Erving Goffman foi um sociólogo canadense, nascido em 1922 e falecido em 1982, efetuou pesquisas na linha da sociologia interpretativa e cultural na Universidade de Chicago, além de professor do Departamento de Sociologia da Universidade da Califórnia em Berkely nos Estados Unidos e membro visitante do Laboratório de Estudos Sócio-Ambientais do Instituto Nacional de Saúde em Bethesda, Maryland, também nos Estados Unidos.
Foi influenciado por muitos grandes nomes da esfera sociológica, mas Everett Hughes é considerado a figura mais influente de sua vida.Goffman observava que o desempenho dos papéis sociais dependia do modo como cada indivíduo concebia sua imagem e como pretendia mantê-la e apresentá-la ao mundo exterior. Seus trabalhos são conhecidos mundialmente, nas várias disciplinas que integram as ciências sociais, principalmente na sociologia e na antropologia.
Muitos outros cientistas concluem que os estudos de Goffman são difíceis de serem reduzidos a temas específicos e limitados; eles acreditam que seus estudos são sociologia comparativa, qualitativa, que visa produzir generalizações sobre o comportamento humano.
Em "Manicômios, prisões e conventos" Goffman trata das relações de internos das chamadas instituições totais e como este confinamento condiciona as interações e a vida social dos indivíduos ali inseridos.
"Pode-se definir uma instituição total como um lugar de residência e de trabalho onde um grande número de indivíduos, colocados numa mesma situação, cortados do mundo exterior por um período relativamente longo, levam em conjunto uma vida reclusa segundo modalidades explícita e minuciosamente regulamentadas(...)" (p.11)
O sociólogo caracteriza cinco categorias de instituições totais: instituições que acolhem pessoas inofensivas, mas incapazes de garantir as suas próprias necessidades (lares para idosos, órfãos e indigentes); os que recebem pessoas também não autônomas, mas potencialmente perigosas para a comunidade, sendo esta nocividade involuntária (sanatórios, hospitais psiquiátricos e leprosarias); instituições destinadas a proteger a comunidade de pessoas rotuladas como intencionalmente ameaçadoras (prisões, penitenciárias e campos de concentração); instituições vocacionadas para a realização de uma missão ou tarefa utilitária (casernas, navios e internatos); e locais de retiro do mundo, normalmente de teor religioso (abadias, mosteiros e conventos).
A análise do autor se baseia na consideração de que as instituições totais compreendem todo o tempo do recluso que, não raramente, passa toda a vida confinado naquele local, subjugando e exercendo controle ou monitoramento sob as rotinas mais íntimas desses indivíduos. Por isso mesmo, tal cenário condiciona o interno a uma dependência tão grande das normas e condutas particulares a essas instituições que dificultam ou impossibilitam a inserção deste em ambientes diferentes.
Os problemas de pesquisa na obra permeiam as questões atinentes à vida social dos internos de instituições totais.
Como é construída a identidade dos internos em instituições totais? Como se dão as interações e relações sociais entre os internos? Como se dão as interações e relações sociais entre internos e equipe dirigente?
Como acontece a mortificação do indivíduo condicionado ao confinamento nas instituições totais e, consequentemente, seu renascimento?
Quais são as categorias e características das instituições totais?
Alguns conceitos tratados na obra:
Estabelecimentos sociais - instituições: (...) no sentido diário do termo, - são locais, tais como salas, conjuntos de salas, edifícios ou fábricas em que ocorre atividade de determinado tipo. (p.15)
Instituições totais: "Pode-se definir uma instituição total como um lugar de residência e de trabalho onde um grande número de indivíduos, colocados numa mesma situação, cortados do mundo exterior por um período relativamente longo, levam em conjunto uma vida reclusa segundo modalidades explícita e minuciosamente regulamentadas(...)" (p.11)
Fechamento: O fechamento ou o caráter total de uma instituição é simbolizado pela barreira em relação ao mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico (...) (p.16)
Internos/Internados: pessoas que (...) vivem na instituição e tem o contato restrito com o mundo existente fora de suas paredes; (p.19)
Equipe dirigente: funcionários das instituições totais que (...) muitas vezes trabalha num sistema de oito horas por dia e está integrada no mundo externo. (p.19)
Carreira moral: sequência de mudanças que produzem efeitos na identidade e no esquema de imagens da pessoa para julgar os outros e a si própria.
Mortificação: consequência de abalo na ligação do internado com seu eu civil através de processos de despojamento das instituições.
Erving Goffman, como expoente do interacionismo simbólico durante boa parte da sua carreira, teve notada influência de outros autores representativos dessa corrente. O interacionismo simbólico surgiu pela primeira vez com a Escola de Chicago na década de 1920, com a criação do termo atribuída a Herbert Blumer, um sociólogo americano que contribuiu com grande parte dos fundamentos dessa disciplina baseado nos estudos de George Herbert Mead, professor da Universidade de Chicago. Suas principais áreas de estudo foram o relacionamento do indivíduo com sua comunidade, a ecologia humana e a importância da interpretação nas comunicações humanas.
A principal contribuição de Goffman no campo se baseia, sobretudo, na interpretação das pessoas como atores, com suas ações sendo interpretadas através das interações com os outros atores. Ou seja, os indivíduos se percebem e são percebidos, principalmente, através dessas relações dialógicas. Goffman é, usualmente, apontado também para uma análise do interacionismo simbólico na vida cotidiana, além de aprofundar a ideia de que o conjunto de ações e interações é o que forma as sociedades humanas e de tratar temas como o estigma, o qual é foco neste guia de leitura.
Goffman propõe a observação da vida enclausurada dos internos, assumindo que as peculiaridades relativas a tal enclausuramento condicionam mudanças significativas nesses indivíduos, chamando as instituições totais de estufas que transformam pessoas.
O autor também chama à atenção, logo no início do texto, o fato de que todas instituições (totais ou não), apresentam algum nível particular de fechamento, de modo que é de interesse da pesquisa analisar, em última instância, em que medida as instituições totais se diferem, em nível de rigor de isolamento do indivíduo com o mundo externo, das demais.
Goffman busca compreender como os internados lidam com as condições impostas nas instituições totais, sobretudo a nível de relações sociais e construção de identidade sob tais regras de enclausuramento. De acordo com a própria introdução de Manicômios, prisões e conventos: (...) todos (os capítulos) procuraram focalizar o mesmo problema - a situação do internado. (p.12), o que evidencia o objetivo central da obra. Entretanto, para além disso, o desenvolvimento das descrições das categorias institucionais e das práticas adotadas nestas e, ao descrever as funções e relações sociais que envolvem também outros elementos, como por exemplo a equipe dirigente, mostra que o autor se preocupa em pesquisar e explicar todo o contexto que circunda o internado e suas interações.
Instituições totais (como manicômios, prisões e conventos), com foco amostral em pesquisa realizada no Hospital St. Elizabeths, em Washington, D.C, Estados Unidos, entre os anos de 1955 e 1956.
Goffman observa que certos mecanismos de estruturação das instituições determinam as suas condições de instituição total e acarretam consequências na formação do self (eu) do indivíduo enclausurado. Os indivíduos livres interagem nas mais diversas condições em sua vida, em diferentes lugares, interações sociais com inúmeros atores e sob diferentes instâncias de autoridade sem um plano racional geral, ao passo que, o internado em uma instituição total, se submete a interações em um mesmo lugar, com um mesmo grupo de pessoas e condicionado a autoridade, regras e obrigações regularmente impostas, o que configura o fechamento.
Esse caráter total da instituição tem efeitos transformativos sob o indivíduo na medida em que altera a autoimagem do self (eu) do internado e condiciona o seu papel social. Goffman observa tais efeitos sob os internados sobretudo na pesquisa no hospital para doentes mentais, detalhando o processo no que chama de o mundo do internado.
É notado pelo autor que, ao chegar no hospital, o indivíduo passa por uma mortificação do eu que suprime a concepção de si mesmo e a cultura aparente, anteriormente adquiridas na vida familiar e civil do indivíduos. concomitantemente, os internos passam por uma reorganização reestruturação do self (eu) e que garantem um sistema de privilégios. As regras e obrigações impostas pela instituição, se bem aceitas, permitem recompensas e privilégios ou, caso contrário, submetem os internos a suspensão de privilégios ou castigos.
Mesmo não sendo o ponto central da pesquisa, Goffman também observa os efeitos das instituições totais e das interações dos internos sob a equipe dirigente. É observado na obra que há uma distância social entre os internos e a equipe dirigente, notado por uma interação limitada aos padrões de deferências que são impostos de maneira normativa, com exigências específicas e punições para as infrações. No entanto, é observado que há relações sociais inciadas por ambas as partes de forma ilícita e pessoal ou solidária quando existe um compromisso conjunto em relação à instituição, quando do contexto de rotina da instituição e do que a obra chama de cerimônias institucionais. Tais cerimônias surgem como possibilidade ao internado de reeducação das atividades socializantes similares àquelas de fora das paredes da instituição total. Nesses casos, é notado que a equipe dirigente extrapola o papel normativo e as interações se dão de maneira menos encenada, sobretudo quando os indivíduos da interação comungam valores culturais ou comunitários que extrapolam os limites institucionais.
Internados nas instituições totais; equipe dirigente das instituições totais; relações sociais entre internados e entre equipe dirigente.
As instituições totais e os indivíduos que as compõem, internados e equipe dirigente, especialmente os 7000 pacientes do Hospital St. Elizabeths.
Pesquisa etnográfica no Hospital St. Elizabeths, em Washington, D.C, Estados Unidos, realizada entre os anos de 1955 e 1956, além de análise documental que trata do tema em estudo.
Em Manicômios, prisões e conventos, Erving Goffman, sobretudo através da observação realizada no Hospital St Elizabeths, nota que todo novo interno, ao ser admitido na instituição total, é submetido a uma série de rituais, chamados aqui de cerimônias de admissão, e condicionado a procedimentos que objetivam mitigar a expressão de sua individualidade, suas vinculaões com o além muros das instituições que envolve sua memória e em última instância as suas vontades.
A absorção pela instituição provocaria a despersonalização, a degradação da identidade pessoal e a perda de autonomia. Alienados, reduzidos a meros números, considerados renascidos ou rebatizados, os internos vão assumindo, durante sua estadia nas instituições totais, vinculação extremamente dependente desses espaços e da equipe dirigente, dificultando sua adaptação na vida fora das paredes.
Os ataques ao eu (self) são intensificados através do despojamento do seu papel na vida civil afastando o interno do contato com o mundo para além dos muros da instituição total, do enquadramento imposto pelas regras de conduta das instituições, do despojamento de bens que o desloca, de sua identidade desenvolvida no mundo exterior, e da exposição contaminadora que viola a intimidade e reserva do indivíduo, objetificando-o e eliminando sua subjetividade. Essas violências causam o desequilíbrio do eu (self), limitando a autonomia e a identidade do internado.
Ao ser admitido, o internado passa por rituais de renascimento desenvolvendo sua adaptação através de ajustamentos primários, quando exerce de maneira cooperativa as atividades definidas pela instituição, ou através de ajustamentos secundários, quando são utilizados artifícios ilícitos para obtenção de satisfações proibidas, driblando os limites impostos pelas instituições totais. Goffman observa também a adoção de táticas de adaptação, que são as respostas do interno às regras impostas pela instituição, desenvolvidas considerando os ajustamentos primários, secundários ou da combinação de ambos durante a estadia do interno.
De acordo com o autor esses mecanismos de mortificação do eu e de renascimento causam no indivíduo a sensação de derrota ou fracasso, a sensação de tempo perdido, mas que condiciona o internado a cumprimento na expectativa de possível retorno ao mundo externo que, usualmente, não se cumpre.
Na Introdução e no capítulo As características das instituições totais de Manicômios, prisões e conventos, Erving Goffman desenvolve uma análise que nos parece muito humana de pessoas geralmente marginalizadas na própria condição de enclausurados em instituições totais, não sem antes definir os parâmetros de tais instituições de maneira muito clara: a obra é didática e inicia o leitor de maneira muito prática no tema abordado. As considerações sobre as estratégias para adaptação à realidade de interno e para superação dos limites impostos pelo fechamento aproximam esses indivíduos da pessoa normal, uma vez que as condições clínicas não são as únicas que podem afastar um indivíduo do mundo externo e leva-lo ao confinamento.
Ao mesmo tempo, a uniformidade que aproxima o leitor nos parece também ser a mesma que levanta curiosidades sobre os perfis, que imaginamos serem diversos, dos indivíduos enclausurados. Se a ideia em si do confinamento em instituições totais demonstrada pela obra já remete à negação do eu (self) e a evitabilidade do desenvolvimento da individualidade, é certo que os mais diversos pacientes dentre os 7000 presentes nos hospital observado apresentam características demográficas das mais variadas, de modo que se há uma curiosidade não satisfeita no fragmento da obra proposto a ser debatido neste guia, é o de maiores detalhes dos indivíduos e grupos componentes do estudo.
Referências Bibliográficas:
BENELLI, SJ. Goffman e as instituições totais em análise. In: A lógica da internação: instituições totais e disciplinares (des)educativas [online]. São Paulo: Editora UNESP, 2014, pp. 23-62. Acessado em Fev. de 2022.
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. Ed. Perspectiva. São Paulo. 1974. - Introdução e Cap. As características das instituições totais.