Direito Ambiental: atuação do Poder Público numa ciência ainda pouco protegida

12/03/2022 às 23:08
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RESUMO

Trata-se de pesquisa sobre a degradação do meio ambiente e os dispositivos legais que atribuem maneiras de evitar os crescentes danos a este. Examina-se a opinião de vários doutrinadores para se chegar a conclusões sobre como o meio ambiente evoluiu ao longo do tempo e como sua proteção passou a ter preocupação na ordem jurídica. Também se analisa a história do direito ambiental como ciência jurídica autônoma e como sua evolução natural influenciou o cuidado com o meio ambiente. É feita menção da classificação doutrinária dos vários tipos de meio ambiente, como também da maneira como o dano acontece e é percebido pelo sistema jurídico. Neste ponto, compreendem-se as ações judiciais e os procedimentos administrativos para prevenção e reparação da atividade predatória. Salienta os meios de se chegar a um ecossistema saudável e sustentável e dá destaque ao plano diretor como ferramenta apta e justa para se perquirir este ideal que não precisa ser utópico.

Palavras-chave: Meio Ambiente. História do Direito Ambiental. Degradação. Sustentabilidade. Responsabilidade. Plano Diretor.

INTRODUÇÃO

O trabalho a seguir tem como objetivo analisar o meio ambiente nas suas mais variadas formas, buscando entender a problemática do dano ambiental tão presente nos últimos tempos.

Para isso se faz necessária uma observação de como o meio ambiente interfere no crescimento urbano e vice-versa. Serão conhecidos os tipos de meio ambiente, bem como o conceito deste termo, tão criticado por grande parte da doutrina. O crescimento urbano como fator de influência direta e indireta nas mudanças do meio ambiente precisará ser analisado sob o ponto de vista da necessidade e da preocupação, em meio ao mundo globalizado em que as pessoas buscam cada vez mais realizarem esta espécie de urbanização dos grandes centros.

Será importante salientar acerca das normas informativas de direito ambiental. Neste ponto, entender o processo histórico que levou à criação do direito ambiental como ramo autônomo da ciência jurídica será de fundamental valia, uma vez que as normas que hoje compõem o ordenamento brasileiro passaram por diversas transformações ao longo da história. Também compreender o contexto no qual foram tomadas certas medidas de organização das nações pela busca por um futuro melhor por intermédio de um presente sustentável.

O estudo dos princípios que esculpem esta ciência jurídica será imprescindível, já que são os princípios, verdadeiros orientadores do entendimento, da pesquisa e da aplicação no caso concreto por parte do operador do direito.

A compreensão da degradação do ambiente por meio dos danos a que este se expõe e sofre será necessária para entender a parte negativa referentes a essas lesões, bem como saber o porquê das mesmas, quais atitudes ensejam o risco do bem-estar comum. Atrelado a isso, podem ser citados exemplos históricos de inclusões jurídicas de tutela aos direitos difusos, dentre eles a preservação do meio ambiente, quer seja por meio de conferências como a realizada em Estocolmo, ou a evolução do pensamento coletivo no sentido de agregar uma nova série de direitos denominada direitos fundamentais de terceira geração que, como se observará, nada mais é que a efetivação de princípios já existentes no ideal iluminista e nos anseios sociais da revolução francesa, anos atrás.

A degradação do meio ambiente será analisada sob um enfoque global, pois os problemas decorrentes do mau uso da natureza, do consumo predatório e irrestrito e do desenvolvimento perverso ocorrem em várias nações pelo mundo, devendo esta problemática ter um planejamento de cooperação entre os povos, principalmente no que tange ao desenvolvimento estudo do direito ambiental internacional, pois por mais que o globo esteja dividido em territórios políticos, não existe a divisão ambiental; o ecossistema é uma unidade que sofre em si mesmo.

É importante entender como corrigir o mau uso do meio ambiente, ensinando maneiras de se evitar os danos causados pela atuação do homem. Neste sentido, serão traçadas as normas, regulamentos, bem como interpretações doutrinárias dos dispositivos legais que buscam a prevenção (na adoção de práticas antes da concretização do dano) ou a repressão (na diminuição do dano causado e também na responsabilização das pessoas diretamente envolvidas no ato lesivo).

A participação popular no processo de proteção ao meio ambiente sempre deve ser assegurada, pois o povo é o verdadeiro titular do direito coletivo de ter um ecossistema autossustentável. Também pois, a medida que os representantes eleitos pelo povo, devem usar seus cargos para efetivarem a vontade daqueles que os elegeram, a sociedade civil deve sempre buscar uma atitude de perseverança na fiscalização e na requisição de melhores condições para com aqueles que foram escolhidos por ela.

Questão importante que aparece nesta seara é a colisão de direitos fundamentais, vista por alguns autores como suposta colisão, à medida que uma interpretação da lei de forma mais minuciosa seria apta a sanar o entendimento incorreto. São questões aparentemente complicadas, como a aparente colisão entre o direito de propriedade e o direito a um meio ambiente saudável e digno pautado na possibilidade de realização de atitudes reparadoras como a desapropriação, mas que um estudo dado sob enfoques positivos pode esclarecer eventual dúvida.

Por fim, a necessidade de entendimento, pesquisa e explicação de um plano diretor remete a uma clássica frase interrogativa de se seria esta junção uma utopia ou uma opção viável a um futuro sem os problemas ambientais tais quais ocorridos no passado.

É necessário conhecer até que ponto pode ir a atuação do Poder Público em sua política de atuação para desvendar o que é deixado de fazer por negligência, o que se torna incompleto por inexistência de previsão legal e o que se faz de maneira desleixada por contar com uma máquina administrativa sucateada e manejada por pessoas incapazes de estarem ali e que cuja determinação não decidem submeter a operadores da ordem jurídica e ambiental especializados no assunto.

1 CONCEPÇÃO DO MEIO AMBIENTE E CRESCIMENTO URBANO

1.1 Conceito de meio ambiente

Para a conceituação dos efeitos necessários de serem entendidos quanto ao meio ambiente, é indispensável se aprender sobre o que é o próprio meio ambiente, como conceitua-lo, sua importância, e como se deu o estudo e tutela do mesmo por ramo do Direito.

Meio ambiente pode ser definido, de modo lato, como a composição de todas as coisas que compõem a Terra, vivas ou não vivas, e que nela afetem o ecossistema e a vida dos seres humanos. Do ponto de vista da ecologia, o meio ambiente pode ser conceituado como a visualização do meio animado ou não que têm influência no organismo; seria o elo entre o ambiente e os organismos que o integram.

O meio ambiente como termo apto a designação que aqui se objetiva, foi proposto inicialmente pelo naturalista e zoólogo francês Étienne Geoffroy Saint-Hilaire[1], em seu livro Études progressives dum naturaliste, que em 1835, trouxe a expressão milieu ambiance.

Como conceito geral, o meio ambiente engloba todo o conjunto de unidades ecológicas que agem como um sistema natural, incluindo rochas, plantas, organismos e fenômenos naturais.

Certo é que há na definição de meio ambiente um erro muitas vezes difundido pela mídia em criar um pensamento coletivo de que o mesmo se refere a preservação de alguns animais e a uma ideia de um romantismo utópico envolvendo o homem e a natureza. Não é isso. O meio ambiente tem de ser visto sob seu enfoque político e social, como carga presenta na vida do ser humano e, não como a salvação ideal de uma ideia mais verde.

A doutrina majoritária é praticamente uníssona em afirmar que, lexicograficamente, a expressão meio ambiente está errada, ou ao menos, equivocada. Isso porque nos dicionários mais confiáveis, tanto a palavra meio, como a palavra ambiente são sinônimos e deste modo representariam verdadeira redundância.

É este o pensamento de Carlos Roberto Gonçalves[2] ao citar as dificuldades que o termo pode trazer para a sua correta e mais completa compreensão:

(...) a palavra ambiente indica o lugar, o sítio, o recinto, o espaço, que envolve os seres vivos ou as coisas. A expressão meio ambiente embora redundante (porque a palavra ambiente já inclui a noção de meio), acabou consagrada entre nós.

Em outros países, o nome dado ao instituto é diversificado. Na França, o termo usado é milieu, cuja tradução é meio social; na Inglaterra o termo é environment, e na Alemanha, Umwelt, em ambos significando apenas ambiente.

No Brasil, o termo meio ambiente restou sendo eternizado pela Lei nº 6.938 de 1981, a lei sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. A referida lei conceituou o meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Essa definição tornou por ampliar o conceito, para um que englobe de sobremaneira o jeito como o meio ambiente é compreendido. Conforme preleciona Bessa Antunes[3], a complexidade do que é englobado pelo meio ambiente não pode ficar restrita a termos simples e causais, como aduz o mesmo acerca do tema:

(...) [o meio ambiente é] um bem jurídico autônomo e unitário, que não se confunde com os diversos bens jurídicos que o integram. Não é um simples somatório de flora e fauna, de recursos hídricos e recursos minerais. Resulta da supressão de todos os componentes que, isoladamente, podem ser identificados, tais como florestas, animais, ar etc. Meio ambiente é, portanto, uma res communes omnium, uma coisa comum a todosque pode ser composta por bens pertencentes ao domínio público ou privado.

Com a Constituição de 1988, o termo meio ambiente foi utilizado para conceituar tudo aquilo que existe ou é relacionado ao ecossistema. Pode-se dizer, neste sentido, que a Carta Magna visou trazê-lo como válvula integradora de um sistema, envolvendo a sociedade em si, e cuja preservação, além de ser de extrema necessidade, torna-se necessária para o conjunto em questão.

1.2 Tipos de meio ambiente

O jurista José Afonso da Silva[4], em seu Direito Ambiental Constitucional, traz a divisão doutrinária do meio ambiente que pode servir de ponto início para o estudo de seus tipos:

[o conceito de meio ambiente é] abrangente de toda a natureza, o artificial e original, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arquitetônico.

Pode-se dividir, o meio ambiente, quanto ao objeto do estudo, em três tipos principais, a saber: o meio ambiente natural, o meio ambiente artificial e o meio ambiente cultural.

Meio ambiente natural (ou físico, para alguns doutrinadores), é o constituído pela relação entre os seres vivos e o ambiente que os rodeia. Seria composto por recurso naturais como a água, o solo, o ar, a fauna e a flora. Na visão de alguns autores, o meio ambiente natural é aquele formado pela natureza em sua forma mais original e primitiva.

Deve ser salientado que alguns doutrinadores informam que, nesse sentido, não é o meio ambiente natural, ao contrário do que se imagina, aquele intocável pela força humana. Pelo contrário, o objeto de observação no caso deve ser a substancialidade que, mesmo quando tocada pelo ser humano, mas não alterada em substância, permanece do meio ambiente natural.

Explica-se, no exemplo de uma floresta derrubada pelo homem há logicamente a participação do homem num meio originalmente natural. Entretanto, não obstante a essa ação, a floresta que se reerguerá no mesmo local continua sendo do meio ambiente natural.

Outra definição importante deste meio ambiente é a trazida pelos juristas Fiorillo e Rodrigues[5] que dissertam que o meio ambiente natural:

[é o formado] pelo solo, pela água, pelo ar atmosférico, pela flora, pela fauna, ou em outras palavras pelo fenômeno de homeostase, qual seja, todos elementos responsáveis pelo equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e o meio em que vivem.

Esse tipo de meio ambiente é tutelado pela Constituição em seu art. 225, caput e no §1º, em seus incisos I e VII.

O meio ambiente artificial deve ter o entendimento relacionado à observação se ele foi formado por ocorrências normais da natureza ou se são resultados da interferência humana.

Muitos autores ao se referirem ao meio ambiente artificial, o chamam de espaço urbano construído. Não se deve, entretanto, confundi-lo e acha-lo sinônimo de cidade; o meio ambiente artificial também existe em zonas rurais. Neste sentido, incluem-se as casas, edifícios, asfaltos, substâncias apenas adquiríveis em laboratório e outras. Pode-se entender também como tudo aquilo que não se possa conseguir, caso não haja a influência direta do ser humano. Nas palavras de Celso Antônio Fiorillo[6]:

(...) o meio ambiente artificial é compreendido pelo espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações (chamado de espaço urbano fechado), e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto). Dessa forma, todo o espaço construído, bem como todos os espaços habitáveis pela pessoa humana compõem o meio ambiente artificial.

Muita discussão acabou por provocar a dúvida se haveria suporte legal de tutela quanto ao meio ambiente artificial. Isso porque a Constituição não fala expressamente neste tipo de meio ambiente quando se refere à tutela daquele que compreende o natural. É, no entanto, pensamento da doutrina mais atuante, o no sentido de que tacitamente o meio ambiente artificial foi igualmente tutelado pela Lei Maior.

Nesse sentido, é que não pode haver desvinculação do meio ambiente artificial ao conceito de vida saudável e digna. Deste modo, pode-se dizer que o apreço da Constituição Federal a este tipo de meio ambiente se dá de modo mediato e imediato. De forma mediata, o direito à vida tutelado no art. 5º, caput; bem como o direito à vida com qualidade, expresso no art. 225; também ao estabelecer a competência para legislar acerca do meio ambiente, no art. 24. De forma imediata, a proteção existe conforme expresso nos arts. 21, XX e 182.

O meio ambiente cultural já foi confundido antigamente como sendo meio ambiente artificial, mas com o tempo, devido à importância que adquiriu e à visibilidade, acabou por tornar-se um tipo autônomo e de estudo diferenciado. Essa é inclusive a leitura do art. 23, III e do art. 24, todos da Constituição Federal. O art. 216 do referido diploma constitucional também aduz a proteção a este tipo patrimônio.

Pode ser conceituado como o patrimônio histórico, artístico, paisagístico, ecológico, científico e turístico. É constituído por bens cuja natureza seja material ou imaterial. Como exemplos de bens de natureza material pode se falar em documentos, locais e objetos de importância para a cultura nacional, e como exemplos de bens de natureza imaterial podem ser citados os idiomas, os cultos religiosos, as danças, a música, entre outros.

O meio ambiente cultural ganhou dois grandes tipos de proteções na tutela que recai sobre ele no ordenamento jurídico brasileiro. O primeiro se deu em 1937 com a elaboração do Decreto-lei nº 25 que regulamentou o tombamento ambiental. Nas palavras de Sirvinkas[7] o tombamento é:

O instrumento jurídico de proteção do patrimônio histórico, artístico, cultural, arqueológico, paisagístico e natural. Entende-se por tombamento como sendo a restrição administrativa realizada pelo Estado em face do interesse da cultura e da proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, proibindo demolição ou modificação de prédios tidos como monumentos históricos e exigindo que seus reparos obedeçam a sua caracterização.

Outra proteção abarcada pelo meio ambiente cultural no ordenamento jurídico brasileiro foi a elaboração do Decreto-lei nº 3551 de 2000, que dispõe acerca do Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e a criação do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial. Com o referido programa, houve a viabilização de projetos para a identificação, o reconhecimento, a salvaguarda e a promoção do patrimônio cultural brasileiro em sua face imaterial.

Fala-se também em meio ambiente do trabalho, nomenclatura esta de inclusão mais recente na doutrina brasileira, podendo ser conceituado como o ambiente de desenvolvimento de atividades laborais, remuneradas ou não. É importante salientar que o meio ambiente do trabalho não fica ligado apenas ao espaço geográfico da execução de tarefas, mas que compreende todo o meio relacionado a tarefa do trabalhador, bem como englobando a salubridade apta e necessária a conferir-lhe uma atividade digna e saudável. Não se irá aqui perquirir as particularidades deste meio ambiente, uma vez que suas propriedades não estão no cerne da pesquisa desenvolvida, qual seja, a da definição de meio ambiente e de propostas para salvá-lo em caso de degradação, e a necessidade de um plano diretor. Entretanto, merece análise e atenção o fato de que os tipos de reparações a outros meio ambientes, como os supra estudados, inferem-se de maneira apta a reparar degradações que importem em danos ao meio ambiente do trabalho.

1.3 Crescimento urbano

A maneira como o ser humano se comporta com a natureza, é fonte de maior influência no objeto de estudo do meio ambiente. Por este motivo, dados como crescimento populacional, ocupação de áreas de preservação ambiental e urbanização são de vital interesse.

Na história do direito ambiental no Brasil, o processo de urbanização se destaca como o que maior afeta a natureza e desestrutura o equilíbrio original do ecossistema. Urbanização é o processo de aumento da população em regiões urbanas, em contraste quanto comparado com a população do meio rural.

No Brasil, até a primeira metade do século XX, o país tinha uma população predominantemente rural, isto é, a maior parte de seus habitantes moravam longe dos grandes centros. Após o término desta primeira metade, com os avanços econômicos que o país observou, enquanto crescia, houve uma migração paulatina, até que mais da metade da população brasileira já vivia em centros urbanos. Esse processo de urbanização se deu muito também por causa da política desenvolvimentista realizada por Juscelino Kubtischek a partir do ano de 1956.

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O êxodo rural também é justificado pela implementação de fábricas e usinas em meio urbano, atraindo os trabalhadores a fixarem moradias próximas aqueles lugares. O comércio agrícola, frente às grandes empresas, foi ao pouco deixando de ser rentável.

Essa movimentação foi tamanha que, segundo pesquisas, em 1940, a população urbana do país representava 30% do total de habitantes, ao passo que em 2005, a população brasileira em centros urbanos já era da ordem de 85% do total.

O especialista em Direito Ambiental Edésio Fernandes[8] comenta bem a relação entre urbanização e impacto ambiental e como a falta de previsão de ambas as coisas contribui para um futuro com um ecossistema desequilibrado:

[a urbanização] intensiva no Brasil, sem o cuidado de se imaginar como o meio ambiente a assimila e o homem trata esse crescimento é extremamente nociva. A ordem sócio-econômica passa a ter novo desenho, entratanto, os impactos ambientais desse processo podem ser comparados ao de verdadeiras catástrofes naturais. E o problema só tende a se agravar, vez que a vida em áreas metropolitanas parece ser uma tendência cada vez mais influente no cenário urbanístico nacional.

Deste modo, a saída de pessoas das partes mais afastadas e rurais, para os centros urbanos acaba por acarretar inúmeras alterações no processo de desenvolvimento de uma cidade.

Deve ser compreendida a relação entre urbanização e desenvolvimento sustentável, entender suas causas e consequências. As principais causas que levam a mudança de vida dos povos do ambiente rural para os grandes centros residem na industrialização, na falta de condições do campo e na atratividade das grandes metrópoles.

A industrialização opera efeitos à medida que muda o ambiente das grandes cidades, mas também da vida no campo; as diversas fábricas e indústrias localizadas em locais distantes e de fácil disponibilidade de matéria prima, acaba por urbanizar certos locais, não sendo nem necessária a ocorrência do êxodo para o processo de urbanização.

A falta de condições no campo é refletida no pouco incentivo agrícola e na precariedade de políticas que fomentem a vida no campo. Com a mudança climática forte dos últimos tempos, diversas regiões que sobrevivem do plantio, têm sofrido com a seca e, por este motivo, muitas famílias, na esperança de futuros melhores buscam os grandes centros nas metrópoles mais habitadas.

Como fenômeno social, a urbanização também acarreta em consequências problemáticas quando não há por parte do poder público uma política sistemática de desenvolvimento urbano. Como consequências deste tipo, podem ser citados o crescimento caótico das metrópoles, a falta de infraestrutura adequada, o transporte coletivo deficitário e o aumento da desigualdade social com a saturação dos setores de trabalho.

Conclui-se que o processo de urbanização é um fato presente e constante na realidade social brasileira. E não há, na ordem social mais atual, resquícios que levem a se crer numa mudança. Deste modo, é importante que haja políticas públicas para que esta migração ocorra de modo ordenado e sem atrapalhar qualquer dos tipos de meio ambiente imprescindíveis para um ecossistema equilibrado.

2 NORMAS NORTEADORAS DO DIREITO AMBIENTAL

2.1 A criação do Direito Ambiental

O direito ambiental demorou para que pudesse se firmar como ciência jurídica, ramo autônomo no meio do ordenamento jurídico brasileiro. O mais adequado a se dizer sobre sua formação é que a mesma se deu paulatinamente, à medida que os anseios sociais necessitavam.

É bem verdade que a maior parte das disposições jurídicas, independente das áreas a que se relacionem, só surgem por meio de um processo de empirismo. É a atividade empírica, ou seja, a experiência baseada em casos anteriores, que leva à previsão ou à necessidade de evitar um prejuízo. E não ocorreu diferente com o direito ambiental.

Antes que existisse como ciência jurídica, o meio ambiente já tinha direitos tutelados, com base na degradação que ocorria em certas áreas por conta do povoamento cada vez maior das cidades. Terminologicamente falando, podem ser conceituadas três fases distintas na criação do direito ambiental nesse contexto histórico.

A primeira fase, também chamada de fase fragmentária, é definida como o período entre a entrada dos portugueses em território nacional e o início da década de 1930. As Ordenações Afonsinas do século XV inspiraram claramente as Ordenações Manuelinas a partir de 1521. Naquela época, alguns problemas que ocorriam com a natureza em Portugal, foram estendidos para território brasileiro. Essa pode ser considerada a primeira proteção a nível ambiental, ainda que nível natural, mas primeira existente no Brasil. A exemplo de atitudes repressoras da degradação do meio ambiente, podem ser citadas a preservação das abelhas em caso de comercialização das colmeias, e a caça de alguns animais com instrumentos cruéis.

Durante o período das Ordenações Filipinas, houve por parte de Portugal uma preocupação com lagos e rios, com o impedimento de que substâncias tóxicas fossem jogadas nestes locais ocasionando a morte de peixes e outros animais, bem como tornando a água impura para o uso.

O corte ilegal de madeira e os desmatamentos criminosos, bem como incêndios da flora, foram proibidos com a edição do Código Criminal de 1830 e com a elaboração da lei nº 601 de 1850. Ainda existia uma falta de interesse com a questão ambiental, sendo protegidos apenas os casos que importavam em risco para os bens da coroa portuguesa ou para os latifundiários a ela pertencidos. Era certo que o direito ambiental, naquela época, ainda não alcançava o status de interesse difuso e coletivo que hodiernamente apregoa e defende.

A segunda fase, iniciada na década de 1930, é chamada também de fase setorial e se destaca pelos primeiros dispositivos legais de maior controle da questão ambiental. O código civil de 1916 serviu de precedente às normas que se seguiriam após sua edição. Assim é que o estabelecimento do controle federal durante aquela década passou a se dar de modo mais completo e sistematizado. Neste sentido, a Revolução de 30, que culminou na união dos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul para pôr fim à República Velha no Brasil foi o fator preponderante na legislação ambiental que se esboçava a partir daquele instante.

Deste modo que percebe Ricardo Toledo[9] em seu livro Crise socioambiental: Estado e sociedade civil no Brasil ao retratar em que aspectos as primeiras décadas do século XX em terras tupiniquins influenciaram no que tange ao controle e preservação ambiental:

(...) regulação pública sobre recursos naturais no Brasil nasceu da coalização de forças políticas industrialistas, classes médias e operariado urbano que deu origem à Revolução de 30 e do modelo de integração (nacional e societária) daí decorrente.

Vários marcos nesse processo de positivação ambiental podem ser citados na primeira metade do século XX neste contexto. Assim é que a fauna, a flora e as águas passaram a serem regidas cada uma por legislação específica e diferenciada. Também o Regulamento de Saúde Pública, regido pelo Decreto nº 16.300/1923, passou a disciplinar pela primeira vez de modo mais claro a questão do meio ambiente artificial, constituído por vias e estruturas dentro das cidades.

Os códigos de Águas e de Pesca, ambos de 1938, bem como o Código de Caça, de 1943 deram novos ares à proteção da flora e fauna no Brasil naquela época. Essas ideias precederam o Código de Minas e o Código Florestal, de modo que os principais tipos de meio ambiente, já se encontravam, àquela época, tutelados, ainda que parcamente, por dispositivos legais.

Houve também a criação de órgãos ligados a União que fizeram com que essa função de prevenir e reprimir os danos ao meio ambiente passasse a ser descentralizada, com cada órgão, apesar de ligado a uma estrutura central, mas tendo total autonomia e independência para a realização de seu trabalho.

É interessante salientar que com a República Nova, os direitos coletivos passaram a tomar nova forma no Estado que se desenvolvia e evoluía. Isso porque o Brasil passava, no período pós confrontos com outras nações sul-americanas, a uma época de paz e crescimento com o avanço da atividade econômica. Deste modo, passava a se assemelhar a outras nações europeias que já há alguns anos buscavam essa estabilização. Assim, a fixação do capitalismo e a prosperidade deste modelo econômico, deu à nação a possibilidade de crescer e, o desenvolvimento de agricultura mais sistematizada, bem como a criação de novas cidades em locais antes inabitados, criou a urgência pela tutela da natureza que começava a ser violada (meio ambiente natural), bem como a tutela da sociedade que se estabelecia (meio ambiente artificial.

A partir da segunda metade do século XX, várias ocorrências globais contribuíram para que houvesse um novo meio de se pensar a questão ambiental. A divulgação de dados como o aquecimento global em curso, bem como a tragédia com vazamentos de petróleo tornou premente a busca por uma preservação ambiental.

Desta forma, a partir da década de 1980, o Brasil englobou várias legislações cada vez mais específicas tratando o meio ambiente de maneira global e integrada. É o que a doutrina chama de fase holística do meio ambiente, na qual este passa a ser encarado de modo mais amplo, passando-se a ter uma consciência de todo o meio como parte integrante de um ecossistema comum e interligado. Parte dos estudiosos conceitua esta fase como uma fase que deixa de lado o antropocentrismo no trato com a natureza, não tendo o homem como centro da proteção, mas sendo o mesmo parte participativa de um globo maior que compreende outras espécies e tipos naturais.

Esta visão não antropocêntrica é a mesma aduzida pelo teólogo e naturalista Boff[10], que ensina o uso de uma ecologia integral, não focada apenas em partes mais significativas no individualismo, mas tendo um processo de pensamento e preocupação geral:

(...)a ecologia integral - parte de uma nova visão da Terra. É a visão inaugurada pelos astronautas a partir dos anos 60 quando se lançaram os primeiros foguetes tripulados. Eles vêem a Terra de fora da Terra. De lá, de sua nave espacial ou da Lua, como testemunharam vários deles, a Terra aparece como resplandecente planeta azul e branco que cabe na palma da mão e que pode ser escondido pelo polegar humano. Daquela perspectiva, a Terra e seres humanos emergem como uma única entidade. O ser humano é a própria Terra enquanto sente, pensa, ama, chora e venera.

A Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) foi um marco em reconhecer a importância deste para uma vivência digna e sustentável em sociedade. A Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) disciplinou um tipo de ação para a proteção dos direitos coletivos e difusos, sendo a primeira previsão mais consistente que previsse a intervenção do Poder Judiciário nas causas concernentes ao meio ambiente.

2.2 Princípios do Direito Ambiental

Para análise do Direito Ambiental como ramo autônomo, ciência jurídica, é indispensável saber quais as cláusulas basilares que norteiam todo o estudo no geral. O entendimento dos valores tutelados por um sistema jurídico necessita de circunstâncias a partir das quais haverá ação de influência neles. A essas circunstâncias se chama fontes do Direito. Doutrinariamente, as fontes mais próximas ao direito tutelado são a lei, os costumes, a jurisprudência, os tratados, as convenções, a própria doutrina e os princípios.

Os princípios, do latim principium, tem sua origem lexicográfica relacionada com origem ou primeiro. E é exatamente essa a definição que se aplica no estudo dos mesmos. São nas palavras de Godinho Delgado[11]:

Em qualquer das dimensões do fenômeno jurídico (sua estrutura, seus valores e fins, sua operação concreta), os princípios cumprem papel fundamental. De fato, eles compõem o Direito, ao lado das regras e dos institutos jurídicos. Sua presença na estrutura do ordenamento jurídico é, hoje, inquestionável, embora se caracterizando os princípios por funções múltiplas e concorrentes, e não a exclusiva função normativa. São os princípios também, efetivamente, no quadro valorativo e finalístico, que caracterizam essa produção cultural humana (o Direito), o elemento de maior destaque na incorporação dos valores e fins mais essenciais à vida e convivência sociais. Os princípios têm dimensão valorativa acentuada, por sua própria natureza e ainda por se concentrarem nos valores de maior perenidade na história social e naqueles que alcancem maior consistência e legitimidade cultural em um dado momento histórico.

É consentimento de parte atuante da doutrina a ideia de que os princípios são a fonte mais importante do sistema jurídico, pois, além de servirem como base de interpretação do caso em concreto, ainda influenciam a criação das outras fontes. Ou seja, uma vez estabelecidos os princípios que alicerçam determinada ciência jurídica, submetem-se a eles todas as outras disposições referentes à mesma ciência.

Em sua Teoria do Ordenamento Jurídico, o grande filósofo político Norberto Bobbio[12] deu um tratamento ainda maior da definição de princípios.A obra, muito conhecida no meio jurídico, tem papel importante na definição jurídica de termos e na análise conceitual de como se encarar um rumo do Direito em crescimento.

Segundo o ilustre, os princípios devido a tamanha importância que ocupam na análise da problemática jurídica, poderiam até serem chamados de normais, ao contrário da nomenclatura que acaba por deixá-los até de modo distante da ciência jurídica. Em suas palavras:

Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha questão entre juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo que servem as normas. E por que não deveriam ser normas?.

Em sede de Direito Ambiental, os princípios têm quatro funções básicas na condução do estudo dessa ciência jurídica. Primeira função é a compreensão do Direito Ambiental como ramo autônomo e independente quanto a sua criação, relativamente aos outros ramos no sistema jurídico.

Outra função que pode ser destacada é a compreensão de todas as normas jurídicas que compõem a legislação ambiental, e a visão das mesmas tendo coerência e pertencendo à mesma unidade. Pode-se dizer também que os princípios também propiciam a que se veja como a proteção ambiental ocorre na prática, segundo a legislação que a positiva. Por último, função a ser salientada é a da interpretação que decorre dos enunciados propostos pelos princípios, sendo esses orientadores de cada caso.

Não há um consenso na doutrina acerca de uma ordem exata dos princípios do Direito Ambiental, sendo assim há princípios que aparecem para alguns autores e para outros não. O mais certo é que há uma ideia geral sobre alguns enunciados que podem ser expressos nos princípios que serão analisados a seguir.

2.2.1 Princípio da Prevenção

O principal corolário da defesa de um meio ambiente saudável e sustentável, o princípio da prevenção encontra previsão no caput do art. 225 da Constituição Federal. Mas antes de a Carta Magna brasileira fazer sua previsão legal, pode-se dizer que a mesma se inspirou na Declaração Universal sobre o Meio Ambiente de 1972, quando dispôs que a todo Estado deveria caber uma política pública de se evitar o descarte de substâncias tóxicas em locais inviáveis, ou a produção de calor em níveis superiores do que a natureza aguenta a retenção.

É o principal dos alicerces no estudo do Direito Ambiental e ilustra toda a sorte de leis específicas ambientais. Pode ser sentido também sob o enfoque prioritário, uma vez que o ditado popular já dizia é melhor prevenir que remediar. No meio ambiente, principalmente, uma vez que há danos cujo remédio inexiste. Cite-se por exemplo o caso de uma grande área florestal desmatada, cujo replantio pode ser feito e a reparação efetuada ao longo de alguns anos, entretanto, uma petroleira que despeja grande quantidade de óleo no mar ou o desastre numa usina nuclear, não terão formas aptas de reparação deste dano, mesmo com a passagem de muitos anos.

Salientando que a reparação é de difícil eficácia em alguns casos no Direito Ambiental, o doutor em Direito Marcelo Abelha Rodrigues[13] traduz bem o conceito do princípio da prevenção:

Sua importância está diretamente relacionada ao fato de que, se ocorrido o dano ambiental, a sua reconstituição é praticamente impossível. O mesmo ecossistema jamais pode ser revivido. Uma espécie extinta é um dano irreparável. Uma floresta desmatada causa uma lesão irreversível, pela impossibilidade de reconstituição da fauna e da flora e de todos os componentes ambientais em profundo e incessante processo de equilíbrio, como antes se apresentavam.

A prioridade na ordem jurídica quanto ao cuidado com o meio ambiente deve ser dada com vistas à prevenção, tornando a reparação apenas presente em casos em que não pode se evitar a ocorrência do dano.

Para ações de ordem prática referentes ao princípio da prevenção, podem ser destacadas medidas como a necessidade de licenciamento e estudo prévio que assegure a não danificação do meio ambiente, bem como o benefício que traz ao meio ambiente artificial (e natural também) a criação de um plano diretor que discipline e organize a formação de uma cidade com vistas a evitar o mesmo tipo de impacto.

2.2.2 Princípio da Precaução

O princípio da precaução foi criado pelos gregos há muitos anos. No mundo contemporâneo encontrou como primeiro local de aplicação mais efetiva a Alemanha da década de 1970, onde era chamado de Vorsorge Prinzip, literalmente princípio da precaução. Já em 1999, a Bergen Conference ocorrida nos Estados Unidos, que procurava estipular normas de ordem ambiental para evitar os danos que já se tornavam claros em estudos por todo o mundo, trouxe em uma frase uma definição muito completa deste princípio ao falarem que é melhor ser grosseiramente certo no tempo devido, tendo em mente as consequências de estar sendo errado do que ser completamente errado muito tarde.

A atuação mais explícita do princípio da precaução se traduz na ideia de que são vedadas as intervenções no meio ambiente, exceto se houver a prova, a certeza, de que tal intervenção não acarretará em dano. É importante salientar que o princípio da precaução estabelece uma mentalidade completamente oposta do que ocorria quanto a meio ambiente até a segunda metade do século XX. Isso porque até então, o homem usava indiscriminadamente os recursos naturais, priorizando apenas sua própria vontade. A partir da adoção de um princípio da precaução, o pensamento passa a ser contrário, ou seja, ainda que haja necessidade de uma obra, construção ou trabalho em ambiente natural, esta só poderá ocorrer caso haja a clara noção de não haverá dano.

Por estipular um princípio que acontece por antes da lesão do bem jurídico tutelado, o princípio da precaução é por muitas vezes confundido com o princípio da prevenção, sendo na visão de muitos autores inclusive o mesmo tipo de princípio.

O doutor em Direito Paulo Affonso[14] tem uma definição muito clara do que vem a ser e como se aplica o princípio da precaução nas relações na sociedade:

A precaução age no presente para não se ter que chorar e lastimar o futuro. A precaução não só deve estar presente para impedir o prejuízo ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou omissões humanas, como deve atuar para a prevenção oportuna desse prejuízo. Evita-se o dano ambiental através da prevenção no tempo certo.

É certo que tal confusão é ainda asseverada tendo em vista que os dispositivos na Política Nacional de Meio Ambiente utilizados para expressar o princípio da precaução são os mesmos citados para expressar o princípio da prevenção, ou seja, a própria confusão legal levou a uma confusão doutrinária nesse sentido.

Entretanto, uma análise mais detalhada mostra que há nuances que permitem que ambos os princípios sejam vistos de modo diferenciado, ainda que a ideia de anterioridade subsista. Primeiro que no princípio da prevenção há uma certeza científica sobre o dano, ou seja, segundo ele são tomadas as medidas para a prevenção do evento danoso; já no princípio da precaução, não há certeza de que o dano não irá existir, então utiliza-se por cuidado de não haver a demandada interferência.

Pode ser salientada outra diferença interpretativa entre ambos os princípios, a ideia de que, seguindo o princípio da prevenção, a intervenção no meio ambiente ocorrerá desde que medidas que evitam os danos sejam tomadas, ao passo que de acordo com o princípio da precaução, a referida intervenção não será realizada, atendendo-se ao brocado in dubio contra projectum ou in dubio pro meio ambiente.

Outros autores têm uma visão do princípio da precaução de modo mais completo na ordem jurídica ambiental, aduzindo que este completa a noção do princípio da prevenção.

2.2.3 Princípio do Poluidor-Pagador

Várias disposições legais na ordem jurídica brasileira internalizaram o referido princípio. A lei da Política Nacional de Meio ambiente e o §3º do art. 225 da Constituição Federal são alguns exemplos brasileiros, assim como internacionalmente a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico e a Declaração de Estocolmo.

De um modo geral, o princípio do poluidor-pagador estabelece que quem explora do meio ambiente deve arcar com seus custos. O avanço conquistado com este princípio foi imenso, pois pela primeira vez de uma maneira efetiva, se buscou impor a responsabilidade a quem de fato cometera o dano.

Ao procurar a responsabilização mais eficaz daquele que efetivamente poluiu, o princípio do poluidor-pagador não objetiva apenas o encargo financeiro de quem causou o dano, mas acaba servindo de fonte para que a figura que explora o meio ambiente se policie para evitar problemas e consequente culpa. Tem-se com isto que o princípio do poluidor-pagador tem três funções primordiais, a de reparação, a de prevenção e a de internalização de valores ambientais.

É importante salientar, nesse sentido, que não se está trocando o dano por uma compensação pecuniária, mas objetivando-se uma educação das pessoas relacionadas com a exploração do meio ambiente. Segundo as palavras de Toshio Mukai[15]:

Se o que está em causa é prevenir, interessa, sobretudo a regulamentação das atividades potencialmente lesivas do ambiente, antes que a lesão ou até o perigo de lesão tenha lugar. Um direito repressivo ou sancionatório aparece normalmente depois do mal feito com a irremovibilidade do dano respectiva.

Salienta que não se está autorizando a poluição, pelo contrário, o que objetiva é a real e mais específica imputação de responsabilidade no caso em concreto. O meio ambiente (independentemente do tipo a ser observado) possui um titular que é a coletividade, e à parte dos prejuízos ambientais que toda a sociedade acaba por sofrer, seria imensamente injusto que esta também arcasse com os custos para reparo ou prevenção. Em outros termos, a busca é por se evitar a privatização dos lucros em detrimento da socialização do prejuízo dentro de uma determinada atividade econômica.

A ideia de escassez dos recursos naturais reflete em muito na aplicação deste princípio, uma vez que o uso indiscriminado dos mesmos leva a um regime de falta de recursos que atinge a todos, principalmente aqueles que nada tiveram de participação na atividade que lesou o ambiente.

2.2.4 Princípio da Responsabilidade

Princípio correlato ao do poluidor-pagador, o princípio da responsabilidade impõe com que arquem pelos custos da compensação os responsáveis pelo ato lesivo. Os efeitos acabam gerando certa semelhança entre ambos os princípios, confusão esta muito comum por grande parte da doutrina de direito ambiental, que não os relaciona individualmente.

Entretanto, percebe-se que há uma frágil, porém, importante diferença entre os dois. Enquanto o princípio da responsabilidade objetiva a imposição do ônus, o do poluidor-pagador, a princípio visa agir como método coercitivo em, portanto, voltado à educação, contra a lesão ao meio ambiente. Mesmo pensamento agrega à doutrina de direito ambiental o professor Paulo de Bessa Antunes[16], que assim reitera:

(...) o elemento que diferencia o Princípio do Poluidor Pagador da responsabilidade tradicional é que ele busca afastar o ônus do custo econômico das costas da coletividade e dirigi-lo diretamente ao utilizador dos recursos ambientais.

Por fim, deve ser compreendido que, pela natureza ampla da proteção que os vários tipos de meio ambiente requerem, assim de mesma maneira tem que se dar sua responsabilidade, quando possível atingindo as esferas penal, civil e administrativa, para que além da punição, sirva como exemplo para que sejam evitadas futuras e vindouras lesões.

2.2.5 Princípio da Gestão Democrática

O princípio da gestão democrática, como o próprio nome sugere, incute na sociedade a justiça ao viabilizar a participação da sociedade nas questões deliberativas acerca dos bens a ela relacionados. Visa então, o acesso, por parte do povo, às informações, bem como à participação na criação de políticas públicas ambientais. Deste modo, ao povo, deve ser assegurada a relação aos mecanismos judiciais de modo que este esteja apto a produzir efeitos nas decisões que por meio do judiciário se conseguir extrair.

O que se busca nessa questão, nada mais é que um tipo de democracia participativa, uma vez que este é o próprio princípio basilar de nossa república, já que como reza a Carta Magna, todo o poder emana do povo, que constitui a res publicae por meio de representantes escolhidos pelo próprio povo em seu direito sagrado de voto. É a indicação de qualquer procedimento adotado pelo Poder Público também.

O voto não extingue em si a participação popular, pelo contrário; ele é uma ferramenta que materializa o direito de escolha, não obstante a participação popular perdure todo o tempo da representação advinda do processo eleitoral. Visão similar tem Odete Medauar[17] ao comentar o princípio da gestão democrática:

(...) não se pode mais supor que somente pelos votos recebidos o governante adquira, de modo automático, a capacidade de conhecer o que a população aspira nesta ou naquela questão.

Pode-se dizer que referido princípio coaduna com a própria criação do ramo do direito ambiental, ao passo que este tornou por ser resultado de inúmeros movimentos sociais que exigiam uma política de melhor controle do meio ambiente.

Exemplifica-se a atuação do princípio da gestão democrática com ações como a Ação Civil Pública ou o Mandado de Segurança Coletivo, já que esses são mecanismos de questionamento pelo povo de atitudes do Poder Público que aquele julgue estar em desconformidade e que podem repercutir negativamente no meio ambiente.

Para a correta aplicação do princípio da gestão democrática é necessário que sejam adotadas políticas públicas que procurem educar o povo cada vez mais, porque em termos de ordenamento jurídico, o conhecimento do povo acerca do diploma legal ainda é muito precário e distante de qualquer entendimento sobre defesa de direitos.

Quando dispõe sobre ser dever da coletividade proteger e defender o meio ambiente em seu art. 225, caput, a Constituição Federal consagra o princípio da gestão democrática.

A lei da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) também o faz, conforme sugere a leitura atenta de seu art. 2º, I.

O CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) possui diversas resoluções que traduzem este princípio, podendo-se citar o art. 20, da resolução 237/97, que fala da participação da sociedade civil em conselhos deliberativos para que haja exercício de competência para licenciar, bem como o art. 2º da resolução 9/87 prevê a necessidade de realização de audiência pública quando em processo administrativo também de licença houver requisição por parte de entidade civil ou por parte da reunião do número de cinquenta cidadãos interessados.

Também o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) trata da gestão democrática ao assinalar que a política urbana deve ter como alvo o desenvolvimento das funções sociais da cidade, dentre eles a participação da população por meio de associações representativas em vários segmentos da comunidade; essas são as assertivas dos incisos II e XIII do art. 2º do referido diploma legal.

Sobre este último dispositivo, José Rubens Morato Leite e Ney de Barros Bello Filho[18] têm uma clara noção de como tornar efetivo o posicionamento do Estatuto da Cidade:

Para efetivar a gestão democrática referida no inc. II do art. 2º, o Estatuto da Cidade prevê, em seu art. 43, expressamente alguns instrumentos, todos ligados à participação, quais sejam: órgãos colegiados de política urbana nos níveis nacional, estadual e municipal; debates, audiências e consultas públicas; conferências sobre assuntos de interesse público, nos níveis nacional, estadual e municipal; iniciativa popular de projetos de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (incs. II a IV).

Percebe-se que a opção pela inclusão do princípio da gestão democrática reflete a evolução que ocorre na própria sociedade.

O Estado brasileiro que já passou por diversos regimes governistas, chegando a extremos de repressão, tem indicado um avanço cada vez mais participativo e democrático. O princípio da gestão democrática apenas acolhe essas mudanças e demonstra estar de acordo com as mesmas.

3 MEIO AMBIENTE E O CLAMOR POR PRESERVAÇÃO

3.1 - Do Dano Material

Para se falar em dano ao meio ambiente é importante entender o contexto no qual o próprio meio ambiente foi trazido como merecedor de defesa de direitos na atual sistematização jurídica do país. A proteção ao meio ambiente tal qual expressa na Constituição Federal, se constitui de verdadeiro interesse difuso, isto é, interesse cuja titular deste é toda a coletividade. Toda a população precisa de um meio ambiente forte e, acima de tudo, equilibrado, e para isso, todos são os beneficiários da tutela deste mesmo direito.

De certo modo, foi a ocorrência cada vez mais frequente de catástrofes atentando contra o meio ambiente saudável e estável, que foi a válvula propulsora de dispositivos legais para a proteção do mesmo.

Primeiro esclarecimento a ser feito acerca do tema diz respeito à diferença entre dano ambiental, poluição e impacto ambiental, muito confundidos por alguns estudiosos na área. A definição de impacto ambiental está associada a uma atividade direta ou indireta do ser humano que cause alteração de qualidade física, química ou biológica, afetando o meio ambiente. Poluição é a degradação da qualidade ambiental. Deste modo, o impacto ambiental pode ser positivo (quando esteja agregando alguma condição favorável a determinado meio ambiente, como o depósito de substância limpadora em represa com água poluída), ou negativo (quando a própria intervenção ocorre no sentido de diminuir a qualidade ou característica do meio, como a poluição de um rio).

Já a conceituação de dano é bem ampla na doutrina. Pode-se realizar uma correlação entre o dano ambiental e o dano com vistas à responsabilidade civil. O conceito, apesar de ser de fácil entendimento, apresenta várias características atinentes a este instituto jurídico.

O mestre Sérgio Cavalieri[19] em seu livro que disseca o estudo do diploma civil quanto a parte de responsabilidades, traduz bem o conceito de dano, já aduzindo a consequência lógica e justa contra a origem do evento danoso:

Prejuízo a terceiro, que enseja pedido de reparação consistente na recomposição do status quo ante ou uma importância em dinheiro indenização.

O conceito do art. 225 da Constituição quanto ao meio ambiente já mostra que este tem uma gama muito variada, devido aos inúmeros ecossistemas no Brasil, exatamente uma nação de tamanho continental. Assim é que a definição de dano, bem como a responsabilização pelo mesmo e proteção têm de ser amplas do mesmo modo, para que possam existir efetivamente.

A lei da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) traz a ideia da degradação da qualidade ambiental, bem como para efeitos legais, o que vem a ser poluição. Não se serve para isso, de uma nomenclatura nem conceituação muito doutrinária, mas consegue agrupar bem os tipos e a extensão de sua danificação.

É importante notar, neste ponto, que, segundo o conceito mais amplo de meio ambiente, incluída aí toda a coletividade, que os efeitos nessa produzidos não poder ter análise esquecida ou negligenciada. A especialista em Direito Ambiental, Annelise Steigleder[20], leciona bem esse aspecto do conceito concernente ao dano. Diz ela que:

(...)a expressão dano ambiental tem conteúdo ambivalente e, conforme o ordenamento jurídico em que se insere, a norma é utilizada para designar tanto as alterações nocivas como efeitos que tal alteração provoca na saúde das pessoas e em seus interesses. Como refere Alsina o conceito de dano ambiental pode designar tanto o dano que recai sobre o patrimônio ambiental, que é comum a coletividade, como aquele que se refere ao dano por intermédio do meio ambiente ou dano em ricochete a interesses legítimos de uma determinada pessoa, configurando um dano particular que ataca um direito subjetivo e legítima o lesado a uma reparação pelo prejuízo patrimonial ou extrapatrimonial.

Para que a conceituação de dano material se dê de modo sistêmico e não meramente simplista e isolado, é importante analisar quais tipos de danos são entendidos na ordem jurídica atual. Expressa-se como consenso na literatura maia atual a ideia de que o dano ambiental pode ser classificado em quatro tipos diferentes.

Primeira classificação diz respeito à reparabilidade e interesse envolvido no dano, podendo ser este classificado em dano ambiental privado, quando este acaba por violar direitos pessoais refletindo apenas numa situação particular em um dano momento, e a este dano a doutrina classifica como de dano de reparabilidade direta ou dano ao microbem; e dano ambiental público, quando a violação ou degradação ocorre de maneira global, atingindo bens e direitos coletivos e, portanto, difusos, sendo considerado dano de reparabilidade indireta.

Segunda classificação se relaciona com a extensão dos bens protegidos pela lei ambiental. Pode se dividir em dano ecológico puro, aquele que atinge o bem ambiental em seu sentido mais natural, também trazido pela doutrina como dano do meio ambiente natural (ou originário); dano lato sensu, quando a extensão do dano for tamanha a ponto de englobar o meio ambiente de um modo geral, incluído aí o meio ambiente cultural; e dano individual, o dano ligado à proteção individual, mas que tenha relação ao meio ambiente em si do mesmo modo.

Terceira classificação é aquela que distingue o dano quanto ao interesse em pauta. Pode ser dano de interesse individual, quando houver uma pessoa individualmente afetada e somente ela; dano de interesse homogêneo, quando a extensão do dano atingir a várias pessoas, causando prejuízo a particulares titulares de mesmo direito; dano coletivo, conceituado como aquele que atinge a pessoas ligadas a um mesmo direito, vinculadas a este por uma situação de direito; e dano difuso, classificado como um dano que tem normalmente sua ocorrência relacionada a problemas de ordem mais gravosa, pois neste tipo de dano várias pessoas são atingidas, ainda que nem todas possam ser identificadas, mas são ligadas a uma situação de fato.

Última classificação é a da extensão do próprio dano. Classifica-se em dano patrimonial, quando o prejuízo se der de bens materiais, tendo influência negativa na seara econômica dos sujeitos envolvidos, e pode ser um dano parcial (quando o valor do bem atingido é reduzido) ou total (quando o próprio bem é deteriorado por completo ou seu prejuízo o inviabiliza monetariamente); fala-se também em dano extrapatrimonial, tendo parte da doutrina adotado a expressão dano moral, quando este tem influência negativa a bens de ordem moral ou espiritual. Quanto a este último tipo, não se pode confundir com o dano moral expresso no Código Civil; é verdade que em alguns casos, os dois são o mesmo, mas deve-se ter em mente que o dano moral aqui expresso é aquele que influencia o meio ambiente cultural.

Vê-se claramente que o meio ambiente, tal qual amplamente conceituado no ordenamento jurídico brasileiro, englobando aspectos naturais, artificiais e culturais, também o dano a este tem amplitude extremada, ao passo que assim se faz necessário para concebê-lo.

Passada a fase de entendimento dos tipos de danos, é chegada a hora de começar a expor as formas de repará-los e, principalmente, impedi-los, e como isto se dá na sistematização legal.

3.2 A terceira geração de Direitos Fundamentais

A partir de um critério lógico-racional, depreende-se que, a ocorrência de um dano, manifestamente prejudicial ao equilíbrio do próprio ser humano em seu meio, é necessário que haja um método preventivo, ou quando não, reparador, para atender as particularidades do dano e, sempre que possível, diminuir seus efeitos.

No entanto, não se pode dissociar o estudo da reparação dos danos ambientais, bem como o próprio estudo do Direito Ambiental, do processo histórico que foi a terceira geração de Direitos Fundamentais.

Histórica e juridicamente, os direitos fundamentais acabaram por surgir segundo a demanda social que os exigia. Diante de contextos de tipos de direitos diferentes, a doutrina mais atuante acabou por adotar a nomenclatura de gerações ou dimensões dos direitos fundamentais. Neste sentido, os princípios da Revolução Francesa foram preponderantes na consagração da liberdade, igualdade e fraternidade, consecutivamente, como direitos de primeira, segunda e terceiras gerações, tal qual assevera Paulo Bonavides[21]:

(...) os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo e quantitativo.

Sobre o autor
Bruno Ribeiro de Lima

Advogado, especialista em Direito Público e Privado, em Direito Previdenciário e em Direito Constitucional. Foco no estudo da história e da filosofia do Direito com viés constitucional na análise do ordenamento jurídico pátrio e alienígena. Criador do canal no youtube "Lexinlegis", onde são postadas aulas com conteúdo jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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