A adesão ao home-office com o advento da pandemia da covid-19 e os reflexos nas legislações trabalhistas

Resumo:


  • A pandemia da Covid-19 causou reflexos nos direitos trabalhistas do Home Office, exigindo referencial teórico e princípios constitucionais.

  • O teletrabalho, regulamentado pela Lei nº 13.467/17, permite a prestação de serviços fora das dependências do empregador com uso de tecnologias.

  • A responsabilidade do empregador no Home Office inclui fornecer equipamentos e infraestrutura adequada, conforme o artigo 75-D da CLT.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente trabalho surge como proposta monográfica para análise dos impactos que a Covid-19 causou nas relações de emprego/trabalho.

TEORIA DE BASE

Para o tema direitos trabalhistas do Home Office e consequentemente os reflexos que a pandemia da Covid-19 causou em tais garantias é de fundamental importância que seja utilizado referencial teórico e princípios constitucionais previstos na Carta Magna, assim como também a Consolidação das Leis Trabalhistas CLT com as devidas atualizações da Lei Nº 13.467, de 13 de julho de 2017; também será utilizada obras de direito do trabalho como por exemplos, Direito do Trabalho de Carla Tereza Martins; Curso de Direito do Trabalho de Luciano Martinez e Curso de Direito do Trabalho de Maurício Goldinho Delgado. No que se refere especificamente aos reflexos da Covid-19 nos direitos trabalhistas serão utilizadas as recentes leis promulgadas que versam sobre o tema.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A partir da revolução industrial, o trabalho mecanizado causou uma série de transformações ao adaptar o trabalho tipicamente humano para as máquinas e com isso viabilizar e otimizar a produção.

Esse cenário tem se desenvolvido com o surgimento e aperfeiçoamento de novas tecnologias, dentre elas as tecnologias digitais. Por meio dessas tecnologias o trabalhador pode desenvolver suas atividades em qualquer lugar. Essa modalidade de trabalho recebe o nome de teletrabalho, o qual foi regulamentado pela Lei nº 13.467/17:

Art. 75-A. A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho observará o disposto neste Capítulo.

Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho."

Observa-se que o legislador regulamenta e define o teletrabalho como a prestação de serviço fora das dependências do empregador que o faz com a utilização de tecnologias da informação e comunicação. Nesse contexto, podemos definir o teletrabalho como gênero, e a depender do local da prestação do serviço, definir as respectivas espécies, como por exemplo, o trabalho realizado dentro do domicílio do empregado. Essa espécie é denominada de Home Office, cuja tradução significa escritório em casa.

Embora essa espécie careça de normatização específica, o artigo 6º da CLT regulado e incluído pela Lei nº 12.551/11, assim aduz:

Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.                       

Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

Mediante o dispositivo normativo acima fica evidente que o legislador não impõe diferença significativa entre o serviço prestado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que estejam presentes os elementos caracterizadores da relação de emprego.

Nesse interim, Maurício Goldinho Delgado interpreta o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT e especifica os elementos caracterizadores da relação de emprego da seguinte forma:

Os elementos fático-jurídicos componentes da relação de emprego são cinco: a) prestação de trabalho por pessoa física a um tomador qualquer; b) prestação efetuada com pessoalidade pelo trabalhador; c) também efetuada com não eventualidade; d) efetuada ainda sob subordinação ao tomador dos serviços; e) prestação de trabalho efetuada com onerosidade.(DELGADO,2009, p337)

Percebe-se que na modalidade Home Office quando se evidencia os elementos da relação de emprego acima especificados, o empregador assume a completa responsabilidades de tais encargos. Haja vista,a parte hipossuficiente da relação de emprego sempre será o empregado.

Luciano Martinez (2020, p390) expõe a responsabilidade do empregador face ao usuário do Home Office ao comentar o artigo 75-D da CLT da seguinte forma:

A ideia da forma escrita é reforçada a partir da leitura do art. 75-D da CLT que com todas as letras a ela se refere. Diz-se ali que as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito. Essas utilidades, é bom assinalar, não integram a remuneração do empregado para nenhum fim, pois, evidentemente, constituem instrumental de serviço. (MARTINEZ, 2020, p.390).

De acordo com o dispositivo legislativo e a clara interpretação de Martinez, incumbe ao empregador fornecer todos os equipamentos tecnológico, assim como também a infraestrutura necessária para a prestação do serviço em Home Office, além, de instruir os empregados quanto aos cuidados necessários para evitar doenças e acidentes de trabalho, sob pena de se responsabilizar por eventuais acidentes trabalhistas.

Essa forma de proceder em fase ao empregado se justifica pelos princípios norteadores que regem a relação de trabalho. Princípios constitucionais, como por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (BRASIL,1988), como também princípios próprios do Direto do Trabalho.

Quanto aos princípios do Direito do Trabalho, Maurício Goldinho Delgado enumera nove princípios e o define como sendo o núcleo basilar:

Os mais importantes princípios especiais justrabalhistas indicados pela doutrina são: a) princípio da proteção (conhecido também como princípio tutelar ou tuitivo ou protetivo ou, ainda, tutelar-protetivo e denominações congêneres); b) princípio da norma mais favorável; c) princípio da imperatividade das normas trabalhistas; d) princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas (conhecido ainda como princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas); e) princípio da condição mais benéfica (ou da cláusula mais benéfica); f) princípio da inalterabilidade contratual lesiva (mais conhecido simplesmente como princípio da inalterabilidade contratual; merece ainda certos epítetos particularizados, como princípio da intangibilidade contratual objetiva); g) princípio da intangibilidade salarial (chamado também integralidade salarial, tendo ainda como correlato o princípio da irredutibilidade salarial); h) princípio da primazia da realidade sobre a forma; i) princípio da continuidade da relação de emprego.

Observa-se que o doutrinador toma o empregado como sendo a parte mais frágil da relação de emprego e que necessita da proteção estatal para poder está em equilíbrio com o empregador. Para tanto se favorecendo de normas mais benéficas, tendo a realidade dos fatos superior a formalidade contratual, dentre outras garantias.

Note-se, contudo, que embora tais princípios sejam basilares e fundamentais, a Reforma Trabalhista versou situação onde é possível suprimir alguns desses princípios,é o que expressa o artigo 611-A da CLT onde enumera que a convenção coletiva e o acordo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:, ou seja, mediante acordo coletivo é possível suprimir direito e enfraquecer alguns princípios.

Pelo que se percebe independe da forma ou relação de trabalho, há a necessidade de preservar a dignidade da pessoa humana em todos os seus aspectos. Até porque, o ser humano não possui valor, e sim dignidade, independe do contexto social, época, sexo, religião ou qualquer outra variável.

É nesse contexto que surge a necessidade de reafirmar tais princípios e valores norteadores da relação de trabalho, tendo em vista a preservação da dignidade da pessoa humana no cenário pandêmico que a sociedade está passando.

Após o advento da pandemia da Covid-19 causada pelo Sars-CoV-2 (coronavírus causador da doença infectocontagiosa Covid-19), diversos seguimentos foram forçados a desenvolver suas atividades remotamente, como forma de diminuir as aglomerações e consequentemente o nível de transmissão da doença (segundo a AgenciaBrasil (2020), 47% das empresas do Brasil adotaram o Home Office). E com isso, as atividades outrora desenvolvidas nos estabelecimentos do empregador, passou a ser realizado predominantemente no domicílio do empregado.

Ocorre que devido a situação excepcional e a rapidez com que se deu essas mudanças, diversas prerrogativas para a modalidade de trabalho remoto não foram devidamente cumpridas, ocasionando assim, uma série de situação constrangedoras aos envolvidos.

A ausência de espaço e infraestruturas apropriada para o desenvolvimento das atividades laborais; falta de perícia no domínio das tecnologias da informação e as incertezas quanto a duração da quarentena foram algumas das primeiras inquietações que afligiram o usuário do Home Office, o qual teve pouquíssimo tempo de adaptação nesse universo turbulento.

E após, mais de um ano de pandemia com oscilações de isolamento e lockdows, os reflexos da covid-19 atingem a relação de emprego e suas garantias trabalhistas em todas as suas dimensões, desde estruturas puramente técnicas, como também, na qualidade de vida (social, física e mental) dos envolvidos.

É de se considerar que tais problemas se estendem a todos os envolvidos na relação de emprego, tanto o empregado como o empregador.

O empregado que precisou se adequar as novas exigências da modalidade de trabalho, e eventualmente teve seu salário reduzido proporcional ao tempo de trabalho prestado. Como fundamentou a Lei nº 14.020 de julho de 2020 no artigo 7º:

Art. 7º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º desta Lei, o empregador poderá acordar a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário de seus empregados, de forma setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho, por até 90 (noventa) dias, prorrogáveis por prazo determinado em ato do Poder Executivo, observados os seguintes requisitos:

Embora o legislador tenha pensado dessa forma para preservar o emprego e a renda e minimizar os impactos da pandemia, mas não deixa ser um problema a ser enfrentado.

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Ademais, mesmo a leis vigentes imponham ao empregador a responsabilização por doenças e acidentes de trabalho, mas a situação pandêmica desestabilizou sobremaneira tais garantias, sendo necessário uma urgente regulamentação e fiscalização para melhor proteger o hipossuficiente.

É diante dessa problemática que o presente trabalho se propõe a analisar quais os reflexos que a Covid-19 causou no usuário de Home Office desde os pontos mais sutis como a existência de espaço adequado para desenvolver as atividades laborais, a qualidade de vida diante das múltiplas variáveis do contexto pandêmico, como também da inexistência de uma lei específica que trata do Home Office, tendo em vista as diversa lacunas e margem de interpretação nos dispositivos normativos existentes.

DEFINIÇÃO DOS TERMOS

Covid-19: COVID-19 é a doença causada por um novo coronavírus denominado SARS-CoV-2. A OMS tomou conhecimento deste novo vírus em 31 de dezembro de 2019, após um relatório de um grupo de casos de 'pneumonia viral' em Wuhan, na República Popular da China. (OMS, 2019).

Direitos Trabalhistas: É um conjunto de princípios e regras que regulam a prestação do trabalho subordinado, e excepcionalmente do trabalho autônomo, no âmbito das relações laborais individuais ou coletivas, bem como as consequências jurídicas delas emergentes. (MARTINEZ, 2020, p.73)

Responsabilidade do Empregador: É do empregador, evidentemente, a responsabilidade pelas indenizações por dano moral ou à imagem resultantes de conduta ilícita por ele cometida, ou por suas chefias, contra o empregado, sem relação com a infortunística do trabalho. Também será do empregador a responsabilidade pelas indenizações por dano material, moral ou estético decorrentes de lesões vinculadas à infortunística do trabalho, sem prejuízo do pagamento pelo INSS do seguro social, é claro.(DELGADO, 2020, p.743)

Home Office: É a prestação de serviço no domicílio do empregador, isto é, fora das dependências do empregador, com o uso de tecnologia da informação e comunicação e não se confunde com trabalho externo.(TST, Home Office,mar.2020)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BELMONTE, Alexandre Agra; MARTINEZ, Luciano; MARANHÃO, Ney (org). O Direito do Trabalho na crise da COVID-19. Salvador: Editora Juspodivm. 2020.

BRIDI, Maria Aparecida. A pandemia Covid-19: crise e deterioração do mercado de trabalho no brasil. Estudos Avançados, [S.L.], v. 34, n. 100, p. 141-165, dez. 2020. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.34100.010.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18. ed. São Paulo: Ltr, 2019.

FERREIRA, André Lopes. SENTIMENTOS E DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS PROFESSORES EM TEMPOS DE COVID-19. 2020. 71 f. Monografia (Especialização) - Curso de Ciências Biológicas, A Universidade Federal de São Carlos-Campus Sorocaba, Sorocaba, 2020.

FINCATO, Denise Pires; ANDRADE, Amanda Scotá de. Home office: direitos fundamentais, meio ambiente laboral e reforma trabalhista. Revista de Direito Econômico e Socioambiental, [S.L.], v. 9, n. 2, p. 281, 14 dez. 2018. Pontificia Universidade Catolica do Parana - PUCPR. http://dx.doi.org/10.7213/rev.dir.econ.soc.v9i2.22123.

FONTES, Diogo de Souza Pinheiro. TELETRABALHO: sua regulamentação com a lei 13.467/17 e uma análise sobre a duração do trabalho na modalidade home office. 2018. 74 f. Monografia (Especialização) - Curso de Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas Faculdade Nacional de Direito, Rio de Janeiro, 2018.

GONÇALVES, Rubén Miranda. La protección de la dignidad de la persona humana en el contexto de la pandemia del Covid-19. Revista Justiça do Direito, [S.L.], v. 34, n. 2, p. 148-172, 31 ago. 2020. UPF Editora. http://dx.doi.org/10.5335/rjd.v34i2.11013.

MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

ROMAR, Carla Teresa Martins; LENZA, Pedro (org.). Direito do trabalho: Esquematizado. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

Sobre os autores
Geanny Cristina Prudêncio de Vasconcelos

Advogada. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Especialista em Direito de Família.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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