/AL, Autarquias e Fundações, atendendo ao que determina o § 1º do art. 149 da Constituição Federal, relativamente ao RPPS/AL, vertidas em favor da ALAGOAS PREVIDÊNCIA, serão realizadas da seguinte forma:
I os servidores ativos contribuirão, mensalmente, com o percentual de 14% (catorze por cento) a incidir sobre a totalidade da remuneração do cargo efetivo; e
II os servidores aposentados e pensionistas contribuirão, mensalmente, com o percentual de 14% (catorze por cento) a incidir sobre a parcela dos proventos ou pensão que for superior ao valor do salário mínimo vigente no Brasil.
No entanto, os aposentados se insurgiram com a medida, fato que ocasionou a melhoria da incidência conforme os ditames da Lei Complementar Estadual nº 54/2021:
Art. 4º Os dispositivos adiante indicados da Lei Complementar Estadual nº 52, de 30 de dezembro de 2019, passam a vigorar com a seguinte redação:
I o inciso II, do art. 14: Art. 14. As contribuições previdenciárias dos segurados ativos, aposentados e pensionistas dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, do Ministério Público do Estado de Alagoas MPE/ AL, do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas TCE/AL e da Defensoria Pública do Estado de Alagoas DPE/AL, Autarquias e Fundações, atendendo ao que determina o § 1º do art. 149 da Constituição Federal, relativamente ao RPPS/AL, vertidas em favor da ALAGOAS PREVIDÊNCIA, serão realizadas da seguinte forma: (...)
II os servidores aposentados e pensionistas contribuirão, mensalmente, com o percentual de 14% (catorze por cento) a incidir sobre a parcela dos proventos ou pensão que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social de que trata o art. 201 da Constituição Federal. (NR)
O exemplo nos dado por Alagoas afigura-se bem instigante, posto que, acaso venha ocorrer reestruturação nas carreiras de servidores públicos com reflexo nos aposentados e pensionistas, uma das medidas imediatas e concretas pode ser a volta das alíquotas referidas no Art. 14, II, na redação dada pela Lei Complementar Estadual n ] 52/2019, ou seja, aposentados e pensionistas voltando a contribuir com 14% incidentes sobre a parcela dos proventos ou pensão que for superior ao valor do salário mínimo vigente no Brasil.
CONCLUSÃO
Analisando os fatos e os dispositivos acima, temos que uma das consequências da não realização de avaliação atuarial séria nos PLs e que venha a comprometer a saúde financeira de fundos previdenciários pode ser a volta das alíquotas anteriormente aplicadas, além da instituição de alíquotas extraordinárias, como dito acima. Ou seja, a culpa pela má gestão sempre foi e continua sendo do servidor, seja na atividade ou na inatividade.
O que se tem é um total descaso com os fundos previdenciários públicos, uma vez que o inativo, como a própria terminologia já indica, perde sua força laborativa e passa a ser somente número no sistema de capital. O inativo é para os olhos do financista um estorvo, pois não passa de número, de dados, de déficit, de despesa, de engessamento nas contas públicas.
Não se pode desprezar que é tema de debate inserto no endividamento público e que exige tratamento responsável não apenas imediatoso aumento de insuficiências financeiras a serem suportadas pelo ente federativo, nos termos do § 1º do Art. 2º da Lei nº 9.717/1998: § 1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras do respectivo regime próprio, decorrentes do pagamento de benefícios previdenciários. (Parágrafo com redação dada pela Lei nº 10.887, de 18/6/2004).
Não é preciso qualquer esforço hercúleo para se chegar a singela digressão de que toda despesa exige uma receita para a realização daquela ser possível.
Todavia, o comando constitucional que diz sobre a revisão geral anual (Art. 40, § 8º da CF/88) não é praticado pelos entes federativos e quando se está na iminência de novas eleições, os parlamentos quedam tumultuados com novas propostas de aumentos de subsídios/vencimentos com cunho transparentemente eleitoreiro.
No que toca ao descaso com os fundos previdenciários dos servidores públicos o que temos hoje é a esperança da previdência complementar vir a desafogar as contas públicas previdenciárias. Mas não se pode olvidar que a previdência complementar é diretamente relacionada aos maiores subsídios/vencimentos, que quanto maiores são, mais possibilidade de serem rentáveis. O servidor pequeno não é considerado no universo rentista, pois não apresenta rentabilidade (juros).
Sabemos que dantes eram concedidas aposentadorias com muitos privilégios, até mesmo alguns que não faziam parte da vida ativa do servidor público. No entanto, tal desiderato não pode servir de parâmetro para penalização dos nossos atuais aposentados. Aposentado não quer dizer apenas o servidor (trabalhador) que deixou de produzir. Aposentado é a pessoa que, por ter passado um período largo de sua vida produzindo foi agraciado com um benefício que lhe proporcione vida digna quando não se encontra mais em condições de produzir. O aposentado é a pessoa que tem de cuidar da saúde com maior intensidade, posto que cientificamente falando, a idade avançada é fator de degeneração física e mental.
Em conclusão temos que os projetos de lei com vistas ao aumento de subsídios/vencimentos devem vir acompanhados do respectivo relatório atuarial anual. Esse é um procedimento que deve ser adotado como mudança de paradigma, ou seja, para afastar a velha máxima de que o Estado é provedor das insuficiências financeiras e por assim ser a majoração nos projetos e nas pensões não devem ter maiores questionamentos.
Ora, se a Base Normativa da previdência pública dos servidores exige avaliação atuarial, a mesma deve ser conhecida e aplicada. Via transversa, o que se tem é aumento do déficit financeiro-atuarial sem qualquer contrapartida, sem quaisquer medidas direcionadas ao equacionamento desse déficit.
Assim, vamos caminhando sempre no sentido de ser a aposentadoria e a pensão benefícios mínimos (até chegarem à inexistência) quando pagos pelo Tesouro. A ideia dos direitos sociais (previdência pública) não pode ser confundida com direitos individuais (previdência privada e complementar à pública). São universos totalmente diferentes.
É forçoso e lamentável constatar que os aumentos de subsídios/vencimentos em tempos de eleições são festejados, mas no fundo guardam maldades a serem suportadas pelos próprios beneficiários, que são os servidores públicos, como aqui visto.
LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro. 10ª ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 553.
Rcl 30153 AgR, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 03/05/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-111 DIVULG 09-06-2021 PUBLIC 10-06-2021
Fonte: Agência Senado. Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/lrf. Acesso em 26/02/2022.
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Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.
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Art. 21. É nulo de pleno direito: (Redação dada pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
I - o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda:
a) às exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar e o disposto no inciso XIII do caput do art. 37 e no § 1º do art. 169 da Constituição Federal; e (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
b) ao limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo; (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
II - o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20; (Redação dada pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
III - o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20; (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
IV - a aprovação, a edição ou a sanção, por Chefe do Poder Executivo, por Presidente e demais membros da Mesa ou órgão decisório equivalente do Poder Legislativo, por Presidente de Tribunal do Poder Judiciário e pelo Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados, de norma legal contendo plano de alteração, reajuste e reestruturação de carreiras do setor público, ou a edição de ato, por esses agentes, para nomeação de aprovados em concurso público, quando: (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
a) resultar em aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo; ou (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
b) resultar em aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo. (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
§ 1º As restrições de que tratam os incisos II, III e IV: (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
I - devem ser aplicadas inclusive durante o período de recondução ou reeleição para o cargo de titular do Poder ou órgão autônomo; e (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
II - aplicam-se somente aos titulares ocupantes de cargo eletivo dos Poderes referidos no art. 20. (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
§ 2º Para fins do disposto neste artigo, serão considerados atos de nomeação ou de provimento de cargo público aqueles referidos no § 1º do art. 169 da Constituição Federal ou aqueles que, de qualquer modo, acarretem a criação ou o aumento de despesa obrigatória.(Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
Disponível em chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/viewer.html?pdfurl=https%3A%2F%2Fwww.gov.br%2Ftrabalho-e-previdencia%2Fpt-br%2Fassuntos%2Fprevidencia-no-servico-publico%2Flegislacao-dos-rpps%2Fnotas%2Fnota-tecnica-sei-18162-2021-me-lc-178-2021-equilibrio-atuarial-rpps-e-limites-fiscais.pdf&clen=348244&chunk=true. Acesso em 27/02/2022.
NOGUEIRA, Narlon Gutierre: O Equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS. De princípio constitucional a política pública de Estado. (Coleção Previdência Social, Série Estudos, v. 34). Brasília, MPS, 2012, pp. 160-161.
Disponível em chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/viewer.html?pdfurl=https%3A%2F%2Fwww.gov.br%2Ftrabalho-e-previdencia%2Fpt-br%2Fassuntos%2Fprevidencia-no-servico-publico%2Flegislacao-dos-rpps%2Fnotas%2Fnota-tecnica-sei-18162-2021-me-lc-178-2021-equilibrio-atuarial-rpps-e-limites-fiscais.pdf&clen=348244&chunk=true. Acesso em 28/02/2022.