Sabe-se que a Constituição Federal passou por diversas reformas, ocasionando mudanças na concessão de benefícios, no cálculo dos proventos e, até mesmo, na participação e vinculação dos servidores no RPPS.
O artigo 40 da Constituição Federal, em sua redação original, tratava de forma simplificada a aposentadoria dos servidores públicos, não diferenciando os servidores efetivos, celetistas ou, até mesmo, ocupantes de cargos temporários ou em comissão.
Além disso, o texto constitucional fazia garantias aos servidores públicos que certamente ensejavam desequilíbrio financeiro e atuarial, além de permitir aposentadorias precoces e em valores, às vezes, muito superiores do que a própria contribuição do segurado contemplado.
O texto permitia, por exemplo, aposentadoria por tempo de serviço, sem comprovação de contribuição, com utilização de tempo fictício, sem o requisito de idade mínima ou tempo mínimo no serviço público, sendo possível que um servidor nomeado no cargo em comissão há apenas 01 (um) ano, obtivesse aposentadoria do RPPS, com proventos integrais, correspondentes à sua última remuneração, com direito à equiparação de seus proventos de aposentadoria com a remuneração dos servidores em atividade (paridade e extensão de vantagens).
Por esta razão, a Emenda Constitucional n.º 20, de 16 de dezembro de 1998, inseriu no artigo 40 da Constituição Federal premissas relevantes para a manutenção do RPPS, ficando o texto da constituição com a seguinte redação:
Art. 40 - Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
Foram incluídas no texto constitucional palavras importantes como caráter contributivo e equilíbrio financeiro e atuarial.
A partir daquela emenda, somente os servidores titulares de cargo efetivo continuaram vinculados ao RPPS e poderiam utilizar as regras do artigo 40 da Constituição.
Aliás, as regras também foram alteradas e foram incluídos requisitos como tempo no cargo em que se dará a aposentadoria, tempo de serviço público, além de exigência de idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição, em clara e inequívoca preocupação com o equilíbrio financeiro e atuarial.
Contudo, a reforma ainda manteve o antigo cálculo das aposentadorias pela última remuneração, com direito à paridade e extensão de vantagens.
Isso significa que um benefício concedido naquela época, além de ter sido calculado pela última remuneração (mesmo que a contribuição do segurado durante toda a atividade tenha sido inferior), manteve a possibilidade de ter seus proventos reajustados e alterados com base no aumento da remuneração dos servidores em atividade.
Sem dúvida, esta forma de cálculo prejudicava o sistema atuarial e financeiro do RPPS, pois um servidor que se aposentou com determinado valor, correspondente à sua última remuneração na atividade, poderia ter aumento ilimitado de proventos, sem a devida contribuição previdenciária, fundamentado apenas no aumento da remuneração dos servidores em atividade.
Sempre buscando o equilíbrio financeiro e atuarial, aprovou-se a Emenda Constitucional n.º 41, de 31 de dezembro de 2003, que novamente alterou o artigo 40 da Constituição Federal, acrescentando a contribuição do ente federativo, dos aposentados e pensionistas e o caráter solidário da previdência.
Quanto aos benefícios previdenciários, a EC 41 deu nova redação ao §3º do artigo 40 da Constituição Federal alterando a forma de cálculo dos proventos da aposentadoria para a média das contribuições do segurado, com garantia de reajuste anual de acordo com a variação da inflação no período.
A partir daí os benefícios previdenciários passaram a ser calculados pela média de remuneração, equivalente a 80% das maiores contribuições do segurado, desde julho de 1994, corrigidas pelos mesmos índices utilizados nas tabelas do RGPS, nos termos da Lei Federal n.º 10.887/04.
Além disso, o reajuste dos benefícios ficou vinculado ao mesmo índice adotado no RGPS, não sendo mais garantida a paridade e extensão de vantagens.
Diante das diversas alterações na concessão dos benefícios, as Emendas Constitucionais n.º 20, 41 e 47 criaram regras de transição para os servidores que passaram pelas reformas constitucionais, permitindo a eles regras menos rigorosas do que as novas, tratadas no artigo 40 da Constituição.
Diversas dúvidas surgiram na utilização destas regras de transição, posto que o texto constitucional é frágil e despertou diversas interpretações quanto ao correto destinatário destas regras de transição, permitindo a utilização destas regras por qualquer servidor público que cumprir a literalidade do texto constitucional.
No entanto, é importante entendermos o contexto e as regras de transição para dar-lhes a correta interpretação e permitir sua utilização somente pelos servidores autorizados pela constituição.
É imperativo compreendermos, e acreditamos que não há nenhuma contrariedade nisso, que as regras de transição foram elaboradas, logicamente, para utilização pelos servidores que passaram pela mudança das regras para aposentadoria. Neste contexto, é fácil compreender que as regras de transição só podem e devem ser aplicadas aos servidores que possuíam expectativa de direito de aposentar-se pela regra anterior para a aposentadoria e foram atingidos pelas reformas constitucionais.
Por isso, acertadamente, a Orientação Normativa do Ministério da Previdência Social n.º 02/2009, previu no artigo 70:
Art. 70. Na fixação da data de ingresso no serviço público, para fins de verificação do direito de opção pelas regras de que tratam os arts. 68 e 69, quando o servidor tiver ocupado, sem interrupção, sucessivos cargos na Administração Pública direta, autárquica e fundacional, em qualquer dos entes federativos, será considerada a data da investidura mais remota dentre as ininterruptas. (Redação dada pela Orientação Normativa SPS nº 03, de 04/05/2009)
O referido dispositivo, orienta que as regras de transição somente podem ser asseguradas aos servidores que ingressaram no serviço público antes das reformas constitucionais e, sem interrupção, permaneceram vinculados à Administração Pública, ainda que em sucessivos cargos.
Evidentemente que, em que pese o texto das regras de transição não prever a necessidade de ininterrupção, teleologicamente, entendendo o propósito da norma, a regra de transição não deve ser aplicada aos servidores que interromperam sua atividade no serviço público e retornaram após as referidas reformas constitucionais.
Nesse aspecto, ainda que tenham transitado pelas reformas constitucionais, ao sair do serviço público, perderam a expectativa de direito na aplicação das regras transitórias, sendo que, após o retorno à função pública posterior as reformas constitucionais, podem utilizar apenas as regras novas.
Eis o texto do caput das regras de transição em vigor:
Art. 2º Observado o disposto no art. 4º da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, é assegurado o direito de opção pela aposentadoria voluntária com proventos calculados de acordo com o art. 40, §§ 3º e 17, da Constituição Federal, àquele que tenha ingressado regularmente em cargo efetivo na Administração Pública direta, autárquica e fundacional, até a data de publicação daquela Emenda, quando o servidor, cumulativamente: (EC 41)
Art. 6º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelo art. 2º desta Emenda, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até a data de publicação desta Emenda poderá aposentar-se com proventos integrais, que corresponderão à totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, na forma da lei, quando, observadas as reduções de idade e tempo de contribuição contidas no § 5º do art. 40 da Constituição Federal, vier a preencher, cumulativamente, as seguintes condições: (EC 41)
Art. 3º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelos arts. 2º e 6º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até 16 de dezembro de 1998 poderá aposentar-se com proventos integrais, desde que preencha, cumulativamente, as seguintes condições: (EC 47)
De fato, percebe-se que nenhum dos dispositivos constitucionais exigiram textualmente a necessidade de ininterrupção do vínculo no serviço público após a data indicada em cada dispositivo, mas, nos termos do art. 70 da ON MPS n.º 02/2009, adequada às corretas aplicações da hermenêutica jurídica, é mister exigirmos que o servidor tenha ingressado no serviço público na data indicada no caput de cada dispositivo e nele tenha permanecido, sem interrupção.
Superado o entendimento quanto a exigência de ininterrupção do vínculo com a Administração, orientação esta já adotada por diversos regimes previdenciários no país, cabe-nos elucidar importante questão relacionada ao tipo de vinculação do servidor à administração para garantia da utilização das regras de transição.
Nota-se que a regra prevista no artigo 2º da EC 41, exige ingresso no cargo efetivo, enquanto as regras previstas nos artigos 6º da EC 41 e 3º da EC 47, contém a expressão ingresso no serviço público. Os textos constitucionais confundem os gestores de RPPS, servidores, membros do poder judiciários e dos tribunais de contas, pela ausência de critério, clareza e vinculação com a finalidade das normativas transitórias.
Por isso, encontramos entendimento de que quando o texto exige ingresso no serviço público, nas hipóteses do artigo 6º da EC 41 e do artigo 3º da EC 47, permite a qualquer servidor que tenha ingressado no serviço público, sem interrupção, na data indicada na respectiva regra, a utilização da regra de transição, independentemente do vínculo celetista, comissionado, com empresas públicas ou sociedades de economia mista.
Segundo os intérpretes desta corrente, não caberia aos aplicadores do direito criar requisito que a norma não possui, sendo que as referidas regras, ao prever ingresso no serviço público, permite a qualquer servidor a sua utilização.
Outra corrente, fundada na expressão ressalvado o direito de opção (...) pelas regras estabelecidas pelos arts. 2º, contida no caput dos dispositivos, asseveram que o artigo 2º da EC 41 exige ingresso no cargo efetivo e, portanto, a ressalva pela utilização de regra destinada a servidores titulares de cargo efetivo, impõe a interpretação de que o ingresso para utilização da respectiva regra tem que ser no cargo efetivo.
O duelo entre as concorrentes perpetua, ao nosso ver, pela ausência de profundidade na interpretação das normas. Primeiro porque o fato de haver ressalva ao direito de opção pela regra do artigo 2º da EC 41, não impõe a interpretação de que aquele dispositivo só se aplica aos servidores efetivos.
No texto do artigo 6º da EC 41, também há ressalva pelo direito de optar pela regra do artigo 2º da EC 41, mas, enquanto este exige ingresso até 16/12/1998, aquele exige ingresso até 31/12/2003. Se compactuarmos com o entendimento de que a referencia ao artigo 2º, no texto da regra de transição, impõe a interpretação de que o servidor deveria possuir cargo efetivo, também teríamos que interpretar que a regra de transição do artigo 6º impunha ingresso em 16/12/1998 e não 31/12/2003, como claramente previsto na norma.
Por outro lado, a interpretação simplista de que não cabe ao aplicador do direito criar requisito que a norma não possui, padece de fundamento jurídico, previdenciário e da sistemática das regras de transição.
Como vimos, ainda que os textos das regras de transição não prevejam expressamente a necessidade de ininterrupção, pelo propósito de existência da regra, a exigência restou pacificada e, inclusive, orientada pelo ministério da previdência. Afirmamos, nesse aspecto, que a regra de transição para aposentadoria tem como afinco assegurar aos servidores que detinham expectativa de direito na aposentadoria pela regra antiga e foram atingidos pelas reformas, assegurando a eles regras menos rígidas que as novas regras constitucionais.
Portanto, estar na transição e possuir expectativa de direito é requisito intrínseco para utilização das regras de transição, a exemplo da exigência da ausência de interrupção do vínculo mencionada acima.
Nesse sentido, cumpre-nos analisar detalhadamente a situação dos servidores públicos no momento da reforma constitucional, para assegurar-lhes ou não o direito de utilização da regra de transição.
Com efeito, para utilização da regra de transição do artigo 2º da EC 41, não há dúvidas, inclusive pelo texto constitucional, de que a exigência é de ingresso no cargo efetivo antes de 16 de dezembro de 1998, restando a análise quanto as exigências das regras de transição do artigo 6º da EC 41 e artigo 3º da EC 47.
Como vimos, o artigo 6º da EC 41 exige ingresso no serviço público até 31 de dezembro de 2003, data da aprovação da referida emenda. Em que pese o texto da regra constitucional de transição, é importante entendermos que os servidores que não detinham cargo efetivo na data da promulgação da EC 20, em 16 de dezembro de 1998, não puderam manter o vínculo com o regime próprio de previdência, perdendo qualquer expectativa de aposentar-se pela regra do artigo 40 da Constituição.
Desta forma, podemos afirmar que o servidor não efetivo, na data da publicação da Emenda Constitucional n.º 41, não possuía expectativa de direito para a aposentadoria do servidor público e, sequer, estava vinculado ao regime próprio de previdência, razão pela qual a mudança realizada no sistema previdenciário pela referida emenda atingiu somente os servidores efetivos.
Nesse sentido, se não havia expectativa antes da referida emenda constitucional, não nos parece coerente garantir a regra de transição para estes servidores. Em outras palavras, permitir a utilização da regra de transição do artigo 6º da EC 41 aos servidores não ocupantes de cargo efetivo, é criar regra de transição para quem não passou por qualquer transição.
Por isso, compactuamos do entendimento de que a regra de transição do artigo 6º da EC 41 só pode ser aplicada aos servidores que, na data da publicação daquela emenda, eram titulares de cargo efetivo.
Quanto à regra de transição do artigo 3º da EC 47, que exige ingresso no serviço público antes de 16 de dezembro de 1998, é importante salientarmos que à primeira vista poder-se-ia interpretar que o direito a esta regra de transição se aplica a todos os servidores, ainda que não fossem titulares de cargo efetivo, posto que somente após esta data, com a edição da EC 20, é que se exigiu tal situação para vinculação do RPPS Regime Próprio de Previdência Social.
Nota-se que antes de 16 de dezembro de 1998, todos os servidores, comissionados ou celetistas, poderiam utilizar a regra do artigo 40 da Constituição e, portanto, possuíam expectativa de direito antes da reforma constitucional.
Contudo, a EC 20 obrigou esses servidores a deixar o regime próprio de previdência, sendo eles vinculados, obrigatoriamente, ao regime geral, ante a nova redação do caput do artigo 40 que exigiu a titularidade de cargo efetivo.
Isso significa que embora tivessem expectativa de direito e passaram pela mudança constitucional, no dia seguinte a ela (17/12/1998), saíram do regime próprio de previdência, interrompendo o vínculo com o RPPS e perdendo a expectativa de direito.
Nesse sentido, também não nos parece razoável assegurar ao servidor público que ingressou no serviço público antes de 16 de dezembro de 1998 a regra do artigo 3º da EC 47, se em 17 de dezembro de 1998 já não estava vinculado ao RPPS e não possuía expectativa de direito de utilização da regra do artigo 40 da Constituição.
Portanto, a regra do artigo 3º da EC 47, em que pese não constar texto expresso nesse sentido, também possuí intrinsecamente o requisito de ingresso no cargo efetivo antes de 16 de dezembro de 1998, não podendo ser aplicada aos demais servidores que não possuíam cargo efetivo nesta data.
É evidente que se o servidor, não ocupante de cargo efetivo, completou os requisitos antes da referida data, possuirá direito adquirido pela aposentadoria com fundamento na redação original do artigo 40 da Constituição Federal. Contudo, se não tinha completado os requisitos até a data da publicação da EC 20, o mesmo foi obrigatoriamente desvinculado do RPPS, perdendo a expectativa de direito, não podendo mais fazer jus à esta regra de transição.
Portanto, não que haja clareza no texto constitucional, mas pelo silogismo lógico do direito e finalidade das regras de transição, para o servidor fazer jus as regras previstas nas emendas constitucionais, o mesmo deverá ter ingressado em cargo efetivo até a data indicada no respectivo dispositivo.
Não podemos nos desvincilhar que essas aludidas regras não devem funcionar como uma segunda ou terceira opção de aposentadoria por tempo de contribuição, posto que há somente uma regra permanente de aposentadoria (art 40, § 1º, III, a, CF), razão pela qual elas devem ser asseguradas somente como regra de transição e aos servidores que efetivamente passaram pela transição constitucional.
Acrescenta-se que a revogada regra de transição do artigo 8º da EC 20, mesmo sendo aprovada na primeira reforma constitucional previdenciária, quando o texto do artigo 40 passou a exigir a titularidade de cargo efetivo, exigiu corretamente este requisito, ainda que até a data da publicação daquela emenda todos os demais servidores poderiam estar vinculados ao RPPS.