Resumo
O presente artigo tem como objetivo tratar sobre as problemáticas geradas a partir do Abandono Afetivo e a maneira com que a justiça lida com o fato em questão, através de uma abordagem com enfoque legislativo e metodológico, que levou em conta as transformações fáticas ocorridas na sociedade e no Direito de Família. Visa também questionar a efetividade da indenização por abandono afetivo e a aplicabilidade da Responsabilidade Civil nesses casos.
Palavras-chave: Abandono Afetivo, Indenização, Responsabilidade Civil.
Abstract
This article aims to deal with the problems generated from Affective Abandonment and the way justice deals with this fact, through an legislative and methodological approach, which took into account the factual transformations occurred in society and in Family Law. It also aims to question the effectiveness of the indemnity for Affective Abandonment and the applicability of Civil Liability in these cases.
Keywords: Affective Abandonment, Indemnity, Civil Liability.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 2. DESENVOLVIMENTO 2.1. A família e o preço do amor 3. CONCLUSÃO 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo busca tratar do Direito de Família a sob a ótica da ausência afetiva parental, visto que o abandono afetivo tem como características a indiferença, a negligência, a omissão ou ausência de assistência afetiva e amorosa, e portanto esse assunto não deve ser pautado apenas como algo de cunho patrimonial, já que envolve sentimentos e direitos humanos, e a falta do afeto pode acarretar sérios problemas psicológicos para a criança ou adolescente.
Entende-se por Abandono Afetivo a ocasião onde os pais ou responsáveis não cumprem seu dever de cuidado e formação dos filhos. Os responsáveis que negligenciam ou são omissos quanto ao dever geral de cuidado podem responder judicialmente por terem causado danos morais à sua prole.
Notam-se grandes mudanças na instituição da família com o decorrer da história, formando assim os mais diversos modelos até a atualidade, mães que se inseriram no mercado de trabalho e agora mantém o sustento da família, mães e pais solteiros, relações homoafetivas, entre vários outros. O Direito de Família, assim como o Direito em geral, visa acompanhar estas mudanças de forma a não excluir nenhum indivíduo, o Código Civil de 1916, por exemplo, não teria condições de proporcionar segurança a certos modelos de família atuais. Porém, por mais diversos que sejam esses modelos, o que deve ser colocado em tela aqui é como foi constituída a família e os laços afetivos em questão.
O abandono afetivo pode causar aos filhos danos psicológicos graves e irreversíveis, o que pode refletir como um ponto negativo na sua formação de identidade. É de suma importância dar atenção e cuidados á todos os indivíduos, pois questões como essa podem prejudicar a construção de uma sociedade melhor, cujos membros são pessoas com a moral bem constituída e um bom psicológico, sendo assim, pessoas que visam a dignidade e solidariedade com o próximo. Os estudos do Direito de Família buscam se aprofundar na análise dos fatores que levam a tais ações e como resolvê-las de um modo benéfico a todos, caso não seja possível fazer isso, busca-se encontrar uma maneira de tentar fazer com que o indivíduo não chegue a praticar tal ação.
Importante, nesse bojo, colacionar o artigo 3 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Fica claro, portanto, que a violação do desenvolvimento físico, mental, moral, e espiritual, deverá gerar consequências para os envolvidos, por se tratar de direito da criança e do adolescente, tutelado pelo ECA.
Além disso, em relação ao Princípio da Dignidade Humana, Walber de Moura Agra discorre que:
A dignidade da pessoa humana representa um complexo de direitos que são apanágio da espécie humana, sem eles o homem se transformaria em coisa, res. São direitos, como a vida, lazer, saúde, educação, trabalho, cultura, que deve ser propícios pelo Estado e, para isso, pagamos tamanha carga tributária. Esses direitos servem para densificar, fortalecer, o direito á dignidade da pessoa humana (AGRA, 2002, p. 25).
O conceito de dignidade na época clássica ficava ligado ao dinheiro, que promovia a pessoa a um título de nobreza, por outro lado, em tempos modernos, o conceito de dignidade é fundado no respeito ás necessidades dos indivíduos. A Constituição Federal Brasileira foi a responsável por colocar de forma expressa o princípio da dignidade, fazendo assim com que este seja lembrado constantemente e a sociedade tenha o dever de colocá-lo em prática.
Do comprometimento da dignidade aos danos morais, o abandono do indivíduo trás diversos tipos de consequências irreparáveis que são capazes de afetar toda a vida da pessoa, danos estes que em sua maioria não são percebidos de imediato, mas os efeitos surgem ao longo da vida, como por exemplo, passar a ingerir uma grande quantidade de álcool, tornando-se assim dependente, ou até mesmo o uso de drogas como uma forma de amenizar tal situação. O pai, grande parte das vezes, não possui a intenção de prejudicar o seu filho com as suas ações, mas acaba sendo omisso, por desconhecer o que sua falta pode gerar.
Pesquisas realizadas em outros países, por exemplo, uma realizada nos Estados Unidos, apontaram índices de abalos que o abandono afetivo causa na vida de meninos e meninas; uma maior possibilidade de meninas engravidarem e cometerem suicídio, e no que tange aos meninos, uma maior possibilidade de fugir de casa e começar a usar drogas, o que pode gerar consequências graves ou até mesmo irreversíveis.
O Sistema Judicial, juntamente com as jurisprudências, faz citações sobre o tema, e destaca-se um caso onde foi destinado a um pai pagar indenização ao filho com base no seguinte:
É de se salientar que aos pais incube o dever de sustento, guarda e educação dos filhos (art.22 da Lei n° 8.069/90). A educação não somente abrange a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se auto afirme. Desnecessário discorrer acerca da importância da presença do pai no desenvolvimento da criança. A ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém-nascido ou em desenvolvimento violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-á que grande parte deles derivam de pais que não lhe dedicam amor e carinho; assim também em relação aos criminosos (TJ/RS apud MELO, 2008, p. 8).
Ninguém é obrigado a ser pai, mas sim, a cumprir com o dever de pai. A partir do momento em que se opta por ser, ou não se tomam os devidos cuidados e acaba ocorrendo a gravidez, a obrigação e as responsabilidades surgem e devem ser cumpridas, pois a criança não é a culpada pelo ocorrido, portanto não pode nem deve sofrer consequências, como ser abandonado e ter a sua vida prejudicada. Essa conscientização não é suficientemente dada á sociedade, visto que, se for feita uma análise sobre o índice de filhos que vivem apenas com a genitora e não possuem contato nenhum com o pai ou nem mesmo sabem quem é ele, vamos ter uma grande surpresa.
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em 2018, 5,74% dos registros de nascimento ficaram com o campo do nome do pai em branco e, em 2019, 6,15% das crianças nasceram sem ao menos o sobrenome paterno.
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segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 12 milhões de mães chefiam lares sozinhas, sem o apoio dos pais. Destas, mais de 57% vivem abaixo da linha da pobreza.
São índices elevadíssimos desses casos, e grande parte das vezes os pais ficam impunes, deixando assim seus filhos á própria sorte, ignorando o fato de que desde que o filho é concebido, o pai automaticamente assume juridicamente compromissos na sua vida, sendo estes; educá-lo, respeitá-lo de diversas formas, fazer a contribuição para sua educação e formação, para que cresça como uma boa pessoa, tenha bons princípios, compartilhando assim, estes princípios com seus descendentes.
2 A FAMÍLIA E O PREÇO DO AMOR
É evidente que a Responsabilidade Civil surge a partir do ponto em que um direito é violado ou está em ameaça, nesse caso, a omissão gera a violação dos direitos da criança ou do adolescente que foi abandonado, e tal direito pode ser pleiteado através da indenização, que pode chegar a valores altos, haja vista que o Abandono Afetivo causa danos psicológicos sérios. Além disso, a referida omissão enseja também a perda do poder familiar, em decorrência do abandono segundo o Art. 1.638, II do Código Civil:
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
(...)
II - deixar o filho em abandono;
Como o próprio nome esclarece, é uma forma que a justiça encontrou de responsabilizar os pais que são negligentes com seus filhos, por deixar de lhes prestar responsabilidades pelas quais eram obrigados.
Inicialmente, não existia a reparação por dano extrapatrimonial, justificava-se com o argumento de que é impossível estabelecer um preço para a dor, porém, não se levava em conta que o ressarcimento por dano moral não tem como função restituir integralmente o dano causado, mas sim, tentar recompensar, de alguma maneira, o sofrimento e a humilhação suportados pela vítima. Além disso, para que ocorra de fato a responsabilização civil por Abandono Afetivo, é necessário que o dano e o nexo causal sejam comprovados, isso se faz por meio de laudos formulados por especialistas que apontam o dano psicológico gerado à criança.
O art. 227 da Constituição Federal de 1988 e seu § 6º são claros:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
()
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Além disso, o Código Civil de 2002 no art. 1.566, IV, diz que são deveres de ambos os cônjuges o sustento, guarda e educação dos filhos, e por fim, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe sobre a proteção integral da criança e do adolescente, buscando colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, como esta que está sendo tratada.
Conforme o Artigo Cientifico publicado por Andréa Ribeiro Nunes, O princípio da afetividade aborda, em seu sentido geral, a transformação do direito mostrando-se uma forma aprazível em diversos meios de expressão da família, abordados ou não pelo sistema jurídico codificado. (NUNES, 2014).
Esclarece assim, que este princípio não se aplica apenas ao modelo tradicional de família, como já citado anteriormente. Nas relações familiares o afeto muitas vezes está presente de forma subjetiva, porém, muitos acreditam que a obrigação legal após o rompimento do relacionamento entre os pais está apenas em oferecer alimentos, no entanto, o dever de pai vai muito além disso.
Sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, Kant postula:
No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisas tem um preço, pode por-se em vez dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade []. Esta apreciação dá pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade? (KANT, 2007, p. 77).
Fica claro, portanto, que é impossível conceber instituições humanas constituídas sem o respeito à condição de pessoa humana e sua dignidade. Este princípio está implícito no artigo 1º, III da Constituição Federal, e é o guia de todos os demais princípios, portanto, toda produção normativa deve ser feita sob a sua ótica.
Nota-se que com o passar do tempo começou a ser reconhecida a indenização por dano extrapatrimonial, visto que, na maioria das vezes a vítima não sofre apenas dano material, mas também o dano moral. Apesar do exposto, a Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo ainda é tema controvertido em doutrina, mas não há posição preponderante neste meio.
Porém, a mesma não é dada como um valor a ser pago para mensurar os sentimentos, pois amor, afeto e carinho de um pai para com seu filho não é uma coisa que se compra ou se estipula um valor, mas serve para mostrar ao genitor as consequências dos seus erros e fazer com que ele tenha consciência do seu ato. Ela não serve para trazer o amor de um pai de volta a seu filho, mas tenta amenizar a dor sofrida.
Outro aspecto importante é que esta indenização deve ser calculada com base em um valor que seja suficiente para cobrir as despesas necessárias para tentar reverter as sequelas psicológicas causadas ao filho mediante tratamento terapêutico. Resta claro, portanto, que a responsabilidade é um dever que deve ser observado, tutelado, e cumprido em todas as relações, em especial nas relações familiares entre pais e filhos.
O dever de indenizar originário do Abandono Afetivo fundamenta-se, entre outros pontos, no nexo causal, este pressuposto torna difícil o estabelecimento do instituto, já a culpa do genitor, atualmente, é indispensável à sua configuração. Para a comprovação dessa culpa, o genitor necessita ter se esquivado à convivência com o filho, e desta forma, negar-se a cooperar no progresso do desenvolvimento sua personalidade pessoal, na medida de negligência ou imprudência.
Reclama-se que deve ser levado em conta o fato de que as relações familiares possuem especificidades próprias, que não devem ser desprezadas no momento da aplicação dos institutos do Direito de Família e do Direito Civil em geral. Com isso, fica evidente que não há como admitir a aplicação das regras da Responsabilidade Civil sem filtros nas relações familiares.
Segundo o Código Civil em seu Art. 1.634, compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal:
I - dirigir-lhes a criação e a educação; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584 ; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)
VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)
IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)
Existem dois tipos de responsabilidades em relação ao Abandono Afetivo, sendo elas: a Responsabilidade Civil e a Penal. As duas se originam da causa de identificar a gravidade do abandono e a situação que a criança ou o adolescente se encontra, fazendo assim uma interpretação de qual caso o pai será responsabilizado e arcará com suas obrigações sendo punido por não ter cumprido ao longo do tempo. Em se tratando de Responsabilidade Civil, a mesma decorre de uma infração de menor gravidade, vindo de uma norma ou direito privado violado em que o responsável pagará com seu patrimônio.
Já na Responsabilidade Penal, faz se abordagem a casos de maior gravidade, casos que causaram maior prejuízo a quem sofreu, atingindo assim a sociedade como um todo. A pena aplicada nesse caso se torna de responsabilidade pessoal intransferível, sendo assim o autor que a praticou deverá cumpri-la sem nenhuma regalia.
O Art. 927 do Código Civil versa em seu Parágrafo Único:
Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Sendo assim, a Responsabilidade Civil se divide em duas: direta ou indireta. Quando a própria pessoa que cometeu o dano responderá por sua conduta, ela paga com seu patrimônio, sendo que na responsabilidade indireta o terceiro responde pela conduta do autor dos danos, com isso o terceiro que não é o causador do dano responderá pela conduta danosa do outro. A ação se torna a primeira coisa da Responsabilidade Civil, pois aborda o comportamento do indivíduo e faz com que haja o entendimento do dano que o mesmo causou e como ele será reparado.
As situações problemáticas no âmbito familiar vem a ser situações de Responsabilidade Civil e que são ou deverão ser compensadas por danos morais, pois não deve ficar impune aquele que causou danos a outra pessoa, neste caso, exclusivamente, a criança ou adolescente, e nem tentar suprir esses danos apenas fazendo com que quem os causou passe a exercer seu papel na família.
Há julgados do STJ sobre o tema, como disciplina o seguinte:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFETIVO. NÃO OCORRÊNCIA. ATO ILÍCITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA CONFIGURAÇÃO DO NEXO CAUSAL. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. PACTA CORVINA. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. VEDAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO CARACTERIZADO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. 1. A possibilidade de compensação pecuniária a título de danos morais e materiais por abandono afetivo exige detalhada demonstração do ilícito civil (art. 186 do Código Civil) cujas especificidades ultrapassem, sobremaneira, o mero dissabor, para que os sentimentos não sejam mercantilizados e para que não se fomente a propositura de ações judiciais motivadas unicamente pelo interesse econômico-financeiro. 2. Em regra, ao pai pode ser imposto o dever de registrar e sustentar financeiramente eventual prole, por meio da ação de alimentos combinada com investigação de paternidade, desde que demonstrada a necessidade concreta do auxílio material. 3. É insindicável, nesta instância especial, revolver o nexo causal entre o suposto abandono afetivo e o alegado dano ante o óbice da Súmula nº 7/STJ. 4. O ordenamento pátrio veda o pacta corvina e o venire contra factum proprium. 5. Recurso especial parcialmente conhecido, e nessa parte, não provido. (REsp 1493125/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2016, DJe 01/03/2016).
Há que se falar, no que tange à Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo, na perda e na suspensão do poder familiar, que são decretados por via judicial, esta que é a forma mais grave de destituição do poder familiar, e se dá por ato judicial quando o pai ou mãe castigar imoderadamente o filho, deixá-lo em abandono, praticar atos contrários à moral e aos bons costumes, ou incidir de forma reiterada no abuso de sua autoridade.
A Ilustre Ministra Nancy faz referência a isso em sua Jurisprudência, publicada em 2009:
() Nota-se, contudo, que a perda do poder pátrio não suprime, nem afasta, a possibilidade de indenizações ou compensações, porque tem como objetivo primário resguardar a integridade do menor, ofertando-lhe, por outros meios, a criação e educação negada pelos genitores, e nunca compensar os prejuízos advindos do malcuidado recebido pelos filhos.
É fatídico que os valores da compensação não vão trazer de volta o tempo que ficou para trás, muito menos o amor que foi negado. Com isso, essa reparação visa fazer entender que não está sendo julgado amor ou sentimento, más sim tudo que se foi negado, tudo que se era dever, isso vai muito além e que é necessário para o desenvolvimento de uma criança ou adolescente, fazendo com que assim se mostre que atos como estes são reprováveis na sociedade.
Destituir o genitor que não cumpre com seu dever não é uma forma clara e direta de resolver o problema do Abandono Afetivo, pois se o mesmo já não cumpre seu papel de boa vontade e ainda é afastado do filho por ordem judicial, apenas acaba por chegar onde queria e ficar livre de uma vez só das suas obrigações.
3 CONCLUSÃO
Em suma, o exercício das obrigações legais do Poder Familiar mostra-se como verdadeiro dever jurídico dos pais, tendo em vista que são indispensáveis ao adequado desenvolvimento dos menores, e a ausência destes pode vir a causar sérias sequelas de ordem emocional e deixar marcas permanentes em suas vidas, devendo haver uma sanção proporcional a este dano. Os pais possuem a responsabilidade legal de amparar seus filhos, então quando esse dever é negligenciado por um de seus genitores acaba surgindo a possibilidade de se aplicar esta compensação pecuniária.
É notório, em contrapartida, que a Responsabilidade Civil tem como finalidade a restauração do equilíbrio patrimonial, além do moral, que foi desfeito, não apenas dando preço ao sentimento de amor que deveria existir entre pais e filhos, o que nos leva a conclusão de que a indenização por Abandono Afetivo não visa transformar relações afetivas em relações monetárias, mas destacar o princípio da dignidade humana e o dever de cuidado do pai para com o filho.
Segundo Maria Helena Diniz a Responsabilidade Civil se limita à reparação do dano causado a outrem, desfazendo tanto quanto possível, seus impactos, de modo a restituir o prejudicado ao status quo, porém este limita-se é controverso já que os estragos causados pelo Abandono Afetivo abalam um longo campo dentro da vida da criança, podendo levá-la a varias situações traumáticas. Seria contraditório afastar a reparação civil por Abandono Afetivo justificando que resultaria em um maior conflito entre as partes, é importante entender adequada a imposição de uma sanção mais severa do Direito de Família, que resultaria, por exemplo, na extinção completa do único vínculo restante entre o pai ou mãe e a criança, de forma a inviabilizar a reaproximação familiar (2010, p. 07).
Deduz-se também que a Responsabilidade Penal diferencia-se da Civil por ser pessoal, intransferível, ou seja, o réu responde com a privação da sua liberdade. Enquanto a Responsabilidade civil é patrimonial, de modo que, se a pessoa não possuir bens, a vítima permanecerá sem ser ressarcida. Motivo este pelo qual a Responsabilidade Penal somente vem a ser utilizada em casos de maior gravidade, já que a liberdade trata-se de direito fundamental da pessoa humana.
O destaque feito neste artigo sobre a dignidade humana na Constituição Federal Brasileira demonstra a ideia de respeito aos Direitos Fundamentais da criança e adolescente. A dignidade provém do respeito que cada um merece do seu semelhante, e deve, portanto, começar a ser ensinada e promovida dentro do seio da própria família. É importante acabar de vez com o caráter maleável que existe na atualidade dentro desses casos, eles devem ser vistos como sérios.
Esta mudança deve ser feita, seja pelo aumento do preço da prestação pecuniária, seja pelo rompimento completo dos laços desta pessoa com o filho, como já citado anteriormente, haja vista que não se pode obrigar a pessoa a cumprir aquele papel. Além disso, seria interessante que, no bojo processos de separação judicial, guarda, divórcio, e demais assuntos inerentes ao Direito de Família, o judiciário trabalhasse em parceria com entidades de apoio psicológicos, com a finalidade de tratar, de forma mais apropriada, íntima, e peculiar em cada caso, as situações que envolvem o Abandono Afetivo.
É lamentável que a lei precise obrigar os pais a cuidarem de seus filhos, entretanto, está claro que estas situações não muito frequentes, não podendo o Estado fechar os olhos para esta realidade. Há decisões contrárias àquelas mencionadas, no sentido de que ninguém deve ser obrigado a amar. De fato, não se deve obrigar um pai ou uma mãe a amarem seus filhos. O afeto é algo que deve ser dado por livre e espontânea vontade. Mas, é possível, e um dever do Estado, garantir às crianças e aos adolescentes os seus direitos. E, uma vez não cumprido pelos próprios pais, deve a Justiça fazê-los lembrar de suas obrigações.
Por isso se faz importante aplicar as compensações pecuniárias, visto que dessa forma a mãe ou parte responsável pela guarda de fato da criança poderá ter, diretamente, a garantia de que a pessoa que não cumpre com suas obrigações irá lhe restituir isso de alguma forma, fazendo assim com que esta não saia impune, e a criança abandonada afetivamente não sofra tantos prejuízos.
Meios como esses são usados para diminuir essas condutas, alertar os demais pais sobre prestar atenção em suas ações e omissões para com seus filhos, mostrar a eles o que o abandono pode gerar a uma criança e tentar diminuir cada vez mais os casos de Abandono Afetivo que são bem elevados e que futuramente geram tantos transtornos e prejuízos, não só para quem sofreu, mas para a sociedade como um todo. Então, assim como em todos os casos familiares, cabe ao Advogado Familiarista ter extrema cautela ao se deparar com situações como estas.
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