SUMÁRIO
RESUMO
INTRODUÇÃO
1 A EVOLUÇÃO DA CONCEPÇÃO DE HOMOFOBIA
1.1 HISTÓRICO SÓCIO-CULTURAL DA HOMOFOBIA E A CONSTANTE MUDANÇA DE SUA CONCEPÇÃO
1.2OS PADRÕES HOMOFÓBICOS EM UMA SOCIEDADE PREPONDERANTEMENTE HETERONORMATIVA
2 A HOMOFOBIA COMO UMA PRÁTICA RACISTA
2.1 O CONCEITO DE RACISMO
2.2 A HOMOFOBIA COMO CRIME DE ÓDIO
2.3 LEIS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO À COMUNIDADE LGBTQI+
3 A CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA
3.1 O AVANÇO JURÍDICO REPRESENTADO PELO PROJETO DE LEI 122/2006..
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
RESUMO
O presente Artigo Científico trouxe uma análise histórica e conceitual da homofobia e como o entendimento desta foi se modificando ao decorrer do tempo, demonstrando como identificar cotidianamente os padrões homofóbicos impostos socialmente. Delineou, através da comparação de leis penais brasileiras e leis internacionais de Direitos Humanos, como o a homofobia enquadra-se em um tipo penal e jurídico, de racismo por tratar-se de crime de ódio, evidenciando de forma clara como as leis brasileiras estão desatualizadas e em desacordo com as normas e tratados humanitários e; de forma crítica e objetiva apontou como o preconceito estrutural político-religioso influencia na criação e promulgação de leis que amparem e assegurem os direitos da comunidade LGBTQI+, abordando como exemplo o Projeto de Lei 122/2006.
Palavras-chave: Homofobia, crime de ódio, criminalização, LGBTQI+, Projeto de Lei 122/2006.
INTRODUÇÃO
A aplicação do Direito requer interpretação e possui critérios, devendo atender a sociedade através das normas, princípios e, principalmente, pela Constituição Federal Brasileira.
O Direito, como força viva, deve acompanhar as evoluções sociais, dada a sua mutabilidade. Assim, ao se deparar com questões jurídicas novas, ainda não disciplinadas de forma positivada, faz-se necessário estabelecer os critérios objetivos e subjetivos que serão utilizados para proceder ante tal situação jurídica.
Neste cenário, tem-se a necessidade da criminalização da homofobia, que somente no ano de 2019, através de decisão do Supremo Tribunal Federal e após votação muito polêmica e comentada na mídia nacional e internacional, decidiu que atos preconceituosos contra homossexuais e transexuais se enquadram no crime de racismo, aplicando-se a pena do referido tipo penal até o Congresso Nacional aprovar lei específica sobre o tema.
Contudo, ao se fazer uma análise aprofundada do porquê existiu e existe ainda uma demora exacerbada à efetivação da criminalização da discriminação relativa à condição sexual, percebe-se, intrínseco à tais práticas criminosas, um preconceito político e religioso que impede a evolução jurídica e, consequentemente, autoriza de forma implícita a perpetuação de práticas homofóbicas e imposições heteronormativas e vela um silêncio escandalizador do legislativo.
Assim, embora o STF tenha proferido decisão que determina o enquadramento de crimes relativos à condição sexual no rol de punibilidade do tipo penal de racismo, vê-se a premente necessidade da criação de um tipo específico para os referidos crimes, uma vez que generaliza-los dentro de um rol de crimes de ódio diversos contribui de forma indireta com a falta de segurança jurídica à comunidade LGBTQI+ que, infelizmente, se encontra muitas vezes à margem social por preconceito e agora, à margem da proteção jurídica.
Desta maneira, entende-se que o Legislativo brasileiro não atende determinações internacionais de Direitos Humanos, desobedecendo tratados com status constitucional, bem como a Declaração Internacional de Direitos Humanos, tal fato confirmado com o arquivamento do Projeto de Lei 122/2006.
Em rápida consulta pública no site do Senado Federal2 vê-se que em votação aberta ao público existem 31 (trinta e um) votos contra e 20 (vinte) votos a favor do mencionado PL, o que evidencia dois fatos: a ausência de participação da comunidade, uma vez que ao observar os números de votos, em amostragem, é ínfima a participação popular; e, consequentemente, a não divulgação do projeto em meios midiáticos de fácil acesso.
Isto posto, o presente Artigo Científico traz de forma crítica e consciente um exame pormenorizado da cultura homofóbica brasileira e o seus padrões heterossexuais; demonstrando como isso reflete nas leis e na ausência delas; bem como apresenta a necessidade de criação de uma lei específica que abarque e puna os crimes relativos à condição sexual e não simplesmente os inclua de forma genérica no tipo penal do racismo, sendo esta provisão determinada em decisão do STF apenas uma medida paliativa ante o silêncio político-religioso do Legislativo.
1 A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE HOMOFOBIA
Existe um mito já solidificado socialmente de que relações homossexuais são uma modalidade moderna de relacionamento, fruto de uma suposta relativização e desrespeito dos padrões de normalidade afetiva.
Esta falácia só reafirma a ignorância histórica e cultural acerca do tema, uma vez que é documentalmente registrado que as relações homoafetivas há muito são presentes na sociedade, datando, por exemplo, registros da Grécia antiga, onde muitas vezes tais relações possuíam caráter pedagógico.
Assim, ao delinear o porquê de em alguns locais do mundo as relações homoafetivas serem livremente vividas e em outros locais perseguida, identifica-se que onde aceitas a influência religiosa era mínima ou sobrepujada pela científica e, onde condenada, a religião exerce papel central político e cultural.
1.1 HISTÓRICO SÓCIO-CULTURAL DA HOMOFOBIA E A CONSTANTE MUDANÇA DE SEU CONCEITO
Na Mesopotâmia existem vários registros relativos à relações entre pessoas do mesmo sexo, sendo que muitos historiadores ao estudarem este período relatam que não existir passagens específicas sobre a homoafetividade pelo fato de não existir nomenclatura específica para que fosse definida, assim como não haviam motivos que fizesse com que a homossexualidade fosse vista como algo fora dos padrões. À exemplo, tem-se os desenhos entalhados na tumba do faraó Akhenaton, onde este era representado em posições íntimas com outro homem, identificado como seu companheiro (Eskridge, 1993).
Já na Grécia antiga, existe um registro onde Platão aduz que: [...] a humanidade foi originariamente dividida em três sexos: pares de dois homens, ou de duas mulheres ou de um homem e uma mulher (Odent, 2008, p. 81). Em Atenas os homens adultos e considerados cidadãos "poderiam penetrar indivíduos socialmente inferiores, como mulheres, garotos, estrangeiros e escravos" (Rupp, 2001, p. 288), observando-se assim que além de haver uma tolerância às relações homoafetivas, estas eram tão comuns que geravam uma rede de violência sexual hoje vista nas relações heterossexuais.
Era comum na relação pupilo-tutor, entre filósofos e estudiosos variados, que o tutor iniciasse sexualmente seus pupilos, sendo visto como um rito de passagem e uma honra, de maneira que nem mesmo havia questionamentos quanto a esta prática.
Contudo, na Idade Média com o advento da Igreja e o modelo teocrático, as relações homoafetivas passaram a ser vistas com maus olhos, sendo, inclusive, o momento em que fundiu-se a ideia de que Deus e os adeptos ao modelo homoafetivo não poderiam se ligar espiritualmente. O Código de Justiniano de 533 d.C. normatizou a proibição da homossexualidade.
A ideologia cristã de que o sexo servia apenas para procriação, conforme vontade divina, repudiava de forma direta todas as relações entre pessoas do mesmo sexo, sendo posteriormente, no século XIII identificadas de forma bíblia, e combatidas, por tratar-se de sodomia ilícita.
Durante a visitação do Santo Ofício, no período compreendido entre 1591 e 1595, foram registrados 130 casos de homossexualidade com a abertura de 15 processos contra o crime de sodomia: 101 cometidos por homens e 29 por mulheres (VAINFAS, 2010, p. 212)
Na Idade Moderna (1453-1789) acreditava-se que as uniões homossexuais "constituíam uma grande ameaça à ordem social e para o agora-poderoso Estado" (Eskridge, 1993, p. 1472), sendo, portanto, um pecado contra o Estado, a ordem e a natureza.
A partir do século XIX o posicionamento médico substituiu a visão sodomita implantada pela religião, uma vez que a sodomia era definida pelo ato em si e não pelas pessoas que a praticavam, de maneira que os médicos e cientistas passaram e investigar os praticantes visando identificar alguma anomalia física ou psicológica que fosse comum a estas pessoas.
No século XX, Freud através de sua teoria fundamentada em um princípio edipiano, contribuiu para avançar os estudos da época para um terreno científico e não mais moral, instituindo, entretanto, um viés patológico à compreensão das relações homoafetivas.
Egas Moniz ganhou o prêmio Nobel de Medicina de 1949 por desenvolver uma técnica cirúrgica que cortava os nervos do córtex pré-frontal do cérebro dos doentes psiquiátricos, prática conhecida como lobotomia. Na Suécia três mil homossexuais foram lobotomizados; na Dinamarca a última cirurgia foi realizada em 1981.
Com o surgimento dos movimentos de libertação sexual, a visibilidade da luta pela aceitação das relações homoafetivas gerou uma iniciativa a nível político pela busca de seus direitos. Como exemplo tem-se fato ocorrido em Stonewall, momento histórico que contribuiu para o surgimento do termo gay, retirando a pejoratividade presente até então no termo homossexual:
Em 28 de junho de 1969, durante uma batida da polícia de Nova York em um bar frequentado por gays, o Stonewall, em Greenwich Village, cansados das humilhações e perseguições, os gays que estavam no bar resistiram à polícia, trancando os policiais dentro do bar e ateando fogo ao recinto. A batalha, que tinha pedras e garrafas como armas e envolveu milhares de pessoas, durou toda a madrugada do dia 28, prolongando-se até o início do outro Mês. Um ano após a rebelião, 10 mil gays, provenientes de todos os estados norte-americanos marcharam pelas ruas de Nova York, demonstrando que estavam dispostos a seguir lutando por seus direitos. Diante deste fato, o dia 28 de junho foi instituído o Dia Internacional do Orgulho Gay (OLIVEIRA, 2006, p. 31-32).
Assim, vê-se que os estigmas começaram a ser quebrados de forma gradual apenas no século passado. Apenas 1979 a Associação Americana de Psiquiatria retirou a homossexualidade da sua lista oficial de doenças mentais.
No Brasil, em meados da década de 80, após vivenciarem todo tipo de perseguição e humilhação decorrente do autoritarismo repressor da ditadura militar e a associação à disseminação do vírus da AIDS às relações homoafetivas, a concepção de identidade gay tornou-se o estandarte da militância homossexual em busca da representatividade.
Nos anos 90 a Organização Mundial da Saúde descartou qualquer fundamentação de que a condição sexual dos indivíduos esteja ligada à uma doença.
Ao acompanhar o traçado histórico cultural da concepção da homossexualidade percebe-se, em verdade, uma regressão ao seu entendimento e conceito. Antes, no Egito e na Grécia antiga, não havia ao menos uma conceituação às relações homoafetivas, pois eram encaradas com a normalidade e naturalidade que realmente possuem.
Já na Idade Média e, infelizmente, na contemporaneidade, a homoafetividade
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encarada como um tabu, ao ponto de ser identificada como uma patologia: embora tenha sido retirada do rol de doenças, o preconceito encontra-se amalgamado socialmente; de maneira que os avanços ainda são mínimos.
Desta maneira, infere-se que a homofobia o preconceito, ódio, recriminação e não aceitação das relações homoafetivas como normais e pertencentes a cultura e características sociais; como fundamento a legitimação do que dita o imaginário popular em suas falácias de que a homoafetividade é um fato social recente, além de não encontrar fundamento histórico, é completamente desprovida de fundamento cultural e científico.
1.2 OS PADRÕES HOMOFÓBICOS EM UMA SOCIEDADE PREPONDERANTEMENTE HETERONORMATIVA
Ao examinar os motivos ensejadores da mencionada regressão, observa-se que, em comum, existem modelos religiosos que controlam os padrões comportamentais entendidos como normais à cada época.
A partir da concepção cristã do sexo apenas com o fim reprodutivo, limitou-se
Assim, de maneira gradual, sedimentou-se socialmente um comportamento padronizado de heteronormatização, onde definiu-se como sendo certa a sexualidade hétero pois não se desassociava reprodução da prática sexual.
Neste contexto, vê-se outra questão limitante religiosa: a não concepção do ato sexual para prazer individual, atribuindo aos homossexuais uma deturpação da concessão divina à prática sexual:
Enquanto fenômeno psicológico e social, a homofobia enraíza- se nas complexas relações estabelecidas entre uma estrutura psíquica do tipo autoritário e uma organização social que considera a heterossexualidade monogâmica como ideal no plano sexual e afetivo. (BORRILLO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.)
A influência desses padrões heteronormativos é tão visível e socialmente aceita que em pleno século XXI, um deputado federal propôs projeto de lei denominado Terapia da Reorientação Sexual, Terapia de Conversão ou Terapia Reparativa, porém conhecido como Cura Gay, que consistia em um conjunto de técnicas, legalizadas a validadas juridicamente, a fim de exterminar a homossexualidade de uma pessoa.
Referido projeto, proposto em 2011, se assimila em muito às práticas medicinais de Egas Moniz e suas cirurgias de lobotomia, com a diferença que o segundo exercia tal atrocidade nos anos 40.
Choca o fato de uma questão individual e de cunho íntimo seja tratada como assunto político, atrelando-se ainda fatores religiosos e impondo-os. Essa situação reflete como os padrões heteronormativos influenciam as decisões e articulações políticas, barrando de forma cristalina inúmeros avanços aos direitos da comunidade LGBTQI+ como um todo.
2 A HOMOFOBIA COMO UMA PRÁTICA RACISTA
Embora não haja dúvidas de que não existem fundamentos hábeis a fundamentar a homofobia, a doutrina especializada a separa em cinco tipos: homofobia clínica, homofobia antropológica, homofobia liberal, homofobia burocrática e homofobia em seu paroxismo.
A primeira é compreendida como o tratamento da homossexualidade como patologia e, consequentemente, seu estudo e tratamento médico-científico; já na homofobia antropológica a homossexualidade é vista como uma ameaça a estrutura social, uma vez que esta basear-se-ia na diferenciação dos sexos para definição da estrutura psíquica e social do indivíduo; a homofobia liberal consiste na não interferência Estatal, e consequentemente jurídica, na esfera da vida privada e, compreendendo a homossexualidade como uma escolha individual, não tutelaria sobre esta, mantendo apenas a previsão institucional relativa a heterossexualidade; para a homofobia burocrática, também conhecida como stalinista a homossexualidade é uma deturpação dos costumes e morais decorrentes das práticas capitalistas e da globalização, sendo um fenômeno político e; a homofobia em seu paroxismo, chamada de holocausto gay, surgiu no contexto nazista alemão, onde para alcançar a pureza racial era necessária a reprodução dos indivíduos arianos (puros) e, como nas relações homoafetivas a reprodução não é possível, seria, portanto, desnecessária e reprimida.
Observando de forma comparativa, vê-se alguns itens em comum nestas tipologias: a associação do ato sexual apenas destinado a reprodução, a objetificação das relações não importância de fatores subjetivos como emocional e a inferiorização do diferente.
Neste último caso, infere-se que o preconceito basilar relativo a homoafetividade reside no fato de não atender ao padrão imposto e não questionado.
Criou-se a cultura do ódio ao que foi determinado como diferente, de maneira que persegui-lo, rejeita-lo e invalida-lo é o que se considera normal.
2.2 O CONCEITO DE RACISMO
A Lei 7.716/89 (Lei do Crime Racial), traz na redação do artigo 20 o seguinte conceito de racismo:
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Pena: reclusão de um a três anos e multa.(Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Conforme explicação contida no sítio eletrônico do Conselho Nacional de Justiça3, o crime de racismo [...] atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça. Ao contrário da injúria racial, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível..
Trata-se de uma degeneração social consistente na ausência de compreensão correta sobre a questão racial. Conflitos e fenômenos sociais com enfoque na raça estão presentes em inúmeros locais no mundo, sendo fundamentalmente entendido como um crime de ódio.
Neste sentido, imperiosa diferenciação entre racismo e discriminação racial, in
verbis:
O racismo é uma forma de discriminação que leva em conta a raça como fundamento de práticas que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam. Embora relacionado, o racismo, difere do preconceito racial e da discriminação racial. O preconceito racial é o juízo acerca de um determinado grupo racial baseado em estereótipos que pode ou não resultar em práticas discriminatórias nocivas. Nesse sentido, considerar negros violentos e inconfiáveis, judeus avarentos ou orientais naturalmente preparados para as ciências exatas são exemplos de preconceitos. A discriminação racial, por sua vez, é a atribuição de tratamento diferenciado a membros de grupos racialmente identificados.
(Enciclopedia Jurídica, PUC-SP. Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/92/edicao-1/racismo>. Acesso em 14/09/2019.)
As consequências do racismo são a segregação e separação, marginalizando o(s) indivíduo(s) com um falso pretexto de superioridade, sendo entendido como um desvio do aspecto da consciência individual e muitas vezes ligado a uma prática cultural preconceituosa.
2.2 A HOMOFOBIA COMO CRIME DE ÓDIO
Ao se usar a terminologia crime de ódio evoca-se, quase que de maneira automática, um pré-requisito subjetivo a este tipo de crime: o ódio a algo ou a alguma prática.
Contudo, analisando o perfil do agressor-ativo vê-se que em maioria os agentes de discursos e práticas de ódio apenas repetem estas porque lhe foi repassada por alguém ou que observou socialmente e incluiu em sua vivência social.
Neste diapasão, infere-se essa repetição no âmbito do racismo relativo às pessoas afrodescendentes. Em um cenário de globalização, não existem argumentações lógicas ou socialmente aceitas que justifiquem o preconceito pela cor da pele (levando-se em conta que antigamente também não existia, mas era fundamentado com inúmeras falácias e mitos); entretanto, em muitos locais ou grupamentos, isolados por um contexto cultural primitivo, repetem uma prática preconceituosa apenas por identificação urbanística ou cultural.
Ao considerar esta mesma lógica no contexto da homofobia, vê-se que o conceito dessa repetição segregatória é motivadora da maioria dos casos de violência por condição sexual. Muitas religiões, opções políticas e tradições familiares ensinam e encabrestam seus seguidores/adeptos a apenas reproduzir pensamentos e ações preconceituosas sem senso crítico ou critério moral.
Neste sentido, brilhante exposição comparativa do doutrinador BORRILLO (2010, p. 97 e 98):
Numerosos estudos psicológicos conseguiram demonstrar que alguns fatores
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tais como idade, sexo, nível de estudos, meio social, além de filiação religiosa ou política constituem 96 Homofobia variáveis para a compreensão do problema. Assim, os homens manifestam, mais facilmente que as mulheres, sua antipatia em relação aos gays (KITE, 1984, p. 79); além disso,as pessoas que têm uma imagem clássica dos papéis sexuais (feminino/masculino) mostram maior hostilidade contra os/as homossexuais (BLACK; STEVENSON,1984). Os homens conservadores consideram mais facilmente os gays como indivíduos que rejeitam seu gênero e, por isso mesmo, colocam em perigo a norma heterossexual, ou seja, a masculinidade e os privilégios que lhe são inerentes (CONNELL, 1987). Ao rejeitar os gays, um grande número de homens heterossexuais menosprezam, na realidade, algo diferente, que está indissociavelmente associado, em suas mentes, à homossexualidade masculina, a saber: a feminilidade. (BORRILLO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.)
Assim, é redundante apontar e limitar a homofobia como sendo um crime de ódio, por si só, pois, em sua maioria, os atos preconceituosos vem justificados por uma base cultural e social de preconceito, não somente sendo fundamentos por um ódio intrínseco à condição psicológica e emocional do indivíduo, mas sim, de toda uma estrutura educacional, familiar e religiosa.
Neste aspecto, seria o Estado responsável e invasivo ao interferir na esfera privada religiosa, política, familiar; uma vez se falando da opção pessoal do indivíduo em recriminar e odiar os homossexuais?
2.3 LEIS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO À COMUNIDADE LGBTQI+
No Brasil, a hierarquia normativa pode ser estabelecida da seguinte maneira:
Figura 1 Hierarquia das leis
Fonte: http://www.direitoscivis.net.br/2015/05/hierarquia-das-leis.html
Observa-se no fluxograma acima colacionado que abaixo, mas não inferior (Emenda Constitucional n. 45/04, §3º), da Constituição Federal tem-se os tratados internacionais que versam sobre Direitos Humanos.
A mencionada EC traz a seguinte redação:
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3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
Destarte, verifica-se que internamente as leis decorrem de forma primária da Constituição e dos tratados internacionais e; ao alinhar as duas referências jurídicas ao tema em espeque, tem-se o amparo direito e indireto aos direitos da comunidade LGBTQI+.
A Constituição Federal não tem, de forma específica, normas que versem sobre a proteção ampla e detalhada da comunidade LGBTQI+, mas, através de interpretação de princípios fundamentados nos Direitos Humanos assegura a proteção à condição sexual do indivíduo.
Já em seu artigo 1º, a CF traz a seguinte determinação:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]
III - a dignidade da pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana pode ser compreendida de maneira simples como o conjunto mínimo e indivisível de direitos e liberdades inerentes a toda e qualquer pessoa, independentemente de sexo, cor, raça, religião e outras delimitações, sendo fundamental e inerente à condição de SER humano.
Para o professor André Ramos (2017, p. 77) , a dignidade da pessoa humana, no prisma da liberdade atuação do Estado na esfera privada, não se confunde, uma vez que:
Existem dois deveres impostos ao Estado para proteger a dignidade humana. O dever de respeito que consiste na imposição de limites à ação estatal, ou seja, é a dignidade um limite para a ação dos poderes públicos. Há também o dever de garantia, que consiste no conjunto de ações de promoção da dignidade humana por meio do fornecimento de condições materiais ideais para seu florescimento. (RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.)
Neste sentido, PETERKE e RAMOS (2009, p. 292):
O fato, por exemplo, de que uma pessoa é discriminada em virtude de sua orientação sexual por um grupo social identificável, obriga o Estado a medidas adequadas para eliminá-la. Observa-se, portanto, que as proibições de discriminação não somente abrangem obrigações negativas, mas também positivas. (PETERKE, Sven; RAMOS, André de Carvalho [et. al.] Manual prático de direitos humanos internacionais. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União, 2009.)
A Corte Interamericana de Direitos Humanos orientou a interpretação conceitual de igualdade como advinda da natureza única do gênero humano e indivisível da dignidade do indivíduo; e a incompatibilidade de situações onde por uma falsa sensação de superioridade face um grupo, o trate com inferioridade ou, em contrapartida, trate outros com privilégios.
Neste aspecto, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, em seu art. 2.º, determina que o Estado tem o dever de respeitar este conjunto de direitos inerentes e indivisíveis de cada pessoa, consagrando uma cláusula geral de não discriminação.
No aspecto da união homoafetiva, o Comitê de Direitos Humanos da ONU, que implementa a aplicação do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, em interpretação ao artigo 23, do mencionado Pacto, compreendeu que os tipos de união familiar são múltiplos e que as inúmeras formas de se constituir família devem ser respeitadas.
Em 2016, este Comitê instituiu o Especialista Independente (Independent Expert), com mandato de 03 (três) anos, o Especialista é responsável por acompanhar e investigar casos de violação dos direitos LGBTQI+ em todo o mundo, fiscalizando também a implementação pelos Estados dos mecanismos de proteção existentes, com o objetivo de proteger contra e coibir a violência e a discriminação com fundamento em questões de condição sexual e identidade de gênero.
A Organização dos Estados Americanos vem manifestando preocupação com relação ao asseguramento da dignidade das pessoas em face de sua condição sexual ou da identidade de gênero, sendo que a Assembleia Geral já reprovou as práticas discriminatórias à comunidade LGBTQI+ e recomendou aos Estados avançar nas resoluções acerca do tema.
Os sistemas internacionais (global e regionais) de proteção têm, assim, estabelecido parâmetros para os Estados no que tange ao trato com a comunidade LGBTI, em razão de condutas de países como os acima citados, que insistem em manter vigentes normativas desumanizantes à orientação ou à identidade sexuais, abrindo, com isso, espaço a todo tipo de violência e discriminação extraoficial a essas pessoas (v.g., no ambiente de trabalho, no âmbito escolar, nos serviços de saúde, entre tantos outros). (MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direitos humanos. 5. ed., rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.)
Contudo, embora há vários anos a ONU venha trabalhando dioturnamente para internalizar nos Estados normas de combate à discriminação à comunidade LGBTQI+, existem ainda países que possuem em suas leis internas a criminalização de condutas relacionadas a condição sexual.
3 A CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA
Neste cenário onde embora internacionalmente exista um forte combate e um avanço em relação às políticas de prevenção à homofobia, vê-se que no Brasil social e juridicamente o progresso quanto a direitos e liberdades é mínimo.
Prova desta triste situação é a ausência de norma específica que proteja e ampare os direitos da comunidade LGBTQI+ e criminalize a homofobia. Conforme demonstrado em seções anteriores, associaram e limitaram, a homofobia como sendo um crime de ódio e, portanto, enquadrando-a na prática e no tipo penal do racismo.
O Tribunal Superior Federal do Brasil, após grande repercussão, decidiu neste ano de 2019 que o silêncio do Legislativo em relação a tal criminalização específica gerava uma lacuna normativa quando comparada às necessidades da sociedade, de maneira que, enquanto não fosse promulgada lei própria, as práticas discriminatórias relacionadas à condição sexual seriam julgadas conforme o rito dos crimes de ódio, especificamente o racismo, usando para dosimetria da pena a própria do tipo penal.
Segundo o Ministro Edson Fachin, relator da ação "Nenhuma instituição pode deixar de cumprir integralmente a Constituição, que não autoriza tolerar o sofrimento que a discriminação impõe".
Neste toar, brilhantemente apontou o Ministro Alexandre de Moraes "No entanto, apesar de dezenas de projetos de lei, só a discriminação homofóbica e transfóbica permanece sem nenhum tipo de aprovação. O único caso em que o próprio Congresso não seguiu seu padrão.
Todavia, ao analisar a decisão do STF, vê-se um avanço disfarçado, uma vez que ao ganhar uma orientação superior para processar e julgar os casos de homofobia com um padrão jurídico e técnico, perpetua-se a ausência de visibilidade da comunidade LGBTQI+.
Mais uma vez ignora-se as necessidades e problemas específicos à comunidade e a força a se enquadrar e se adaptar forçosamente à espaços que não foram pensados e criados para acolher e assegurar seus direitos e liberdades.
Tal situação há muito vivida só comprova que existem barreiras políticas em nossas esferas de poder que por motivos políticos, religiosos e até culturais (desviados) se negam e enxergar juridicamente a comunidade LGTBQI+.
3.1 O AVANÇO JURÍDICO REPRESENTADO PELO PROJETO DE LEI 122/2006
O Projeto de Lei 122/2006, conhecido como a Lei de Criminalização da Homofobia, é um projeto proposto pela Deputada Federal Iara Bernardi (PT) e que tem como objetivo, conforme extrai-se da ementa e de sua explicação tipificar de forma específica e definir os crimes de discriminação ou preconceito de sexo, orientação sexual e identidade de gênero:
Ementa:
Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, dá nova redação ao § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e ao art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e dá outras providências.
Explicação da Ementa:
Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) e o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho CLT) para definir os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Estabelece as tipificações e delimita as responsabilidades do ato e dos agentes. (Disponível em: < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/79604>. Acesso em 22/09/2019.)
Dentre os inúmeros tipos e núcleos verbais trazidos pelo PL, inclui-se a demissão do empregado pelo empregador em razão de discriminação ou preconceito por motivo de condição sexual (art. 4º); impedir acesso ou permanência em local público por motivo de condição sexual (art. 5º); recusar, prejudicar, preterir [...] em seleções, recrutamento ou promoções por motivo de condição sexual (art. 6º); sobretaxar, recusar, impedir ou preterir hospedagem em hotéis, motéis, pensões e afins por motivo de condição sexual ou pelos mesmo motivos impedir o aluguel, compra, empréstimo [...] de bens móveis e/ou imóveis (art. 7ª e 7º-A) e; impedir ou restringir, em locais públicos ou privados, a livre manifestação de afetividade de pessoas da comunidade LGBTQI+ em razão de sua condição sexual (art. 8ª e 8º-A).
Após análise do PL, e em resumo pelo excerto acima, observa-se que a letra da lei prevê inúmeras situações inerentes ao cotidiano de pessoas da comunidade LGBTQI+, tratando com a devida atenção as especificidades e validando juridicamente os aspectos sociais destes. Tal conclusão traz à superfície deste Artigo Científico quais motivos políticos impediram que este Projeto de Lei fosse aprovado.
A influência religiosa na política, não somente na brasileira, é algo tão marcante quanto a própria concepção da segunda. Embora o Brasil seja um país juridicamente laico, os governantes em todas as esferas, buscam através de um fundamentalismo religioso angariar mais do que fiéis: eleitores.
Desta maneira, com bandeiras completamente segmentadas e individualistas, misturam política com religião, aprovando e colocando em pauta somente aquilo que suas bancadas e o currado eleitoral aceitam e defende.
Neste cenário combativo fica, à margem, o debate e a luta pelos direitos da comunidade LGBTQI+, incluindo-se neste a criminalização da homofobia e a sua não aprovação, destacando-se, in casu, que a deputada que propôs o PL em estudo é filiada à um partido de esquerda (Partido dos Trabalhadores) e, o pensamento extremista politizado da maioria na Câmara e no Senado determina que: se o deputado/senador que propôs algo é de um partido que defende ideias voltadas a esta ou aquela linha social diferente do que o outro defende, automaticamente e sem uma análise criteriosa e isenta, deve ser descartada toda e qualquer ajuda ou colaboração.
Ao invés de representantes da/para a coletividade, vê-se cada vez mais representantes de pensamentos individuais, que não se envergonham de dizer que atendem os anseios de alguns e farão de tudo para impedir avanços daquilo que, por convicções pessoais, não concordam.
Aqueles que são considerados a imagem da vontade do povo não refletem os anseios e necessidades da sociedade em um todo, mas sim mostra o reflexo da verdadeira minoria na concepção literal da palavra: preconceituosa, demagoga, discriminadora, fundamentalista e segregadora.
CONCLUSÃO
O presente Artigo Científico demonstrou como o conceito de homossexualidade se modificou com o passar dos anos e como a religião influenciou na concepção da homoafetividade, sendo a precursora da concepção da homofobia e de sua institucionalização na política.
A validação dos padrões heteronormativos a partir da sincronização esfera privada-sociedade-política normalizou a segregação e marginalização jurídica da comunidade LGBTQI+, sendo imposto tanto socialmente quanto legalmente a generalização e o enquadramento forçado aos tipos penais e civis já pré-estabelecidos.
Ao delinear a lógica por trás da maioria dos crimes de ódio, evidenciou como muitas vezes estes se fundamentam pela repetição e não mais pela organização de motivos e ideais que justifiquem a discriminação praticada e incentivem os simpatizantes a de forma sistemática atacar verbal e fisicamente.
Posto isso, através da comparação dos núcleos verbais do tipo penal e do contexto antropológico, exprimiu-se a diferença entre os crimes de ódio racismo e a homofobia e como não é possível inserir as especificidades inerentes aos crimes de homofobia e as necessidades da comunidade LGBTQI+ à um tipo penal genérico.
Exibindo-se o contexto preconceituoso da não promulgação de lei específica que criminalize a homofobia por meio do Legislativo, foi demonstrado como a influência religiosa e fundamentalista é presente na política brasileira, sendo esta não mais de forma velada, a principal motivadora do retrocesso jurídico dos direitos relativos as questões de gênero e sexualidade.
Evidenciou-se como a polarização política também interfere no contexto da votação das leis, onde em razão dos conflitos essencialmente partidários, os direitos de alguns é colocado em detrimento ao direito de todos, tornando-se as leis brasileiras reflexos de ideologias mesquinhas e individualistas.
O Direito, como dito no início deste Artigo Científico, é vivo e como tal deve evoluir em suas proteções e garantias e não regredir à pedidos e manipulações daqueles que não entendem o bem maior protegido pela Carta Magna: a vida e todas as suas formas e, inerente a esta, as escolhas individuais.
REFERÊNCIAS
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