RESUMO
O artigo científico em análise investiga a definição de guarda compartilhada e da relação deste instituto com a obrigação de prestar alimentos, fundamentando-se no entendimento doutrinário e legal. Tem como objetivo entender como o homem evoluiu como espécie e em suas relações interpessoais, bem como conceituar família na visão de vários doutrinadores e como a evolução dessa visão foi capaz de mudar as disposições legais para o atendimento da própria mudança social. Sob uma ótica civilista, conceituar guarda, definir seus tipos e sua aplicação no Estatuto da Criança e do Adolescente. Buscou-se trazer os efeitos que a Lei 13.058/14 trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro, bem como exemplificar casos anteriores e posteriores da entrada da lei em vigor. A exposição dos benefícios da guarda compartilhada no conceito social brasileiro também foi explorada, no sentido de mostrar quais as delimitações que o tema podia propor. Constatou-se que a guarda compartilhada como instituto regra na lei é imprescindível para que se busque uma relação saudável entre pais e filhos, bem como para o atendimento das melhores condições para o menor.
Palavras-chave: Família. Evolução Histórica. Guarda Compartilhada. Alimentos. Menor.
INTRODUÇÃO
O trabalho a seguir tem como escopo analisar a questão da guarda compartilhada e seus reflexos na obrigação de alimentos na ordem jurídica brasileira. Para isso, será feita uma longa explanação de temas necessários para a compreensão final do que se busca perquirir no assunto tema.
Será analisada, de maneira inicial, o ser humano sob seu aspecto psicológico e social, como espécie e suas necessidades por agrupamento quase instintivas. Também a maneira como a família foi organizada ao passar dos tempos, uma vez que as relações sob as quais as guardas são determinadas, advêm de núcleos familiares. A evolução antropológica é de extrema valia, pois assim se explica como é possível compreender os saltos sociais em seus variados momentos na história.
Além disso, a análise de como o poder que rege a família foi alterado ao longo dos anos. A importância nesse quesito é de fundamental importância, visto que sob o âmbito jurídico, o poder familiar é aquele que acaba por gerar direitos e obrigações. E para que toda e qualquer disposição legislativa faça sentido na sociedade e tenha efeitos é mister conhecer sua aplicação e as pessoas sujeitas a sua ordem de atuação.
Serão feitas as explorações necessárias nos conceitos de guarda e alimentos, pois a profunda compreensão das definições dos termos, bem como a dissertação de sua faceta jurídica por meio da natureza jurídica das mesmas é imprescindível para que se possa conhecer no desenvolvimento do trabalho, os conceitos de guarda compartilhada e da influência do instituto na seara alimentar.
A compreensão de como os alimentos são tratados no âmbito jurídico, compreendendo-se a disposição legal, bem como a exemplificação de casos concretos será de extrema valia para a inserção deste tema no cenário do ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, os fundamentos que regem o tratamento ao menor sempre devem basear qualquer estudo feito acerca de relações ou diplomas legais que interfiram no mesmo. A criança e o adolescente são, sob a ótica jurídica, pessoas de interesse indisponível da ordem jurídica atual, pois embasam, numa ideia sociológica, a perpetuação do homem como espécie, mas também, juridicamente, a aplicabilidade dos próprios preceitos legais.
Importante passo na efetividade da lei 13.058/14 será estudado quando da correlação da mesma com a jurisprudência. Neste caso, o entendimento de como o ordenamento se comportava antes da promulgação da lei é obrigatório para que ao se comparar com as mudanças inseridas após a entrada em vigor, possa ser inteligível o caráter de importância da supracitada disposição legal.
Sob uma ótica psicológica, a presença de um novo instituto no ambiente familiar deve ser compreendida para que se possa ser possível traçar os pontos positivos e negativos acerca da referida mudança. O Direito como ciência social apta a evoluir com a sociedade e sufragar os desejos por ela pretendidos, deve fazer uso de ciências correlacionadas àquela, como a sociologia e a psicologia, para entender no todo os riscos de se obedecer a uma mudança muito incisiva.
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O HOMEM COMO SER GREGÁRIO E A EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA
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A EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA E DO CONCEITO DE PODER FAMILIAR
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Desde os primórdios dos tempos, o ser humano sempre necessitou de amparo e cuidado por parte de seus semelhantes; os humanos agruparam se em grupos para que melhor pudessem suprir a necessidade uns dos outros, seja de alimento, de proteção ou até mesmo de companhia. Com a evolução da espécie, as necessidades se modificaram e ampliaram, carecendo assim também de bens muitas vezes necessários e outros essenciais à sobrevivência.
Os gregos já afirmavam a essência do homem como animal social e que nesse sentido, precisa se agrupar para alcançar as finalidades de que na vida ele se ocupa. Essa é a essência do ser gregário, um ser que se ajunta, que se manifesta em grupos sociais não apenas por uma necessidade física, mas antes desta, uma verdadeira necessidade psicológica.
Dito isto, deve ser ressaltado que a formação psicológica é parte preponderante na vida de cada um. Assim sendo, uma sociedade sob um contrato social, deve se atentar para conceitos como o amparo afetivo e psicológico, convivência e instrução. A convivência tão preponderante na formação do homem se dá, desde os tempos antigos, por meio da proteção familiar. A família se torna base de tudo, independendo o tipo de credo ou cultura; ela sempre se constata como pedra basilar.
Deve ser salientado que família não pode ser definida em apenas um conceito padrão. Com o estudo das dimensões de direitos fundamentais, mais claro se tornou a ideia de que família abrange um todo intransponível, que se concretiza à medida que os indivíduos que a compõem se complementam. Esse sentido é explicitado por Sampaio Leite quando aduz que os direitos na família tratam do cuidado, compaixão e amor por todas as formas de vida[1].
O pluralismo nas relações familiares acabou por criar inúmeros tipos de uniões. Hoje, muitos doutrinadores, ao falarem do que compõe e do que é necessário para se considerar um grupo como família, elencam um rol com diversos tipos.
Caio Mário[2] trazia família, em seu sentido mais genérico, como união de pessoas descendentes de um tronco ancestral em comum. Esse conceito é interessante pois remonta a família em seu sentido mais tradicional e ancestral já esclarecido. Já Silvio Rodrigues[3] não restringe a família em seu sentido mais puro como tendo o tronco ancestral comum, mas em sendo aquela ligada por traços sanguíneos em geral, é um conceito mais amplo e elenca aqueles que porventura passem a fazer parte da união social original. É conceito parecido o trazido por Fiuza[4] que traz a ideia da família originalmente já ter compreendida em si as pessoas ligadas por meio da união estável, não apenas as coligadas pelo matrimônio religioso ou civil.
Paulo Nader[5] é o jurista que provavelmente conceitue basilarmente a família no sentido mais amplo, no sentido que toda a legislação civil aponta para sustentar e definir. Diz o douto civilista que família é não apenas uma união, mas uma instituição social advinda da irmandade de pessoas em comum, no propósito de desenvolverem entre si assistência e solidariedade mútuas, incluídas nesse conceito também aqueles que embora não compartilhem do desejo da convivência, entretanto, descendem uma da outra de um tronco comum.
São as palavras do supracitado as que mais buscam refletir a exegese da situação fatídica brasileira, unindo os laços já compartilhados por natureza física, por meio do vínculo de sangue, bem como salientando o apreço pelo bem comum, pelos desejos da individualidade do ser humano em suas relações interpessoais.
Para entender a família é importante saber que seu conceito desde os primórdios assinalou com a ideia de um chefe, uma espécie de governante desta micro sociedade, um organizador. Essa ideia foi difundida durante séculos e como se verá mais tarde, possui conceitos na sociedade atual que incumbem mais de uma pessoa pelo comando antes conferido a apenas uma.
Surgia, para muitas famílias, a figura do chefe de família, no qual o papel máximo seria exercido pela figura paterna, com dever de proteger e suprir as necessidades mais emergentes daquela, sendo o provedor da pequena comunidade e agindo sob a forma de uma espécie de pequeno deus cuja autoridade não deve ser questionada, enquanto que surgia por parte da genitora, a figura de cuidadora do lar, sendo esta imagem materna e prole submissos ao progenitor. A essa espécie de comando passou a se conferir o nome de pátrio poder.
É a conceituação, segundo as palavras de Fustel de Coulanges[6]:
O pátrio poder como poder religioso que prevalecia dentro das famílias, era uma espécie de religião doméstica que era exercido pelo pai, sendo considerado um senhor do lar, ou seja um deus.
Assim o sendo, o Pátrio Poder, se origina de épocas bem remotas, ultrapassando fronteiras culturais e sociais, quando os homens passaram a conviver agrupadas em clãs, e em outros tipos societários, surgindo, portanto assim, a necessidade de um líder, da qual, tinha a função de garantir a paz social, ou seja, a harmonia no âmbito social.
De um modo geral, os juristas colocam como ponto de partida para o estudo do pátrio poder a civilização romana. É Wolkmer[7] que cita a importância de se entender o poder pátrio para que se possa ter uma compreensão ampla do que seja o instituto da família ao longo dos anos:
O poder paterno é uma das peças fundamentais para se entender a antiga concepção da família, da autoridade, da herança, da propriedade (...) Da mesma forma que a religião determinava a constituição da família, do parentesco entre os homens, com o objetivo de perpetuação ad infinitum, ela regulava o direito de propriedade com o mesmo objetivo, o de perpetuar o culto e a religião.
Ressalte-se que nesse momento da história no direito romano a mulher assumia o papel de total sujeição ao poder ilimitado do pater. Já o homem desenvolvia o poder impositivo e imperativo de mando, neste momento o pai possuía o poder despótico, ou seja, um sistema de tirania com autoridade de direito para expor, vender e até mesmo mandar matar, ou seja, executar o próprio filho.
Esse é o pensamento que se depreende da leitura da Lei das Doze Tábuas, antiga legislação do direito romano, criada e promulgada em 450 a.C., que dispunha, entre outras coisas sobre a concretização do poder pátrio naquela sociedade de princípios e modos tão antigos se comparados à atual. É o jurista Cláudio Cicco[8] quem traz as disposições da Quarta Tábua daquela lei, que dispunha assim:
TÁBUA QUARTA: Do pátrio poder e do casamento. 1 - É permitido ao pai matar o filho que nasceu disforme, mediante o julgamento de cinco vizinhos. 2 O pai terá sobre os filhos nascidos de casamento legitimo o direito de vida e de morte e o poder de vende-los. 3 Se o pai vender o filho três vezes, que esse filho não recaia mais sob o poder paterno. 4 Se um filho póstumo nascer até o décimo mês após a dissolução do matrimonio, que esse filho seja reputado ilegítimo (...).
Com a evolução, esse sistema de civilização romana enfrentou muitas controvérsias sofrendo grande discussão e então consideráveis alterações no Código Napoleónico, erradicando o despotismo romano, sendo introduzidas regras para a prevalência do interesse do menor.
Esse instituto no qual prevalece o interesse do menor, foi ratificado com a criação do Código Civil de 1.916, introduzindo no cenário do ordenamento jurídico brasileiro, tardio através do Estatuto da Mulher Casada Lei 4.121/ de 1962, e posteriormente com mais prevalência na Carta Magna do nosso país, bem como, no Estatuto da Criança e do adolescente, a Lei 8.069 1.990, a qual, resguarda os interesses de proteção ao menor.
Ainda na evolução do pátrio poder ao longo da história é interessante notar como as regras que estabeleciam as diretrizes do direito na época Brasil colônia tinham esse caráter exclusivamente patriarcal. Só ao pai cabia o pátrio poder, e à mãe pouco restava, em muitos casos apenas certos direitos à obediência dos filhos a ela.
A regra era a de que o pátrio poder não se extinguia, exceto quando alguma das poucas causas de extinção do poder encontrava-se presente. Esse pensamento vigorou até o ano de 1980, quando o decreto nº 181 passou a estabelecer que a, até então exclusividade no pátrio poder, passava às viúvas do pais, quando estes houverem falecido.
Em 1981, a Constituição Republicana trouxe cores diferentes ao cenário jurídico brasileiro, ao apresentar temas como democracia, liberdade e igualdade. A promulgação do Código de 1916 teve importante atuação ao revogar as disposições, leis e decretos concernentes à matéria civil, anteriores a sua entrada em vigor. Deve ser salientado, entretanto, que na primeira metade do século XX a sociedade brasileira, apesar de viver os primeiros anos sob uma nova forma de governança, ainda mantinha os valores morais da época anterior, da segunda metade do século anterior.
Nesse contexto que a evolução no conceito de família foi evoluindo paulatinamente, conforme os próprios avanços sociais. Mas na época do diploma civilista de 1916 certos valores impunham à constituição familiar sob uma ótica patriarcal, matrimonializada e patrimonializada. A distinção entre homem e mulher ainda traziam os valores antigos, de desigualdade e superioridade masculina. Tanto era assim, que em caso de divergência entre os genitores acerca de algo no exercício do poder familiar, devia prevalecer a disposição paterna. Cabia à mãe, no que discordasse da disposição, recorrer ao poder judiciário, por meio da figura do magistrado, para que este analisasse a possibilidade de mudança no caso em questão.
É esse crescente na ideia de família na qual os direitos de todos são respeitados que acabou por impor, primeiro de forma cultural em muitas famílias e depois com o diploma civil, a utilização de um poder em favor dos genitores e não de apenas uma figura dentre eles.
Foi com o advento da Lei 10.406/2.002, o Código Civil brasileiro, que o termo pátrio poder foi substituído pelo de poder familiar. Essa alteração ultrapassou o mero alcance etimológico, conferindo na nova ordem jurídica que se instalava a proteção, o zelo, bem como a responsabilidade e o dever maior, não apenas ao pai, como de costume se realizava historicamente, mas ao casal como figura criadora.
O que o legislador buscou concretizar foi uma cultura que já se arrastava em muitas famílias atuais, preponderantemente com a amplitude do novo conceito familiar englobando várias espécies de grupos sociais, tendo a mulher também o papel do pater, como já exemplificado.
A própria Constituição de 1988 já trazia em seu bojo uma clara noção de diversos direitos fundamentais, dentre eles assegurando o direito à isonomia. O movimento jurídico deve ser encarado como um todo e, sendo assim, como o resultado da soma dos movimentos culturais que vieram a influenciar nova ordem jurídico-social.
Fato jurídico importante a se ter em mente é a ideia de que, não importando o momento histórico em questão, que o poder familiar, quer seja sob a antiga ótica do poder pátrio, ou pela visão atual do poder compreendido entre os genitores, sempre coube aos pais, ou a um deles. Essa visão de orientação é a que acaba por basear a relação entre pais e filhos numa relação de responsabilidades e consequências, na ordem jurídica, como assevera Arnaldo Rizzardo[9], que aduz que a base familiar pautada na condição de direitos e deveres é da qual emanam institutos jurídicos que vislumbram benefícios de um lado (a proteção do menor na guarda, o direito a alimentos), bem como imposições pelo outro (a obrigação decorrente da guarda, a obrigação de alimentos).
1.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DO PODER FAMILIAR
Diante dos vários momentos do poder familiar ao longo da história, fica difícil estabelecer um só conceito que possa abranger todos os conceitos. Já diziam os autores mais clássicos que o poder familiar se compõe de uma soma de direitos e deveres dos pais por sobre a pessoa dos filhos menores, incumbindo essa definição em encargos para a manutenção do menor. Essa é a visão de Louis Josserand[10] que já no direito francês antigo trazia essa ideia de mão dupla, com direitos e deveres recíprocos entre pais e filhos e não apenas uma visão autoritária:
(...) [o poder familiar] é o conjunto dos direitos que a lei confere aos pais sobre a pessoa e bens dos seus filhos menores não emancipados, tendo em vista assegurar o cumprimento dos encargos que lhes incumbem no que se refere à manutenção e educação dos mesmos.
Para melhor compreensão, então, melhor se valer de um conceito que se aplique ao momento atual para que então a compreensão de como a guarda compartilhada pode ser entendida no contexto da ordem jurídica mais recente. Neste sentido, vários autores já fazem uso da nova nomenclatura do poder familiar. Entre eles, Petry Veronese[11], que versa sobre o binômio existente dentro da relação entre pais e filhos:
O Poder Familiar, conforme a denominação dada pelo novo Código Civil, é misto de poder e dever imposto pelo Estado a ambos os pais, em igualdade de condições, direcionado ao interesse do filho menor de idade não emancipado, que incide sobre a pessoa e o patrimônio deste filho e serve como meio para mantê-lo, protegê-lo e educá-lo.
Em um conceito mais patrimonial, o poder familiar pode ser trazido como o poder apto a que os pais defendam e administrem bens e direitos dos filhos. Isso porque a aquisição de direitos e bens pode se dar com qualquer pessoa, inclusive com os menores que, segundo a lei, não possuem ainda capacidade para exercer plenamente os atos da vida civil. Deste modo, é por meio deste poder familiar que os interesses da criança e do menor continuam tutelados e guardados.
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A PRESTAÇÃO ALIMENTAR AO LONGO DA HISTÓRIA E A QUESTÃO DA GUARDA DE MENORES
2.1 O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE
Antes de se falar dos conceitos que guarnecem a guarda, é necessário compreender os princípios das pessoas atingidas por ela. Esse é o entendimento que baseia o estudo jurídico, o de que são os princípios, assim como alicerces, cláusulas que sustentam a doutrina de certa parte da compreensão, sobre elas mesmas.
E o princípio mais importante na relação entre Estado, genitores e filhos é o Princípio do Melhor Interesse. O Princípio do Melhor Interesse está associado ao menor, à criança, e, como se aduz da própria nomenclatura, visa o atendimento das melhores condições a esses.
Tem origem no direito anglo-saxônico, na expressão parens patrie, que se reveste da ideia do Estado como responsável por zelar pelos interesses dos indivíduos juridicamente limitados, entendidos aí neste conceito os loucos e os menores.
O doutrinador Rodrigo da Cunha Pereira[12] conceitua de forma bem delineada o surgimento do princípio em meados do século XIX:
(...) referindo-se às origens históricas do referido instituto, reporta-se ao caso Finlay v. Finlay, julgado pelo Juiz CARDOZO, em que ficou ressalvado que, ao exercitar o parens patriae, a preocupação não deveria ser a controvérsia entre as partes adversas e nem mesmo tentar compor a diferença entre elas. O bem estar da criança deveria se sobrepor aos direitos de cada um dos pais. [...]. Somente em 1836, porém, este princípio tornou-se efetivo na Inglaterra.
Julgamento em 2009 no STF[13] trouxe variadas conceituações do princípio em apreço, como a seguinte:
Ao exercício da guarda sobrepõe-se o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que não se pode delir, em momento algum, porquanto o instituto da guarda foi concebido, de rigor, para proteger o menor, para colocá-lo a salvo de situação de perigo, tornando perene sua ascensão à vida adulta. Não há, portanto, tutela de interesses de uma ou de outra parte em processos deste jaez; há, tão-somente, a salvaguarda do direito da criança e do adolescente, de ter, para si prestada, assistência material, moral e educacional, nos termos do art. 33 do ECA. Para isso devem as partes pensar, de forma comum, no bem-estar dos menores, sem intenções egoísticas, caprichosas, ou ainda, de vindita entre si, tudo isso para que possam os filhos usufruir harmonicamente da família que possuem, tanto a materna, quanto a paterna, porque toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família, conforme dispõe o art. 19 do ECA.
O melhor interesse teve sua primeira proteção legal na Declaração dos Direitos da Criança que buscou fazê-lo presente entre todos os Estados signatários. Assim como a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, já se apresentava como corolário do preceito anglo-saxônico supra citado.
2.2- DA GUARDA
Definir em poucas palavras o conceito de guarda dos filhos é tarefa não apenas difícil, como também impossível. A relação entre genitores e filhos enseja uma série de análises acerca do binômio poder-dever. De um lado, percebe-se a existência de uma gama de direitos e deveres inerentes à figura dos pais; por outro, vemos que o menor, como parte mais vulnerável nessa relação, recebe inúmeros direitos aptos a lhe favorecer um desenvolvimento saudável e correto segundo as determinações conferidas em diploma civil, bem como as diretrizes psicossociais de cada ser.
Etimologicamente, guarda, tem origem comum no alemão Warten, que em sentido genérico pode ser traduzido como proteção, observação, vigilância ou administração.
Há sentidos diversos para a guarda no mesmo ordenamento jurídico. No Brasil, a guarda no sentido comercial tem outro intuito, qual seja a obrigação imposta a determinadas pessoas para que possam ter, em sua vigilância e zelo, mediante a entrega de coisas que lhe sejam confiadas, a preservação das mesmas. Tem de certo modo, sentido de depósito; o que está em um local vigiando e cuidando um bem contra qualquer ato de terceiros.
Guarda de filhos é uma expressão que se traduz num conceito extremamente mais amplo. Indica uma locução que ora perfaz um direito, ora uma obrigação, estabelecendo aos cônjuges, seja em conjunto ou a cada um, o dever de zelar e proteger a pole (leia-se ser sobre o qual recai a guarda) nas circunstâncias elencadas em lei e segundo os ditames do âmbito social. Também como o dever de determinar e estabelecer, segundo critérios de razoabilidade as escolhes dos filhos sob a mesma guarda, nesse sentido trazendo o conceito poder, no binômio já explicado.
De Plácido e Silva tem uma definição técnica acerca da guarda no tocante a seus efeitos entre as partes e também à coletividade[14]:
(...) a guarda no âmbito da proteção à criança e ao adolescente obriga a prestação de assistência material, moral e educacional, conferindo ao detentor o poder de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.
Para que se possa falar em guarda de filhos, é indispensável a correta caracterização e explicação do conceito de responsabilidade. Responsabilidade vem do latim respondere, e indica a qualidade de se assegurar pelo que se está tutelando.
Maximovitz assevera que a guarda como contexto jurídico compreende-se na obrigação de zelar pelo bom desenvolvimento dos filhos bem como pelo seu sustento até que estes atinjam a maioridade, perfazendo após esses ditames as condições necessárias para se instruir que um ser humano possua uma vida digna[15], bem como entende Bertoldo Mateus[16]:
(...) no desempenho do poder familiar, compete aos genitores a mantença da prole (arts. 229, CF; 1.566, Iv; 1.634,I; 1.724,CC; e art. 22 da Lei 8.069/90) Entende-se que cumpri aos pais preparar o filho pra a vida , proporcionando-lhe obrigatoriamente a instrução primária, e ministrando-lhe ainda a educação compatível com a sua posição social e seus recursos.
Numa amplitude mais legalista, o instituto da guarda é traduzido como o resultado do entrelaçamento da vontade do legislador tanto vista na confecção da Carta Magna, conectada à definição de poder familiar do Código Civil em seu art. 1634, II, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente em seus arts. 21 e 22.
A guarda é, portanto, instituto previsto e indicado por diversos diplomas no ordenamento jurídico. É instituto consolidador de uma sociedade justa e preocupada com o desenvolvimento de suas futuras gerações. Salienta-se nesse ponto que a não concessão de capacidade civil para certos casos elencados no diploma civil, mostra-se mais que ensejador para que as pessoas enquadradas nesses casos necessitassem da orientação e proteção e cuidados de outrem que por ela se obrigaria.
Em sentido amplo, é a responsabilidade que se exprime como obrigação de responder por algo, sendo a obrigação de satisfazer um ato jurídico que se tenha convencionado ou cumprir fatos imputados por determinação legal. Revela ainda, o dever jurídico em que se coloca a pessoa, seja por fato ou omissão ou ainda, em virtude de contrato, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar sanções legais.
Desta forma, onde haja a obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, ressarcir danos, suportar sanções legais, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção. Essa responsabilidade convencionada ou descrita em norma jurídica, faz com que a obrigação se exija e o dever se imponha.
2.3 A GUARDA NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
O Estatuto da Criança e do Adolescente vem como marco regulatório dos direitos da criança, bem como a proteção dessa classe de pessoas tão importantes na ordem social. Até o início do século XX, as políticas sociais desenvolvidas pelo Estado eram ínfimas, quando não, inexistentes.
As poucas disposições legais, eram as que impediam o trabalho antes dos 12 anos de idade, e eram de suma importância pois no auge da Revolução Industrial, as fábricas cobravam cada vez mais trabalho e a busca por trabalhadores cada vez mais jovens, e por sua vez, mais baratos, era uma tendência muito comum.
Existia, primordialmente no Brasil, o sistema de Roda das Santas Casas. A assistência às crianças, se dava apenas, por parte da Igreja, entretanto. O sistema citado consistia num cilindro oco de madeira, que girava sobre o próprio eixo, permitindo que as mães que não pudessem cuidar de seus filhos ou que não soubessem administrar a condição de mães solteiras, que deixassem ali seus filhos, de modo que após girado o eixo da Roda, o bebê ia para dentro da Santa Casa. Era um sistema que privilegiava o anonimato e se abria como forma de orfanato para o recebimento de donativos.
Vigorou no Brasil até a segunda década do século XX o sistema de Rodas, até que foi proibido pelo Código de Menores. Foi este, talvez o primeiro dispositivo legal e, portanto, vindo do Estado brasileiro que surgia, apto a cuidar da questão dos menores. O Código de Menores trouxe disposições que permitiam que a pessoa deixasse seu filho para o orfanato, sendo preservado o anonimato, sem que se utilizasse de método tão rústico como as Rodas.
É nessa primeira metade do século XX que o advento do Código de Menores trouxe inúmeras alterações de direitos para as crianças e para os adolescentes. Talvez a principal medida trazida pelo Código, tenha sido o revestimento do magistrado de muito poder no trato das relações familiares. Iniciava aí um Estado cada vez mais participativo e preocupado com as relações da família, e isso fez parte do avanço na visão da própria sociedade. O Estado que, anteriormente, pouco ou quase nada se importava com esses tipos de relações, tendo interesse primordial na questão econômica e patrimonial, começou a perceber que a regulamentação de questão da ordem mais íntima do núcleo familiar das pessoas, fazia parte sim de um modelo de Estado que busque a estabilidade e crescimento.
As mudanças foram se sucedendo, e um dos marcos na proteção à criança e ao adolescente, pode ser citado como a fundação da UNICEF no Brasil, ocorrida em 1950. É nesse contexto de redemocratização, após a era Vargas, que a sociedade civil buscava ficar cada vez mais e mais organizada, seguindo certos padrões que já eram exteriorizados em outras sociedades, como a europeia.
Criada pela Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente surge nesse mundo de mudanças dos direitos relativos aos menores, não como primeiro marco, mas certamente como o mais importante. Não é por outro motivo que é contemplado como a implementação de direitos humanos e universais na ordem dos seres mais frágeis e mais necessitados, na ordem social, de uma proteção legislativa.
É o Estatuto responsável pela disposição de diversos conceitos que vêm a permear o desenvolvimento da criança e do adolescente no contexto jurídico-social brasileiro.
A guarda descrita no ECA, visa servir como meio a proteção da criança que se encontre em estado de abandono ou que possa ter sofrido negligência, omissão ou abuso por parte dos pais. Não se confunde, de outro modo, com a ideia de poder familiar. Tal falta de associação pode ser depreendida do dispositivo que confere ao detentor da guarda o direito de reclamar a qualquer tempo a retirada do menor da posse física de quem ilegalmente esteja com ele.
Ao guardião, mesmo a título precário, cabe o deferimento da guarda pelo estatuto, e a este, atribui-se obrigações de criação, educação e assistência material e o direito de exigir do menor respeito e obediência.
O guardião tem a obrigação de fornecer alimentos, mas poderá também os pedir a quem tenha obrigação legal de os prestar, pois é certo que o titular do poder familiar não fica isento dessas responsabilidades e, ainda que na função de guardião, responderá pelos danos que o menor causar em procedimento de reparação civil.
Estas crianças e adolescentes na maioria das vezes, acabam por integrar a família como membros dela. Visando esta regularização, basta a concordância dos pais biológicos e realização de laudo social feito por equipe profissional, para que se apure as condições em que vive o menor e se a nova condição vai atender seus interesses.
Desta forma, com a oitiva do curador de menores, através de parecer, o juiz proferirá decisão delegando guarda definitiva aos pretendentes, tendo como benefício a inclusão do menor na previdência social. A guarda pode ter caráter definitivo ou provisório. Quando se apresenta com caráter definitivo, regulariza a posse de fato. Quando a guarda aparece com caráter cautelar, preparatório ou incidente, temos modalidades de guarda provisória.
Seu caráter cautelar impõe-se quando o menor se encontra abandonado e sua situação depende de definição. A criança ou o adolescente são colocados sob a guarda de uma pessoa, provisoriamente, até que sejam tomadas medidas adequadas para a tutela de seus interesses.
Ela assume caráter preparatório quando pedida antes do processo principal. É o que se passa na adoção e na tutela. Aquele que pretende o menor, sob uma dessas formas, pede ao juiz a guarda provisória.
É incidente quando, no correr do processo de adoção ou tutela, o juiz defere a guarda a terceiro, ou mesmo aos pretendentes.
No caso de o juiz afastar os pais do poder familiar, a guarda é entregue a um terceiro. Isso se dando no decorrer do processo respectivo.
O estatuto ainda prevê uma forma diferenciada de guarda fora dos casos de tutela e adoção, a guarda excepcional para fins de representação dos pais biológicos ou responsável para determinado ato, observando-se não se tratar de representação plena, mas de atos a serem praticados por um guardião temporário como a autorização para o casamento em virtude de estarem os pais ausentes ou em local incerto e não sabido.
Devido a tantas peculiaridades de cada caso, encontra-se a guarda subsidiada, onde não é possível tutela ou adoção, por exemplo crianças ou adolescentes portadores de deficiências físicas ou mentais que não encontram candidatos para a adoção e que necessitam de tratamento especial.
O artigo 34 do Estatuto prevê tais necessidades e impõe ao estado a criação de programas de lares remunerados com pessoas habilitadas para atender casos específicos de abandono comprovado, sem possibilidade de retorno dos menores à família original. Por estarem os pais desaparecidos, falecidos, internados em Hospitais Psiquiátricos ou cumprindo pena em estabelecimento prisional.
Quando esse tipo de programa não é instalado, cabe ao estado incentivo e manutenção dos já existentes, principalmente nos casos de menores deficientes abandonados, não raro a população em geral cumpre o papel do estado, recolhendo menores em total estado de abandono, essas pessoas caridosas, com pouco dinheiro e muita criatividade propiciam aos menores recolhidos um verdadeiro lar, com a presença inclusive de pai, mãe e irmãos achados por acaso.
Evidentemente que pessoas com essa capacidade plena de doação, merecem respeito e ao estado cabe lhes propiciar condições para continuarem a exercer suas tarefas e facilitar o deferimento da guarda sem qualquer restrição, contudo, fiscalizando os voluntários, principalmente no que tange crianças portadoras de anomalias.
O artigo 28, § 1º estabelece a oitiva sempre que possível da opinião da criança e do adolescente, reclamando do juiz atenção na escolha entre família natural e a família substituta. Esse direito de expressão é mais um elemento comprobatório a ser levado em consideração pelo juiz. Trata-se de norma que reflete o direito da criança ou jovem aquiescer, conscientemente, à aplicação da medida.
Já em seu artigo 28, § 2º, o estatuto define como critério de preferência para colocação em família substituta, o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade.
O artigo 31 do estatuto dispõe sobre medida excepcional, que se refere a colocação do menor em família substituta estrangeira, todavia essa forma só é possível em se tratando de adoção.
Ao estrangeiro residente no país são facultadas a guarda, a tutela e a adoção como aos nacionais, atendido o princípio constitucional do artigo 5º, caput, que trata da isonomia entre brasileiros e estrangeiros que vivem no país quanto ao exercício de direitos e deveres.
De qualquer maneira, a família substituta deve refletir uma linha de continuidade do grupo social ao qual ela pertence, refletindo o direito à convivência familiar e comunitária, fundamental ao seu desenvolvimento.
Foi no final do ano de 2014 que findou por sancionada a lei nº 13.058 que alterou os artigos 1583, 1584, 1585 e 1634 do diploma civil, que tratavam da guarda compartilhada e a aplicabilidade da mesma. Deve ser ressaltado, entretanto, que apesar de a lei da guarda compartilhada ter estado tramitando por três longos anos até sua sanção naquela data, que o instituto da guarda compartilhada já tinha aplicabilidade em vários casos na família.
Foi em 2008, com a lei nº 11698, que tal instituto passou a ser já observado. A lei, naquela data, previa, de maneira isonômica, o tratamento paritário, ou seja, que as responsabilidades bem como às despesas de alimentação, sustento, amparo, cuidado, criação e convívio eram comuns e deveriam ser divididas entre as figuras dos pais. O diploma civil também já observava em ser art. 1584, §2º, aplicação do instituto sempre que possível. É nesse ponto que o legislador, influenciado pelas novas ideias de direitos fundamentais, buscou observar, como marco protecionista ao menor que os genitores, embora separados ou distantes fisicamente, permaneceriam como iguais responsáveis na figura da guarda daquele, no Warter sobre o qual recai a tutela dos direitos.
O art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente já traz tal assertiva ao impor a toda a coletividade, não se eximindo o próprio poder público nesse caso, a proteção, em caráter de absoluta prioridade, não apenas o zelo, mas a efetivação de direitos referentes à vida, saúde, alimentação, entre outros, fazendo menção, em destaque, o direito à convivência familiar.
O art. 19 da mesma lei, já salientava ser direito do menor à mesma convivência familiar, longe de pessoas ou situações que pudessem lhe trazer risco, incluindo no rol o caso de dependência química e substâncias entorpecentes. Ainda assegura a Carta Magna em seu art. 227 tal preceito, salientando que é direito do menor estar a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão.
Percebe-se que o ordenamento jurídico, permeado por toda a sorte de diplomas legais como já demonstrado, sempre procurou revestir o menor de um amparo necessário a seu crescimento sadio e digno. Esse amparo encontra guarida na guarda sistematizada no ordenamento jurídico. Já dizia Plauto, em sua antiga obra Asinaria (frase essa depois popularizada em Thomas Hobbes), que o homem é o lobo do homem, tornando a sociedade caracterizada por uma violência social sem fim. É nesse contexto que a figura do mais desamparado, do ainda não completamente desenvolvido, que encontra necessidade de uma proteção para seu correto crescimento. É a expressão do antigo brocado da igualdade real e não apenas formal, o tratamento desigual dos desiguais na medida de suas desigualdades, para que a situação de fato fique isonômica, embora a situação do direito não assim seja.
Salienta, entretanto, que é destarte informar e estudar como o ordenamento jurídico se pautou sobre o caso, antes e após a lei sobre a guarda compartilhada, pois o litígio entre genitores, em muitos casos gerando comportamento desarmoniosos e desrespeitosos, leva a muitas situações de divergências acerca da guarda, cabendo ao magistrado sempre dirimir o conflito quando necessário.
2.4 OS TIPOS DE GUARDA
Existem basicamente três tipos de guarda no Direito, algumas com larga utilização no Brasil e outro não existente. Num contexto amplo, o tipo de guarda a ser utilizado depende da ordem jurídica imposta e do caso concreto familiar. O ideal é o atendimento da melhor situação do menor e para isso é que se evolui socialmente e juridicamente neste ponto. As guardas de utilização mais comuns podem ser divididas em guarda unilateral, guarda alternada e guarda compartilhada.
A guarda unilateral é a guarda mais utilizada historicamente no Brasil. Seu amplo uso advém do contexto paternalista brasileiro na manutenção do lar, e maternal no trato dos filhos, tendo a maioria dos casos de guarda na história do Brasil resultado em tutela materna enquanto a prestação de alimentos coube ao pai. Guarda unilateral é, portanto, a guarda na qual um dos genitores fica com o filho no sentido de manter seu encargo físico, enquanto o outro realiza as visitas. Não há nesse tipo de guarda qualquer tipo de cisão ou diminuição do poder familiar; ambos continuam responsáveis pela prole, e é a letra fria da lei que assim determina conforme o art. 1.583, §3º, do Código Civil.
A guarda alternada, também conhecida como aninhamento ou nidaçao ocorre quando a criança, morando no mesmo ambiente ou não, alterna sob os cuidados de um de outro dos genitores. É um tipo de guarda de aplicação muito difícil no Brasil, já que a realidade brasileira dificulta o caso. Também são observadas muitas críticas a esse sistema, já que psicologicamente a criança acaba por não ter vínculos estáveis e rotinas, aspectos saudáveis no crescimento dela, como leciona Grisard Filho[17]:
Não há constância de moradia, a formação dos hábitos deixa a desejar, porque eles não sabem que orientação seguir, se do meio familiar paterno ou materno.
A guarda compartilhada é instituto que já vinha sendo utilizada em vários países na Europa nos Estados Unidos. Primeira positivação específica no Brasil ocorreu com a Lei 11.698/08 que trouxe a guarda compartilhada, também chamada de guarda conjunta, como o sistema no qual o filho permanece sob a guarda de ambos, implicando estar sob a autoridade igual dos dois em aspectos relacionados ao bem-estar, à educação e à criação. É a busca da continuidade da situação existente antes da dissolução conjugal, como exemplifica Damos Comel[18]:
Em tese, seria o modelo ideal, a manifestação mais autenticado poder familiar, exercido por ambos os pais, em igualdade de condições, reflexo de harmonia reinante entre eles. Os dois (pai e mãe) juntos, sempre presentes e atuantes na vida do filho, somando esforços e assumindo simultaneamente todas as responsabilidades com relação a ele (filho) .
É importante salientar que há uma diferença muito grande entre guarda compartilhada e guarda alternada. Na guarda alternada, não se busca a harmonização dos cônjuges, não há constância de moradia, o menor por vezes não sabe que orientação seguir e de qual dos genitores, e nas vezes em que ocorre em ambientes separados faz com quer o menor não tenha contato constante com objetos pessoais e possa interagir com as mesmas pessoas. De modo contrário, a guarda compartilhada visa suprir os defeitos da guarda alternando buscando um convívio saudável entre os genitores para melhor situação do menor.
Pode-se dizer que na guarda compartilhada, diferentemente da guarda alternada, o que se compartilha é a responsabilidade pela formação, saúde, educação e bem-estar do menor, e não a posse.
Indica-se, entretanto, que se tenha um cuidado a mais ao ministrar a guarda compartilhada nos casos em que ela é orientada. O interesse do menor sempre deve estar em primeiro lugar, sendo assim, mesmo que haja conveniência dos pais, o interesse do filho deve ser protegido. O filho não vira objeto de posse de cada um dos genitores, permanecendo um tempo com um e outro tempo com outro; pelo contrário, ele aproveita a companhia de ambos, com visitações livres e amplas. Para o atendimento das melhores condições para o menor, é importante que a convivência entre seus genitores não seja litigiosa todo sempre, é nesse sentido que a guarda compartilhada busca a aproximação de todos, pois o litígio constante torna descabido o compartilhamento da guarda. Para isso, o profissional de Direito na situação de fato deve estar atento. Não é o mero litígio que impede a guarda compartilhada, e sim a falta de uma convivência saudável. É assim que entende Deccache[19] ao falar sobre o tema:
(...) a limitação do convívio com um dos pais, pelo mero desenlace conjugal, não deve encontrar respaldo no ordenamento jurídico, tendo em vista que após a separação prosseguem ambos titulares do poder familiar.
Quanto à vantagem na guarda compartilhada, ensina Berenice Dias[20] sobre a melhor função dessa guarda na sociedade moderna:
(...) a proposta é manter os laços de afetividade, minorando os efeitos que a separação sempre acarretou nos filhos e conferindo aos pais o exercício da função parental de forma igualitária.
São, portanto, as citadas as principais formas de guarda existentes no Direito. Salienta-se que no Brasil, apenas as guardas unilateral e compartilhada encontram positivação. A guarda alternada, embora, existente em direito alienígena, não pode ser usada aqui por falta de previsão legal. O legislador civil optou por deixar estritos os casos de guarda a serem aplicados, pois o estudo do instituto é de natureza pública, para atendimento do menor. Essa é a leitura do art. 1583, do Código Civil, tal qual preleciona Guilherme Calmon[21]:
(...) não há outra espécie de guarda de criança ou adolescente que não a guarda unilateral e a guarda compartilhada. Assim (...) a lei civil não admite outra espécie de guarda além das expressamente previstas.
E como norte orientador, não apenas legislativo, mas cultural no sentido de ensejar novos caminhos na legislação, a melhor situação do menor sempre deve ser observada. É deste modo que se presencia a alteração objeto de estudo deste trabalho, qual seja, a evolução de um sistema antes meramente paternalista, para um outro que valorize a família como grupo e a cada um de seus integrantes individualmente, salientando o papel da mulher não apenas como atuadora nas tarefas domésticas, mas como personagem fundamental na criação dos filhos. É a saída de um modelo unicamente de guarda unilateral, com genitores distantes e menor distante de um deles consequentemente, para um modelo de guarda compartilhada, no qual a família persiste ainda que não subsista o vínculo de relacionamento amoroso dos genitores.
Alguns autores salientam a questão da responsabilidade legal dos pais no trato dos filhos e como a guarda compartilhada salienta esta maneira de agir e de pensar. José Diogo Leite Garcia[22] é um destes que aduz sobre a relação dos genitores nesse modelo de compartilhamento de obrigações:
Um plano de exercício onde ambos os progenitores dividem a responsabilidade legal pela tomada de decisões importantes relativas aos filhos menores, conjunta e igualitariamente. Significa que ambos os pais possuem exatamente os mesmos direitos e as mesmas obrigações em relação aos filhos menores. Por outro lado, é um tipo de guarda na qual os filhos do divórcio recebem dos tribunais o direito de terem ambos os pais, dividindo de forma mais equitativa possível as responsabilidades de criarem os filhos e cuidarem deles. O exercício jurídico conjunto define os dois progenitores, do ponto de vista legal, como iguais detentores da autoridade parental para tomar todas as decisões que afetem os filhos
Fica evidente, sob esta visão, que como instituto para guarnecer os direitos dos filhos, a guarda compartilhada parece ser a que melhor entrega a expressão intuito da proteção do menor, qual seja, a ótica na qual o menor é parte ais importante e preponderante no universo familiar composto por genitores, suas relações, e os filhos desta advindos.
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A OBRIGAÇAO DOS ALIMENTOS E A COMPLEXIDADE DA LEGISLAÇÃO
3.1 DEFINIÇÃO DE ALIMENTOS
A obrigação alimentar como um todo se exprime num postulado de sustento a manutenção; mas a definição vai muito além disso. De modo geral, a condição essencial para a existência dessa obrigação é o vínculo, que pode ser civil ou sanguíneo. Entende-se por vínculo sanguíneo aquele relativo a família em seu contexto mais restrito, englobando a prole e as futuras gerações (ressalta-se, entretanto, que esse vínculo de parentesco varia de legislação para legislação); já o vínculo civil é aquele que se estabelece por força da lei, mediante as relações interpessoais do indivíduo em sociedade, é o vínculo que o liga a outrem independentemente da consanguinidade.
Os alimentos têm seu significado exposto na prestação pecuniária que visa satisfazer as necessidades de quem não tiver como supri-las. Essa é a lição exposta na seguinte frase transcrita pelo professor Orlando Gomes[23] em sua lição de Direito Civil:
[Os alimentos] são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. Têm por finalidade fornecer a um parente, cônjuge ou companheiro o necessário à sua subsistência. Quanto ao conteúdo, os alimentos abrangem, assim, o indispensável ao sustento, vestuário, habitação, assistência médica, instrução e educação.
Transcrevem-se, também, na ideia de solidariedade e assistência familiar, como corolário de um Estado que valoriza as relações que os sujeitos criam ao longo dos anos, salientando a necessidade de se estabelecer direitos e obrigações entre eles.
Arnoldo Wald[24] é o doutrinador que exprime nesse sentido de forma bastante clara:
A finalidade de prover alimentos é, portanto, assegurar o direito à vida, subsistindo a assistência da família à solidariedade social que une os membros da coletividade, uma vez que os indivíduos que não tenham a quem recorrer diretamente serão, em tese, sustentados pelo Estado. Nesse sentido, o primeiro círculo dessa solidariedade é o de família, e somente na sua falta dever-se-á recorrer ao Estado.
Mesmo sentido é trazido pelo jurista Antônio Elias de Queiroga, o qual aduz acerca da relação civil como ensejadora da prestação alimentar, não obstante não sejam verificados laços de amizade ou de afeto. É segundo o referido jurista[25]:
[A obrigação alimentar] trata-se de um direito criado pela lei com fundamento num princípio razoável de solidariedade familiar, colocando de lado qualquer indagação ou pressuposto de haver afeto ou existir realmente amizade.
Na legislação brasileira, o legislador adotou alguns requisitos ensejadores da obrigação de alimentar. O primeiro de que se pode falar é a necessidade, que se caracteriza não pela simples aparência do que se necessita, mas na incapacidade de gerir o próprio sustento dignamente. Outro requisito, o da possibilidade, se afigura para sobre quem recai a obrigação e pode ser traduzido na capacidade financeira deste. Silvio de Salvo Venosa já salientava que a obrigação alimentar não pode ser vista como determinação de que o alimentante divide seu patrimônio com o alimentado, mas sim uma obrigação periódica, cuja imposição do quantum pelo magistrado é de extrema importância por norteia todo o resto[26].
Na seara da alimentação relativa à guarda dos filhos, tais requisitos devem ser encarados com algumas ressalvas. Primeiro pois ao se falar do binômio necessidade/possibilidade, em se tratando de filho sob a guarda, essa necessidade é presumida. Tal declaração tem por base a ideia de que, como já citado, a obrigação recai na presunção da mesma nos casos de filiação.
É importante conceituar filiação para se conhecer da ligação existente entre alimentante e alimentado. O ordenamento jurídico aceita alguns casos de filiação, quais sejam, a matrimonial, a extramatrimonial, a adotiva, a jurídica, a biológica e a socioafetiva.
A filiação matrimonial diz respeito ao filho havido na constância do casamento dos pais e oriunda do casamento e presumida deste. É segundo Maria Berenice Dias, a filiação sem muitas complicações, que se pode presumir pelo relacionamento conjugal, sob o contrato do matrimônio[27].
A filiação extramatrimonial é a ocorrida por relação conjugal à parte do casamento. Essa é a que se afigura, segundo as palavras de Fujita como a oriunda da relação que não houve casamento em razão de algum impedimento legal que impeça este vínculo[28]. Não é a ilegalidade do vínculo que torna ilegal a filiação, muito pelo contrário; esta última subsiste para o atendimento da melhor condição ao menor e concretização da situação de fato.
Filiação adotiva é a decorrente ato solene e jurídico no qual sem qualquer relação de parentesco consanguíneo, estabelece-se um vínculo para trazer para sua família, pessoa que inicialmente lhe seria estranha[29].
A filiação jurídica é aquela imposta por presunção, normalmente aferida no curso ou ao fim de um processo para obtenção da mesma. Difere da filiação biológica, qual seja, a verdadeira segundo os critérios antigos, oriunda da relação sanguínea e aferida por meio de exames laboratoriais.
A filiação socioafetiva advém do convívio em sociedade, do afeto e da continuidade de relação tendo as personagens agido em figuras de pai ou mãe e de filhos.
Paulo Lobo[30] salienta, em seu programa de Direito Civil, que com o advento da Constituição em vigência, não há mais que se falar em diferenças entre alimentos de filhos oriundos da relação de consanguinidade ou não. Diz o referido jurista que a diferença entre filhos, existente no antigo diploma civil de 1916, remontava a um preconceito e discriminação que não mais se coadunam com a sociedade atual. Deste modo, para efeitos de concessão de alimentos por meio de decisão judicial, não há mais que se falar em diferenças de tratamento entre um ou outro.
É importante definir também o que ver a ser os alimentos em si e qual sua natureza jurídica. Para Paulo Nader, os alimentos teriam a natureza de vínculo expresso em prestações de natureza periódica que, mediante vínculo familiar ou declaração de vontade, é devida pelo alimentante ao alimentado, aquele que carece, para suprir suas necessidades vitais[31].
Os doutrinadores Cristiano de Farias e Nelson Rosenvald atribuem aos alimentos a natureza jurídica de relação patrimonial de crédito e débito, transmitindo-se em garantia constitucional em sede de relação privada[32].
Aduzem ainda acerca necessidade dos alimentos, de forma a que o detentor da obrigação de alimentar não pode se furtar a fazê-lo, antes que uma obrigação meramente jurídica, mas por uma questão moral, de modo a conferir dignidade[33]:
O pai não pode ser insensível à voz de seu sangue em prestar alimentos ao seu filho menor que, em plena adolescência, não só necessita sobreviver, mais viver com dignidade, não sendo prejudicado em sua educação, nem em seu lazer, pois tudo faz parte da vida de jovem(...)
A obrigação decorrente dos alimentos possui caráter personalíssimo, ou seja, é inato, tal qual o direito à vida, ao nome, às integridades física e moral, não podendo se transmitir para outrem[34].
Outra característica atinente aos alimentos é sua irrenunciabilidade, ainda não pacífica para todos os doutrinadores. Para alguns, a única renúncia permitida seria naqueles alimentos não derivados de relação de parentesco, pois esses pertencem à classe mais íntima, perfazendo o liame mais estrito da relação civil que enseja direitos e obrigações. Sempre se mostrou dessa posição o nobre Bertoldo Mateus, que aduz que a relevância do objeto dos alimentos é tamanho a ponto de não se permitir sua renúncia ou negativa[35].
Paulo Nader salienta outra característica atinente aos alimentos, que vem a ser sua impenhorabilidade[36]:
Indaga-se as dívidas do alimentando, originárias de fornecimento de alimentos, vestuário ou de medicamentos, não poderiam ser satisfeitas, juridicamente, mediante a penhora dos direitos aos alimentos? A Lei civil não faz qualquer distinção, impondo-se a resposta negativa, pois a eventual penhora, atendendo a compromissos pretéritos, poderia privar o alimentando, no presente dos recursos indispensáveis a sua sobrevivência.
3.2 ALTERAÇÕES NA AÇÃO DE ALIMENTOS NO NOVO CPC
Especificamente, no tocante à ação de alimentos sob a égide do novo Código de Processo Civil (Lei nº 16 de março de 2015) o legislador buscou que houvesse consequências mais gravosas para o devedor de alimentos, quando de seu inadimplemento. A segurança dos beneficiários, tendo em vista o cresce aumento do número de beneficiários que ficam sem seus alimentos diante de devedores inadimplentes, fez com que mais árduo fosse o tratamento da prestação alimentar.
Nesse sentido, consequência direta da falta de pagamento, a prisão civil teve sua expressa menção no novo diploma. A prisão civil do devedor de alimentos, já trazida na Constituição em seu art. 5º, inciso LXVII, teve um novo contexto na atuação do recente Código de Processo Civil. Ocorre que, segundo a previsão anterior, o inadimplente de alimentos, ficava sujeito à prisão e os mesmos ainda que presos, não efetuavam o pagamento. Na prática, ela acabava por se tornar meramente coação legislativa, punindo a figura do devedor e de modo indireto o beneficiário de alimentos. A evolução no entendimento dos alimentos, fez com que os juristas entendessem que na relação de prestação de alimentos é exatamente o beneficiário que tem de ser valorizado e a lei utilizada em seu favor de modo a favorecê-lo de modo indiscutível.
O novo CPC, segundo sua própria redação, agora aduz que a prisão civil não afasta o débito alimentar, além de possibilitar o desconto em folha de pagamento na proporção de até 50% do vencimento, um aumento quando comparado à redação anterior.
Além disso, a prisão civil encontra-se destacada como de cumprimento em regime fechado. Esse posicionamento ainda gera muitas discussões entre juristas e especialistas do Direito, muitos entendendo que melhor redação seria a do cumprimento em regime semiaberto, uma vez que a atividade laboral do devedor de alimentos, contribuiria para a satisfação de sua dívida com o beneficiário de alimentos.