No último dia 23/02, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomou o julgamento sobre as coberturas obrigatórias dos planos de saúde. Após novo pedido de vistas, o julgamento deve ser retomado ainda este ano. No caso, planos de saúde pretendem restringir sua obrigatoriedade de cobertura ao rol da ANS, e não mais à Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS). Atualmente, o entendimento da maioria dos tribunais (pelo menos em 17 estados) é de que o rol da ANS é exemplificativo, significando o piso de cobertura obrigatória.
Os planos de saúde atendem a cerca de 22% dos brasileiros (mais de 48 milhões de vidas). Mas negam diariamente seus tratamentos, alegando que o rol da ANS é taxativo (ou seja, o teto), gerando um passivo bilionário na justiça, e onerando os cofres públicos com os custos da judicialização (mais de 1,3 bilhão por ano).
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), somente entre 2015 e 2020 foram ajuizadas mais de 2,5 milhões de novas ações para acesso à saúde. Segundo o STJ, 73% das demandas no tribunal são contra os planos. A Universidade de São Paulo (USP) indica em estudo que 92,4% das ações contra os planos, terminam com a sua condenação. E que 50% dos processos, tratam exatamente da exclusão de cobertura pelo rol da ANS.
Uma das principais causas deste quadro, é a falha e omissa regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Os planos desatendem constantemente o código de defesa do consumidor e a lei dos planos de saúde, mas a agência (des)reguladora ratifica tais práticas, tornando a justiça o único caminho aos usuários.
Trata-se de um fato: os planos de saúde têm causado um grande prejuízo à toda a sociedade. Mesmo sendo condenados em mais de 90% dos casos segundo a USP, os planos continuam negando as coberturas, pois há um universo ainda maior de usuários prejudicados que não acionam a justiça. A estratégia, por mais mórbida que seja, é muito lucrativa. Mas aparentemente, todo este lucro ainda não basta.
Agora as operadoras buscam mudar as regras do jogo no STJ, impedindo o caminho da justiça para quem busca seus direitos. Pois com a mudança, todos os demais tribunais do país devem seguir o entendimento do STJ. O que prejudicará a todos, mas principalmente as pessoas com doenças raras, os portadores de deficiências, os idosos e as pessoas com necessidades especiais, como os autistas. A mudança cassará os direitos de quem mais necessita do amplo atendimento previsto em lei.
Caso o STJ entenda pela taxatividade do rol, os planos poderão negar o tratamento de inúmeras doenças, mesmo estando previstas na CID. Poderão vetar terapias e medicamentos com eficácia comprovada, e prescritos pelos seus próprios médicos cooperados, usurpando a autonomia dos profissionais.
A cobertura dos planos de saúde deve ser plena conforme prevê a lei, e o entendimento majoritário da justiça em todo o país. Os planos de saúde não devem escolher as doenças. Pois os pacientes não as escolhem.
A justificativa dos planos para a manobra, é absurda. Sustentam que o entendimento do rol exemplificativo poderia gerar um desequilíbrio em suas contas. Contudo, a base do setor é o mutualismo, as contribuições dos usuários baseadas nos custos. As operadoras de saúde nunca perdem, pois, as despesas são sempre revertidas aos próprios usuários, através dos reajustes.
Quem pagará essa conta? Ora, todos os brasileiros. Pois sem a opção da justiça, a única saída dos prejudicados será o SUS, que terá que absorver todo este custo, para que os planos de saúde obtenham um lucro ainda maior.
E por falar em lucros, em 2020 os planos movimentaram mais de 271 bilhões de reais. Seu lucro estimado foi de 17,5 bilhões (49,5% a mais que no ano anterior), em plena pandemia. E ainda assim, os planos coletivos tiveram um reajuste recorde de absurdos 16% em 2021.
A mudança no entendimento sobre o rol da ANS contraria a lei, e o entendimento dos tribunais do país. Fere de morte o direito à saúde de seus mais de 48 milhões usuários. Condena os pacientes com doenças raras, os idosos e os portadores de necessidades especiais. Sufoca ainda mais o já colapsado SUS. Naufraga o País na crise da saúde, que já dura décadas. Tudo isso, para que os planos de saúde lucrem ainda mais.
Senhores ministros da 2ª Seção do STJ: Será que vale a pena?