A possibilidade da perda do mandato por manifestações fora da função parlamentar.

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I

INTRODUÇÃO AO TEMA

Discute-se a amplitude da cassação de mandato por quebra de decoro, o dispositivo foi criado com a intenção de evitar desgastes de imagem com a instituição, tendo em vista que tal fator pode abalar a estabilidade e segurança das instituições.

A imposição do decoro é uma defesa do parlamento, razão pela qual o que mais importa é a condição de representante e não quando o ato julgado foi cometido.

Tendo em vista a hipótese de em certos casos recorrer ao judiciário em uma eventual perda política nas votações que envolvem o processo do conselho de ética e decoro, se afloram discussões ao redor do que realmente engloba os atos que podem ser classificados como indecorosos.

A hipótese de perda de mandato por denúncias envolvendo o comportamento de parlamentares é uma pauta que veio ganhando destaque recentemente por conta do caso do Deputado Estadual Arthur do Val (Sem Partido), mas que já esteve em pauta em outras situações.

Os deputados estaduais e federais estão sujeitos ao conselho de ética e decoro parlamentar, presente na estrutura do poder legislativo com a função de receber denúncias e eventualmente determinar punições para problemas de comportamento.

Em 2021 o Deputado Fernando Cury (Sem Partido) recebeu pena suspenção pelo conselho de ética e decoro após o recebimento de denúncias contra o parlamentar, que na ocasião foi acusado de assediar a Deputada Isa Penna (PSOL) no plenário.

As hipóteses de punição aos parlamentares por meio do conselho de ética e decoro envolvem ao final do processo quatro alternativas, são elas: advertência, censura verbal, censura escrita, perda temporária de mandato ou cassação.

A dinâmica do decoro parlamentar vai muito além de uma mesa diretora, tendo em vista que nos casos de perda temporária ou permanente de mandato aprovada pelo conselho, o próximo passo é a votação no plenário, sendo necessário maioria simples.

II

HÁ POSSIBLIDADE DA PERDA DO MANDATO?

No caso em tela, devemos analisar alguns pontos peculiares quanto ao cargo de deputado. A constituição federal de 1988, garantiu aos deputados federais (art. 53, CRF/88) e estaduais (art. 27, §1.º, CRF/88), como também a Vereadores (art. 29, inciso VIII, CRF/88), algumas imunidades no exercício de seu mandato.

Para tanto, no mundo do direito, essas imunidades se diferem em duas espécies sendo; formais (§2.º do art. 53 da CRF/88) e materiais (art. 53, caput).

Quanto o primeiro grupo: imunidades materiais (art. 53, caput), referem-se exclusivamente à inviolabilidade de opiniões, palavras ou votos, que por ventura vier o detentor do cargo discriminados nos artigos supre referidos -, isto é, no decorrer de seu mandato o deputado e/ou senador, não será objeto de ação cível ou criminal, por eventual crime cometido durante alguma fala.

Vejamos, esta imunidade tem a intenção de garantir ao político, a prerrogativa de poder brigar, defender ou debater as suas ideias e a de seus eleitores, sem que a oposição ou qualquer outro membro da sociedade (promotores, procuradores, advogados e civis), venha interpor processo em razão daquela fala.

Esse artigo ganhou grande notoriedade, após a ofensa disparada pelo deputado federal Jair Messias Bolsonaro hoje presidente da república contra a deputada Maria do Rosário. O após a fala dita, a imprensa começou a especular um eventual processo da deputada contra o deputado, em virtude das ofensas propaladas àquele momento.[1]

Contudo, toda vez que, era questionado sobre o assunto, o deputado Jair Messias, incitava o art. 53 da Constituição, onde mencionava certa imunidade. No caso, a referida imunidade trata-se da formal! Decerto, pensa-se que tal imunidade é absoluta, mas, engana-se quem dessa forma pensa, pois, no nosso ordenamento jurídico inexiste direito absoluto, ou seja, não há direito que transponha outro.

Portanto, a imunidade formal, somente ira alcançar o mandatário no exercício do seu cargo! Eventual crime que seja cometido sem liame, isto é, sem nexo de causalidade com o mandato do deputado, é passível de punição nas esferas cíveis e criminais.

Observa-se que, a imunidade é somente em razão do CARGO e não da pessoa, e que, por tal ordem de razão, eventuais crimes efetivados em exercício da vida no dia a dia estão excluídos do rol do art. 53 da CRF.

Noutro giro, vislumbra-se um segundo grupo: imunidades formais (§2.º do art. 53 da CRF/88); a contrário da imunidade material a formal é exclusivamente voltada a prisão física dos membros do congresso nacional, ou seja, esses legitimados, não podem ser presos, salvo em flagrante delito de crime inafiançável onde será perquirido procedimento especial no teor de seus mandatos.

A natureza desta forma é idêntica à anterior, pois, visa a proteção do CARGO, em faca a prisões arbitrárias[2], e, portanto, visa-se afastar os detentores do cargo de situações humilhantes e vexatórias, como é no caso da prisão, pois ganha-se repercussão nacional.

Em miúdos a imunidade formal, protege o direito de ir e vir dos congressistas, quanto a imunidade formal, debruça-se sobre a liberdade de expressão.

Outrossim, é prudente mencionar que, no caso de imunidade formal, os vereadores estão excluídos do rol de legitimados/protegidos, ou seja, podem ser presos como qualquer outro cidadão[3].

Quanto a imunidade formal, há alguns pontos peculiares a serem desbravados 1-) em relação à prisão (art. 53, § 2º): desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de 24 horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

Neste caso, é o mesmo rito que ocorrera com o Dep. Daniel Silveira, por crime contra o Estado democrático de Direito.

E, por fim, 2-)em relação ao processo (art. 53, § 3º): se for proposta e recebida denúncia criminal contra Senador ou Deputado Federal, por crime ocorrido após a diplomação, o STF dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.

Neste caso, observa-se o caso da Deputada Flordelís, em razão da acusação de ter sido mandante do assassinato do marido. Em virtude da perda do cargo, após definição da casa legislativa suplente é empossado, porém, não será detentor de nenhuma das imunidades acima referidas.

III

O CASO ARTHUR DO VAL

Cuida-se de caso relacionado a divulgação de áudios de whatsapp, onde o parlamentar profere frases e analogias de caráter misógino contra as mulheres ucranianas que afeta a classe feminina como um todo -.

Em plano, o deputado assumiu à autoria dos áudios, bem como a sua autenticidade. Noutro giro, o deputado, estava em deslocamento in loco na fronteira da Ucrânia, onde realizaria atos humanitários de arrecadação de dinheiro, para ajuda aos fugitivos da guerra.

Nesta viagem, onde eventualmente, usou-se visto diplomático, o deputado, na condição de integrante do grupo político Movimento Brasil Livre conhecido como MBL teria feito coquetéis molotov, para que fossem usados como arama de defesa do povo ucraniano.

Após a ampla divulgação dos áudios, enviados a um grupo de futebol, houve repercussão nacional, onde muitos grupos políticos, jurídicos e civis repudiaram veementemente o conteúdo dos áudios.

A tese de purgação, tratou-se sobre a misoginia o machismo embutido nas falas, bem como, eventual falta de decoro do parlamentar.

O grupo de defesa das pessoas negras, manifestou-se sobre o assunto onde reiterou o repudio da sociedade a OAB, também, manifestou-se sobre o assunto, elencando que, caberia a assembleia legislativa do estado de São Paulo (ALESP), apurar eventual crime do parlamentar.

Em razão da repercussão negativa do caso, o partido do deputado (podemos) desfilhou o deputado o qual, concorreria ao cargo de governador -, além disso, o pré-candidato à presidência da República, o ex-juiz Sérgio Moro, repudiou o conteúdo dos áudios, e declarou um rompimento político com o deputado, o que, abalou a situação do mesmo (Arthur) dentro do podemos.

E logo após, o MBL afastou o deputado, para que o mesmo tivesse tempo e serenidade para tratar do caso. Na particularidade de sua vida, o deputado teve o rompimento de seu relacionamento em rede social, por sua então namorada, pois, segundo a mesma, não concordava o conteúdo dos áudios.

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Tendo o caso estirado à frente, cabe fazer a devida análise. Observando que, o parlamentar não estava trabalhando pelos interesses de seu mandato, portanto, sem conexão com o cargo, seria impossível aplicar a tese do art. 53, caput da CRF/88.

Outrossim, observando que, o deputado, não estava representando nenhum órgão governamental, muito menos em missão diplomática autorizada pelo estado de São Paulo, nem mesmo, pelo Presidente da república, ou sequer o Itamaraty, afasta-se o teor do art. 53, §2.º da CRF/88, e, portanto, eventual crime era passível de prisão.

Analisando posteriormente, percebe-se que, o ato praticado (falas), versa sobre crime de misoginia, ao qual fora sancionada lei (13.642/2018)[4] no Governo Temer, onde dá autonomia à polícia federal para a investigar crimes de miogênica cometidos pela internet (vide, caso RACHEL SHEHERAZADE X SBT), percebe-se que o candidato pode ser penal e civilmente processado.

No mais, visto que, a misoginia enquadra-se no escopo da injuria (art. 140 do CP), ou seja, um crime contra a honra, mas no caso a uma determinada classe.

Neste caso, por se tratar de um crime contra a honra, cabe ao ofendido neste caso, qualquer mulher a oferecer ação penal privada, por meio de advogado, ou por qualquer outro meio legitimamente instituído no diploma processual penal.

Desta forma, o deputado Arthur do Val, estaria à mercê de um processo criminal, é neste caso, se assim ocorresse caberia a ALESP, votar eventual perda do mandato do então deputado. O caso assemelharia muito com os casos já mencionados neste artigo (Flordelis e Daniel Silveira).

Portanto, o interregno entre o oferecimento da ação (queixa crime) até a condenação o deputado poderia perder o mandato, o que, eventualmente lhe tiraria o foro por prerrogativa de função, prevista no art. 27, §1.º da CRF/88.[5]

IV

DA CONCLUSÃO

Finalmente, depreende-se de todo o escrito que, o deputado Arthur do Val, pode sim perder o mandato, mas, não em razão das falas, visto que, não tem conexão (liame/nexo de causalidade) com o cargo. Todavia, pode-se perder o mandato em razão de eventual preenchimento em polo passivo de ação penal (por crime de injúria), interposto ao tribunal competente.

Entretanto, é prudente mencionar que, a ALESP pode aprovar ou não a cassação do mandato nos termos aos quais referem-se este artigo.

Escrito por Sanderson Tomaz Pereira Júnior e Vitor Oliveira Santos

  1. Se as manifestações ocorrem no recinto da Casa Legislativa, estarão sempre protegidas, penal e civilmente, pela imunidade material. No caso de manifestações ocorridas fora do Parlamento, cabe perquirir da conexão com o exercício do mandato ou com a condição parlamentar.

  2. O caso do Dep. Daniel Silveira, foi atípico, pois o Ministro Alexandre de Morais, entendeu que, no caso houve flagrante continuado, e, portanto, decretou a prisão conforme incita o art. 53, §2.º da CRF/88

  3. Somente poderá ser preso, quando o ato for restrito ao próprio município.

  4. https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/comissao-de-defesa-dos-direitos-da-mulher-cmulher/arquivos-de-audio-e-video/mpf-12.06

  5. https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2501750/informativos-do-stj-terceira-secao-do-stj-firma-a-competencia-para-o-julgamento-de-crime-doloso-contra-a-vida-praticado-por-deputado-estadual

Sobre o autor
Sanderson Tomaz Pereira Júnior

Advogado, Jornalista, Diretor Jurídico da Rede Praia Grande, Diretor de Organização Partidária do PSB/PG, Pós-graduando em Direito Constitucional pela PUC-Minas, jornalista, ex-Monitor de Direito Processual Civil I e II. É também Diplomado nos cursos de Direitos Humanos, Contratos Cíveis e Empresariais pela FGV. Com curso de verão em Astrofísica do sistema solar pelo Observatório Nacional do Rio de Janeiro e Diplomado em Introdução ao Direito Constitucional pelo ILB. Apresentador do 'Dicas de Direito' e 'Região em Pauta'. Advogado em MGN advocacia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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